"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 21/12/07

Cuidado, o teu celular te vigia


Graças à telefonia celular de última geração qualquer pessoa pode ser localizada por outra. Potencialmente todos se transformam em detetives. Do visor do celular ou da tela do computador se pode saber exatamente onde se encontra a sua mulher, os seus filhos quando saem de casa ou o trajeto de um familiar durante um passeio. A reportagem é do El País, 11-12-2007, sobre o serviço disponibilizado pela espanhola Movistar. A tradução é do Cepat.

Tudo pode estar sendo monitorado. A violência doméstica, enfermos de Alzheimer ou uma frota de veículos de uma empresa, até mesmo um mascote – tudo pode ser localizado. Poder ser localizado ou localizar, essa é a questão. Porque, se por um lado o Grande Irmão celular oferece serviços inócuos, por outro apresenta vantagens como acompanhar um enfermo de Alzheimer ou uma pessoa perdida.

O serviço Localize-me da Movistar é um sistema de localização, mas não é universal, explicam fontes da empresa, ou seja, localiza apenas quem permite ser localizado. Essa permissão é solicitada expressamente à pessoa cujo rastro pode ser seguido.

Mas a inscrição do serviço é automática desde o momento em que se realiza uma chamada do número a ser localizado, independente de quem se coloque em contato com a Movistar. A empresa não registra e nem identifica a pessoa que o ativa. Pode fazê-lo um noivo zeloso desde o celular de sua noiva; um cônjuge que suspeita de uma infidelidade ou um pai que anda desconfiado de sua filha ou filho. A empresa não pergunta o motivo do cadastro.

Nesse caso, o único conhecimento dado ao titular do celular será um SMS [mensagem] mensal da Movistar com a lista de celulares que podem ser seguidos. O dispositivo situa o celular – a pessoa – seguido num mapa que aparece no visor do celular controlador com uma margem de erro de 200 metros em uma cidade de 5 km numa área rural. Para maior salvaguarda da intimidade, insiste a companhia, o serviço pode ser desativado toda vez que se queira. Quando o celular está desligado também não funciona.

Maria utiliza o sistema de localização com seus filhos quando estes saem de passeio, assim diz ela, checa que “se estão onde dizem estar”. Teresa não deixa a sua filha de 15 anos sair de casa sem um celular com localizador A-GPS. “Me sinto mais tranqüila”, diz Teresa, “sobretudo quando a filha vai a alguma festa e retorna de madrugada”.

Os psicólogos consideram normal este comportamento na relação paterno-filial, inclusive na fase da adolescência que se caracteriza pela rebeldia e uma crescente autonomia. “Sempre de deve evitar excessos, mas os pais têm a obrigação de controlar os seus filhos, de velar por sua integridade e segurança e, podemos supor que o seu uso não será abusivo”, destaca Francisco Estupiñá, da Clinica Universitária de Psicologia de Madri.

Enrique García Huete, diretor da Quality Psicólogos, opina que “em mãos de pessoas com patologia de desconfiança, paranóia, zelo obsessivo, se torna um elemento a mais de controle. Antes se revistavam os bolsos ou a agenda ou ainda se interceptava a correspondência. Os celulares se somam a essa lógica, sem falar no e-mail e na Internet”.

O psicólogo alerta para o risco do controle do outro se tornar compulsivo. Destaca ainda que analiticamente falando é que para além de vigiar, “todos podemos ser vigiados”. García Huete afirma que “se abre um mundo de controle interpessoal em que não apenas se controla, mas em que também se é controlado”.

“A tecnologia é uma ferramenta, um meio”, tranqüiliza Ignácio Fernández Arias, da Unidade de Psicologia Clínica e de Saúde da Universidade Complutense de Madri. “Temos casos de pais e casais que utilizam o celular continuamente, chegando a um controle compulsivo. São pessoas com baixa tolerância à dúvida, mas o celular e o localizador não são em absoluto o núcleo do problema, mas sim uma ferramenta através da qual esta pode se manifestar. Estamos em uma sociedade tecnológica e também nos manifestamos através dela”, explica Fernández Arias. Ou seja, “a tecnologia não é determinante, pode influir, mas não é quem detona o problema das pessoas, a tecnologia apenas as colocam em contato com uma realidade que imaginam ou suspeitam”.

O alto custo dos sistemas mais avançados – 400 euros o Aryon ou 150 o Navento – dissuadem a muitos de o utilizarem. “Ainda é raro o acesso ao serviço individual, ainda que para muitos pais lhes resulte aceitável quando conhecem o seu funcionamento”, destaca Joaquín Gonzáles, diretor geral da Deimos Dat, empresa fabricante do Aryon, “entretanto, na área profissional os custos não são um empecilho”.

Quem utiliza o serviço é o Instituto de Idosos e Serviços Sociais (IMSERSO) que presta assistência aos casos de violência doméstica. Desde a sua implantação, em 2005, um total de 12 mil mulheres tem se servido dele, tanto do seu sinal de alarme – que mobiliza na hora as forças de segurança mais próxima -, como do modo de consulta dos psicólogos do Centro. Esta proteção custa ao Estado seis milhões de euros anuais.

Há testemunhos entusiastas do localizador. “Um dia perdi minha mochila em um vôo à Argentina que acabou na África do Sul. Depois perdi meu cachorro. Por isso me animei a utilizar o Navento. Hoje eu o levo no bolso, se me roubam ou perco, logo fico sabendo onde está. E quando viajo de avião com conexões, controlo desde o visor do celular onde está a mala através dos mapas do Google Earth”. “Saber a todo o momento onde estão as pessoas e as coisas que você gosta, é fenomenal”, diz Teresa. “O futuro de nossa vida cotidiana é o celular que já está generalizado, apenas nos falta instalar os sistemas de localização que melhoram sensivelmente a qualidade de vida”.

Os defensores do sistema argumentam utilizando o exemplo do caso Maddie que poderia ter salvado a sua vida caso pudesse ter sido encontrada depois de um acidente, uma vez que se demoraram horas para encontrá-la. E rebatem o fato de que um localizador seja intrinsecamente ruim, mas sem sombra de dúvidas, aquilo que impulsiona muitos a utilizarem, projeta-se também sobre uma intimidade cada vez mais vulnerável.

Instituto Humanitas Unisinos - 21/12/07

Os zumbis da guerra esquecidos pelos EUA. As grandes potências não têm amigos, têm somente interesses

Na selva do Laos vivem como animais acuados os ex-auxiliares pagos pela Cia nos anos 1960. Washington os abandonou à extinção com crianças e famílias. O regime comunista lhes dá caça. A reportagem é de Vittorio Zucconi e publicada pelo jornal La Repubblica, 18-12-2007.

Eis o artigo.

São o exército dos zumbis esquecidos pela história, os restos de outro naufrágio bélico, criados e depois abandonados pelos impérios que os usam e os abandonam quando não servem mais. No coração mais profundo da selva indo-chinesa, na várzea do Laos junto ao Mekong, fazendo imediatamente ‘Apocalypse Now’, sobrevive um bando de irregulares do povo Hmong que a Cia recrutou nos anos 1960 como auxiliares na guerra do Vietnã e que Washington agora ignora. Abandonou-os à extinção junto com suas crianças e à lenta e cruel caça ao homem que o governo comunista da capital Vientiane conduz para eliminar também este último vestígio de uma guerra que todos, vencedores e vencidos, gostariam de esquecer.

Seguiu-lhes o rastro um enviado do New York Times, seguindo por dias e dias as veredas que os homens da Cia haviam traçado para alcançá-los, armá-los e mobilizá-los na guerra secreta que Washington conduzia contra os comunistas do Pathet Laos, os Vietcong e os Norte-Vietnamitas que, a partir daquelas montanhas, transitavam para reabastecer a guerrilha vermelha no Sul, ao longo da Vereda de Ho Chi Minh.

Por conta da Cia, sem que o Congresso ou a nação americana soubesse de nada, os Hmong do Laos controlavam bases aéreas, articulações viárias e aldeias às ordens de um “senhor da guerra” local, o autodenominado general Van Pao, com o dinheiro e as costumeiras promessas das potências coloniais, quando necessitam de tribos locais para sustentar suas batalhas. Mas, 30 anos após a fuga americana da Indochina e a vitória dos comunistas no Vietnã e no Laos, hoje, junto com a grande China, tornados amigos e parceiros daqueles EUA que haviam em vão procurado exterminá-los, estes poucos milhares de irredutíveis, que escolheram permanecer refugiados na selva, ou não conseguiram juntar-se aos 300 mil Hmong refugiados na América, morrem a lenta morte dos soldados japoneses abandonados nas Filipinas ou na Nova Guiné, após a rendição de Tóquio.

Muitos deles, e todos aqueles que têm menos de 40 anos, jamais haviam visto um “branco”, e um americano, desde quando “Mister Tony”, como era chamado o funcionário da Cia que os controlava, os havia deixado ao voltar para casa.

Desta tribo perdida se conhecia a existência através das investigações da Anistia Internacional e dos relatórios de Médicos Sem Fronteiras, que visitavam e cuidavam daqueles que conseguiam atravessar a fronteira com a Tailândia e refugiar-se nos esquálidos acampamentos onde a ONU e o governo tailandês, agora em ótimas relações com o Laos comunista, os acolhia de má vontade.

Quando o enviado americano os alcançou, ele conta ter assistido a cenas de entusiasmo lancinante, como se ele, um simples jornalista corajoso, fosse o sinal que a ingrata mãe América retornara para resgatá-los e levá-los embora, para os “paraísos” da Califórnia, onde vive a maior parte dos prófugos Hmong. Pelo menos para fazer voltar aqueles bimotores DC3 da Air America, a linha aérea da Cia, que descarregavam sobre as pistas entre as montanhas, hoje devoradas pela selva, comida, roupas, armas e medicamentos.

Esperarão bastante, porque estes dois mil zumbis de uma guerra que ninguém mais tem interesse em ressuscitar, agora que entre os Estados Unidos, a China, o Vietnam, Laos, Camboja e Tailândia se combate a golpes de comércio de brinquedos e de calçados fabricados com salários de fome, eles são um embaraço para todos. Os Hmong emigrados para a Califórnia, onde fatigosamente procuram integrar suas tradições, como os matrimônios com crianças de menor idade combinados entre famílias, que se chocam com as leis americanas, mantêm algum contato com os parentes do outro lado do Pacífico.

Um dos anciãos da aldeia, Xan Yang – os Hmong são uma população chinesa esparramada entre quatro nações vizinhas – diz que umas poucas vezes por ano consegue chegar clandestinamente a um telefone público numa aldeia e falar com a filha, que trabalha como distribuidora de correio em Fresno, na Califórnia, para solicitar-lhe que envie algum dinheiro. Coisa que a filha faz, sofrendo as chantagens e os gravames dos “muambeiros” que embolsam a metade das pequenas somas que ela envia.

São poucas centenas, estes guerreiros esquecidos sem esperança de serem jamais retirados de sua existência mantida pela caridade do arroz oferecido, com grave risco, pelas aldeias vizinhas, pelas batatas doces selvagens, pelos animaizinhos da floresta que caçam com arcos e flechas, reservando os poucos fuzis para os confrontos com o exército regular do Laos que realiza periódicas incursões, mais para atormentá-los do que para eliminá-los. Poucos dias antes da chegada do jornalista, fora sepultado um menino de cinco anos, na fossa de terra removida ainda fofa e muitas crianças trazem as cicatrizes de golpes de arma de fogo e de estilhaços, de fragmentos metálicos dos tiros de morteiro que o exército dispara ao acaso sobre seus acampamentos e suas cabanas.

Ninguém moverá um dedo para salvá-los. O governo americano prefere esquecê-los, como esqueceu os montanheses do Vietnã, os Montagnards que ainda se haviam batido contra os Vietcong com enorme vigor, e recusa reconhecer que eles foram soldados recrutados pela Cia, embora Yang e os velhos ainda recordem muito bem os códigos, as palavras de ordem, as instruções passadas por “Mister Tony”, que recitam como preces e jaculatórias a um Deus indiferente.

Para a China e o Vietnã, os dois maiores vizinhos, eles são um transtorno, mas bem menor em relação à chaga aberta pelo Tibet. E para as novas leis americanas sobre imigração, o infeliz Patriot Act votado no pânico do pós 11 de setembro, este bando de espectros extenuados e de crianças mal-nutridas são “terroristas”, porque, como adverte a lei, pegaram nas armas para combater como irregulares contra um governo reconhecido. O fato de que tivesse sido a própria América a pagar-lhes, a mobilizá-los e a armá-los contra um governo reconhecido, e por conseguinte, a fazer deles terroristas, não perturba Washington. As grandes potências, ensina a história, não têm amigos, têm somente interesses.

Instituto Humanitas Unisinos - 21/12/07

As lições dos enxames. O que as formigas e os gafanhotos têm a nos ensinar


Estudos do biólogo inglês Iain D. Couzin com enxames de diversas espécies revela que animais relativamente simples formam um cérebro coletivo capaz de tomar decisões e de se moverem com um único organismo. A matéria é do jornal El País, 12-12-2007. A tradução é do Cepat.

Se alguma vez você observou as formigas entrando e saindo de um formigueiro, talvez lembre uma rodovia engarrafada. Para Iain D. Couzin esta comparação é um cruel insulto... para as formigas. A população dos países desenvolvidos [nós também – NT do tradutor] passam muitas horas por ano presos no trânsito, mas nós nunca vemos as formigas em uma engarrafamento.

As formigas soldado, às que Couzin observou durante muito tempo no Panamá, movem-se muito bem especialmente em grandes concentrações. Se precisam atravessar a uma depressão do terreno, constroem pontes para poder avançar o mais rápido possível.

“Constroem as pontes com os seus corpos vivos”, explica Couzin, biólogo matemático da Universidade de Oxford. “Constroem quando necessitam e desfazem quando não utilizam mais”. Com o estudo das formigas soldado – assim como de pássaros, peixes, gafanhotos e outros animais gregários -, Couzin e seus colaboradores estão começando a descobrir normas simples que permitem aos formigueiros funcionar muito bem. Essas normas permitem a milhares de animais relativamente simples formar um cérebro coletivo capaz de tomar decisões e de se moverem com um único organismo.

Entretanto, decifrar essas normas supõe todo um desafio, porque o comportamento dos enxames surge de forma imprevisível. “Por mais que observemos apenas uma formiga soldado”, destaca Couzin, “nunca compreenderemos que quando se colocam milhões juntas formas estas pontes e colunas. Não se pode saber”.

Para compreender os formigueiros, Couzin cria modelos no computador de formigueiros virtuais. Cada modelo contém milhares de agentes individuais que ele pode programar para que sigam umas quantas normas simples. Para decidir quais devem ser essas normas, ele e seus colaboradores se enfiam nas selvas, nos desertos e nos oceanos para observar animais em ação.

Daniel Grunbaum, biólogo matemático da Universidade de Washington, explica que o seu campo está cheio de grandes avanços graças à observação da natureza, na qual se soma o trabalho de Couzin e de tantos outros. “Nos próximos 10 anos acontecerá muito progresso”, Explica que Couzin tem tido um papel importante na hora de relacionar os diferentes tipos de ciência necessários para compreender o comportamento dos animais em grupo. “Tem sido um verdadeiro líder que consegue reunir muitas idéias”, opina Grunbaum.

No caso dos exércitos de formigas, intrigava a Couzin as suas autopistas. O que Couzin queria saber era porque as formigas soldado não entram e saem da colônia em uma massa desorganizada. Para descobrir criou um modelo no computador baseado na biologia básica das formigas.

Para provar este modelo, Couzin e Nigel Franks, especialista em formigas da Universidade de Bristol, Inglaterra, seguiram com uma câmera o rastro de algumas formigas soldado no Panamá. Ao regressar à Inglaterra, repassaram o filme fotograma por fotograma, analisando os movimentos de 226 formigas. “Tudo o que acontece no mundo das formigas acontece em ritmo tão rápido que é muito difícil observar”, comenta Couzin.

Ao final descobriram que as formigas se moviam de modo que permita que todo o formigueiro avance com a maior rapidez possível. Couzin tem ampliado este modelo de formigas a outros animais que se movem em multidões gigantescas, como peixes e pássaros. E no lugar de dedicar-se ele a seguir os animais, criou programas que permitem aos computadores que façam este trabalho.

Os enxames animais podem mudar bruscamente devido a algumas regras simples. Couzin descobriu algumas dessas regras com os gafanhotos quando começam a formar suas devastadoras ‘nuvens’. Os insetos se movem habitualmente de um lado para outro sozinhos, mas às vezes os gafanhotos jovens se unem a enormes ‘nuvens’ que devastam territórios devorando tudo que encontram no caminho. “Por quê de repente a situação se descontrola e esses gafanhotos formam ‘nuvens’ e destroem colheitas?”, pergunta Couzin.

Couzin viajou a zonas remotas da Mauritânia para estudar o comportamento das ‘nuvens de gafanhotos’. De volta à Oxford, ele e seus colaboradores construíram um caminho circular no qual os gafanhotos podiam circular. “Podíamos rastrear o movimento de todos esses insetos cinco vezes por segundo durante oito horas ao dia”, lembra.

Os cientistas descobriram que quando a densidade de gafanhotos chegava a um determinado ponto, os insetos de repente começavam a movimentar-se juntos. Cada gafanhoto procurava ajustar os seus movimentos ao do vizinho. Entretanto, quando os gafanhotos estavam muito separados, esta regra não lhes afetava. Apenas quando tinham ‘vizinhos’ suficientes formavam espontaneamente enormes ‘nuvens’. “Demonstramos que não precisamos ter muitíssimas informações sobre os insetos pra predizer como irão se comportar em um grupo”, disse Couzin em estudo publicado em junho de 2006 na Science.

Porém, entender como os animais se reúnem em grupos e porque o fazem são duas coisas distintas. Em algumas espécies, os animais podem reunir-se para que todo o grupo desfrute de alguma vantagem evolutiva. Todas as formigas soldado de uma coluna, por exemplo, pertencem a uma mesma família. Portanto, se os indivíduos cooperam, seus genes compartilhados e associados em grupo se desenvolverão melhor.

Mas nos desertos de Utah, Couzin e os seus colaboradores descobriram que as colônias gigantescas podem estar compostas por muitos indivíduos egoístas. Às vezes os grilos se reúnem em milhares e avançam em bandos de quase 10 quilômetros. A razão é que quando não encontram sal e proteínas suficientes, se tornam canibais. “Cada grilo é em si uma fonte nutritiva perfeitamente equilibrada”, diz Couzin. “Por isso os grilos tentam atacar os outros indivíduos a cada 17 segundos. Aquele que não se coloca em movimento provavelmente será comido”. Esse movimento coletivo faz que os grilos formem enormes enxames. “Todos esses grilos se vêem obrigados a avançar”, explica Couzin. “Tentam atacar os grilos que estão na frente e evitar ser comidos pelos que estão atrás”.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/12/07

Remessa de lucro e dividendos triplica este ano

O déficit em conta corrente chegou a US$ 1,344 bilhão em novembro, o que representa uma virada em relação ao superávit de US$ 1,394 bilhão observado no mesmo mês de 2006.

O principal fator por trás do resultado negativo foram as fortes remessas de lucros e dividendos ao exterior. A reportagem é do jornal Valor, 20-12-2007.

Em novembro, as empresas estrangeiras mandaram US$ 2,131 bilhões às matrizes, quase o triplo dos US$ 763 milhões de novembro de 2006.

A queda no saldo da balança comercial também contribuiu para o desempenho negativo em conta corrente - o superávit caiu de US$ 3,240 bilhões para US$ 2,027 bilhões entre um período e outro.

Outro item com peso significativo no déficit são as viagens internacionais. O déficit na conta de turismo subiu de US$ 114 milhões para US$ 369 milhões, sempre na comparação entre novembro de 2006 e de 2007.

O Banco Central espera que o resultado negativo em conta corrente se repita em dezembro. Sua projeção é um déficit de US$ 1,850 bilhão.

O déficit em conta corrente de novembro foi amplamente financiado pelos ingressos de capitais no mês, que somaram US$ 7,867 bilhões.

Ainda houve espaço para que o BC absorvesse US$ 5,698 bilhões nas suas intervenções no mercado de câmbio.

Em novembro, houve ingresso expressivo de investimentos estrangeiros diretos, que somaram US$ 2,530 bilhões. Mas também foi registrado um forte fluxo de investimentos brasileiros no exterior - chegaram a US$ 2,439 bilhões, incluindo a aquisição da da siderúrgica americana MacSteel pela Gerdau.

Os dados parciais de dezembro indicam um superávit de US$ 6,865 bilhões no mercado de câmbio, nos números coletados até o dia 18.

O principal destaque são os ingressos de investimentos no mercado acionário, que somam US$ 8,190 bilhões, puxados pelas operações de abertura de capital na Bolsa de Valores.

Os investimentos estrangeiros diretos somam US$ 500 milhões no período, e a expectativa do BC é que cheguem a US$ 1,3 bilhão até o fim do mês. As empresas estão rolando 89% dos empréstimos diretos e títulos vencidos em dezembro.

Os bancos ficaram com a maior parte do superávit do mercado de câmbio, absorvendo US$ 5,323 bilhões. A posição comprada em câmbio das instituições financeiras aumentou de US$ 3,804 bilhões para US$ 9,127 bilhões. O BC comprou cerca de US$ 1,5 bilhão em suas intervenções no mercado de câmbio.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/12/07

Sete milhões de jovens estão excluídos de tudo


Os jovens brasileiros, na sua maioria, estudam e trabalham. Ganham mal, mas a maioria possui renda própria. No entanto, uma parcela significativa - praticamente 20% - não consegue trabalho ou escola e estão presos em um círculo vicioso. A reportagem é de Lisandra Paraguassú e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 20-12-2007.

São aqueles que têm a pior renda e também menos anos de estudo. Quase 7 milhões de jovens que estão excluídos de tudo.

“São os totalmente excluídos, aqueles que entram em um círculo vicioso de não conseguir trabalho porque têm pouca escolaridade e não continuam estudando porque não têm renda”, analisou o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz.

A renda familiar per capita desses jovens completamente à margem não chega a R$ 260. Em média, têm 7,8 anos de estudo. Já os jovens brasileiros que trabalham e estudam têm a melhor renda - R$ 528,18 - e mais anos de estudo, 9,2.

O IDJ mostra, ainda, que caiu a renda média das famílias brasileiras que têm jovens de 15 a 24 anos. Entre 2003 e 2006, houve uma redução de 6%. Desde 2001, 15,7%.

Essa queda, no entanto, não afeta a população mais pobre. Nos 10% mais pobres da população, ao contrário, a renda subiu 78% desde 2003 - 109% desde 2001. “Isso marca uma diminuição na concentração de renda, um fato extremamente positivo para o País”, comemorou Waiselfisz.

Entre os jovens que possuem renda própria, no entanto, não houve grandes mudanças nesse período. Praticamente a metade deles tinha algum tipo de renda.

MAIS ESTUDO, MENOS RENDA

Mas as diferenças de gênero, que não existem mais na educação, aparecem com força nos salários. Entre os homens jovens, o salário médio era de R$ 442,10, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2006), utilizada pelo IDJ.

Entre as mulheres, o salário médio é de R$ 370,10. No entanto, elas têm, em média, 9,5 anos de estudo - um a mais do que os homens.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 19/12/07

O Natal da discórdia. Artigo de Bernardo Kucinski

Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, publicou, recentemente, um artigo criticando duramente a greve de fome de D. Frei Luiz Flávio Cappio. Num novo artigo, publicado pela Agência Carta Maior, 18-12-2007, o jornalista aprofunda a crítica, deseja um feliz 2008, e se despede respeitosamente dos leitores de Carta Maior.

Eis o artigo.

Minha crítica à greve de fome de Dom Luiz ofendeu leitores e constrangeu Carta Maior. A direção segurou o texto por dois dias e quando o publicou, dele se dissociou: “Posições oficiais da Carta são assinadas por mim, Editor Chefe, pelo seu diretor-presidente, Joaquim Ernesto Palhares, ou por ambos”. Assinado: Flávio Wolf de Aguiar, Editor Chefe. Leitores em penca reclamaram indignados contra sua publicação.

Já havia sentido a rejeição de muitos leitores ao modo irônico ou à crítica ao movimento ambientalista. Desta vez, parece que mexi num vespeiro. Levei o maior cacete. De fato, meu texto chega ao limite do sarcasmo porque fiquei revoltado com a distorção de informações sobre o projeto do São Francisco. Era preciso chocar para romper o emparedamento do debate. Mesmo porque está em jogo um divisor de águas no campo progressista que vai muito além do Rio São Francisco. Apesar de fugir ao meu estilo analítico costumeiro, adotando uma retórica dramática, eu tinha a boa informação.

Gostei do novo estilo. A maioria dos leitores, não. Vários me acusaram de desqualificar o bispo em vez de discutir seus argumentos. Quando enviei o artigo à Redação, no domingo, dia 9 (com data para o dia 10), o bispo não havia explicitado seus argumentos em texto assinado. Só fez isso na Folha de S. Paulo do dia 12. Meu objetivo, que muitos leitores não captaram, era decifrar as razões da segunda greve de fome, já que, ao contrário da primeira, não a movia o motivo clássico desse gesto, que é forçar uma negociação. A partir dos pressupostos de que um governo democrático não poderia ceder à chantagem, e o bispo, como um general da Igreja, sabia disso, concluí que o Dom Luiz queria mesmo era morrer. Foi ele quem se desqualificou. Eu apenas matei a charada, como diz um dos raros leitores que me apoiaram.

Agora, que o bispo explicitou seus argumentos, é possível refutá-los. Mas antes, quero falar de minhas divergências mais gerais. A primeira é em relação ao lugar do governo Lula na nossa história. Concordo com a maioria dos leitores que o governo Lula ficou aquém do que esperávamos, em especial na fase paloccista, e continua afogado em contradições. Lula fez uma aliança estratégica com os bancos? Fez. Eu mesmo apontei isso na Carta Maior. Mas criou o Pró-Uni, o Bolsa Família, o programa Luz para Todos e o programa Quilombola; o programa de Agricultura Familiar, aumentou substancialmente o salário mínimo, dialoga com os movimentos populares; vestiu o boné do MST, o dos petroleiros e o das margaridas. Contribuiu para a o enterro da Alca e promove a integração latino-americana. Criou o Banco do Sul e a TV Pública.

Não é pouca coisa. Não sei se tudo isso “mudará o Brasil”. Sei que não quero entrar na história como um dos linchadores de Lula e de um governo que eu ajudei a eleger. Como disse Maria da Conceição Tavares, parodiando a confusão que se estabeleceu no Chile no governo Allende: “É um governo de merda, mas é o nosso governo de merda.”

Minha segunda divergência diz respeito à dimensão política da luta pela defesa do meio ambiente. Uma coisa é levar essa luta debaixo do tacão de um regime militar, outra coisa é no interior de um governo democrático, sensível às demandas populares e sobre o qual temos enorme influência, em especial nos aparelhos de Estado que cuidam do meio ambiente e dos programas sociais.

Divirjo também da doutrina de muitos movimentos ambientalistas. Quando fui procurado pelo Greenpeace para participar de sua fundação no Brasil, lá pelos anos 80, instintivamente recusei. Digo instintivamente porque somente há poucos meses topei com a teoria da minha recusa. Num pequeno artigo no Jornal do Brasil, Emir Sader dizia ser impossível tratar temas como a economia, sem considerar conceitos básicos da economia política, entre os quais o conceito de “imperialismo”.

É isso. Uma coisa é uma agenda ambientalista endógena, concebida por nós, que considere nosso estágio de desenvolvimento, nossas necessidades básicas e nossa correlação interna de forças. Outra coisa é aceitar acriticamente a agenda que vem de fora. Ou não perceber que também na luta ambientalista incidem o fator de classe e o fator imperialismo. O Norte com renda per capita de 30 mil dólares pode propugnar até mesmo crescimento zero ou de emissão zero de CO2. O Sul com renda per capita de 3 mil dólares tem que se orientar necessariamente pelo conceito do desenvolvimento sustentado, aquele que preserva o meio ambiente e os recursos naturais, mas garantindo as necessidades básicas da população presente.

Uma parte do movimento ambientalista brasileiro não se orienta pelo conceito do desenvolvimento sustentado, e sim por um paradigma criado por sociedades já bem abastecidas em tudo, e que preferem atribuir ao nosso território o papel de uma gigantesca reserva florestal, indígena e de biodiversidade do planeta Terra. Não estão nem aí para as necessidades básicas da população brasileira.

Para atender essas necessidades e nos tornarmos uma sociedade minimamente civilizada, precisamos construir cinco milhões de moradias, e levar a elas água, eletricidade e esgoto. Precisamos criar pelo menos trinta milhões de empregos. Erguer dezenas de escolas, hospitais e postos do Ibama e da Polícia Federal. Implantar vastas redes de transporte de massa, metrôs, hidrovias e ferrovias, tudo isso obedecendo padrões avançados de controle ambiental.

Os números são todos grandes. Mas temos recursos para isso. Nunca se ganhou tanto dinheiro no país com as exportações. É preciso lutar por políticas públicas que aloquem esses recursos em benefício da população, Mas os ambientalistas foram tomados pela cultura do não. Nada pode ser feito e, se for grande, é ainda mais condenável. Temos uma frente nacional “contra” os transgênicos, outra contra o projeto do São Francisco, e logo, logo teremos, se é que já não temos, a frente nacional contra as barragens, contra o uso de células-tronco e contra as estradas de integração continental. É o autismo frente às carências do povão, o fundamentalismo na luta pelo meio ambiente e o ludismo na reação contra os avanços da biotecnologia.

Deveríamos ter, isso sim, uma frente nacional pelo zoneamento agrícola, outra pelo imposto sobre a exportação de commodities, e mais outra pela atualização dos índices de produtividade agrícola (sem o que é impossível a desapropriação para fins de reforma agrária). Uma frente nacional pela ocupação ordenada da Amazônia, outra pela integração continental. Tínhamos que pressionar pela recuperação das pequenas hidrelétricas, desativadas pelo regime militar, e lutar ao mesmo tempo pela construção das de maior porte, por gerarem energia limpa, renovável e barata, a um baixo custo social.

Na oposição ao projeto da adutora do São Francisco, os traços de fundamentalismo se adensaram perigosamente quando a Igreja se meteu na história. Leiam de novo a mensagem de apoio de Leonardo Boff a Dom Luiz, enviada por um dos leitores indignados com meu artigo. O mesmo Leonardo Boff que observou dias atrás ser incorreto discutir a existência de Deus à luz da ciência, porque a fé é uma questão de imaginação e espiritualidade, agora convoca a fé para combater um projeto terreno de captação de águas de um rio. “Acompanho com respeito e sustento com todo o coração sua decisão de doar a vida para que haja mais vida para os pobres e para o rio São Francisco... Sua opção não é a de um suicida mas de um homem livre, capaz de amar até o fim, amparado no Deus de Jesus...” E vai por aí afora, citando passagens da escritura e invocando repetidamente o nome de Deus.

Lembrei-me do segundo mandamento: “Não invocarás o nome de Deus em vão”. E também do oitavo: “Não levantarás falso testemunho”. Isso porque são falsos os argumentos de Dom Luiz, da CPT e da CNBB contra o projeto. Há restrições e críticas sérias ao projeto, mas as dos bispos são inconsistentes, resvalando para o demagógico.

O bispo começa pelo argumento de que Lula não tinha mandato para tocar esse projeto porque evitou discuti-lo durante a campanha eleitoral. Disso conclui que Lula governa autoritariamente, que Lula e não ele é o inimigo da democracia. “Vivêssemos numa democracia republicana, real e substantiva, não teria que fazer o que estou fazendo”, escreve Dom Luiz. Outro bispo, Dom Tomás Balduíno, em artigo no Estadão, vai além: diz que “quem dividiu o país, e até a Igreja, foi Lula e não Dom Luiz Cappio”.

Vamos perdoar a menção a uma “democracia republicana” por parte de uma Igreja que se opõe ao divórcio e ao uso da camisinha. Digamos que foi um erro de digitação. Esses bispos se esquecem que depois de Lula ser eleito, a história seguiu seu curso e ele também foi reeleito, numa segunda campanha em que a prioridade dada ao projeto já era notória. E mais: o presidente recebeu votação esmagadora na reeleição exatamente nos Estados do Nordeste, onde vai se dar essa importante intervenção.

Lembro ainda que, por ordem do presidente, o ministro Ciro Gomes agendou uma rodada de discussões com Dom Luiz , como parte do acordo para acabar com sua primeira greve de fome. Mas Dom Luiz não compareceu. Foi ele que não quis discutir.

O bispo escreve e repete que 70% da água transposta vai para uso industrial, 26% para uso agrícola e 4% para a população difusa. Isso provaria que o projeto foi feito para servir grandes empreendimentos agropecuários e industriais. Mas a verdade é que as águas vão perenizar os mesmos rios e abastecer exatamente os mesmos sistemas municipais, açudes e sabespes, atualmente em operação, e que já sofrem crises periódicas de abastecimento mesmo na ausência de secas.

Não encontrei no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) os números do bispo, por mais que procurasse. Encontrei, sim, este trecho: “A demanda urbana das áreas que serão beneficiadas pelo empreendimento foi avaliada em aproximadamente 38 metros cúbicos por segundo no ano de 2025. Desse total, cerca de 24 metros cúbicos por segundo correspondem ao consumo humano e 14 metros cúbicos à demanda industrial”. Portanto, pelo menos em relação à proporção demanda humana-demanda industrial, o bispo está errado. Diz ainda o Rima: “o projeto foi planejado procurando atender o maior número de pessoas possível”.

Confira em www.mi.gov.br/saofrancisco/integracao.rima.asp

A adutora não foi feita para abastecer nenhum projeto especifico de agrobusiness ou industrial; ela reforça as adutoras e açudes já existentes, dando ao Nordeste uma perspectiva de longo prazo de desenvolvimento econômico, urbano, agrícola. O bispo não menciona quais seriam esses projetos gigantes. Procurei exaustivamente e acabei encontrando a origem da desinformação: um documento da Comissão Pastoral da Terra, hoje a principal produtora de falácias contra o projeto, ao ponto de desbancar a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), que não admitia perder uma gota do rio que aciona seus geradores em Paulo Afonso.

A CPT alega que a adutora “vai servir para a siderúrgica do Pecém, vai servir para a agroindústria do Apodi”. Ora, a siderurgia do Pecém fica próxima ao litoral, no Ceará, distante centenas de quilômetros do ramo Norte do projeto, que mal entra no Ceará, desviando-se em direção à Paraíba e ao Rio Grande do Norte, depois de reforçar o Riacho dos Porcos. Desse riacho até Pecém são centenas de quilômetros de rios que até mudam de nome e passam por açudes diversos. Não tem nada a ver com a siderúrgica, que já tem abastecimento local assegurado de 2 metros cúbicos por segundo, para um consumo de apenas 1,73 metros cúbicos por segundo.

Esses dados foram admitidos pela Agência Brasil de Fato, do MST (www.brasildefato.com.br). Como contradizem o argumento da CPT, a agência alega que, no futuro, quando outras indústrias forem atraídas pela siderúrgica, “caso o complexo prospere, a demanda de água superará a oferta atual”. Notem o ato falho na utilização da palavra “prospere”. Eles não querem que nada prospere. Também omitem que a siderúrgica vai produzir placas grossas, para exportação, e não as placas finas que atrairiam empresas metalúrgicas de processamento.

Mais falacioso ainda é chamar a agricultura de Apodi de agrobusiness, ao modo de um palavrão que desclassifica tudo. Apodi é uma história de sucesso e exuberância agrícola e grande diversidade de produção e formas de propriedade. Ali cresce, graças à Embrapa, a mais produtiva variedade de acerola. Ali o governo federal está implantando um projeto específico de financiamento da agricultura familiar. Ali existem seis assentamentos agrícolas e três cooperativas de produtores. Ali o governo instalou também um projeto de três minifábricas familiares para o processamento da castanha do caju, e um outro que vai beneficiar 400 pequenos produtores de mel. Um único projeto de irrigação em andamento no Apodi, com água pressurizada, vai atender a mais de 200 agricultores.

Todas essas falácias e mais algumas foram inventadas pela CPT depois que se desmoralizou o argumento principal anterior de que a adutora ia secar o Rio São Francisco. Ocorre que, em julho de 2004, depois de intensos debates técnicos, o governo inverteu a lógica do antigo projeto pelo qual as águas do São Francisco seriam transpostas para os sistemas do semi-árido sempre que seus açudes estivessem baixos, sem levar em conta o nível da represa de Sobradinho. Ficou decidido que será retirada uma quantidade mínima para garantir o consumo humano, e só quando Sobradinho tiver excesso de água, a captação será maior. Na sua nova formulação são retirados 26,4 metros cúbicos por segundo, cerca de 1% da vazão no local da captação, e somente quando Sobradinho estiver vertendo, ou seja, botando fora excesso de água, a captação pode aumentar, mesmo assim até o limite de 87,9 metros cúbicos. O Rima estima que, na média anual, a perda do rio vai ficar em 65 metros cúbicos por segundo.

Mas no sertão beneficiado o ganho é muito maior porque, ao eliminar a insegurança, a adutora diminui a necessidade de armazenamento dos açudes existentes, reduzindo as perdas por evaporação de seus espelhos de água em 22,5 metros cúbicos por segundo. É um efeito de “sinergismo, que, segundo o Rima, nunca existiu antes em projetos de adutoras. Por tudo isso, a nota técnica 492 da Agência Nacional de Águas (ANA), de setembro de 2004, avalizou o projeto (www.ana.gov.br). Um ano depois a ANA concedeu ao Ministério da Integração a outorga definitiva para o uso dessas quantidades, através das resoluções 411 e 412. Está tudo na internet. Aliás, o portal do Ministério do Meio Ambiente, que abriga a maioria dessas informações, é muito abrangente.

Sem o argumento de que o rio vai secar, os padres passaram a argumentar que há um outro projeto, o Átlas do Nordeste, elaborado pela ANA, mais barato, custando apenas R$ 3,6 bilhões, metade do custo do São Francisco, e beneficiando três vezes mais gente, 44 milhões. É tudo falso, no atacado e no varejo. Ou um “equívoco”, como diz educadamente o presidente da ANA, José Machado: “Em primeiro lugar o Átlas não pode ser considerado um programa ou projeto. É, na verdade, um portfólio de eficientes soluções técnicas para serem eventualmente financiadas. Não visou equacionar o problema da segurança hídrica do Nordeste, uma vez que não se tratou do atendimento de usos múltiplos da água, como a produção de alimentos e irrigação. Também não foi considerado o abastecimento das sedes municipais com menos de cinco mil habitantes, dos distritos, vilas e núcleos rurais. Por outro lado, o projeto de Integração do São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) é um projeto de desenvolvimento regional com perspectiva de conseguir benefícios que se estendam para além de 2025. O Átlas e o PISF são, pois, iniciativas distintas, em sua gênese, seus objetivos e em sua área de abrangência. Não são conflitantes”.

Apenas um quinto dessas soluções técnicas já tinha projetos, mesmo assim abandonados. O Átlas é um mapeamento do que prefeitos deveriam ter feito e não fizeram. Mostra que é assustador o número de municípios com mais de cinco mil habitantes em situação crítica de abastecimento de água: 90% deles em Alagoas, 81% no Ceará, 65% no Rio Grande do Norte e assim por diante. O motivo é simples: é o controle da maioria dessas prefeituras por grupos locais de interesse, fazendeiros e forças conservadores ou prefeitos corruptos. Além disso, abarca apenas metade dos 2116 municípios dos dez Estados analisados, os que têm mais de cinco mil habitantes. Portanto, é o oposto do argumento dos bispos, de que suas soluções atendem aos pequenos, enquanto a transposição atende aos grandes. É falso também que beneficiariam 44 milhões de habitantes. Essa é população total da região e não a população específica dos municípios mapeados.

Outro argumento falacioso é o de que o governo preferiu o grande para favorecer as empreiteiras e, por isso, abandonou o projeto das cisternas. Trata-se da falácia da falsa premissa. Não é verdade que o governo preteriu o projeto das cisternas. O governo apoiou com entusiasmo desde o início a proposta da Articulação do Semi-árido, que reúne 700 ONGs, incluindo-a no seu programa de Combate à Fome. Foi criada uma entidade especial para gerir o programa, que recebe recursos do governo e de empresas privadas. Lula inaugurou a primeira cisterna, justamente para dar força ao projeto. Trata-se de um projeto sofisticado, em que os moradores mesmo constroem as cisternas, recebendo treinamento e suporte de uma rede de ONGs. Quando as ONGs, para as quais foram repassados os recursos, se revelaram vagarosas demais, o governo entrou de sola para acelerar o programa, e no último mês de julho o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome lançou o edital 13/07, oferecendo mais R$ 10 milhões a entidades que queiram entrar no programa. A meta de construir um milhão de cisternas está em pé. Já foram construídas 220 mil. Cada cisterna consegue armazenar pelo menos 10.500 litros de água, o suficiente para necessidades básicas de uma família de cinco pessoas. Mas não o bastante para uso agrícola, mesmo no caso da agricultura de subsistência. As cisternas são a solução para água de beber, de banho, de cozinhar e lavar em residências isoladas, esparsas, na área rural, onde os sistemas municipais de abastecimento não chegam. Não podem ser construídas nas cidades. Um projeto complementa de forma ideal o outro.

Nos últimos documentos da CNBB, em textos de Frei Betto, de Leonardo Boff e outros, surgiu um novo argumento, o de que o projeto “não vai levar água aos índios e quilombolas”. Tanto quilombos quanto aldeamentos indígenas por definição se situam em regiões isoladas, mas com boa oferta de água. Foram os locais onde se fixaram, fugindo dos bandeirantes assassinos e capitães de mato. A esses locais o Luz para Todos está levando eletricidade, que não havia. Mas água já tem.

Os padres também alegam que o projeto é pleno de ilegalidades. É bem o contrário. Seus opositores é que vêm se valendo de truques legalísticos, para obstar projetos que passaram por todos os crivos técnicos das agências reguladoras e todos as votações de comitês de bacias. Entram na Justiça com pedidos de liminares, sabendo que justiça vai demorar anos para entrar no mérito. Sempre que o mérito é julgado, o projeto é aprovado. Além disso, ambientalistas têm impedido o fechamento de atas de audiências públicas à força. Várias das audiências do São Francisco foram interrompidas à força. Eu pergunto: de que lado está o autoritarismo?

Termino perguntando: será que, por trás dessa campanha contra a adutora do São Francisco, não está o ressentimento pela perda do rebanho dos pobres, que hoje tem um cartão Bolsa Família? Ou dos pobres que se libertariam da opressão da falta de água no Nordeste? Ou será que estamos testemunhando o enquadramento da Igreja de Libertação na encíclica Spe Salvi , lançada pelo papa e ex-corregedor da fé, Ratzinger, o mesmo que pediu a expulsão de Leonardo Boff da Igreja? Essa encíclica reafirma a renúncia à libertação terrena em nome de uma salvação na dor e na morte. Além de lembrar vivamente a tragédia de Dom Luiz, é imobilista e reacionária. Deixa o campo da história para as forças conservadoras deitarem e rolarem, impedindo a Igreja de Libertação de disputá-lo com um projeto secular de transformação social.

Instituto Humanitas Unisinos - 19/12/07

Um projeto pensado ainda no Brasil Colônia

Os primeiros documentos sobre a transposição do rio São Francisco remontam à época que a então família de Dom João VI veio ao Brasil, durante o período colonial A reportagem é de J. Pereira e publicada pelo Brasil de Fato, 18-12-2007.

1847 -> “Venderia as jóias da coroa”

Foi com o Imperador Dom Pedro II, em 1847, que a proposta da transposição do rio São Francisco ganhou oficialmente a agenda do poder político brasileiro. Dom Pedro II chegou a dizer que leiloaria as jóias da coroa para viabilizar a construção dos canais em 10 anos. A idéia, no entanto, já estava sendo discutida quando a família real veio ao Brasil. Documentos do período de Dom João VI mostram que técnicos já discutiam o aproveitamento da água do rio em 1818.

Década de 1980 -> Governo militar

A transposição do rio São Francisco permaneceu na agenda pública, durante mais de um século, como uma carta na manga nos momentos mais dramáticos da seca no Nordeste. E a primeira vez que o projeto foi escrito e elaborado ocorreu justamente após uma das estiagens mais fortes que se têm notícias no Brasil (1979-1983). O estudo ocorreu durante o governo militar de João Batista de Oliveira Figueiredo, sob a coordenação do Ministro do Interior Mário Andreazza e executado pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Cabrobó-PE seria o ponto inicial dos canais que conduzem a água até o Vale do Cariri (rio Jaguaribe), no Ceará e outras bacias beneficiadas.

Anos 1990 -> Novo impulso

O projeto ganhou a mídia e entrou para o debateu público, de vez, no início dos anos 1990. Após a redemocratização, o primeiro presidente a encampar a proposta foi Itamar Franco que, em agosto de 1994, enviou um decreto ao Senado dizendo declarando ser do interesse da União, para fins de estudo, o potencial hídrico das bacias das regiões Semi-Áridas dos Estados do Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, com vistas à transposição.

1995 -> FHC encampa o projeto

Cinco meses depois de eleito, Fernando Henrique Cardoso assinou o documento “Compromisso pela Vida do São Francisco”, prevendo um programa de revitalização da bacia hidrográfica do rio e a construção do Eixo Norte e Eixo Leste. O projeto contou com forte apoio das elites políticas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Gerou oposição na Bahia. O governo FHC chegou a reservar R$ 300 milhões no orçamento para iniciar o projeto.

2002 -> A vez do governo Lula

Ainda no segundo turno das eleições presidenciais, o então candidato petista Lula recebeu o apoio do cearense Ciro Gomes (PPS), quarto colocado no primeiro turno, e assumiu o projeto da transposição. Eleito, Lula escolhe o ex-ministro de FHC para comandar o Ministério da Integração Nacional que, em julho de 2004, apresenta um relatório de impacto ambiental das obras buscando o licenciamento. Entre setembro e outubro de 2005, o governo decide suspender o projeto após primeira a greve de fome de 11 dias realizada por frei Luiz Cappio. O governo se comprometeu a fazer um amplo processo de discussão sobre a transposição antes de retomar o projeto. Nada disso acontece (leia mais). E, reeleito, o presidente Lula anuncia que o projeto está no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em julho de 2007, o Exército começa as obras.

Fontes:

Clóvis Cavalcanti, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e José Vieira Camelo Filho, doutor em Economia, pelo Instituto de Economia da UNICAMP

terça-feira, dezembro 18, 2007

Resistir Info

A caverna no Árctico com as sementes do juízo final

  • Bill Gates, Rockefeller e os gigantes dos OGM conhecem algo que não sabemos
  • por F. William Engdahl [*]

    . Uma coisa de que o fundador da Microsoft, Bill Gates, não pode ser acusado é de ser indolente. Aos 14 anos já fazia programação, aos 20, era ainda estudante em Harvard, fundou a Microsoft. Em 1995 aparecia na listagem da Forbes como o homem mais rico do mundo por ser o maior accionista da Microsoft, uma empresa que, mercê da sua direcção rígida, se constituiu num verdadeiro monopólio dos sistemas de software para computadores pessoais.

    Em 2006, quando a maior parte das pessoas na situação dele pensa em retirar-se para uma tranquila ilha do Pacífico, Bill Gates decidiu dedicar as suas energias à sua Fundação Bill e Melinda Gates, a maior fundação privada 'transparente' do mundo, como ele diz, com uma doação de uns esmagadores 34,6 mil milhões de dólares e a imposição legal de gastar 1,5 mil milhões de dólares por ano em projectos filantrópicos a nível mundial a fim de manter o estatuto filantrópico para isenção de impostos. Em 2006, a oferta do seu amigo e sócio, o mega-investidor Warren Buffet, de acções no Buffet's Berkshire Hathaway no valor de uns 30 mil milhões de dólares, colocou a fundação de Gates em posição de poder gastar quase o mesmo valor de todo o orçamento anual da Organização Mundial de Saúde das Nações Unidas.

    Por isso, quando Bill Gates decide utilizar a Fundação Gates para investir num projecto cerca de 30 mil milhões de dólares do seu dinheiro, vale a pena analisar esse projecto.

    Não há nenhum outro projecto mais interessante de momento do que este muito estranho num dos cantos mais remotos do mundo, Svalbard. Bill Gates está a investir milhões num banco de sementes no Mar Barents perto do Oceano Árctico, a cerca de 1100 quilómetros do Pólo Norte. Svalbard é um árido pedaço de rocha reclamado pela Noruega e cedido em 1925 por um tratado internacional (ver mapa).

    É nesta ilha esquecida por Deus, que Bill Gates está a investir dezenas dos seus milhões em conjunto com a Fundação Rockefeller, a Monsanto Corporation, a Fundação Syngenta e o governo da Noruega, entre outros, naquilo que é chamado de 'banco de sementes do fim do mundo'. Oficialmente o projecto chama-se a Caverna Global de Sementes Svalbard (Svalbard Global Seed Vault) na ilha norueguesa de Spitsbergen, no arquipélago de Svalbard.

    . O banco de sementes está a ser construído no interior de uma montanha na ilha de Spitsbergen perto da aldeia de Longyearbven. Está quase pronto para o 'negócio', de acordo com os comunicados. O banco vai ter portas duplas à prova de explosão com sensores de movimento, duas câmaras pressurizadas e paredes de betão reforçado a aço com um metro de espessura. Conterá mais de três milhões de variedades diferentes de sementes de todo o mundo, 'para que se possa conservar a variedade das espécies para o futuro', segundo o governo norueguês. As sementes vão ser embaladas de forma especial para protecção contra a humidade. Não haverá pessoal a tempo inteiro, mas a relativa inacessibilidade da caverna facilitará a fiscalização de qualquer possível actividade humana.

    Falha-nos alguma coisa? Os comunicados de imprensa afirmaram, 'para que se possa conservar a variedade das espécies para o futuro'. Que futuro é esse que os patrocinadores do banco de sementes prevêem poderá vir a ameaçar a disponibilidade global das sementes actuais, quando a maior parte delas já está bem protegida em bancos de sementes existentes em todo o mundo?

    Sempre que Bill Gates, a Fundação Rockefeller, a Monsanto e a Syngenta se juntam num projecto comum, vale a pena escavar um pouco mais por detrás das rochas de Spitsbergen. Se o fizermos vamos encontrar coisas fascinantes.

    O primeiro ponto digno de nota é saber quem é que patrocina a caverna de sementes do fim do mundo. Aqui, em conjunto com os noruegueses, estão, conforme já dito, a Fundação Bill & Melinda Gates; o gigante americano da 'agribusiness' DuPont/Pioneer Hi-Bred, um dos maiores proprietários mundiais de patentes de sementes de organismos geneticamente modificados (OGM) e de agroquímicos afins; a Syngenta, a importante companhia de sementes OGM e agroquímicos, com sede na Suiça, através da Fundação Syngenta; a Fundação Rockefeller, um grupo privado que criou a "revolução genética com mais de 100 milhões de dólares em sementes desde os anos 70; o CGIAR, a rede global criada pela Fundação Rockefeller para promover o seu ideal de pureza genética através da alteração da agricultura.

    O CGIAR e 'O Projecto'

    Conforme pormenorizei no livro 'Seeds of Destruction' [1] , a Fundação Rockefeller, o Conselho para Desenvolvimento da Agricultura de John D. Rockefeller III e a Fundação Ford juntaram esforços em 1960 para criar o Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IIIR) em Los Baños, nas Filipinas. Em 1971, o IIIR da Fundação Rockefeller, em conjunto com o seu Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo, com sede no México, e com mais outros dois centros internacionais de investigação criados pelas Fundações Rockefeller e Ford, o IITA para a agricultura tropical, na Nigéria, e o IIIR para o arroz, nas Filipinas, aliaram-se para formar um único Grupo Consultivo para Investigação Agrícola Internacional (Consultative Group on International Agriculture Research - CGIAR)

    O CGIAR foi delineado numa série de conferências privadas realizadas no centro de conferências da Fundação Rockefeller em Bellagio, na Itália. Os participantes chave nas conversações de Bellagio foram George Harrar, da Fundação Rockefeller, Forrest Hill da Fundação Ford, Robert McNamara do Banco Mundial e Maurice Strong, o organizador ambiental internacional da família Rockefeller, que, enquanto administrador da Fundação Rockefeller, organizou a Cimeira da Terra das Nações Unidas em Estocolmo, em 1972. Há muitas décadas a fundação preocupava-se em por a ciência ao serviço da eugenia, uma versão repugnante da pureza racial, a que fora dado o nome de 'O Projecto'.

    Para garantir o maior impacto, o CGIAR atraiu a Organização para a Agricultura e Alimentação e o Programa para o Desenvolvimento, ambas das Nações Unidas, e o Banco Mundial. E assim, mediante uma distribuição cuidadosamente planeada dos seus financiamentos iniciais, no início dos anos 70 a Fundação Rockefeller já estava em posição de delinear a política da agricultura global no início dos anos 70. E de facto delineou-a.

    Financiado por generosas doações para estudos das Fundações Rockefeller e Ford, o CGIAR providenciou para que os principais cientistas da agricultura e agrónomos do Terceiro Mundo passassem a 'dominar' os conceitos do moderno agribusiness de modo a poderem levá-los para os seus países. Neste processo criou uma valiosa rede de influências para a promoção do agribusiness americano nesses países, muito em especial para a promoção da 'Revolução Genética' OGM nos países em desenvolvimento, tudo isto em nome da ciência e da eficácia, do mercado livre e da agricultura.

    Manipular geneticamente uma raça dominante?

    Agora sim, o Banco de Sementes Svalbard começa a tornar-se interessante. Mas ainda há mais. 'O Projecto' a que me referi acima é um projecto da Fundação Rockefeller e de poderosos interesses financeiros desde os anos 20 para utilizar a eugenia, posteriormente rebaptizada de genética, para justificar a criação de uma Raça Dominante geneticamente manipulada. Hitler e os nazis chamaram-lhe a Raça Dominante Ariana.

    A eugenia de Hitler foi financiada em grande parte por esta mesma Fundação Rockefeller que está hoje a construir uma caverna de sementes no fim do mundo para preservar amostras de todas as sementes do nosso planeta. Ora isto começa a tornar-se muito intrigante. Foi esta mesma Fundação Rockefeller quem criou a disciplina pseudo-científica da biologia molecular no seu objectivo incansável de reduzir a vida humana a uma 'sequência genética definidora' que, segundo esperava, poderia depois ser modificada de modo a alterar os traços humanos a bel-prazer. Os cientistas de eugenia de Hitler (muitos dos quais foram discretamente levados para os Estados Unidos depois da Guerra para continuarem as suas investigações em eugenia biológica) contribuíram em muito para o trabalho básico da engenharia genética de diversas formas de vida, grande parte do qual foi apoiado abertamente até ao Terceiro Reich pelas generosas contribuições da Fundação Rockefeller. [2]

    Foi a mesma Fundação Rockefeller quem criou a chamada Revolução Verde, na sequência de uma viagem ao México em 1946, de Nelson Rockefeller e de Henry Wallace, ex-secretário da Agricultura do Novo Acordo e fundador da Hi-Bred Seed Company.

    A Revolução Verde propunha-se resolver o problema mundial da fome, um problema importante no México, na Índia e noutros países escolhidos onde Rockefeller actuava. O agrónomo da Fundação Rockefeller, Norman Borlaug, ganhou o Prémio Nobel da Paz pelo seu trabalho, uma coisa de que não pode orgulhar-se muito, dado que o partilhou com Henry Kissinger.

    Na realidade, como anos depois se veio a verificar, a Revolução Verde foi um brilhante esquema da família Rockefeller para montar um agribusiness globalizado que depois pudesse vir a monopolizar, tal como já tinha feito na indústria petrolífera mundial meio século antes. Como Henry Kissinger declarou nos anos 70, 'se controlarmos o petróleo, controlamos o mundo; se controlarmos os alimentos, controlamos a população'.

    O agribusiness e a Revolução Verde de Rockefeller andaram de mãos dadas. Fizeram parte de uma grande estratégia em que a Fundação Rockefeller alguns anos depois veio a financiar a investigação da engenharia genética de plantas e animais.

    John H. Davis foi secretário assistente da Agricultura no tempo do Presidente Dwight Eisenhower no início dos anos 50. Saiu de Washington em 1955 e foi para a Escola Superior de Negócios de Harvard, um sítio pouco vulgar para um especialista em agricultura naquela época. Tinha uma estratégia clara. Em 1956, Davis escreveu um artigo na Harvard Business Review em que afirmava que "a única forma de resolver o chamado problema agrícola duma vez por todas, e evitar programas governamentais enfadonhos, é evoluir da agricultura para o agribusiness ". Sabia muito bem o que pretendia, embora pouca gente na altura pensasse nisso – uma revolução na produção agrícola que concentrasse o controlo da cadeia alimentar nas mãos das multinacionais, fora do cultivo familiar tradicional. [3]

    Um aspecto crucial que motivava o interesse da Fundação Rockefeller e das empresas americanas de agribusiness era o facto de a Revolução Verde se basear na proliferação de novas sementes híbridas nos mercados em desenvolvimento. Um aspecto vital das sementes híbridas era a sua falta de capacidade reprodutiva. Os híbridos tinham incorporada uma protecção contra a multiplicação. Ao contrário das espécies normais polinizadas a céu aberto cujas sementes dão colheitas semelhantes às plantas suas produtoras, a produção de sementes nascidas das plantas híbridas era significativamente mais baixa do que as da primeira geração.

    Esta característica de produção decrescente dos híbridos teve como consequência que os agricultores têm normalmente que comprar sementes todos os anos para poderem obter colheitas altas. Mais ainda, a produção inferior na segunda geração eliminou o comércio de sementes que era feito quase sempre por produtores de sementes sem a autorização do criador. Evitava-se assim a redistribuição das sementes dos cereais comerciais feita por intermediários. Se as grandes empresas multinacionais de sementes pudessem controlar internamente as linhagens das sementes parentais, nenhum concorrente ou agricultor conseguiria produzir o híbrido. A concentração global das patentes de sementes híbridas num punhado de gigantescas companhias de sementes, lideradas pela Pioneer Hi-Bred da DuPont e pela Dekalb da Monsanto estabeleceu a base para a posterior revolução das sementes OGM. [4]

    Com efeito, a introdução da moderna tecnologia agrícola americana, dos fertilizantes químicos e das sementes híbridas comerciais, tudo isso tornou os agricultores locais dos países em desenvolvimento, em especial aqueles que tinham terras maiores, dependentes dos abastecimentos das companhias estrangeiras de agribusiness e de petroquímicos, na sua maioria americanas. Foi o primeiro passo do que viria a ser um processo cuidadosamente planeado e que iria durar décadas.

    Com a Revolução Verde o agribusiness veio a invadir significativamente mercados que anteriormente eram pouco acessíveis aos exportadores americanos. Esta tendência foi posteriormente rotulada de "agricultura orientada pelo mercado". Na realidade, tratou-se de uma agricultura controlada pelo agribusiness.

    Durante a Revolução Verde, a Fundação Rockefeller e mais tarde a Fundação Ford trabalharam de braço dado modelando e apoiando as metas políticas estrangeiras da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e da CIA.

    Um dos principais efeitos da Revolução Verde foi despovoar as terras de camponeses que foram forçados a emigrar para bairros de lata em volta das cidades numa procura desesperada de trabalho. Não aconteceu por acaso, fazia parte do plano para criar bolsas de mão-de-obra barata para as manufacturas multinacionais americanas, a 'globalização' dos últimos anos.

    Quando a auto-promoção em torno da Revolução Verde esmoreceu, os resultados eram muito diferentes do que havia sido prometido. Tinham surgido problemas com o uso indiscriminado dos novos pesticidas químicos, muitas vezes com graves consequências para a saúde. O cultivo de monocultura das novas variedades de sementes híbridas reduziu a fertilidade do solo e das produções com o passar do tempo. Os primeiros resultados foram impressionantes: colheitas duplas ou triplas para alguns cereais como o trigo e mais tarde o milho, no México. Mas isso depressa passou à História.

    A Revolução Verde foi normalmente acompanhada de grandes projectos de irrigação que incluíam quase sempre empréstimos do Banco Mundial para construção de enormes barragens novas, que inundavam áreas previamente escolhidas e terra arável fértil. O super-trigo também produzia maiores colheitas através da saturação do solo com enormes quantidades de fertilizantes por hectare, sendo que os fertilizantes eram produtos derivados de nitratos e do petróleo, controlados pelas principais companhias petrolíferas conhecidas pelas Sete Irmãs, dominadas pelos Rockefeller.

    Também se utilizaram enormes quantidades de herbicidas e pesticidas, criando mercados adicionais para os gigantes do petróleo e dos químicos. Como um analista disse, na verdade a Revolução Verde foi meramente uma revolução química. Os países em desenvolvimento não tinham capacidade para pagar as enormes quantidades de fertilizantes e pesticidas químicos. Conseguiam o favor do crédito do Banco Mundial e de empréstimos especiais do Chase Bank e de outros grandes bancos de Nova Iorque, escudados por garantias do governo americano.

    Aplicados num grande número de países em desenvolvimento, esses empréstimos foram sobretudo para os grandes proprietários rurais. Quanto aos agricultores mais pequenos a situação foi diferente. Os agricultores mais pequenos não podiam pagar os produtos químicos e outros produtos modernos e tinham que pedir dinheiro emprestado.

    A princípio, diversos programas governamentais tentaram providenciar alguns empréstimos aos agricultores para que eles pudessem comprar sementes e fertilizantes. Os agricultores que não conseguiam participar neste género de programas tinham que pedir emprestado ao sector privado. Dadas as exorbitantes taxas de juro dos empréstimos informais, muitos pequenos agricultores nem sequer aproveitaram os benefícios das colheitas iniciais mais altas. Depois da colheita, tinham que vender a maioria ou mesmo todo o cereal para satisfazer os empréstimos e os juros. Ficaram dependentes dos usurários e dos comerciantes e muitas vezes perderam as suas terras. Mesmo com os empréstimos a juros baixos das organizações governamentais, o cultivo dos cereais de subsistência deu lugar à produção de colheitas de dinheiro. [5]

    Há décadas que os mesmos interesses, incluindo a Fundação Rockefeller que apoiou a Revolução Verde inicial, têm manobrado para promover uma segunda 'Revolução Genética' como lhe chamou há alguns anos o presidente da Fundação Rockefeller, Gordon Conway, ou seja, a disseminação de produtos agrícolas e comerciais industriais, incluindo sementes OGM patenteadas.

    Gates, Rockefeller e uma Revolução Verde em África

    Tendo bem presente o verdadeiro enquadramento da Revolução Verde da Fundação Rockefeller dos anos 50, torna-se deveras curioso que a mesma Fundação Rockefeller, em conjunto com a Fundação Gates, que estão agora a investir milhões de dólares para preservar todas as sementes contra um possível cenário de "fim do mundo", estejam também a investir milhões num projecto chamado 'A Aliança para uma Revolução Verde em África' (The Alliance for a Green Revolution in Africa).

    A AGRA, como se intitula, é de novo uma aliança com a mesma Fundação Rockefeller que criou a "Revolução Genética". Isto confirma-se se olharmos para o Conselho de Administração da AGRA.

    Inclui nada mais, nada menos do que o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, como presidente. No seu discurso de tomada de posse num evento do Fórum Económico Mundial em Cape Town, na África do Sul, em Junho de 2007, Kofi Annan afirmou, 'Aceito este desafio agradecendo à Fundação Rockefeller, à Fundação Bill & Melinda Gates, e a todos os outros que apoiam a nossa campanha africana'.

    A juntar ao conselho da AGRA aparece um sul-africano, Strive Masiyiwa que é director da Fundação Rockefeller. Inclui Sylvia M. Mathews da Fundação Bill & Melinda Gates; Mamphela Ramphele, ex director-gerente do Banco Mundial (2000-2006); Rajiv J. Shah, da Fundação Gates; Nadya K. Shmavonian da Fundação Rockefeller; Roy Steiner da Fundação Gates; Nadya K. Shmavonian da Fundação Rockefeller; Roy Steiner da Fundação Gates. Para além destes, uma 'Aliança para a AGRA' inclui Gary Toenniessen, director-gerente da Fundação Rockefeller e Akinwumi Adesina, director associado da Fundação Rockefeller.

    Para completar o painel, o 'Programas para a AGRA' inclui Peter Matlon, director-gerente, Fundação Rockefeller; Joseph De Vries, director do 'Programa para os Sistemas de Sementes de África' e director sócio, Fundação Rockefeller; Akinwumi Adesina, director sócio, Fundação Rockefeller. Tal como a velha e falhada Revolução Verde na Índia e no México, a nova Revolução Verde em Africa é obviamente uma alta prioridade da Fundação Rockefeller.

    Embora actualmente mantenham um perfil discreto, pensa-se que a Monsanto e os principais gigantes do agribusiness GMO estão por detrás da utilização da AGRA de Kofi Annan para disseminar por toda a África as suas sementes patenteadas OGM, sob o rótulo enganador de 'biotecnologia', o novo eufemismo para as sementes geneticamente modificadas patenteadas. Até à data, a África do Sul é o único país africano que permite a plantação legal de cereais OGM. Em 2003 Burkina Faso autorizou testes com OGM. Em 2005 o Gana de Kofi Annan adoptou leis de bio-segurança e funcionários ao mais alto nível expressaram a intenção de prosseguir com a investigação sobre cereais OGM.

    A Africa é o próximo alvo na campanha do governo americano para disseminar os OGM's a nível mundial. Os seus solos férteis tornam-na num candidato ideal. Não é de surpreender que muitos governos africanos temam o pior dos patrocinadores dos OGM's, já que tem sido em Africa que se iniciaram muitos projectos de engenharia genética e de bio-segurança, com o objectivo de introduzir os GMO's nos sistemas agrícolas africanos. Estes projectos incluem patrocínios oferecidos pelo governo americano para formar nos EUA cientistas africanos em engenharia genética, para projectos de bio-segurança financiados pela Organização dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e pelo Banco Mundial, e para investigação de OGM's envolvendo plantações alimentares indígenas africanos.

    A Fundação Rockefeller tem vindo a trabalhar desde há anos para promover, quase sempre sem êxito, projectos para introdução de OGM's em terras de África. Eles apoiaram a investigação da aplicabilidade do algodão OGM nos planaltos Makhathini na África do Sul.

    A Monsanto, que tem um pé bem metido na indústria de sementes da África do Sul, tanto de OGM como de híbridos, concebeu um engenhoso programa para pequenos proprietários, conhecido por a Campanha das 'Sementes da Esperança', que está a introduzir um pacote de revolução verde entre agricultores pobres de pequena dimensão, seguido, evidentemente, por sementes patenteadas OGM da Monsanto. [6]

    A Syngenta AG da Suiça, um dos 'Quatro Cavaleiros do Apocalipse OGM' está a introduzir milhões de dólares numa nova instalação de estufas em Nairobi, para desenvolver trigo OGM resistente a insectos. A Syngenta também faz parte do CGIAR. [7]

    Em direcção a Svalbard

    Ora bem, será isto simplesmente relaxamento filosófico? O que leva as fundações Gates e Rockefeller em uníssono a promover a proliferação em toda a África de sementes patenteadas e de sementes Terminator que serão patenteadas dentro em pouco, um processo que, tal como aconteceu em todos os outros lugares do mundo, destrói as variedades de sementes de plantas quando é introduzido o agribusiness industrializado da monocultura? E em simultâneo estão a investir dezenas de milhões de dólares para preservar todas as variedades de sementes conhecidas numa caverna de fim do mundo, à prova de bombas, perto do longínquo Círculo Árctico, 'para que se possa conservar a variedade das espécies para o futuro', para voltar a repetir o seu comunicado oficial?

    Não é por acaso que as fundações Rockefeller e Gates se uniram para impulsionar uma Revolução Verde estilo OGM em Africa ao mesmo tempo que estão a financiar discretamente a 'caverna de sementes do fim do mundo' em Svalbard. Os gigantes do agribusiness OGM estão enterrados até às orelhas no projecto Svalbard.

    Toque de Artista na Caverna do Fim do Mundo Svalbard

    Na realidade, todo o empreendimento de Svalbard e as pessoas nele envolvidas fazem lembrar as imagens catastróficas do bestseller de Michael Crichton, 'O Enigma de Andrómeda', um filme arrepiante de ficção científica em que uma doença mortal de origem extraterrestre provoca a rápida e fatal coagulação do sangue ameaçando toda a espécie humana. Em Svalbard, o futuro repositório de sementes mais seguro do mundo vai ser guardado pelos polícias da Revolução Verde OGM – as Fundações Rockefeller e Gates, a Syngenta, a DuPont e a CGIAR.

    O projecto Svalbard vai ser dirigido por uma organização chamada Global Crop Diversity Trust (GCDT). Quem são eles para guardarem este depósito impressionante de todas as variedades de sementes do planeta? O GCDT foi fundado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pela Bioversity International (antigo Instituto Internacional de Investigação Genética de Plantas), um desdobramento do CGIAR.

    O Trust tem sede em Roma. O seu conselho é presidido por Margaret Catley-Carlson, uma canadiana que também está no conselho consultivo do Group Suez Lyonnaise des Eaux, uma das maiores companhias privadas de água do mundo. Catley-Carlson também foi presidente até 1998 do Population Council, com sede em Nova Iorque, a organização para redução da população de John D. Rockefeller, fundada em 1952 para promover o programa de eugenia da família Rockefeller sob a capa de propaganda "planeamento familiar", dispositivos para controlo de nascimentos, esterilização e "controlo da população" nos países em desenvolvimento.

    Um outro membro do conselho do GCDT é Lewis Coleman, antigo executivo do Bank of America, actualmente chefe da Hollywood DreamWorks Animation. Coleman é também o principal director do conselho da Northrup Grumman Corporation, uma das maiores empreiteiras americanas da indústria militar, com contratos com o Pentágono.

    Jorio Dauster (Brasil) é também presidente do conselho da Brasil Ecodiesel. Foi embaixador do Brasil na União Europeia e negociador principal da dívida externa do Brasil para o ministro das Finanças. Dauster também foi presidente do Instituto Brasileiro do Café e coordenador do 'Projecto para a Modernização do Sistema de Patentes do Brasil', que envolve a legalização de patentes de sementes que são geneticamente modificadas, uma coisa que até há pouco tempo era proibida pelas leis do Brasil.

    Cary Fowler é o director executivo do Trust. Fowler foi professor e director de investigação no Departamento para o Ambiente Internacional & Estudos de Desenvolvimento na universidade norueguesa de Ciências da Vida. Foi também um consultor sénior do director-geral da Bioversity International. Representou ali os Centros Futuros de Searas do CGIAR em negociações sobre o Tratado Internacional para os Recursos Genéticos de Plantas. Nos anos 90 chefiou o Programa Internacional para os Recursos Genéticos de Plantas na FAO. Delineou e supervisionou as negociações do Plano Global de Acção da FAO para os Recursos Genéticos de Plantas, adoptado por 150 países em 1996. É membro antigo do Conselho Nacional dos Recursos Genéticos de Plantas dos EUA e do conselho de administração do Centro Internacional do Melhoramento do Milho e do Trigo no México, mais um projecto da Fundação Rockefeller e do CGIAR.

    O Dr. Magla Rai da Índia, membro do conselho do GCDT, é o secretário do Departamento da Investigação e Educação Agrícola da Índia (DARE) e director-geral do Conselho Indiano para a Investigação Agrícola (ICAR). É também membro do conselho do Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IRRI) da Fundação Rockefeller, que promoveu a primeira grande experiência GMO do mundo, o tão apregoado 'Arroz de Ouro' que veio a ser um falhanço. Rai foi membro do conselho do CIMMYT (Centro Internacional do Melhoramento do Milho e do Trigo) e membro do conselho executivo do CGIAR.

    Os Global Crop Diversity Trust Donors, ou anjos financiadores, incluem também, nas palavras de Humphrey Bogart no clássico Casablanca, 'todos os suspeitos habituais'. Além das Fundações Rockefeller e Gates, os Doadores incluem os gigantes OGM's DuPont-Pioneer Hi-Bred, Syngenta de Basle na Suiça, o CGIAR e a USAID, uma organização do Departamento de Estado para ajuda ao desenvolvimento, pró-OGM no que se refere a energia. Na verdade, parece que temos as raposas do OGM e da redução da população a guardar o galinheiro da humanidade, o armazém em Svalbard global da diversidade de sementes. [8]

    Svalbard agora, porquê?

    É legítimo perguntar porque é que Bill Gates e a Fundação Rockefeller em conjunto com os principais gigantes do agribusiness da engenharia genética, como a DuPont e a Syngenta, e ainda com o CGIAR estão a construir a Caverna das Sementes do Juízo Final lá no Árctico.

    Primeiro que tudo, quem utiliza um banco de sementes destes? Os principais utilizadores dos bancos genéticos são os produtores de plantas e os investigadores. Os maiores produtores actuais de plantas são a Monsanto, a Dupont, a Syngenta e a Dow Chemical, os gigantes GMO globais que patenteiam plantas. Desde o início de 2007 que a Monsanto detém, em conjunto com o governo dos Estados Unidos, os direitos mundiais da patente da planta chamada 'Terminator' ou Tecnologia de Restrição de Uso Genético (Genetic Use Restriction Technology, GURT). O Terminator é uma tecnologia sinistra pela qual uma semente comercial patenteada se 'suicida' após uma colheita. O controlo das companhias privadas de sementes é total. Nunca existiu na história da humanidade um tal controlo e um tal poder destes sobre a cadeia alimentar.

    Esta característica do Terminator habilmente engendrada geneticamente obriga os agricultores a recorrer todos os anos à Monsanto ou a outros fornecedores de sementes OGM para obter novas sementes de arroz, soja, milho, trigo, ou outros cereais de que precisem para alimentarem as suas populações. Se for introduzido em grande escala em todo o mundo, pode, talvez dentro de uma década, tornar a maioria dos produtores de alimentos do mundo em servos feudais, escravos de três ou quatro gigantescas companhias de sementes como a Monsanto ou a DuPont ou a Dow Chemical.

    Claro que isso também pode dar azo a que essas companhias privadas, porventura por ordem do seu governo local, Washington, recusem sementes a este ou aquele país em desenvolvimento cuja política possa ir contra a de Washington. Aqueles que dizem 'aqui isso não pode acontecer' deviam observar com mais atenção os actuais acontecimentos internacionais. A mera existência dessa concentração de poder em três ou quatro gigantes do agribusiness com base nos EUA é uma razão para o boicote legal de todos os cereais OGM, mesmo que os seus ganhos em colheitas fossem reais, o que manifestamente não são.

    Estas companhias privadas, a Monsanto, a DuPont e a Dow Chemical, nem sequer têm um registo imaculado em termos de protecção da vida humana. Desenvolveram e proliferaram inovações como a dioxina, os bifenis policlorinados, o agente laranja. Encobriram durante décadas indícios óbvios cancerígenos e de outras consequências graves para a saúde humana decorrentes do uso dos químicos tóxicos. Enterraram relatórios científicos sérios sobre o facto de o herbicida mais utilizado a nível mundial, o glifosato, o ingrediente essencial do herbicida Roundup da Monsanto que está relacionado com a compra da maioria das sementes manipuladas geneticamente pela Monsanto, é tóxico quando se infiltra na água potável. [9] A Dinamarca proibiu o glifosato em 2003 quando se confirmou que tinha contaminado as águas subterrâneas do país. [10]

    A diversidade armazenada em bancos genéticos de sementes é a matéria-prima para a produção de plantas e extremamente importante para a investigação biológica básica. Todos os anos são distribuídas para esses fins várias centenas de milhares de amostras. A FAO das Nações Unidas lista uns 1 400 bancos de sementes em todo o mundo, sendo o maior deles propriedade do governo dos Estados Unidos. Outros grandes bancos situam-se na China, na Rússia, no Japão, na Índia, na Coreia do Sul, na Alemanha e no Canadá, por ordem decrescente de dimensão. Além disso, o CGIAR administra uma cadeia de bancos de sementes em centros seleccionados a nível mundial.

    O CGIAR, fundado em 1972 pela Fundação Rockefeller e pela Fundação Ford para disseminar o seu modelo de agribusiness Revolução Verde, controla a maior parte dos bancos privados de sementes desde as Filipinas até à Síria e ao Quénia. Em todos estes bancos de sementes mantém mais de seis milhões e meio de variedades de sementes, das quais quase dois milhões são 'distintas'. A Caverna do Fim do Mundo Svalbard vai ter capacidade para albergar quatro milhões e meio de sementes diferentes.

    OGM como arma de guerra biológica?

    E chegamos agora ao cerne do perigo e do potencial para a utilização indevida inerente ao projecto Svalbard de Bill Gates e da fundação Rockefeller. Será que o desenvolvimento de sementes patenteadas para os cereais de sustento fundamental da maior parte do mundo, como o arroz, o trigo, o milho e as plantas de forragem como a soja possa acabar por vir a ser utilizado numa horrível forma de guerra biológica?

    O objectivo explícito do grupo de pressão para a eugenia financiado por abastadas famílias de elite, como os Rockefeller, os Carnegie, os Harriman e outros desde os anos 20, corporizou aquilo a que chamaram 'eugenia negativa', a eliminação sistemática de descendências indesejáveis. Margaret Sanger, uma eugenista apressada, fundadora da Paternidade Planeada Internacional e íntima da família Rockefeller, em 1939 criou algo chamado The Negro Project, com base em Harlem, o qual, como ela confidenciou numa carta a um amigo, era todo sobre o facto de que, como ela afirmou, 'queremos exterminar a população negra'. [11]

    Em 2001 uma pequena companhia de biotecnologia da Califórnia, a Epicyte, anunciou o desenvolvimento de trigo geneticamente manipulado que continha um espermicida que tornava estéril o sémen dos homens que o comessem. Na época a Epicyte fez um acordo de associação para disseminar esta tecnologia com a DuPont e a Syngenta, dois dos patrocinadores da Caverna de Sementes do Fim do Mundo Svalbard. A Epicyte foi depois comprada por uma companhia de biotecnologia da Carolina do Norte. O que é de espantar é que a Epicyte desenvolveu o seu trigo OGM espermicida com financiamentos para investigação do Departamento da Agricultura americano, o mesmo departamento que, apesar da oposição mundial, continuou a financiar o desenvolvimento da tecnologia Terminator, hoje propriedade da Monsanto.

    Nos anos 90, a Organização Mundial de Saúde das Nações Unidas desencadeou uma campanha para vacinar milhões de mulheres na Nicarágua, no México e nas Filipinas, de idades compreendidas entre os 15 e os 45 anos, supostamente contra o tétano, uma doença que pode ser provocada por pisar um prego enferrujado, por exemplo. A vacina não foi administrada a homens ou rapazes, apesar de presumivelmente eles poderem igualmente pisar pregos enferrujados tal como as mulheres.

    Perante esta anomalia estranha, o Comité Pró Vida do México, uma organização laica católica romana, ficou desconfiada e mandou testar amostras da vacina. Os testes revelaram que a vacina do tétano que estava a ser administrada pela OMS apenas a mulheres em idade de procriarem, continha gonadotrofina coriónica (HCG) humana, uma hormona natural que, quando combinada com um portador toxóide de tétano estimula anticorpos tornando a mulher incapaz de manter uma gravidez. Nenhuma das mulheres vacinadas foi informada disso.

    Soube-se mais tarde que a Fundação Rockefeller em conjunto com o Conselho da População de Rockefeller, o Banco Mundial (anfitrião do CGIAR) e os Institutos Nacionais de Saúde dos EU, tinham estado todos envolvidos num projecto que durou 20 anos, iniciado em 1972, para desenvolver a escondida vacina de aborto com um portador de tétano para a OMS. Mais ainda, o governo da Noruega, o anfitrião da Caverna de Sementes do Fim do Mundo Svalbard, doou 41 milhões de dólares para desenvolver a vacina especial abortiva do tétano. [12]

    Será coincidência que estas mesmas organizações, desde a Noruega à Fundação Rockefeller, passando pelo Banco Mundial, estejam também envolvidas no projecto do banco de sementes de Svalbard? Segundo o Prof. Francis Boyle, que redigiu a Lei Antiterrorista de Armas Biológicas de 1989 aprovada pelo Congresso dos EUA, o Pentágono 'está agora empenhado em travar e ganhar a guerra biológica', objectivo integrado nas duas directivas de estratégia nacional de Bush adoptadas em 2002, 'sem conhecimento nem análise pública', segundo ele faz notar. Boyle acrescenta que só em 2001-2004 o governo federal dos EUA gastou em trabalhos civis relacionados com a guerra biológica, 14,5 mil milhões de dólares, uma soma incrível.

    O biólogo Richard Ebright, da Universidade de Rutgers, calcula que mais de 300 instituições científicas e cerca de 12 mil pessoas individuais nos EUA têm actualmente acesso a elementos patogénicos adequados à guerra biológica. Só doações dos Institutos Nacionais de Saúde do governo americano para investigação de doenças infecciosas com potencial para guerra biológica, há 497. Claro que isto é hoje justificado sob a rubrica da defesa contra possíveis ataques terroristas.

    Muitos dos dólares do governo americano gastos na investigação da guerra biológica envolvem engenharia genética. O professor de biologia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Jonathan King, diz que os 'crescentes programas de terrorismo biológico representam um perigo emergente significativo para a nossa população'. King acrescenta que, 'embora esses programas sejam sempre rotulados de defensivos, quando se trata de armas biológicas, os programas defensivos e ofensivos sobrepõem-se quase completamente'. [13]

    O tempo o dirá, que Deus nos proteja, se o Banco de Sementes do Fim do mundo Svalbard de Bill Gates e da Fundação Rockefeller, faz parte de outra Solução Final, desta vez envolvendo a extinção do defunto Grande Planeta Terra.

    03/Dezembro/2007
    NOTAS
    1- F. William Engdahl, Seeds of Destruction: The Hidden Agenda of Genetic Manipulation, Montreal, (Global Research Press, 2007).
    2- Ibid, pp.72-90.
    3- John H. Davis, Harvard Business Review, 1956, citado em Geoffrey Lawrence, Agribusiness, Capitalism and the Countryside, Pluto Press, Sydney, 1987. Ver também Harvard Business School, The Evolution of an Industry and a Seminar: Agribusiness Seminar, http://www.exed.hbs.edu/programs/agb/seminar.html .
    4- Engdahl, op cit., p. 130.
    5- Ibid. P. 123-30.
    6- Myriam Mayet, The New Green Revolution in Africa: Trojan Horse for GMOs?, May, 2007, African Centre for Biosafety, www.biosafetyafrica.net .
    . 7- ETC Group, Green Revolution 2.0 for Africa?, Communique Issue #94, March/April 2007.
    8- Global Crop Diversity Trust website, in http://www.croptrust.org/main/donors.php .
    9- Engdahl, op. cit., pp.227-236.
    10- Anders Legarth Smith, Denmark Bans Glyphosates, the Active Ingredient in Roundup, Politiken, September 15, 2003, in organic.com.au/news/2003.09.15 .
    11- Tanya L. Green, The Negro Project: Margaret Sanger's Genocide Project for Black American's, in www.blackgenocide.org/negro.html .
    12- Engdahl, op. cit., pp. 273-275; J.A. Miller, Are New Vaccines Laced With Birth-Control Drugs?, HLI Reports, Human Life International, Gaithersburg, Maryland; June/July 1995, Volume 13, Number 8.
    13- Sherwood Ross, Bush Developing Illegal Bioterror Weapons for Offensive Use,' December 20, 2006, in www.truthout.org .


    [*] Autor de Seeds of Destruction, the Hidden Agenda of Genetic Manipulation acabado de publicar pela Global Research. É também autor de A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order . Mais artigos do autor em www.engdahl.oilgeopolitics.net e Global Research. Contacto: info@engdahl.oilgeopolitics.net .

    O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=7529.
    Tradução de Margarida Ferreira.