"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, março 23, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 23/03/07

Da 'desgauchização' à 'desparanização' das economias locais. Artigo de Cesar Sanson
Comentando as notícias diárias sobre a venda de empreas gaúchas e paranaenses, Cesar Sanson, pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT e doutorando em Ciências Sociais na UFPR, escreveu e enviou o seguinte artigo.
"Não são apenas os gaúchos que vêem as suas tradicionais empresas de capital local serem engolidas pelas grandes players da economia global como foi noticiado pelas Notícias do Dia do IHU. No Paraná ocorre processo semelhante. E mais um capítulo dessa história concretizou-se com a compra da centenária Matte Leão pela Coca-Cola.
A Matte Leão soma-se ao que aconteceu com outras empresas paranaenses. No setor eletroeletrônico, a Refripar que fabricava os refrigeradores Prosdócimo foi tragada pela gigante transnacional Eletrolux; na área do comércio atacadista, as redes locais de supermercados Demeterco e Coletão, de tradicionais famílias paranaenses, sucumbiram ao grupo português Sonae - bandeira Big - que por sua vez já foi arrematada pelo grupo americano Wal Mart. No setor financeiro, o Bamerindus foi comprado pelo grupo inglês HSBC e por aí segue.
A fundação da Matte Leão data de 1901 e foi uma das forças da economia local no início do século passado no contexto do 'ciclo da erva-mate'. A pujança da erva-mate no Estado foi tão significativa que possibilitou a organização de uma burguesia local - os 'barões do mate' que rivalizaram em riqueza e ostentação com os 'barões do café' de São Paulo. Até hoje a bandeira do Paraná ostenta um ramalhete de folhas de erva mate. A sua vitalidade econômica empurrou o Estado na sua luta de emancipação da Província paulista.
A empresa nos anos 30 exportava erva para Montevidéu e Buenos Aires e nos anos 80 tornou-se líder da indústria de erva mate e chás no Brasil. Segundo o economista Nelson Luiz Paula de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças no Paraná (Ibef-PR), "a Matte Leão é uma das últimas jóias da coroa paranaense em boa situação. Sobraram poucas empresas genuinamente paranaenses com uma marca de destaque".
O desaparecimento de marcas locais tradicionais no Paraná, no Rio Grande do Sul e em outros estados do país não é novidade. Para quem não consegue ser player no mercado mundial resta a opção da fusão ou da venda. Uma terceira alternativa acaba sendo o simples sumiço. As empresas locais não conseguem rivalizar com as grandes corporações transnacionais - portadoras de mais tecnologia e competitividade. Entretanto, uma outra razão para a fragilização das economias locais deve-se a opção de inserção subordinada que o Brasil realizou junto à nova ordem econômica internacional a partir dos anos 90.
As conseqüências desse processo são descritas por Milton Santos em seu livro O Brasil: Território e sociedade no início do século XXI escrito em co-autoria com a argentina María Laura Silveira. Milton Santos, estudioso da configuração das novas territorialidades desenhadas pelo "novo" capitalismo mundial, adverte: "A presença numa localidade de uma grande empresa global incide sobre a equação do emprego, a estrutura do consumo consumptivo e do consumo produtivo, o uso das infra-estruturas materiais e sociais, a composição dos orçamentos públicos, a estrutura do gasto público e o comportamento das outras empresas, sem falar na própria imagem do lugar e no impacto sobre os comportamentos individuais e coletivos, isto é, sobre a ética".

Instituto Humanitas Unisinos - 23/03/07

Concorrência do futuro Banco do Sul inquieta Washington
Até recentemente, pouca gente levava a sério a idéia do venezuelano Hugo Chávez de estabelecer um banco de desenvolvimento sul-americano. A notícia é do jornal Financial Times e traduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, 23-03-2007.
Mas, com a promessa do ministro das Finanças venezuelano, nesta semana, de que o Banco do Sul proposto por Chávez começará a distribuir empréstimos já no ano que vem, as tradicionais instituições de crédito estão encarando a possibilidade de concorrência.
Oficialmente, os dois potenciais rivais da nova instituição, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no qual os EUA detêm 30% de participação, e a Corporação Andina de Fomento, de menor porte, receberam bem a notícia, alegando que não faltariam oportunidades para todos.
Mas, a portas fechadas, existem preocupações. Uma pessoa que conhece bem o BID diz que o Banco do Sul, especialmente se o Brasil decidir participar, representaria a maior ameaça ao BID desde a série de moratórias das economias latino-americanas nos anos 80. "Com o dinheiro da Venezuela e a vontade política da Argentina e do Brasil, haveria um banco com reservas substanciais de caixa à disposição e uma abordagem política diferente. Ninguém vai dizer isso em público, mas não gostamos da idéia."
O BID teme que, no pior cenário, possa se ver reduzido a um banco apoiado pelos EUA e por seus dois principais aliados na região, México e Colômbia. Uma questão crucial é se o Brasil vai aderir ao Banco do Sul. Nesta semana, Paulo Bernardo, ministro do Planejamento, disse que "um reforço significativo da Corporação Andina" seria "talvez a melhor alternativa" ao Banco do Sul.

Instituto Humanitas Unisinos - 23/03/07

Governo planeja poupança para estudantes
O Ministério do Desenvolvimento Social estuda criar um mecanismo para estimular a manutenção da criança na escola, possibilitando a seqüência dos estudos e da formação profissional. A idéia é abrir uma poupança para criança a partir do primeiro ano escolar. A conta seria mantida com depósitos mensais de R$ 15, valor atual da parcela variável do Bolsa Família, e os recursos só poderiam ser sacados com a conclusão do ensino básico. A notícia é do portal G1, 22-03-2007. “Com esse depósito mensal na conta da criança, ela teria um pecúlio para prosseguir nos estudos ou para montar um pequeno negócio”, disse o ministro Patrus Ananias nesta quinta-feira. “A proposta ainda está amadurecendo”, prosseguiu o ministro. Patrus esquivou-se de dizer se a conta poupança já tem aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou apenas que “o presidente tem simpatia por todas as idéias que visam melhorar a condição do povo”. Apesar de a criação da poupança ainda não estar fechada, duas outras propostas referentes ao Bolsa Família estão na mesa do presidente. A primeira é a correção do benefício do Bolsa Família e a outra é elevar de 15 para 18 anos a idade do jovem que recebe também auxílio do programa. Aumento do benefício
A idéia é corrigir os benefícios em 16%, que é o acumulado do INPC de outubro de 2003 até hoje. Uma família cadastrada no programa recebe uma parcela fixa de R$ 50 e outra variável de R$ 15 por criança matriculada na escola, desde que o valor não ultrapasse os R$ 45. A criação da poupança não tem vínculo com esses benefícios. Patrus justificou o aumento da idade em pesquisas do Ministério. “Nossos estudos demonstram que a maioria dos jovens não consegue concluir a oitava série até os 15 anos”, afirmou. O ministro participou de uma reunião sobre ações na área social com o vice-presidente José Alencar, outros 13 ministros, entre eles Guido Mantega (Fazenda), Dilma Rousseff (Casa Civil), Fernando Haddad (Educação) José Gomes Temporão (Saúde), e presidentes de estatais, Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
A proposta do governo se inspira em Cristóvam Buarque, que quando governador de Brasília pelo PT, implantou a Poupança-Escola. Assim que ontem, Cristóvam Buarque, comentando a proposta, afirmou, segundo o blog de Ricardo Noblat: "Estou quase entrando de novo no governo".
Aos jovens
Essas iniciativas fazem parte dos esforços do governo de focar a política social nos jovens. Essa segunda reunião da área social serviu para formular propostas para integrar as políticas ministeriais. Caberá à ministra Dilma Rousseff a coordenação das ações do governo. Lula quer que as políticas tenham foco nos jovens das periferias. A meta é evitar que as crianças sejam atraídas para a vida do crime antes de criar vínculos com os estudos. “O presidente explicitou também o desafio que o mobiliza que é a integração das políticas para os jovens, especialmente das periferias das grandes cidades. O governo vai fazer uma ação vigorosa que implica confluência das ações do governo”, disse Patrus. Além do foco nos jovens, o governo quer mecanismos para analisar o impacto e a fiscalização dos repasses dos recursos. Uma das idéias, por exemplo, é criar um cadastro único dos programas sociais, cruzando os dados com o consumo de energia mensal e o cadastro do PIS/Pasep. “Queremos integrar os programas porque temos o compromisso com as ações complementares. Nós objetivamos a emancipação das famílias através do trabalho. O objetivo é que o trabalho possam se tornar autônomas e auto-suficientes”, disse Patrus.

Instituto Humanitas Unisinos - 23/03/07

‘Lula é um fiador do mercado financeiro:, afirma Soros. Segundo ele, ' Lula é uma alternativa a Chávez'

“Lula foi muito precavido ao tornar-se um fiador do mercado financeiro”, constata George Soros em entrevista publicada no jornal Valor, 23-03-2007.
O megainvestidor, que durante a campanha eleitoral de 2002, declarou que o mercado reagiria muito mal caso José Serra, então candidato do PSDB, perdesse as eleições para Lula (PT) afirma na entrevista:
“Lula foi muito precavido ao tornar-se um fiador do mercado financeiro. Manteve as mesmas políticas econômicas. Essa decisão fez que ele tivesse sua ação limitada para as políticas de redução da desigualdade no país. Mesmo assim, acho que o Brasil, tanto no governo de (Fernando Henrique) Cardoso quanto no de Lula, está com uma política razoável para minimizar a pobreza. O progresso, porém, está muito lento. Isso ocorre por causa da alergia do mercado financeiro ao risco. Basicamente, o Brasil está num caminho construtivo e realmente oferece uma alternativa a (Hugo) Chávez. O problema é o grau de corrupção que se desenvolveu sob o governo Lula. Aliás, isso é um problema sério para o país, pois compromete a atração de investimentos. O problema maior, porém, é que a corrupção funciona como um imposto extra para as pessoas comuns.”

Instituto Humanitas Unisinos - 23/03/07

‘Sou provavelmente um dos maiores produtores de etanol no Brasil’, afirma George Soros
"Como investidor, sou provavelmente um dos maiores produtores de etanol no Brasil, por meio da Adeco". A afirmação é do megaespeculador George Soros, em entrevista publicada hoje no jornal Valor, 23-03-2007.
Na entrevista ele afirma:
“Acho que o etanol é uma alternativa muito atraente. Como investidor, sou provavelmente um dos maiores produtores de etanol no Brasil, por meio da Adeco. Acho que é uma alternativa válida como fonte de energia, especialmente quando você leva em conta que ela não polui. Estou convencido de que brevemente poderemos pôr um preço na poluição e isso deve consolidar o etanol como fonte de energia. Deverá haver um custo estimado de US$ 30 por tonelada de gases de estufa. Não sei se vai ser feito por meio de imposto, mas será necessário cobrar. Não é possível continuar usando energia não renovável. Será preciso tomar uma decisão enérgica para acabar com os gases do efeito estufa. O problema é que não temos e não teremos etanol suficiente para repor o carvão. A única alternativa para o carvão é o carvão limpo”.
Segundo o jornal, George Soros é um dos principais investidores da Adeco, empresa de agronegócios que atua no Brasil e na Argentina. Soros começou a investir no setor agrícola há seis anos, quando adquiriu terras na Argentina. Na ocasião, o país enfrentava uma das piores crises político-econômicas de sua história. Em 2002, associou-se a três outros investidores e comprou a empresa Pecom Agropecuária por aproximadamente US$ 25 milhões.
Os novos investidores rebatizaram a companhia de Adeco e injetaram recursos para a produção de soja, milho, trigo, arroz e girassol, além de aplicar dinheiro em pecuária para corte e leite. Ao todo, a Adeco tem 100 mil hectares na Argentina. O faturamento da companhia no país é de US$ 30 milhões.
"A empresa começou a atuar no Brasil em 2002, com produção de soja, milho e algodão", conta Marcelo Vieira, diretor de açúcar e álcool da Adeco.
"No ano passado, adquiriu a usina Monte Alegre, em Minas Gerais, que pertencia à minha família e produz etanol desde 1960."

quarta-feira, março 21, 2007

Relevo Brasileiro em Power Point

http://www.slideshare.net/mayhem/relevo-brasileiro-1/

http://www.slideshare.net/mayhem/relevo-brasileiro-2/

terça-feira, março 20, 2007

Mapa Relevo

http://www.eciencia.usp.br/site_2005/laboratoriovirtual/abrirjanela2.htm

Mapas Formação Territorial

http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=315

Instituto Humanitas Unisinos - 20/03/07

América Latina. Segundo maior mercado para pobres

A América Latina é o segundo maior mercado no mundo para as empresas que oferecem produtos e serviços aos pobres, atrás apenas da Ásia . Porém, representa um mercado de mais fácil acesso, segundo relatório divulgado ontem. A notícia é do portal G1, 20-03-2007.
A Ásia (inclusive Oriente Médio) é o maior mercado mundial para a "base da pirâmide", composta por consumidores com poder de compra de até US$ 3 mil por ano, segundo o relatório conjunto do IFC (braço do Banco Mundial para o setor privado) e do Instituto Mundial de Recursos.
A Ásia tem 2,8 bilhões de pessoas, ou 83% da região, na base da pirâmide de consumo, com uma renda total de US$ 3,47 trilhões, representando 42% da soma de todo o poder de compra da região.
Mas muitos desses consumidores pobres na Ásia não são tão urbanizados quanto os que estão na mesma situação na América Latina.
"A América Latina é muito mais urbana, inclusive no segmento de baixa renda", disse Allen Hammond, vice-presidente do Programa de Empreendimento para Projetos Especiais e Inovação Sustentável, do Instituto Mundial de Recursos, em entrevista por telefone.
"Do ponto de vista empresarial, ter distribuição para as favelas é mais fácil do que distribuir para áreas rurais", afirmou.
A América Latina tem uma base de pirâmide com poder 360 milhões de pessoas (70% do total) e poder de consumo de US$ 509 bilhões por ano (28% do total da região).
O Leste Europeu e a África vêm em seguida nesse ranking, com "bases de pirâmide" com poder de compra anual de US$ 458 e 429 bilhões, respectivamente.
Esses consumidores basicamente trabalham no setor informal e geralmente não têm conta bancária, segundo Hammond. A maioria vive em assentamentos clandestinos, muitas vezes sem acesso a água, luz, saneamento, eletricidade e saúde.
Hammond disse que, embora a maioria das empresas ainda dispute os dólares da classe média, a rápida expansão do celular pré-pago na América Latina mostra que existe um modelo de negócios bem sucedido voltado para os pobres.
"O celular transformou as vidas da base da pirâmide mais do que toda a ajuda ao desenvolvimento colocada junta", afirmou. "Se você trabalha na economia informal, se você pinta casas e limpa casas, como as pessoas vão te contratar se você não tem um celular", argumentou Hammond.
Ele acha que a próxima grande tendência, em lugares como Filipinas e África do Sul, será a migração de serviços financeiros e remessas de divisas para os celulares. "Você será pago pelo telefone. E é muito mais seguro do que ficar carregando dinheiro."
Outras áreas não atendidas pelo setor público, como saúde e educação, também oferecem boas oportunidades para empresas em determinadas regiões -- o que não ocorre no Leste Europeu, por exemplo, que é muito urbanizado.
"Há melhores serviços públicos no Leste Europeu, porque eles foram todos feitos dentro do modelo socialista", afirmou.
Farmácias e clínicas que prosperam em bairros pobres mexicanos no sistema de franquia são um bom exemplo desse fenômeno. "O atendimento à saúde normalmente é uma responsabilidade pública, mas os serviços não estão funcionando. Então as pessoas simplesmente pagam para receber isso."

Instituto Humanitas Unisinos - 20/03/07

Brasileiros pobres respondem por 34,5% do consumo
O Banco Mundial divulgou ontem um estudo inédito sobre a participação das pessoas que compõem a base da pirâmide social no mercado de consumo global. Verificou-se que os mais pobres do mundo somam 4 bilhões de pessoas. Juntas, formam um vigoroso mercado de consumo de US$ 5 trilhões. A notícia é do blog de Josias de Souza, 20-03-2007. A pesquisa tomou como pobres os consumidores com renda anual de US$ 3 mil –algo como R$ 6.200 por ano; ou R$ 516 por mês. No Brasil, esse naco de consumidores mais pobres representa 70,7% da população. Para um mercado total estimado em US$ 527 bilhões, os brasileiros pobres entram com US$ 181 bilhões. Não é pouca coisa. Corresponde a 34,5% do total do mercado de consumo interno do país. Em reais, significa algo como R$ 376 bilhões. Fatiando os hábitos de consumo dos pobres, o Banco Mundial constatou o óbvio. No Brasil, eles gastam pouquíssimo, quase nada, com a formação de suas crianças. Esses 70% da população respondem por escassos 8% do consumo nacional com educação. Natural. O pobre precisa, antes de mais nada, encher a geladeira. Mas não deixa de ser trágico. Uma curiosidade: os brasileiros assentados na base da pirâmide social respondem por 57,8% de todo o gasto nacional com energia elétrica no mercado doméstico. Quem lê o estudo do Banco Mundial fica com a impressão de que a distribuição de renda não deveria ser uma bandeira da esquerda caduca. Teria de ser empunhada por qualquer empresário que esteja interessado no progresso de seu negócio. Com uma política sólida e duradoura de partilha das riquezas nacionais, o Brasil construiria um mercado interno capaz de proporcionar índices vistosos crescentes de crescimento do seu PIB. Se der aos filhos da pobreza uma escola decente, aí mesmo é que o país deslancharia de vez. Encher os bolsos do pobre deveria ser uma prioridade da direita empresarial. Ou, por outra, deveria ser um objetivo supra-ideológico.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/03/07

Por que o Brasil não cresce. Entrevista com Ricardo Carneiro

O baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que em 2006 foi de 2,9%, sintetiza a fragilidade da política econômica doméstica levada a cabo nos últimos anos. As razões para o fraco desempenho são muitas, a começar da falta de instrumentos de planejamento nas áreas de infra-estrutura e industrial, passando pela condução da política macroeconômica – cujo eixo é a sobredosagem dos juros e o uso indiscriminado da taxa de câmbio para manter a inflação sob controle –, para culminar com a supremacia das finanças sobre a produção. Até os ganhos obtidos na área social – programas distributivos e aumento da renda, do salário mínimo e do nível do emprego – correm risco de virar poeira caso o país não decole, em razão da mordida cada vez maior em fatias do Orçamento. E a despeito da conjuntura internacional favorável, cuja duração é uma incógnita, o país continuou a reboque de solavancos. A reportagem é do Jornal da Unicamp, 19 a 25 de março de 2007.
A avaliação é do economista Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp (IE). O docente e seus colegas do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/IE) já vinham fazendo análises sistemáticas que foram difundidas em sete edições do boletim eletrônico Política Econômica em Foco, produzido desde 2003. A síntese desses estudos acaba de ser exposta no livro A supremacia dos mercados e a política econômica do governo Lula (Editora Unesp/Fapesp), talvez a mais aprofundada investigação dos quatros anos da primeira gestão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Organizada por Carneiro, a obra reúne uma introdução e dez capítulos – escritos por 11 docentes do IE – divididos em três grandes blocos: contexto internacional, estabilidades e políticas macroeconômicas, e crescimento econômico e políticas de desenvolvimento.
“O livro não faz profecias, mas aponta os desequilíbrios e anuncia esses ajustes que vêm ocorrendo no campo internacional”, observa Carneiro em entrevista concedida ao Jornal da Unicamp. Nesta entrevista, o intelectual analisa os descompassos e assimetrias da política econômica brasileira. “A sustentabilidade do modelo adotado é muito questionável”.
Eis a entrevista.
Quais são as principais conclusões do livro?
As conclusões não são nada otimistas. Analisando o governo Lula, constatamos que foram registrados ganhos em algumas áreas. Ocorre que esses ganhos ficaram aquém do que poderia ter sido feito ao longo do governo. Mais do que isto: eles foram de fato resultantes, na área econômica, de uma conjuntura internacional muito favorável. Se essa conjuntura mudar, uma grande parte desses ganhos será revertida.
Por exemplo, foram registrados ganhos na área externa. As exportações cresceram muito rapidamente. Isso possibilitou que esse momento fosse aproveitado, sobretudo pelo setor público, para pagar parte da dívida. Houve, portanto, uma melhoria da chamada vulnerabilidade externa. Mas, ao mesmo tempo, a sustentabilidade desses ganhos é muito questionável diante de uma reversão do cenário internacional.
Por quais motivos?
Por duas razões. Primeiro, porque o crescimento das exportações foi muito fundado em commodities primárias e industriais. Trata-se, portanto, de uma composição de comércio muito ruim. Ela é, por exemplo, muito mais sensível aos ciclos internacionais que a composição baseada em manufaturados de média e alta tecnologias. Desse ponto de vista, o fato de a taxa de câmbio ter se valorizado é péssimo, pois impede que avancemos no sentido de um comércio exterior de melhor qualidade.
A segunda razão deve-se ao fato de que, embora seja verdade que o governo tenha quitado parte da dívida, o país abriu ainda mais a sua economia na área financeira. O Brasil recebeu, sobretudo em 2005 e 2006, uma avalanche de capitais de curto prazo. Abriu-se o mercado de dívidas públicas para estrangeiros e a Bolsa recebeu muito capital especulativo.
Isto certamente será testado nos ajustes que serão feitos neste ano e em 2008. Na verdade, os economistas não têm capacidade de fazer previsão. Na minha opinião, sairemos um pouco chamuscados desse teste. Se o país se sair bem nesse ajuste internacional, que é quase inevitável, a vulnerabilidade externa pode ter sido superada. Do contrário, veremos até onde vai essa fragilidade.
E os demais ganhos?
Registraram-se ganhos também nas áreas de distribuição de renda e emprego. Neste último caso, em razão da economia voltar a crescer comandada pelas exportações. São setores mais formalizados, grandes empresas etc. Por outro lado, num primeiro momento do governo, as importações cresceram muito pouco. O câmbio era favorável à produção doméstica. Mas, já no final, registrou-se uma desaceleração do emprego, a ponto de motivar um pronunciamento do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, quanto à posição da taxa de câmbio. Ele vê claramente que isto já está tirando emprego no âmbito doméstico.
Ou seja, houve uma performance boa do emprego, mas ela não é sustentável. Na distribuição de renda, registramos ganhos importantes mas eles estão vinculados sobretudo à desaceleração muito forte da inflação. De novo, a taxa de câmbio teve um peso importante na queda da inflação. É claro que isto é, de certa forma, artificial. A pergunta é: quanto tempo vai durar?
Houve também a implantação dos programas distributivos. Eles foram importantes – o aumento do salário mínimo, a questão do bolsa-família etc. O aumento do salário mínimo sobretudo foi central, já que ele é o indexador da política social. Tudo é referenciado a ele. Qual o problema? Trata-se de uma política necessária, importante que seja feita, mas que só é sustentável se houver crescimento econômico.
Onde está a assimetria?
Vai haver um comprometimento cada vez maior do Orçamento com essas políticas. É despejada uma conta vez maior na política social. Desse ponto de vista, portanto, ela também não é sustentável.
O país registrou, de novo, um baixo crescimento do PIB. A que o senhor atribui este quadro?
Esse indicador sintetiza a fragilidade do processo como um todo. O país cresceu nesses quatro anos de governo Lula mais ou menos o equivalente o que cresceu a Europa, região claramente conhecida por seu baixo dinamismo. O Brasil cresceu muito abaixo dos Estados Unidos, um terço do que cresceu a China, metade do conjunto dos emergentes e metade da América Latina.
Não é possível que o crescimento internacional tenha estimulado o conjunto das economias – mais ainda as economias emergentes –, e não tenha estimulado o Brasil... É claro que estimulou. O elemento complicador foi a política macroeconômica posta em prática desde o governo Fernando Henrique – juros altos, câmbio valorizado. Este é, pelo menos, um dos fatores cruciais.
Não faltaram comparações entre o desempenho do governo Lula e de FHC. Faz sentido esse tipo de análise, quando se sabe que esse crescimento é baixo há pelo menos duas décadas?
A colocação é pertinente. Na verdade, esse problema já vem do governo Collor. Desde o início dos anos 1990, o Brasil optou, por uma forma incorreta de integração à economia globalizada. Houve uma articulação com o que há de menos dinâmico, que é o canal da articulação financeira. São capitais que não trazem investimento nem tecnologia. Trata-se de um padrão distinto do padrão asiático, que investe mais no produtivo e na inovação tecnológica.
Por que a adesão a esse modelo?
O pressuposto é o de que existe uma nova realidade na economia globalizada. É verdade. Vamos, portanto, nos integrar... Tudo bem, também é necessário. Ocorre que, esquematicamente, são dois os padrões de integração. Um comandado por políticas que vão integrar os países da melhor forma. A outra é aquela comandada pelo mercado, que foi a escolha feita por nós desde o governo Collor e acentuada na era FHC. Foi isto que gerou o baixo dinamismo, que persiste no governo Lula.
Em que medida essa integração é nociva?
Existe uma questão subjacente, que não foi explicitada no livro. Quando se trata a questão do desenvolvimento do ponto de vista produtivo, são duas as grandes vertentes na economia. Existe a teoria cepalina, que é a nossa tradição no Instituto de Economia e está enraizada em outras escolas do pensamento mais avançadas. Essa teoria prega que o processo de crescimento é um processo de diversificação, em direção à fronteira tecnológica.
A outra teoria diz que é preciso se especializar naquilo que você faz atualmente de melhor. Foi este o caso brasileiro – a aposta em commodities, agronegócios, indústrias intensivas em trabalho e recursos naturais etc. Neste caso, a taxa de crescimento é mais baixa e há menos dinamismo tecnológico. Ocorre que você só faz a diferenciação da estrutura produtiva com políticas ativas. Não existem casos de países que conseguem ir em direção a fronteiras tecnológicas comandados pelo mercado. Não há registro disso na história econômica.
É por isso que essa idéia da supremacia dos mercados está embutida também na noção de que não foram feitas as políticas que deveriam ser executadas.
Apesar dos ganhos nos superávits comerciais, dívida pública em queda, inflação sob controle e da conjuntura internacional favorável, nossa expansão ficou na metade da média mundial. Por quê?
São dois determinantes. Como disse, o primeiro é o perfil da política macroeconômica, mais especificamente as políticas de juros e de câmbio. Essa política foi conduzida de uma forma equivocada, no Brasil, nos últimos quatro anos. Tivemos uma sobredosagem, com excesso de juros e com a utilização deliberada da taxa de câmbio para baixar a inflação. Isto tira pontos de crescimento da economia. O outro se deve ao fato de que não foram implementados os instrumentos para uma política de longo prazo.
O senhor poderia dar exemplos?
O governo anunciou uma política industrial, mas quando ela é comparada com a que foi colocada em prática na China, na Índia e em outros países asiáticos, constata-se que a nossa foi um arremedo, aliás ela sequer existiu durante a era FHC. Na verdade, não dá sequer para chamá-la de política industrial. Política industrial pressupõe a defesa de setores nascentes da economia.
Não tivemos, também, uma política de infra-estrutura. Isto é fundamental. A partir da qualidade da infra-estrutura, cria-se uma competitividade sistêmica. Exceto nas telecomunicações, o governo não conseguiu equacionar o problema da infra-estrutura. É absolutamente crucial. Em resumo: de um lado, uma política econômica desfavorável e, de outro, a falta de instrumentos para a infra-estrutura e de uma política industrial. Não é à-toa que a economia cresceu pouco.
O crescimento foi, em certa medida, atribuído ao mercado interno – consumo das famílias e investimentos do setor produtivo e da construção civil. Por outro lado, a participação do setor externo foi inexpressiva. Por que isso aconteceu?
Isto ocorreu, mas em 2006. Houve uma mudança. Até 2005, o impulso era claramente advindo das exportações. Entretanto, as importações cresceram demais e anularam esse impulso. Com o impulso, houve um deslocamento do investimento, sobretudo da área de exportações. Houve também um crescimento da renda e sobretudo do crédito, que move o consumo. Esse crescimento de 2006, portanto, é derivado daquele impulso inicial.
Números revelam que a carga tributária bateu um novo recorde no ano passado. Em que medida essa sobrecarga fiscal é nociva para o crescimento do país. O que precisa ser feito para mudar este quadro?
É muito parcial essa abordagem de que a carga tributária é nociva. Em tese, se você tiver uma carga tributária neutra, se ela não distorcer os preços relativos da economia, não há maiores implicações, pois o que o governo faz é tirar de um lado e gastar de outro. Agora, se a carga tributária distorcer os preços, pode criar falsos sinais para decisão de investimentos.
Não há estudos conclusivos sobre isto no Brasil. Agora, o que há de inadequado na questão é a composição de gasto. Esta, sim, é desfavorável ao crescimento.
Qual o problema dessa composição?
O governo tira com uma mão e dá com a outra. Vamos fazer o pressuposto de que, quando se tira, não está desestimulando demais um setor. Há provas disso. A lucratividade das empresas no Brasil, por exemplo, continua muito alta, apesar da carga tributária. Isto é central, porque demonstra que não está sendo afetada a capacidade de investimento das empresas.
O problema está na forma como o governo gasta. Há, por exemplo, um peso muito grande dos juros, que são transferidos para pessoas de classe alta, que provavelmente vão poupar ainda mais, diminuindo o consumo e gerando mais concentração de renda. Depois, registra-se também uma participação muito grande com gasto corrente e uma percentagem muito pequena com investimento público.
O investimento do governo no Brasil soma 2,5% do PIB. Para se ter uma idéia, o Chile, considerado o paradigma liberal na América Latina, gasta quase o triplo com investimento público, ou seja, 7% do PIB. Este é o desequilíbrio central: muito juro, muito gasto corrente e pouco investimento. É justamente essa assimetria que precisa ser corrigida num primeiro momento. Depois, é necessário consertar a carga tributária tornando-a menos regressiva.
Numa economia como a brasileira, qual seria na sua opinião o papel do Estado?
Teria de cumprir uma função dupla. Precisa ser um instrumento de redistribuição da renda. Isto é fundamental numa sociedade desigual como a brasileira. A outra função, tão importante quanto, é a de sustentação do crescimento, que se dá por meio de investimentos e incentivos públicos em áreas estratégicas. Não dá para defender o papel do Estado apenas na área social.
E a redução dos juros? Qual o seu peso na reversão do quadro de estagnação?
Na verdade, entra aí a questão da política macroeconômica. A redução dos juros e a taxa de câmbio num patamar melhor são condições necessárias para um crescimento maior da economia. Não diria que são necessárias e suficientes. Se o governo não fizer isso, não há crescimento adequado. Não existe na história a experiência de algum país que tenha crescido com esse patamar de juro e com essa taxa de câmbio. Pode até crescer, mas durante dois ou três anos. É como se tivesse fazendo um trabalho de Sísifo. Não adianta, não vai crescer muito.
Quando existe essa chamada configuração de preços macroeconômicos, se estimula a aplicação financeira em detrimento do investimento produtivo; o câmbio valorizado demais faz com que os estrangeiros e até nacionais decidam investir em outro país e não aqui.
É aí que a supremacia dos mercados dá as cartas?
Sem dúvida. E há razões para que isso ocorra. A supremacia dos mercados pode ser entendida também como a supremacia das finanças sobre a produção. A remuneração da riqueza financeira são os juros. Há então um excesso de contemplação dos interesses das finanças nesse tipo de capitalismo brasileiro. Isto precisa ser corrigido. A idéia era a de que Lula iria corrigir, mas seu governo está tendo grande dificuldade em mudar esse estado de coisas. Até agora, não conseguiu. É claro que tudo isso é feito sob o pretexto de se combater a inflação. Em primeiro lugar, mesmo sob esse pretexto, essa política me parece excessiva. Em segundo lugar, tornar-se imperioso avaliar os custos dessa opção.
O senhor acredita que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pode impulsionar o crescimento? Que avaliação o senhor faz do programa?
Como idéia, vejo que o programa tem o mesmo estatuto da política industrial que o governo pôs em prática. Identifica, até, questões corretas, tanto como a política industrial identificou setores estratégicos que precisam ser modificados. O PAC também identifica setores de infra-estrutura, sobretudo da energia elétrica, que são estratégicos para o crescimento econômico. Qual o problema? É que, concretamente, o PAC não define como vai financiar esses investimentos.
Há uma parte que será financiada pela redução do superávit primário, o equivalente a 0,5% do PIB. Entretanto, os investimentos públicos propostos no PAC aumentam em 2% do PIB. Fica uma pergunta: de onde vem o 1,5% do PIB? Em tese, viria das empresas estatais. Acontece que a forma de contabilização do superávit primário não permite que esses recursos venham das estatais. Em resumo: o PAC é positivo, identifica problemas mas não tem soluções práticas, reais, efetivas.
Para torná-lo um programa efetivo, seria preciso mudar o estatuto da empresa pública. Teria que tirar a empresa pública da contabilidade do superávit primário, possibilidade hoje discutida no âmbito do Fundo Monetário Internacional. O FMI já aceita, dependendo da empresa – tanto que a Petrobras está fora. O próprio Fundo reconhece que a forma pela qual foi montado o critério de apuração do superávit afetou o investimento das empresas públicas e dos países da América latina.
Na introdução do livro, o senhor escreve sobre o fato de a economia norte-americana figurar no epicentro de vários ciclos econômicos recentes. Os indicadores da economia dos EUA vêm mostrando que algo está mudando. Prova disso foi o abalo causado recentemente pela divulgação da queda de 7,8% no indicador de pedidos de bens duráveis. Alan Greenspan, por sua vez, disse que o ciclo de expansão está chegando ao fim, com fortes sinais de recessão à vista. Trata-se de um fato isolado ou prenúncio de algo novo no horizonte?
Precisamos entender que, de fato, a economia norte-americana é e continuará sendo o centro da economia mundial. Mas trata-se de uma economia que tem particularidades. Uma delas é a de que cresce com déficits externos permanentes, o que só é possível porque ela emite a moeda do mundo, se não ela não faria isso há 20 anos.
Qual o resultado mais visível dessa política?
Tem feito, na verdade, com que a economia americana consuma bastante e que este consumo se transmita como impulso para o resto do mundo, sobretudo com esse elo asiático, que exporta muito. Entretanto, essa economia tem problemas. Esses indicadores mencionados por você são mais de superfície. Por se tratar de uma economia muito avançada do ponto de vista financeiro, ela se move de uma forma muito particular. Traduzindo: nos Estados Unidos, as pessoas não consomem porque sua renda aumentou ou vai aumentar. Elas consomem porque a sua riqueza aumentou. As pessoas se endividam e gastam. Pode-se argumentar que a dívida cresce, mas acontece que o patrimônio também cresceu. E é isso que importa.
Existem vários episódios de crescimento da riqueza nos Estados Unidos. O mais recente é a bolha imobiliária. Entretanto, esses processos de bolha têm uma trajetória. Chegam a um pico de valorização e aí ocorre uma desaceleração. Há indicações – e este é o problema central – de que essa bolha começou a desinflar. Ou seja, os preços dos imóveis começaram a cair. Se isto se confirmar, a trajetória será a seguinte: diminui a riqueza das pessoas e elas passam a gastar menos. Como a economia americana é central, isso se transmite em cadeia para o resto do mundo.
Temores de que a economia chinesa esteja passando por um período de desaceleração e boatos dando conta que o país asiático vai impor restrições para conter fraudes bastaram para derrubar as Bolsas no mundo todo. Em seguida, Pequim anunciou medidas para conter o crescimento. Alguns analistas chamaram a turbulência de “soluço temporário”. Mero ajuste da bolha acionária, correção de rota, crise passageira ou sinal de que algo está ocorrendo?
A China investiu muito nesse ciclo de crescimento. O país passou a conviver com problemas sérios de ociosidade em vários setores. Em razão disso, o Congresso do PC chinês decidiu desacelerar o crescimento. Trata-se de uma queda de um terço do crescimento da China. E essa cadeia, desacelerando a China e os Estados Unidos, vai também desacelerar a demanda para nós. O Brasil certamente será afetado.
No caso norte-americano, há uma certa dúvida – será que a bolha vai desinflar? No caso da China, não há dúvida – já está decidido que o crescimento será desacelerado. Os chineses têm um controle maior sobre a economia. Assistiremos, então, a uma desaceleração dessa economia.
Com esse quadro, essa centralidade da economia norte-americana persistirá ou tende a se pulverizar?
Não acredito. A hegemonia americana é construída em torno de várias determinações, inclusive a político-militar. Não me parece que isto esteja ameaçado. É claro que, se essa economia entrar numa crise que dure bastante tempo, pode haver um questionamento. Nunca se sabe quais são os desdobramentos. Digo isto porque, no final dos anos 1970, registrou-se uma certa crise da hegemonia americana. Essa hegemonia foi contestada e os EUA terminaram por reafirmá-la, aumentado seu poderio do ponto de vista global, apesar de uma década de crise. Os processos históricos são imprevisíveis. Não há hoje, no mundo, nenhuma potência não só econômica como político-militar, que possa se opor aos Estados Unidos.
Essa turbulência é um sinal de que não é tão sólida a ponte construída pelos EUA com o mercado asiático?
Acho ela muito sólida. Boa parte da indústria americana e até de países avançados – do Japão também – hoje está na China e na Ásia em desenvolvimento. Existe de fato uma articulação produtiva muito grande. Não vejo ameaça. Agora, acho que o que será corrigido nesse processo são alguns excessos. Quando a China decide, por exemplo, como agora, que corrigirá a trajetória de seu crescimento, o governo está dizendo o seguinte: nós investimos demais, criamos uma capacidade excessiva. Isto ficará ainda mais evidente com a desaceleração da economia americana.
Ademais, para exportar esse excesso de produção, os chineses criariam um conflito comercial com o mundo todo. É bom lembrar, por exemplo, que os chineses já fazem superávit comercial com a América Latina. Por outro lado, parte expressiva da população chinesa tem um nível de renda muito baixo, não pode absorver essa produção. Dessa maneira, é melhor ajustar a trajetória.
Se a economia americana fosse planejada como a economia chinesa, até poderia prever um processo de desaceleração suave. Ocorre que ninguém sabe o que vai acontecer com os Estados Unidos, que, para mim, continuam a ser o epicentro da economia mundial.
O Brasil pagou recentemente um alto preço em situações de turbulência global. Aparentemente, nesses últimos episódios, apesar do risco-país ter subido 10% imediatamente após a queda da Bolsa de Xangai, o país escapou ileso. O senhor acha que os fundamentos da economia brasileira são suficientemente sólidos para resistir a novas situações de volatilidade?
Não existe uma resposta exata. Não se pode ter o grau de exatidão de que às vezes gostaríamos. Por quê? Estamos hoje melhores do que no passado? Estamos. Mas boa parte dessa melhora se deve ao fato que o cenário melhorou bastante. A resposta à sua pergunta depende de outra indagação-suposição – qual será o grau de deterioração do cenário internacional? Se a deterioração for suave, provavelmente o país responderá de uma maneira melhor que nas crises anteriores. Se a crise for mais intensa, o país responderá de uma forma ainda muito negativa.
A resposta é condicional. Se for apenas um ajuste de rota, do tipo China não cresce 10%, mas 7%, os capitais dos países emergentes não vão fluir nessa magnitude, mas vão continuar fluindo. Os preços das commodities não vão continuar nesse patamar, mas cairão 10% ou 20%. Se o ajuste for dessa natureza, nós reagiremos melhor. Mas eu não tenho certeza que será assim.
E se não for?
Se não for, continuaremos mal. Entram aí as questões estruturais. Não temos, por exemplo, a estrutura produtiva da Ásia. O que acontece quando se exporta commodities? Quando muda a situação internacional, os países que exportam manufaturados perdem mercado, ou seja, quantidade. Já quando se exporta commodities, perde-se em quantidade e, também, em preço. Esse é um exemplo emblemático da nossa fragilidade comercial.
Pelo lado financeiro, há também uma saída mais abrupta de capitais por conta da qualidade dos investimentos recebidos por nós, em parte, especulativos. A resistência se mede também pelo volume de reservas: se o Brasil tem US$ 100 bilhões para enfrentar isso, a China tem US$ 1 trilhão.
Existe uma hierarquia. No topo dela, com capacidade de resistência muito forte, estão a China, a Coréia do Sul, Taiwan etc. Mais resistente, mas lá embaixo na hierarquia, estão o Brasil, a Argentina, os emergentes da América Latina. Nós não somos os piores, mas estamos muito longe dos melhores.
O Brasil sobe a ladeira sob a supremacia dos mercados?
Acho que não. Aí vale a experiência histórica. O Brasil optou, desde os anos 1990, pelas privatizações excessivas, apostou na retirada do peso do Estado em determinadas políticas. Vejo que esse processo deu errado, e não vejo a mínima possibilidade de dar certo. De resto, a experiência exitosa é outra. O que diferencia os países asiáticos dos latino-americanos? É o grau de elaboração de profundidade das suas políticas nas áreas financeira, comercial, produtiva etc. Eles planejaram a sua integração; nós, da América Latina, não.
A razão disso é que, quando se iniciou para valer a integração da periferia, nos anos 1990, os Estados nacionais dos países latino-americanos estavam muito debilitados em razão de uma década de crise da dívida externa. Foram aceitas todas as imposições, tanto dos Estados Unidos como dos organismos internacionais, no sentido de liberalizar sem critério as respectivas economias. Deu no que deu.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/03/07

Economia e a relação com nossa intimidade. Entrevista especial com Ricardo Abramovay.
Ricardo Abramovay publicou recentemente, no Jornal O Valor, um artigo intitulado “A economia na intimidade e a intimidade na economia”. No texto, Abramovay utiliza-se do exemplo apresentado na novela Páginas da Vida, em que a avó tenta “vender” o neto ao próprio pai, para abordar a questão da economia dentro de nossas relações pessoais.
Ricardo Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Pós-Graduação da USP. Seu programa de pesquisa organiza-se em torno da participação social nos processos localizados de desenvolvimento e apóia-se teoricamente nas principais correntes contemporâneas da sociologia econômica.
A IHU On-Line entrevistou Ricardo Abramovay, por e-mail.
IHU On-Line - Como devemos agir num mundo onde o mercado está sendo considerado mais importante do que o ser humano?
Ricardo Abramovay - Há duas dimensões envolvidas na pergunta. Fazer com que os mercados sejam campos de realização de potenciais e aspirações humanas é um dos objetivos mais importantes dos processos de desenvolvimento. O reconhecimento dos indivíduos no mercado, daquilo que fazem e sabem fazer é uma importante dimensão de sua existência na esfera pública. Não é a única: a política, a religião, os laços íntimos não passam necessariamente por mercados. Mas mercados não são a anti-humanidade e esta idéia precisa ser um ponto de partida. Como devemos agir engloba a segunda dimensão da pergunta: para a luta contra a pobreza (para ir a um ponto essencial, sob o ângulo do desenvolvimento), a inclusão em mercados e a construção de melhores mercados, como bem o assinala o prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, é um objetivo muito importante.
IHU On-Line - A economia atual segue uma ideologia individualista, sendo apresentado assim inclusive no horário nobre da televisão? Quais são suas perspectivas para a economia moderna?
Ricardo Abramovay - É verdade que a economia é uma ciência cujos fundamentos são individualistas, pois ela se apóia na idéia de que existem unidades autônomas, independentes, soberanas e auto-determinadas (firmas ou indivíduos) que agem a partir das informações emitidas pelo funcionamento do sistema de preços. Mas são cada vez mais importantes, na própria ciência econômica, as correntes que levam em conta e se apóiam nas formas sociais organizadas e conscientes de coordenação entre agentes econômicos. Isso se exprime, por exemplo, nos sistemas produtivos localizados. A economia não é só a ciência da competição; ela é, também, a ciência da cooperação sócia, e a dimensão subjetiva desta cooperação torna-se cada vez mais importante para os economistas.
IHU On-Line - Para o senhor, quais são as alternativas possíveis para que o mercado não domine o homem?
Ricardo Abramovay - O homem é dominado por todas as instituições que cria: pela família, pela religião, pela política, pelo Estado, pelas modalidades institucionalizadas de conhecimento e pelo mercado. Sob o ângulo prático, hoje existem mercados cada vez mais organizados e que respondem a preceitos de natureza ética ou ambiental. É claro que muito do que se chama “responsabilidade social empresarial” pode ser visto como cortina de fumaça ou areia nos olhos. No entanto, a verdade é que as empresas praticam cada vez mais o que um autor francês, Thierry Hommel, chama de gestão antecipada da contestabilidade. Da mesma forma, os bancos começam a exigir de seus clientes corporativos comportamentos ambientais que evitem problemas que possam comprometer não só o reembolso do empréstimo, mas a própria imagem do banco.
IHU On-Line - O seu título sugere uma análise da economia na nossa intimidade, por isso você relaciona o fato de a avó ter "vendido" o neto, como aconteceu na novela Páginas da Vida. A que ponto chegou a economia em nossa intimidade? Ainda é possível individualizá-las, ou seja, falar em vida pessoal sem relacioná-la com questões financeiras?
Ricardo Abramovay – Sim, existem inúmeras dimensões de nossas vidas que não são financeiras. O reconhecimento da presença tão marcante do dinheiro em nossas vidas pode conduzir a uma postura cínica, sob o ângulo ético. O livro que eu comento, no artigo a que você se refere, sustenta a tese de que o dinheiro não é o elemento que polui nossa existência, tirando-lhe o que tem de autêntica e verdadeira, fazendo dela uma sombra de interesses materiais que nos dominam e nos impõe sua própria lógica. Nós construímos permanentemente os significados que o dinheiro tem em nossa existência.
Ele pode ser um elemento decisivo de reciprocidade e de solidariedade, por exemplo, nas relações familiares. A verdade é que estamos pouco preparados para lidar com esta dimensão de nossas vidas, sobretudo na intimidade. Não que haja uma preparação que permita resolver os problemas das relações humanas mediadas por dinheiro (no casamento, na separação, no que os filhos e pais fazem uns pelos outros, nas partilhas de herança, nos namoros etc.). Mas ao diabolizar permanentemente o dinheiro nas nossas existências, nós nos afastamos das chances de ter com ele uma relação mais consciente.
IHU On-Line – O senhor cita André Gorz, que fala que as altas tecnologias poupam trabalho, gerando mais riqueza e desemprego. A sociedade do futuro pode ser rica, mas onde estarão esses desempregados?
Ricardo Abramovay - No artigo eu exponho a tese de André Gorz de que as sociedades modernas serão cada vez menos capazes de gerar trabalho produtivo para seus membros. Portanto, diz Gorz, precisaremos encontrar ocupações de proximidade, ligadas à reprodução da sociedade e não remuneradas, em que vamos realizar muitos de nossos projetos. Na visão dele, só numa parte do tempo e numa parte da vida, nossa utilidade para os outros vai manifestar-se no mercado e exprimir-se no dinheiro que recebemos por nosso trabalho. Eu, francamente, tenho muita dúvida a respeito de isso ser verdade, numa sociedade em que o trabalho no mercado é cada vez menos importante. Tenho dúvida, sobretudo, se é desejável.
IHU On-Line - Como enfrentar esse desafio de desvencilhar a racionalidade econômica da vida social?
Ricardo Abramovay - Este seria um desafio caso a racionalidade econômica fosse anti-social. Mas não é isso que ocorre. Um exemplo: quando organizações internacionais de desenvolvimento criaram fundos rotativos no meio rural do Sul do Brasil, a partir do início dos anos 1990, o resultado foi a inadimplência generalizada. Em algumas localidades, os agricultores e suas lideranças perceberam este desastre e resolveram criar sistemas que compatibilizassem a solidariedade social com a racionalidade econômica. Foi assim, por exemplo, que nasceu o Sistema CRESOL de crédito solidário, que existe nos Estados do Sul do Brasil e hoje conta com 70 mil sócios. Há importantes dimensões da vida social em que a racionalidade econômica preenche uma função crucial de oferecer parâmetros de avaliação que melhorem os desempenhos e os comportamentos dos indivíduos.
IHU On-Line - Essa relação da economia e sociedade tem afetado nossas relações com os outros indivíduos? Já somos uma sociedade de interesses?
Ricardo Abramovay - Nunca deixamos de ser e nunca deixaremos de ser interessados. Somos apaixonados por nossas idéias, por outros seres humanos, temos ambições, objetivos. A idéia de um ser humano não interessado é assustadora. O grande sociólogo Max Weber já mostrava que nossos interesses nem sempre são materiais. Os interesses religiosos, por exemplo, estão na raiz das condutas que permitiram a formação da própria ética protestante, na origem do capitalismo. Da mesma forma, o interesse pela preservação ambiental é um dos fatores decisivos para que se fortaleça a luta contra o aquecimento global. O drama de nossa sociedade é que a pobreza limita os interesses dos indivíduos, reduz suas possibilidades de ampliação de seu leque de interesses à estrita sobrevivência. Quanto mais desenvolvida uma sociedade, mais diversificados e ricos passam a ser os interesses de seus componentes.

segunda-feira, março 19, 2007

Folha de São Paulo - 19/03/07

Presidente da estatal propõe parceria ao Exército em obras
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Exército poderá assumir boa parte das obras pesadas nos aeroportos brasileiros, como terraplanagem, concretagem, construção e restauração de pistas, para baratear os custos em até 25% e reduzir as brechas de corrupção, além de intensificar o treinamento de pessoal militar nessa área.
A proposta de parceria foi apresentada pelo brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero (estatal responsável pela infra-estrutura aeroportuária), ao novo comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, que é engenheiro e dirigia o DEC (Departamento de Engenharia e Construção).
Para 2007, estão previstos R$ 372 milhões do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) para a Infraero aplicar em obras de construção em cinco aeroportos.
Em dois deles, as obras serão feitas pelo Exército, por convênio: os de São Luiz e de Tabatinga (AM). Os outros três serão licitados para as empreiteiras privadas: Porto Alegre, Salvador e Macapá.
Na ponta do lápis, os convênios com o Exército saem entre 20% e 25% mais baratos, basicamente porque dispensam o pagamento de mão-de-obra, já que são utilizados os efetivos da própria Força.

Estado de São Paulo - 19/03/07

As 'bolhas' e a nova era da insegurança
Marco Antonio Rocha*

Quantas 'bolhas' terão de 'estourar' no mercado financeiro internacional para termos um cataclismo econômico realmente sério ao redor do mundo, como o que se seguiu, por exemplo, ao crack da Bolsa de Nova York em 1929?
Aqueles eram tempos de crack das Bolsas - expressão mais precisa e restritiva, compreensível até pelo mais comum dos mortais, que não tem dinheiro nenhum aplicado no que quer que seja e vive da mão para a boca.
Já quando se fala em 'bolhas' - de mercados financeiros ou acionários -, a coisa fica meio vaga, misteriosa, ilusória e esvoaçante, como as de sabão.
Pior, porém, é falar de 'bolha' do mercado imobiliário norte-americano, mencionada na imprensa econômica há vários dias, tão desenvoltamente como se até no jardim de infância as crianças soubessem do que se trata e tão alegadamente ameaçadora para os destinos da economia mundial. Entender o que vem a ser isso e por que é tão perigoso chega a desafiar inteligências padrão-Einstein. Talvez até mais argutas, pois há quem julgue mais fácil compreender a essência da Teoria da Relatividade e discernir sua configuração do que perceber o que é exatamente essa 'bolha' prestes a estourar.
Acresce que o centro das preocupações dos últimos dias não foi propriamente o estouro da bolha do mercado imobiliário americano em geral, mas, sim, a do mercado subprime. E a explicação é digna do mais confuso dos explicadores cômicos da história do cinema mundial, o genial Cantinflas. Começa que os bancos financiam a compra de imóveis para pessoas que eles sabem que não podem pagar com facilidade o financiamento, ou que não podem nem mesmo pagá-lo, tout court. Por conseguinte, o risco de calote nesses empréstimos é bem maior, de modo que os bancos cobram desses clientes subprime um juro também maior. O que aumenta o risco do calote.
Alguém acha isso engraçado ou muito louco?
Bem, então repare no corolário do teorema: um dos fatores que entram na formação das taxas de juros dos bancos é a taxa de inadimplência. Quanto mais clientes em atraso e quanto maior o atraso, maior é a taxa de inadimplência e, por conseguinte, maior é a taxa de juros cobrada pelos bancos, que, por sua vez, leva mais clientes à inadimplência.
É muito louco, mesmo, mas os bancos fazem isso. Emprestam a quem não pode pagar e cobram juros mais caros, por isso levam mais pessoas a não poderem pagar e, aí, dizem que a inadimplência aumentou, por isso os juros têm de aumentar. Não, esse papo não é do Coelho Maluco, de Alice no País das Maravilhas. É papo de banqueiro sisudo...
Na década de 30, a audácia e a propensão ao risco - que é o verdadeiro nome dessa política bancária - levavam normalmente à falência. Cerca de 14 mil bancos faliram nos EUA na seqüência dos acontecimentos da crise de 29, a mais espetacular bolha especulativa da história das Bolsas de Valores. Há quem se horrorize e fique petrificado com esse número. Mas há quem ache que a economia ficou mais limpa e mais sólida depois disso. É verdade que vários robber bankers saltaram do alto de arranha-céus em Nova York, atormentados pela presunção de que sua reputação e seus nomes de família ficassem para sempre manchados pela falência e pela revelação das suas fraudes.
Esse, naturalmente, não é mais um fator que inquiete ou iniba a alma dos financistas modernos. Parece que só no Japão ainda há algumas pessoas que se evisceram para não se verem desonradas.
Hoje em dia as coisas são diferentes. A audácia e a propensão ao risco levam em geral à fortuna, pois os governos sempre encontram algum meio de salvar os aventureiros do opróbrio (e da cadeia) em nome da estabilidade do sistema. Isso quando não se dão ao luxo de contribuir para a formação de bolhas, como o governo brasileiro, com sua política de expansão estimulada do crédito, principalmente do crédito consignado. Sem exibir o mesmo appeal para a imprensa econômica e sem representar qualquer ameaça para a economia internacional, essa nossa bolha também vai inchando. É que muitos aposentados ou funcionários públicos da ativa embarcaram nessa canoa e se vão dando conta de que a parcela 'consignada' dos seus rendimentos, isto é, comprometida com o pagamento do empréstimo, está fazendo falta nas despesas domésticas correntes.
O fato é que essa situação de facilitário creditício, aqui como lá fora, é fruto, mais uma vez, de excesso de liquidez. Lá fora porque, curiosamente, o petróleo pode estar sendo de novo uma das fontes dessa cornucópia financeira mundial, como ocorreu na década de 70, pois o grande aumento dos seus preços no ano passado - com algum arrefecimento neste ano - provocou uma enxurrada de moedas fortes para os cofres dos países produtores, que, como sempre, não têm o que fazer com essa grana. Depositam-na nos bancos internacionais, que, por sua vez, dão vazão ao tsunami monetário abaixando seus critérios de análise de risco e dando início à formação de 'bolhas'.
Aqui dentro, o excesso de liquidez tem origem variada, uma delas é o superávit da balança comercial, mas o problema principal é que quase ninguém está investindo em nada. Bancos, fundos de pensão, companhias seguradoras, fundos de renda fixa, pessoas físicas relutam em investir e o próprio governo fala, promete, dá voltas, mas não consegue realmente tomar a iniciativa de obras e projetos que possam absorver investimentos. Há uma poupança crescente que, no entanto, fica girando ao vento, como as birutas dos aeroportos, sem encontrar rumo ou porto seguro.
A situação toda, no exterior e aqui mesmo, no Brasil, é de perplexidade quase geral. As pessoas sentem, ou acham, que estão vivendo melhor, que o dinheiro que ganham lhes está proporcionando confortos e amenidades que seus pais ou elas próprias nunca tiveram. Mas, por outro lado, há uma grande sensação de incertezas e de insegurança. Incertezas a respeito do que fazer com suas poupanças, que profissões ou atividades recomendar aos filhos, que negócios encetar para garantir um futuro mais tranqüilo para si mesmos ou para os familiares, que tipo de planejamento e em que área pode ser realizado. E essas incertezas todas acarretam muita insegurança sobre o destino de cada um. É como se a humanidade estivesse lentamente recuando para épocas em que cada destino pessoal era fruto de puro acaso, e não do planejamento e das previsões que as sociedades modernas tornaram possíveis.
Parte da responsabilidade por essa nova era da insegurança é do mercado financeiro internacional e suas 'bolhas' - imobiliárias ou não.
*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha @grupoestado.com.br

Instituto Humanitas Unisinos - 18/03/07

Collor-2010
"Fernando Collor de Mello parecia uma anomalia na política brasileira. Afinal, conseguiu a extraordinária proeza de ser o único presidente, na indecorosa história da República, a ser punido por falta de decoro. Na quinta, o indecoroso que já não o é, segundo seus pares, foi reverenciado pelos virtuosos que nunca o foram, mas fingiam sê-lo", escreve o Clóvis Rossi, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 18-03-2007.
Ele continua:
"A começar pelo PT, seu mais implacável adversário até anteontem, que silenciou sobre tudo o que Collor simboliza. Ajuda-memória, complementar ao belo artigo do historiador Marco Antonio Villa publicado ontem por esta Folha: Collor é a Casa da Dinda e seu fausto de república bananeira; é a Operação Uruguai e a entronização do caixa dois; é PC Farias e seus negócios escusos à sombra do poder e sua morte até hoje inexplicada, o que leva à inescapável suspeita de queima de arquivo.
No campo administrativo, Collor é o confisco da poupança e de ativos financeiros e também dois anos de recessão em três de gestão.
Como é possível silenciar diante de tamanha esculhambação? Simples: os dois partidos que se revezam no poder no pós-Collor mantiveram a esculhambação no mais alto do pódio.
O pós-Collor é a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, é conduzir suculentas privatizações "no limite da irresponsabilidade", é o mensalão, são os sanguessugas, é Waldomiro Diniz, é a quebra do sigilo bancário de uma testemunha potencialmente incômoda para uma alta autoridade (extremo, aliás, a que não chegaram os "colloridos").
Tudo somado, tem-se que, em vez de anomalia, Fernando Collor de Mello é o político-padrão da pátria, se me perdoam os poucos que fogem do padrão.
Dá um bom candidato para 2010.
Já está mesmo na base governista, com o PTB, e como se viu, tem a simpatia do PSDB e do PFL."