"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, outubro 09, 2007

Le Monde Diplomatique Brasil - Set 07

A força dos que vivem longe

Os dois milhões de marroquinos radicados na Europa remetem a seu país o equivalente a 60% do déficit comercial e movimentam rotas marítimas que fazem, só a partir da França, 200 mil viagens por ano

Pierre Daum

Segundo um estudo realizado em 2003, pela Fundação Hassan II para os Marroquinos Residentes no Exterior e pelo Observatório Internacional das Migrações, são 2 milhões os marroquinos emigrados. Os principais países onde se estabeleceram são França (728 mil em 1999, dos quais 206 mil nasceram no país onde hoje residem e 222 mil adquiriram a nova nacionalidade sem perder a marroquina); Espanha (260 mil em 2001; 505 mil em 2006, segundo a agência de notícias Latin Reporters); Bérgica (204 mil em 2000, e 265 mil em 2006, segundo o sociólogo Jan Hertogen); Holanda (252 mil em 1999); Itália (194 mil em 2000, e 240 mil em 2007, de acordo com a agência de notícias marroquina MAP).

Segundo o semanário marroquino Tel Quel, [1], “nos últimos anos, as transferências de divisas dos emigrados cobriram 60% do déficit comercial" do país. Além de remeter recursos a seus familiares, parte dos residentes no exterior regressa periodicamente, em viagens como a retratada em "A bordo do Marrakesh Express". Três barcos fazem a ligação entre a França (porto de Sète) e o Marrocos (Tanger). A Comarit (empresa privada marroquina) mantém o Biladi (de 1200 lugares). A Comanav, companhia pública do Marrocos, freta dois ferries (que transportam passageiros e automóveis): o Marrakesh (670 lugares) e o Marrakesh Express (850 lugares). Juntas, as três embarcações transportam 200 mil passageiros por ano, "dos quais 90% são emigrados marroquinos", informa Philippe Sala, proprietário da agência de viagens francesa Euromer, que vende dois terços das passagens.

“Este movimento cresce de forma explosiva", continua ele. "Antes, as famílias que viviam na França percorriam de carro 1500 quilômetros até a Espanha e faziam a travessia mais curta para a África. Mas os emigrantes envelheceram e melhoraram de vida. Por isso, preferem dirigir-se a Sète e dar-se ao luxo de um pequeno cruzeiro". Philippe Sala esfrega as mãos: o governo marroquino acaba de vender a Comanav à CMA CGM, poderosíssima empresa de transportes marítimos (terceira do mundo), do franco-libanês Jacques Saadé, com sede em Marselha. A partir de janeiro de 2008, a CMA CGM poderá dotar a linha Sète-Tanger de novos barcos. "Chega das velhas banheiras de trinta anos, que não ultrapassam os 18 nós!", entusiasma-se o dono da Euromer. Com os novos navios, será possível chegar a 28 nós e oferecer aos clientes travessias de 24 horas". Pelo mesmo preço? "Sim, é claro"....

[1] Edição de 30 de junho de 2007

Le Monde Diplomatique Brasil - Set 07

O mundo refém das finanças

Por que o estouro da bolha imobiliária dos EUA é uma ameaça à economia internacional. Quais as novas formas de especulação nos mercados financeiros, e de que modo elas podem propagar a crise. Como os grandes bancos e fundos de investimento transferem a conta de sua irresponsabilidade para os Estados e sociedades

Frédéric Lordon

Há dois séculos, Hegel deplorava a incapacidade crônica dos Estados de aprender com as experiências da história. Os governos não são os únicos poderes incapazes de aprender. O capital – notadamente o financeiro – também parece condenado à perseverança no erro, à aberração recorrente e ao eterno retorno da crise financeira. Apesar de envolver novos “produtos”, a atual crise dos mercados de crédito permite entrever, uma vez mais, os ingredientes quimicamente puros do desastre. Também oferece, a quem quiser enxergar, uma oportunidade a mais para refletir sobre as “vantagens” da liberalização dos mercados de capitais.

É que a crença financeira não se dissipa com facilidade. Logo ela, que se vangloria de ser a encarnação do princípio de realidade, que submete as empresas à “validação dos fatos”, segundo os critérios do “reporting” (prestação de contas trimestral) e do “track record” (histórico de desempenho), mantém-se ignorante do que a história recente — sua própria história — lhe entrega de bandeja. É que o “track record” da liberalização financeira não tem boa reputação. Desde que ela se impôs, tem sido difícil passar mais de três anos seguidos sem um incidente de envergadura. Quase todos poderiam figurar nos livros de história econômica: 1987, quebra dos mercados de ações; 1990, quebra dos “junk bonds” (“títulos podres”) e crise das “savings and loans” (instituições financeiras de poupança e empréstimos) norte-americanas; 1994, crise de debêntures norte-americanos; 1997, primeira fase da crise financeira internacional (Tailândia, Coréia, Hong Kong); 1998, segunda fase (Rússia, Brasil); 2001-2003, estouro da bolha da Internet.

E aqui estamos nós, em 2007. Leitura dos devotos: “A globalização é auspiciosa, mas dolorosa” [1]. No Le Monde, Pierre-Antoine Delhommais deleita-se com a resistência da besta diante de tantos choques de vulto — que parecem prestes a matá-la, apenas para vê-la reerguer-se caminhar com ânimo renovado. Omite-se quanto custou, aos assalariados, pagar a conta da embriaguez financeira em cada ocasião. Invariavelmente, o solavando dos mercados atinge os bancos, e portanto o crédito; em seguida, os investimentos, o crescimento e o emprego.

Seria necessário quem sabe, que o jornal fosse adquirido por um fundo de investimentos um pouco impiedoso para que, ao viver a experiência concreta do “downsizing” (“enxugamento”), o jornalista se visse mais impelido a calcular o número de empregos destruídos em função das práticas do mundo financeiro e de suas crises.

A crise dos mercados de crédito que castiga a economia norte-americana oferece uma visão quase ideal das relações fatais da especulação desenfreada. Como em uma parada, desfilam novamente as toxinas gerais do mundo financeiro, sempre as mesmas e numa ordem absolutamente idêntica: 1. as tendências “Ponzi” da especulação; 2. a lassidão das avaliações de riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3. a vulnerabilidade estrutural a uma pequena mudança de ambiente e o efeito catalizador de um enfraquecimento pontual do sistema, que precipita a reviravolta; 4. a revisão instantânea das estimativas; 5. o contágio de outros setores do mercado; 6. o choque dos bancos excessivamente expostos; 7. a ameaça de um acidente sistêmico, ou seja, de um colapso global, seguido de uma recessão generalizada por estrangulamento do crédito e um pedido de socorro aos bancos centrais feito por todos os fanáticos da livre iniciativa privada.

1. AS TENDÊNCIAS “PONZI” DOS MERCADOS

Como "pirâmides da felicidade", as bolhas especulativas apóiam-se numa hipótese impossível: a de que novos investidores sempre entrarão na ciranda, para sustentar os ganhos dos que chegaram antes

Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky evidenciou os encadeamentos da economia de mercado, resumidos por ele na eloqüente expressão “cegueira ao desastre” [2]. Minsky dedicou particular atenção aos distúrbios provocados por Charles Ponzi, especulador dos anos 20, que iludiou pessoas ingênuas, seduzidas por promessas de rendimentos extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção infinita do fluxo de novos clientes.

Próximas à fraude, todas as bolhas especulativas baseiam-se num mecanismo bastante semelhante. Elas requerem uma entrada constante de investimentos, para manter o mercado em alta e a ilusão de que, assim, todo mundo ganha. O segredo da bolha é a adesão especulativa. Investimentos de alta rentabilidade atraem aplicadores cada vez mais comuns — portanto, cada vez menos esclarecidos, porém mais numerosos.

Para que o crescimento do mercado imobiliário norte-americano se prolongasse, se possível ad aeternum, era necessário que grupos cada vez mais significativos de famílias fossem levados a procurar o mercado de empréstimos hipotecários. Com a ajuda do sonho norte-americano de ser proprietário, não foi difícil convencê-los no início. Escaldados pela queda das ações no estouro da bolha da internet, eles estavam à procura de outras formas de investimento. Mas o contingente de tomadores de empréstimo “saudáveis” esgotou-se rapidamente. Como o mercado precisava imperativamente ser sustentado, as instituições financeiras foram à procura de novos clientes. Os rios de dinheiro emprestados levaram os preços dos imóveis às alturas.

Mesmo que não seja possível manter o pagamento da dívida, famílias e emprestadores julgam que o imóvel poderá ser vendido com valorização para uns e comissão para outros. A crença no crescimento incessante do mercado leva a aprovar qualquer empréstimo. As torneiras do crédito são abertas por completo, e a alta especulativa parece dar razão a todos. Surge a categoria das hipotecas de segunda linha (subprime mortgages) — cujos beneficiários têm capacidade de pagamento mais que duvidosa. Como a euforia está no auge, todos os limites podem ser ultrapassados. Criam-se figuras como os empréstimos “Ninja”: “No Income, No Job or Asset”, ou seja concedidos a clientes, “sem renda, sem emprego ou sem ativo (a ser dado como garantia)” — e o champanhe de brinde, talvez.

2. LASSIDÃO NAS AVALIAÇÕES DE RISCOS

Fantástico milagre da securitização: em teoria, qualquer empréstimo pode ser fatiado em infinitos pedaços, para que os riscos de inadimplência sejam pulverizados até se tornarem irrisórios

Mas o mercado financeiro, que costuma se dizer especialista em controle de riscos tem alternativas. Ele não peca jamais por falta de criatividade. A grande mágica? Os “produtos derivados”. O problema de um crédito, ainda mais quando de risco, é que ele continua nos livros contábeis de quem o concedeu até sua liquidação — seja ela boa ou ruim. O grande achado, que remonta ao início dos anos 90, consiste em “fundir” um certo número de créditos para, com lastro neles, emitir títulos negociáveis. A grande vantagem dessa operação, adequadamente chamada de “securitização”, é o fato de que os títulos assim “fabricados” podem ser vendidos nos mercados em pequenos lotes a múltiplos investidores (institucionais). E eis que, então, os créditos duvidosos saem do balanço do banco. Compreende-se agora que ele os conceda com tanta facilidade: pode livrar-se deles assim que forem securitizados!

Por que os investidores querem comprar aquilo de que o banco quer se livrar? Para começar, porque adquirem os títulos em pequenas quantidades e, sobretudo, porque esses papéis são negociáveis, ou seja, podem ser novamente vendidos. Além disso, a linha de títulos derivada do grupo inicial de créditos é recortada em diferentes fatias de risco homogêneas. Conforme seu próprio perfil, cada investidor institucional garimpará na fatia que lhe convém, sabendo que sempre encontrará algo — especialmente os “hedge funds” [3]. Mesmo as fatias de alto risco são atraentes, por oferecerem maior retorno... enquanto tudo vai bem.

Evidentemente, a instituição que fez o empréstimo inicial transfere todos os direitos (juros e amortizações) e riscos (de inadimplência) aos portadores desses títulos, chamados de RMBS (“Residential Mortgage Backed Securities”, ou seja, títulos amparados em créditos imobiliários). Porém, esses portadores são tantos — e mudam tanto — que daí decorre uma extraordinária dispersão do risco global. Antes, o banco enfrentava sozinho a inadimplência relativa a um de seus empréstimos. Agora não somente está totalmente desembaraçado como também as conseqüências do não-pagamento estão pulverizadas entre uma miríade de investidores. Cada um assume uma parte mínima do risco, diluída no conjunto de sua própria carteira.

Riscos diluídos… ou subestimados?

Mas então, por que o alarme se, com o milagre da securitização, o mercado financeiro resolveu a quadratura do círculo? Ocorre que as piores fatias de uma dívida recebem um tratamento especial, para serem mais facilmente escoadas. Alguns investidores re-fatiarão os próprios RMBS que adquiriram. Emitirão um novo tipo de títulos negociáveis, os CDO (Collateralised Debt Obligations). Títulos derivados de títulos, os CDOs podem ser de três tipos, correspondentes ao risco de inadimplência da fatia da dívida a que se referem. A fatia superior, chamada de “investment grade”, torna seus portadores imunes aos primeiros 20% ou 30% de inadimplência sobre os créditos imobiliários iniciais. Segue-se uma fatia intermediária, chamada de “mezzanino”, e finalmente uma mais baixa, que sofrerá o choque das primeiras insolvências.

Dá-se o nome pudico de “equity” a essa fatia, mas a linguagem dos mercados diz as coisas mais na lata: “toxic waste”, ou seja, “resíduos tóxicos”. Esses produtos elevam o risco ao quadrado, pois representam a fatia de maior risco dos CDOs, derivada da fatia mais arriscada dos RMBSs, retirados da carteira inicial de créditos. Mas, enquanto o mercado imobiliário seguir em alta e as famílias continuarem pagando as dívidas, sempre haverá quem compre os papéis. Como a toxicidade ainda não está materializada, o que aparece são as remunerações espetaculares.

Um dos segredos do desempenho dos “hedge funds” é levantar fundos a taxas mais baixas e investir em títulos de alto risco, que remuneram proporcionalmente — ou seja, muito. As margens são enormes, os “resíduos tóxicos” são vistos como minas de ouro e os golden boys fazem a festa. Os lucros faraônicos mascaram os riscos objetivos, que ninguém quer enxergar para que a ciranda gire o maior tempo possível.

3. DA VULNERABILIDADE ESTRUTURAL À INSOLVÊNCIA

A construção cresce como um enorme castelo de cartas. Em certo ponto, qualquer pequeno incidente é capaz de ameaçar todo o edifício

A dispersão dos riscos por meio das operações de securitização em cadeia acabou levando a crer que eles não mais existiam. É uma ilusão. Ainda mais porque essa doce embriaguez logicamente induziu a comportamentos cada vez mais aventureiros. Já que estou me desfazendo dos meus créditos, mesmo dos piores, diz a si mesmo o financiador imobiliário, então o negócio é ir cada vez mais fundo nos empréstimos. E já que o mercado está com liquidez, diz a si mesmo, na outra ponta, o “hedge fund”, por que não comprar os CDO mais podres, que são os mais lucrativos? Os riscos certamente foram diluídos, mas a própria diluição engendrou um crescimento totalmente descontrolado de seu volume global e a situação caminha suavemente para as zonas críticas.

A fragilidade estrutural do edifício agora é tal que ele se torna vulnerável a modificações do ambiente a priori insignificantes. A elevação de 0,25% na taxa de juros pelo banco central dos EUA (o Federal Reserve, FED) aparentemente não é nada. Exceto pelo fato de que, na outra ponta da curva de riscos, o crédito imobiliário de Mrs. Brimmage passou dos 6,3%, em 2005, para 11,25%, e suas parcelas mensais subiram de 414 para 691 dólares [4]. Razão mais que suficiente para ela deixar de pagar. Como ela, 14% dos tomadores de empréstimo subprime entraram em inadimplência no primeiro trimestre de 2007.

Falando em termos modestos, as altas da taxa de juros do FED têm um duplo efeito de corte. De um lado, há menos gente entrando no mercado imobiliário e os preços começam a baixar. De outro, aqueles que estão nele vêem as parcelas de suas dívidas se tornarem insuportáveis. A própria possibilidade de "sair" do sistema fica comprometida. A eventual venda da propriedade, para tentar saldar a dívida, se fará por um preço inferior ao previsto. E a multiplicação das vendas acentua a pressão de baixa generalizada dos preços dos imóveis.

Como sempre ocorre nas crises financeiras, uma instituição financeira tem uma grande perda e o abalo provocado por seu colapso dá o sinal da grande virada. Nesse caso, duas falências — nas duas pontas da corrente — vieram colocar um ponto final na embriaguez dos mercados. Primeiro, foi o banco de investimentos Bear Stearns, que teve de fechar dois de seus fundos "dinâmicos", ou muito lucrativos. Mas também o American Home Mortgage (AHM), agente imobiliário, teve de se colocar claramente sob a proteção do capítulo 11 da lei de falências norte-americana [5]. Esse fato é mais inquietante que o anterior. O AHM não está especialmente comprometido no compartimento dos empréstimos “subprime”. Será sinal de que as inadimplências estão se generalizando? Haverá outras instituições em dificuldades?

4. A REVISÃO IMEDIATA DAS AVALIAÇÕES DE RISCOS

A crise está provavelmente no começo. A queda do preço dos imóveis provocará uma onda de inadimplência que pode atingir os poderosos "hedge funds"

Desta vez, houve uma leve brisa de pânico. Os “toxic wastes” já cheiram bem mal e as pessoas começam a dizer que os CDOs antes tidos como mais seguros talvez estejam bastante contaminados. Mas como se pôde chegar a erros de avaliação tão monumentais? Com certeza, a complexidade objetiva da avaliação dos produtos derivados não tem nada a ver com isso. Com certeza, as agências de avaliação de risco (rating) avaliam essas fatias de CDO e RMBS às centenas. Entretanto, elas são, num certo sentido, impotentes. Seu próprio faturamento provém das instituições financeiras, que emitiram incessantemente títulos a serem avaliados — 40% do rendimento de 2006 da Moody’s foi conseguido com avaliações de produtos estruturados. Para que haja novos produtos a analisar, sem dúvida é preferível que os antigos sejam declarados saudáveis.

As agências de rating nunca souberam ser independentes dos entusiasmos do mercado que deveriam moderar. Na maior parte do tempo, lhe serviram de coro. Quem está próximo ao meio financeiro e vive às suas custas, tem dificuldade se mostrar independente, num momento em que todo mundo está enchendo os bolsos. Catastroficamente pró-cíclicas quando deveriam ser contra-cíclicas, as agências mantêm-se alheias durante a alta. Quando a reviravolta acontece, lançam-se, apavoradas, a fazer à revisão das avaliações anteriores, contribuindo para transformar o sobressalto em colapso.

E a crise provavelmente está apenas no começo. As falências imobiliárias que estão por vir caminham lado a lado com as teasing rates, as taxas muito atraentes que os corretores usam para seduzir os clientes. Nos últimos anos, uma das modalidades mais praticadas ficou conhecida como “2 + 28”. Nos dois primeiros anos, uma taxa de juros simpática. Nos 28 seguintes, a taxa plena, que causa problemas. Portanto, ainda não irrompeu a inadimplência relativa às vendas em 2006, e quase nada da de 2005 — as mais fortes da bolha imobiliária. Sem dúvida serão notáveis. Trarão grandes prejuízos aos “hedge funds”, empanturrados de seus produtos derivados.

E com a globalização das finanças e a estupidez financeira, nada disso se detém nas fronteiras norte-americanas. É nos EUA que o mercado hipotecário delira, mas a securitização daí derivada se oferece a todos os fundos especulativos do planeta. Os alemães, durante muito tempo considerados mornos e tediosos, agarrados a seus melancólicos bancos de varejo, decidiram, na virada do século, tornar-se “modernos” e se voltar mais decididamente para as atividades de mercado. Resultado: depois do grande susto de 1998 (risco russo) e das surras da bolha de internet (2001), eis que um banco, o IKB, encontra-se à beira da falência por causa da superexposição aos papéis subprime

5. SUSPEITAS POR CONTÁGIO

Num dominó típico das crises financeiras, a descoberta de riscos num setor da economia desperta dúvidas sobre outros. Ninguém confia na solidez de atividades contaminadas pela especulação

Agora, tudo se encadeia de um canto a outro do globo e dos mercados. O frágil equilíbrio dos produtos derivados resistia enquanto ninguém o provocava — ou seja, enquanto todos fingiam acreditar que o mercado tinha liquidez. Mas assim que um dos atores sofre perdas exageradas e considera a hipótese de sair do sistema, vendendo seus CDO, o medo latente se cristaliza e todos os compradores desaparecem. Com a liquidez evaporada, os papéis, formalmente negociáveis, praticamente deixam de sê-lo. Torna-se quase impossível avaliá-los, já que seu preço pode virtualmente cair a zero.

Engraçado — até a hora em que se começa a chorar —, o comunicado do BNP-Paribas, que, em 9 de agosto, fechou três de seus fundos (também eles “dinâmicos”): “O desaparecimento em certos segmentos do mercado da securitização nos Estados Unidos conduz a uma ausência de preço de referência e a uma falta de liquidez quase total dos ativos dos fundos, não importa qual seja a sua qualidade ou classificação” [6]. Tudo isso não havia impedido que Baudoin Prot, controlador do banco, afirmasse categoricamente, uma semana antes, que a liquidez dos três fundos estava assegurada. Significa, sobretudo, que a inquietação ultrapassa amplamente o perímetro dos produtos de maior risco e contamina as fatias consideradas mais seguras.

Nesse seara tão fértil, o contágio não vai parar. Além de atingir todas as classes de risco dos RMBS e seus derivados, ele também se estende a outras partes do mercado que nada têm a ver com crédito imobiliário — exceto o fato de terem também caído na orgia dos créditos indiscriminados. É exatamente o caso do setor de private equity, esses fundos de investimento, vedetes das finanças nos últimos anos, que recompram integralmente empresas tidas como promissoras, fazem-nas sair da bolsa, reestruturam-nas no tranco para revendê-las, dois a quatro anos mais tarde, com forte valorização.

Tais fundos comprometem muito pouco dos seus capitais próprios. Mergulham fundo em dívidas, cujo serviço, aliás, transferem à empresa recomprada. A rentabilidade que resulta é excepcional. Atingiu tais níveis que os bancos literalmente se precipitaram para financiar tais operações. Num estado de quase mistificação, e persuadidos de que se ganha de todos os lados, concederam a esses fundos condições de empréstimo surpreendentes. É o caso dos chamados empréstimos covenant-lite, ou seja, livres de todas as cláusulas relativas a coeficientes financeiros elementares a que são normalmente submetidos os tomadores de empréstimo — “aconteça o que acontecer, nós estamos do seu lado".

Melhor ainda são os chamados empréstimos PIK (Payment In Kind – pagamento em espécie) ou ainda IOU (I Owe You), cujos juros e principal são reembolsados não em dinheiro, mas em adicional de dívida acrescentado à dívida inicial. Os encargos de crédito orientados para os fundos de private equity atingiram volumes astronômicos. Ora, as operações desse tipo são particularmente vulneráveis no momento de desatá-las, já que se trata de revender ativos notoriamente sem liquidez: não blocos de ações, mas empresas inteiras. Ao primeiro acidente que ocorra em meio a essa operação — revenda impossível, adiada ou com desvalorização — será a vez de todo o setor viver seu momento dramático.

As recentes operações para captação de recursos financeiros acontecem de forma bastante trabalhosa, se comparadas com a facilidade exuberante dos meses anteriores. É que os bancos, antes cúmplices lassivos, tornam-se subitamente reticentes. Por um efeito de amálgama, típico das crises financeiras, a súbita revelação dos riscos em um setor suscita questionamentos paralelos em outros, onde a euforia quase produziu o mesmo estrago. Em 1994, os insucessos do México induziram a dúvida em relação à Tailândia, por um puro efeito de amálgama, com base na categoria “mercados emergentes”. Da mesma forma, hoje, o mercado imobiliário produz efeitos sobre a private equity.

6. CHOQUE NOS BANCOS

Expulso pela porta, o risco implícito nos empréstimos retornou pela janela. Para reequilibrar as contas, será preciso fechar as torneiras do crédito, atingindo trabalhadores e empresas não-financeirizadas

Ainda que tenham conseguido se desfazer de suas carteiras de créditos imobiliários por meio da securitização, os bancos suportam o giro da manivela, por múltiplas vias. Para começar, deixaram seus fundos de gestão se encarregar dos produtos derivados, e o risco hipotecário expulso pela porta voltou pela janela. Mas é, também, o contágio lateral que os ameaça, marcadamente por meio da private equity, onde estão diretamente expostos.

Ora, a regulação prudente do setor bancário não brinca: os bancos são forçados a manter cuidadosos coeficientes de solvência entre seus capitais próprios e compromissos. Se houver desvalorizações de patrimônio — e elas se anunciam com muito mais força, levando as agências de rating a despertar e rever todas as avaliações para baixo —, os bancos devem contabilizar as provisões correspondentes. Para manter seus coeficientes, terão de reduzir o denominador (os créditos concedidos) proporcionalmente à contração do numerador (os capitais próprios onerados pelas provisões).

Em conseqüência, e como sempre, serão os agentes da economia real — assalariados e empresas não-financeirizadas, distantes de todas as piruetas da especulação — que encontrarão as torneiras de crédito fechadas, sem nem mesmo compreender o que fizeram para merecer isso. Porque, para recompor os balanços dos bancos, a contração do crédito será geral, e todos os tomadores de empréstimos serão atingidos.

7. O PEDIDO DE SOCORRO AOS BANCOS CENTRAIS

Quando a crise bate à porta, as finanças engolem o discurso privatista e aconchegam-se nas tetas do Estado. O prejuízo imposto às sociedades é idêntico ao resgate que se cobra de um seqüestrado

Bela figura fazem agora os heróis do mundo das finanças. Modernos e arrogantes quando os mercados estavam em alta, ei-los pendurados nas tetas do Estado, que tanto desprezam, quando a fortuna os estimula ao discuro ideológico privatista. Os bancos centrais, chamados a livrá-los da ruína cortando as taxas de juros para restaurar a liquidez geral, não são o próprio Estado — mas integram o setor público, o fora-do-mercado, detestado quando os lucros correm soltos, requisitado quando fecha o tempo.

Jim Cramer, que tem um programa de aconselhamento financeiro na rede norte-americana de negócios CNBC, teve um ataque de nervos em 3 de agosto. Aos berros e vestindo camisa de mangas curtas, com um fundo musical de hard rock saturado, de buzzers e bulls [7] sobrepostos, insultou [8] Ben Bernanke, presidente do FED, aos gritos de “cut! cut!” — "corta! corta!” (as taxas de juros). E como Bernanke parece dispor de tempo, Cramer premia-o com o insulto supremo: ele não entende nada, não passa de um “intelectual” (acadêmico) [9].

Bem vestidos e não tão vulgares, os outros gestores de fundos consultados no mesmo canal estão totalmente de acordo. Ah, que saudade de Alan Greenspan, que “cortava” as taxas de juros sem reclamar. Um verdadeiro clínico, não se deixava atrapalhar por estudos inúteis. Bastava-lhe simplesmente tatear o lombo da besta, para saber que era preciso afrouxar o nó.

Os menos idiotas começam, porém, a dizer que essa longa tolerância monetária com os excessos das finanças tem algo a ver com o surgimento e multiplicação dos riscos que irromperam agora. Bernanke tendeu, de início, a deixar os operadores mais imprudentes suportarem as conseqüências de sua inconseqüência. Mas não devemos nos enganar. Essa posição do banqueiro central só pode ser mantida se os problemas continuarem localizados. Quando eles se concentram e precipitam um “risco sistêmico” — ou seja, uma quebra generalizada, por efeito-dominó —, não há outra escolha a não ser intervir, e maciçamente.

Aliás, é esse o aspecto mais insuportável dos danos causados pelo mundo das finanças. Sempre encorajado a ir longe demais, ele avança muito além do limite a partir do qual o Estado é obrigado a entrar de cabeça — e a atingir a sociedade — para lhe salvar o pescoço. Nada mais parecido com um seqüestro de reféns.



[1] Delhommais, Pierre-Antoine, Le Monde, 9 ago. 2007.

[2] Minsky, Hyman P. Stabilizing an Unstable Economy. Yale University Press, 1986.

[3] Fundos de investimentos aplicados em diversos mercados visando diminuir riscos e reduzir eventuais prejuízos ao mesmo tempo (Nota da Edição brasileira

[4] Mortgage Maze May Increase Forclosures, The New York Times, 6 ago. 2007.

[5] Entre outros aspectos, este capítulo libera o empregador de suas obrigações trabalhistas e permite renegociar os acordos salariais.

[6] Comunicado do BNP-Paribas, 9/8/2007

[7] O touro – bull – é o animal que representa a alta da Bolsa.

[8] CNBC, 3 ago. 2007. Veja no YouTube

[9] Ben Bernanke tem um longo passado de economista acadêmico.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Folha On-Line - 06/10/07

Juíza suspende promoção de Lamarca e pensão à família

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RAPHAEL GOMIDE
da Folha de S.Paulo, no Rio

Atendendo a ação proposta por clubes militares, a Justiça Federal do Rio determinou, em liminar, a suspensão da decisão da Comissão da Anistia que promoveu Carlos Lamarca de capitão a coronel do Exército e concedeu à sua viúva, Maria Pavan Lamarca, pagamento de vencimentos equivalentes aos de general-de-brigada no valor de R$ 12.152,61, e indenização no valor de R$ 902.715,97.

A juíza Cláudia Maria Ferreira Bastos Neiva deu a liminar suspendendo 'de ofício' -sem ter havido pedido de liminar pelos clubes Militar, Naval e da Aeronáutica- a portaria 1.267/07 do ministro da Justiça, que concedia o pagamento.

A medida é de caráter provisório (falta o julgamento do mérito) e cabe recurso.

Lamarca foi morto por uma patrulha do Exército em 1971, após ter deixado a Força para atuar na organização de esquerda armada Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

A juíza argumentou que Lamarca não tem direito aos benefícios porque desertou da Força e "não foi atingido por atos de exceção consubstanciados em atos institucionais ou complementares".

"Sua exclusão das Forças Armadas decorreu de abandono do 4º Regimento de Infantaria de Quintaúna, (...) que inclusive propiciou a caracterização como crime de deserção."

A Comissão de Anistia havia decidido favoravelmente à família de Lamarca em junho, em ato criticado por militares da ativa e da reserva.

Para a juíza, que se refere ao militante da VPR como "capitão Carlos Lamarca", "a situação de risco é patente, com viabilidade de grave lesão aos cofres públicos, em razão de pagamentos mensais no montante recebido por general-de-brigada e de parcela única equivalente a R$ 902.715,97, isentos do Imposto de Renda".

A magistrada critica a decisão da comissão -que chama de "opção política" --e o valor concedido como indenização à viúva de Lamarca.

"É altamente questionável a opção política de alocação de receitas para pagamento de valores incompatíveis com a realidade nacional, em uma sociedade carente de saúde pública em padrões dignos, (...), deficiente em educação pública (...) e na área de segurança, sempre com a alegação de ausência de disponibilidade financeira. Todavia, é um Estado que prioriza seus escassos recursos para pagar indenizações dissociadas do quadro socio-econômico do povo brasileiro."

A ação passou de ordinária em ação civil pública e exclui os clubes Naval e da Aeronáutica, mantendo só o Clube Militar.

A Folha não encontrou a família de Lamarca ontem.

Reação

O presidente do Clube Militar, general da reserva, Gilberto Figueiredo, afirmou que a concessão da patente de coronel "foi um tremendo equívoco". "Deram guarida a um bandido, torturador, assassino. O Estado reconhecê-lo como merecedor de reparação nos pareceu enorme injustiça", disse.

A presidente do Tortura Nunca Mais do Rio, Cecília Coimbra, afirmou que a liminar reflete "espírito revanchista e vingativo de militares, passados tantos anos". "É lamentável, porque não se produz democracia assim. Que lógica é essa que preside a cabeça de alguns militares? É uma mentalidade tacanha, conservadora e reacionária, de lógica vingativa, que espero não esteja na cabeça de todos os militares."

Ela criticou ainda a juíza, para quem os valores da indenização são altos. "É argumento moralista e apelativo."

Instituto Humanitas Unisinos - 06/10/07

Compra do ABN cria 3º maior banco brasileiro

A compra do ABN Amro pelo consórcio formado pelo espanhol Santander vai provocar uma reviravolta no ranking do setor bancário brasileiro. O primeiro a ser incomodado pela maior negociação do mundo nessa área financeira é a instituição da família Setubal. O Itaú, hoje segundo maior banco privado do País, será desbancado pela nova instituição formada por Santander e ABN Amro Real, que também ficará no calcanhar do Bradesco, maior privado brasileiro. No ranking geral, com os bancos estatais, o Santander será o terceiro maior do País, atrás de Banco do Brasil e Bradesco. A reportagem é de Renée Pereira e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 6-10-2007.

Segundo levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating, com a aquisição, o Santander passará a contar com ativos da ordem de R$ 277 bilhões, valor superior aos R$ 255 bilhões do Itaú e menor que os R$ 290 bilhões do Bradesco. Com números tão próximos, as três instituições devem travar uma briga acirrada por fatias do mercado nacional, o que pode beneficiar os clientes. “A operação vai forçar os outros bancos a adotarem estratégias mais agressivas de crescimento”, avalia o analista da Lopes Filho, João Augusto Salles.

Na opinião dele, a saída será comprar outras instituições. “Há até boatos no mercado de que os dois maiores rivais do País, Bradesco e Itaú, estariam se unindo para fazer uma proposta pelo Unibanco, sempre um alvo de compra”, afirma o analista, destacando que todo banco é “vendável”. “Depende da proposta.” O presidente da Austin Rating, Erivelto Rodrigues, tem opinião semelhante. Ele acredita que os bancos médios estarão na mira dos gigantes do setor a partir de agora. “A mudança no ranking mexe no ego dos bancos. Eles ficarão mais atentos a compras.”

Outro efeito da aquisição do ABN será o aumento de concentração do setor bancário brasileiro. Levantamento da Austin Rating mostra que as cinco maiores instituições do País (Banco do Brasil, Bradesco, Santander + ABN, Itaú e Caixa) passarão a deter 66% dos ativos totais dos bancos no País ante 60,5%, no desenho anterior. Em relação ao volume de depósitos, a concentração subirá de 65,8% para 70%. Já no total de crédito, subirá de 61,5% para 66,9%.

Mas o levantamento mostra que, apesar de ocupar o segundo lugar entre os privados, o Santander ficará atrás de Bradesco e Itaú no volume de crédito. Nada que um esforço de vendas não possa mudar a situação. O total de crédito do Itaú somou R$ 95,5 bilhões em junho ante R$ 94 bilhões da fusão de Santander e ABN. A carteira de crédito do Bradesco é da ordem de R$ 108 bilhões.

A segunda colocação do Santander (um banco estrangeiro) no ranking de ativos é um fato inédito no setor bancário brasileiro. Segundo Rodrigues, a compra do ABN vai complementar os negócios do banco espanhol no Brasil, onde detém maior participação no eixo Rio-São Paulo. Com o ABN, ele passará a ter maior representatividade no País inteiro, o que significa maior escala e maiores lucros.

FUNCIONÁRIOS

Para os funcionários dos dois bancos, no entanto, o fechamento do negócio pode significar a perda de empregos. De acordo com fontes do setor, o Santander já prepara nos bastidores um Programa de Demissão Voluntária (PDV), que pode atingir entre 2 mil e 4 mil pessoas no Brasil. Esse programa começaria com funcionários em fase de aposentadoria, mas deve se estender aos demais empregados.

A área de vendas dos dois bancos continuaria independente, mas a retaguarda (administração) seria unificada. Hoje, o número de funcionários do Santander é da ordem de 22 mil e o do ABN Amro Real, de 31 mil. De olho nesses possíveis cortes, alguns empregados do ABN já estão fazendo suas malas rumo a outras instituições.

A fusão também deverá passar por análise criteriosa do Banco Central e do Conselho de Administração de Defesa Econômica, que já mandou recado para os negociadores.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/10/07

A 'Era pós-humana'. O fenômeno da 'Singularidade'

“Caso não se melhore geneticamente a pessoa humana, logo ela será superada pelos robôs e existe o perigo real que assumam o controle do mundo.” A afirmação é do físico Stephen Hawking.

Federico Kukso em artigo para o suplemento ‘Futuro’ do jornal Página/12, 29-09-2007, apresenta um instigante relato dos experimentos em torno do conceito ‘Singularidade’ - um período futuro durante o qual o ritmo de mudança tecnológica será tão rápido e seu impacto tão profundo que a vida humana se transformará de maneira irreversível.

Chegará o dia em que os computadores superarão a inteligência humana e poderão eles mesmos plasmar uma nova geração de máquinas ainda mais inteligentes, teremos então chegado ao fim da 'Era da humanidade' e inauguraremos a 'Era pós-humana', prevêem vários cientistas da ficção. A possibilidade fundamenta-se no fato de que o cérebro humano para chegar no seu estágio atual levou de 50 a 100 mil anos de evolução, já as máquinas chegaram no atual estágio com apenas sete décadas.

Hawking defende que se comece agora mesmo a se fazer certos reparos ou praticar upgrades nas pessoas. Ampliação das capacidades mentais humanas (cérebros com mais neurônios), interfaces cérebro-computadores, incremento da memória, transferência direta de conhecimentos ao cérebro se não quisermos ficar para trás. Uma fusão íntima entre as espécies criadoras da tecnologia e o processo de evolução tecnológica que criaram. É o que o futuro nos reserva?

Debater as implicações das nanotecnologia sobre o futuro da espécie humana e do Planeta será o objetivo do ‘Simpósio Internacional Uma sociedade pós-humana? Possibilidades e limites das nanotecnologias’, promovido pelo IHU e que acontecerá em 2008.

Eis o artigo. A tradução é do Cepat.

Via de regra, as coincidências não existem. E, se existem são raríssimas exceções e com muita razão deveriam ser tomadas entre pinças e esquadrinhadas com um olhar redobrado de dúvidas. Um exemplo? Foi causalidade que a poucos dias da estréia do filme Inteligência artificial (2001) Stephen Hawking viesse à tona e advertisse sobre a possibilidade de que a qualquer momento os robôs superarão os seres humanos em suas capacidades intelectuais? Nada se sabe se a estréia do filme de Spielberg e os ditos de Hawking simplesmente confluíram por uma questão de destino, se correu dinheiro por debaixo da mesa ou se foi uma operação marqueteira.

Seja qualquer for das três possibilidades, o certo é que o astrofísico inglês – que nesse momento se encontra escrevendo com sua filha Lucy um livro sobre o universo para crianças intitulado Geroge’s Secret Key to the Universe – retomou e voltou a dar força a uma idéia que vem rondando no difuso, porém lúdico campo da futurologia. “Caso não se melhore geneticamente a pessoa humana, logo ela será superada pelos robôs e existe o perigo real que assumam o controle do mundo”, disse Hawking para revista Focus, semeando medo e a inquietação.

O ‘disparo’ tecnológico se deu nos últimos 50 ou 100 anos. Neste breve intervalo temporal – um piscar de olhos na história do Homo sapiens -, a tecnologia como se fosse uma entidade ou força autônoma que se move ao seu gosto e vontade, pisou o acelerador e catapultou o mundo e seus habitantes a um novo estágio. Nem melhor, nem pior, simplesmente uma situação diferente. Longe da idéia de que mais e melhores artefatos correspondam a mais e melhor felicidade. É como se ao longo da história o pensamento tivesse flutuado em velocidades com lapsos de aceleração (no Neolítico com a revolução agrária, no século XV com os impressos de Gutemberg, no século XVII com o incipiente caminhar da ciência e no século XIX com a máquina a vapor) e freadas bem marcadas como a que se deu em boa parte da Idade Média.

É verdade que este olhar é impulsionado por uma concepção linear do tempo, mas também é verdade que faz cem anos não tínhamos televisão, Internet, celulares, vacinas, marcapassos, lentes de contato, cirurgias estéticas ou viagens à Lua (assim com não havia HIV, medo nuclear, histeria pela clonagem, alvoroço com as células tronco).

H. G. Wells de alguma maneira já divisava em 1902 o panorama que vinha se abrindo quando em uma conferência intitulada ‘O descobrimento do futuro’ deixou ‘cair uma bomba’: “No último século se produziram mais mudanças que nos milhares de anos que o precederam, mas as mudanças que acontecerão neste século tornarão pequenas os anteriores. A humanidade fez uma parte do caminho e a distância que percorremos nos dá uma idéia do que resta percorrer. Todo o passado nada mais é do que o princípio do princípio; tudo o que a mente conseguiu não é mais do que o sono que precede o despertar”.

Diante desse cenário – do qual o filósofo Paul Virilio sempre destaca a velocidade e suas implicações na subjetividade moderna -, a pergunta que assalta sempre é a mesma: Até onde vamos chegar? A ciência da ficção se postulou sempre como encarregada de responder essa indagação e muito dificilmente se afasta de sete visões futuristas mais ou menos comuns: um estado opressivo e totalitário (V de Vendetta, Brazil, Fahrenheit 451); a utopia retrofuturista (Metropolis, Demolition Man, Retornar ao passado II); o caos urbano (12 monos, Laranja Mecânica); a invasão de extraterrestres hostis (V: invasão extraterrestre, Dia da Independência); a invasão de extraterrestres bondosos (Contatos Imediatos do Terceiro Grau); futuro pós-nuclear ou pós-catástrofe (Mad Max, Waterworld, O planeta dos macacos) e insurreição robótica (Terminator, Matrix, Battlestar Galáctica, Eu robô).

Todos e cada um desses mundos plausíveis se fundamentam em conjunturas presentes; ao fim e ao cabo, a melhor ciência da ficção sempre é aquela que extrapola um temor atual e constrói ao seu redor o verossímil. Philip K. Dick diferenciava: “A fantasia trata daquilo que a opinião geral considera impossível; a ciência da ficção trata daquilo que a opinião geral considera possível sob determinadas circunstâncias”.

No caso do despertar das máquinas, há hipóteses, teorias, papers, simpósios e institutos que pensam o futuro a partir do presente e que a cada dia que passa o vêem com a maior possibilidade de acontecer. E duas palavras (na realidade uma) rondam todo esse debate. Neste caso, o conceito é “singularidade tecnológica” ou simplesmente “singularidade”.

Originário da física, a matemática e a cosmologia têm se utilizado da palavra “singularidade” para caracterizar vários eventos. Mas quase todos confluem na mesma idéia: a do limite. Para Hawking, consiste em “um ponto em que a curvatura do espaço tempo se faz infinita” e exemplifica com o Big Bang (um ponto de densidade infinita) e o buraco de ozônio; para o soviético Alexander Friedmann é “um ponto do universo em que a teoria em si mesma se rompe”.

Mas foi o matemático Vernon Vinge quem a retirou da física e a depositou na futurologia – aquele campo que fica no parêntesis entre a ciência e a ciência da ficção – no ano de 2003 quando publicou seu manifesto ‘A singularidade tecnológica se aproxima’. Entre a profecia apocalíptica e a inquietação de um futuro supostamente inevitável, assegura que a tecnologia terá um crescimento exponencial de uma magnitude inimaginável e que em um momento próximo – o ano 2025 ou 2050 – se chegará a um ponto em que os computadores superarão a inteligência humana e poderão eles mesmos plasmar uma nova geração de máquinas ainda mais inteligentes.

Ou seja, um tempo em que as mudanças tecnológicas já não poderão ser assimiladas pela sociedade. “Parece plausível que com a tecnologia possamos num futuro próximo criar (ou converter) criaturas que superem os humanos em todas as dimensões intelectuais e criativas. Os acontecimentos para além de tal acontecimento – uma singularidade – são tão inimagináveis como a ópera o é a um verme”, anuncia. E, ressalta, se alguém ainda não entendeu: “E então, a era da humanidade terá terminado”. Um esclarecimento, Vinge é conhecido como escritor de ciência da ficção.

Por outro lado, o guru da inteligência artificial e autor da Era das máquinas espirituais e A Singularidade está próxima, Ray Kurzweil – apelidado de o ‘Nostradamus cibernético’ – segue também essa linha apocalíptica e entende a singularidade como “um período futuro durante o qual o ritmo de mudança tecnológica será tão rápido e seu impacto futuro tão profundo que a vida humana se transformará de maneira irreversível”.

Pode-se chamar Vinge, Kurzweil e outros futurólogos ‘singularistas’ (como Hans Moravec) de paranóicos ou exagerados. Mas quando se olha ao redor e se recupera a dimensão histórica dos objetos, percebe-se que exageram um pouco, mas não demasiado. Como a lei de Moore em mãos (aquela que diz que a capacidade dos microchips se duplica a cada 18 meses) pode-se rastrear todos os eletrodomésticos de uma casa e defrontar-se com surpresas. Os jogos de videgames, para ficar num exemplo, tem mais poder de computação que as máquinas utilizadas em 1969 pelos astronautas da Apolo quando puseram os pés na Lua.

Os tempos são evidentemente outros. Todo prognóstico do que acontecerá daqui a cinco anos (quanto a dispositivos, novas tendências, cenários emergentes) é uma aposta difícil de fazer. O cérebro humano para chegar no seu estágio atual (pensando no conceito de hardware) levou de 50 a 100 mil anos de evolução (ou milhões de anos quando se tem em conta a origem da vida como o ponto de partida). As máquinas – segundo Kurzweil – chegaram no atual estágio com apenas sete décadas.

Desde a construção de robôs que constroem por sua vez outros robôs e autômatos capazes de pintar quadros e assim exercer certa criatividade, os projetos que buscam testar e aumentar a inteligência das máquinas são muitos. Em julho de 2000, o cientista canadense Chris Mckinstry inaugurou o ‘Mindpixel project’, também conhecido como o ‘Projeto Modelo Mente digital’, para ensinar a uma rede de computadores o que é, segundo definiram os pesquisadores, a experiência de tornar possível que desenvolvam determinado sentido comum primitivo. Similar ao Open Mind Common Sense do MIT (xnet.media.mit.edu), consistia em um site em que mais de 40 mil internautas manifestavam suas experiências, desde medos, ansiedades, raivas, alegrias e euforia. Lamentavelmente o projeto – projetado para continuar até 2010 – acabou abruptamente em 2005, um ano antes do suicídio de Mckinstry no Chile.

A ênfase na singularidade tem vários pontos frágeis. Não apenas confunde conceitos bastante distintos como ‘mente’ (o software) e ‘cérebro (o hardware) como tacitamente subentende que se chegará num momento crítico quando a humanidade relaxe-se em sua comodidade e não faça absolutamente nada. Ocorre que sob todas essas questões se esconde um medo secreto, mas insistente: o de dar a direção a esta evolução. De fato, o medo da biotecnologia e da engenharia genética se ancora nesse medo ainda maior, como se encorajar estas ciências não significaria abandonar os rumos até agora definidos pela seleção natural e começar a estabelecer às cegas uma nova direção que não se sabe onde vai chegar.

O biólogo molecular Lee Silver (Universidade de Princeton) se aferra neste desconcerto generalizado e conjectura em seu livro de 1977 Retorno ao Éden (Remaking Eden) que talvez dentro de umas cinco ou mais gerações a humanidade se bifurque em duas subespécies graças a ‘reprogenética’ que estará ao alcance de poucos. Por um lado estarão os ‘enriquecidos genéticamente’ ou Genrich (os descendentes dos bebês projetados, possivelmente imunes contra a aids, o câncer, as alergias, a diabete) e, do outro, os ‘naturais’ (indivíduos concebidos à moda antiga).

A singularidade – prognosticada a partir dos avanços da inteligência artificial, nanotecnologia e redes neurais – tira o sono de muitos futurólogos, pois não sabem muito bem se a classificam com algo ‘mau’ ou ‘bom’. Foi isso que discutiram os 600 pesquisadores que participaram do II Congresso sobre singularidade que aconteceu semana passada em São Francisco, Estados Unidos. Os mais pessimistas sugerem que sejam precavidos e que preparemo-nos. Como defende Hawking, presume-se que o panorama não será tão sombrio com Matrix se se começa agora mesmo a se fazer certos reparos ou praticar upgrades nas pessoas. Ampliação das capacidades mentais humanas (cérebros com mais neurônios), interfaces cérebro-computadores, incremento da memória, transferência direta de conhecimentos ao cérebro (em maio de 2002, oito idosos da Flórida receberam uma microscópica solução de silicone que permite que sejam identificados como produtos de supermercados)...

“Nanorrobots inteligentes irão estar integrados em nosso organismo, nosso cérebro e no meio ambiente ajudando-nos a superar a pobreza e a poluição, aumentando a longevidade. Teremos uma realidade virtual de imersão absoluta que incorporarão todos os nossos sentidos, algo assim como a mescla de tudo o que se viu em Matrix com o que se viu em Being John Malkovich. E teremos uma inteligência humana levada ao máximo de sua capacidade. O resultado será uma fusão íntima entre as espécies criadoras da tecnologia e o processo de evolução tecnológica que criaram”, diz Kurzweil – que tomas 250 pastilhas por dia para chegar com vida no ano 2029 – em seu site www.kurzweilai.net (espécie de ‘farol’ em tudo que diz respeito à singularidade).

O menu para a construção do pós-humano é amplo e está em órbita à idéia de transcender ao substrato material – a biologia – e transformar-se em uma coisa nova e quem sabe irreconhecível desde este tempo histórica, ao que dificilmente se poderá chamar ‘ser humano’ (num documentário do programa ‘Horizonte’ da BBC se definiu como o ‘humano v2.0’). Diz-se, pois que as décadas por vir serão a dos híbridos, mesclas entre o orgânico e o não orgânico (silício sobretudo).

“Pode ser que sejamos a última geração de seres humanos”, diz Billy Joy, o cientista chefe da Microsystems em um artigo publicado na Wired intitulado ‘Por que o futuro não necessita de nós”. A partir daí não seremos mais humanos, mas outra coisa.

Para ler mais.

O Pós-humano

Mutações. O futuro pós-humano

Quando o corpo se torna ciência. O caso Pistorius e o pós-humano

Pós-humano - uma aventura trágica? Artigo de Gilberto Dupas

Robô inteligente é resultado natural da evolução das espécies, diz Kurzweil

Seremos todos cyborgs. Entrevista com Raymond Kurzweil

Nanotecnologia e nanociência. Entrevista especial com Wictor Carlos Magno

O sonho da hibridação homem-máquina

É um absurdo o homem querer criar algo que o ultrapassasse

O Pós-humano. Os limites e as possibilidades do pós-humanismo

Instituto Humanitas Unisinos - 06/10/07

Pequim admite o risco ecológico apresentado pela barragem de Três Gargantas

A barragem de Três Gargantas, a faraônica obra hidrelétrica no rio Yangzi, poderia provocar uma catástrofe ecológica se nada for feito para preveni-la: esta afirmação não procede de estrangeiros pertencentes a organizações de defesa do ambiente, mas de especialistas chineses citados pela imprensa oficial. Esta advertência indica uma nítida mudança de atitude da atual direção do Partido Comunista, que pretende hoje preocupar-se com as conseqüências sobre a ecologia do crescimento econômico desenfreado da República Popular. A matéria é de Bruno Philip e foi publicada no Le Monde, 02-10-2007. A tradução é do Cepat.

A direção do projeto Três Gargantas no Conselho de Estado, Wang Xiaofeng, listou, na semana passada, as ameaças que pesam sobre esse projeto que corresponde a um custo de 20 milhões de euros sobre o ecossistema das regiões que atravessa: erosão de solos, deslizamentos de terras, escassez e poluição da água – sendo esta última provocada especialmente pela sedimentação –, redução das terras aráveis. A isso se acrescentam os conflitos sociais provocados por essas evoluções.

Wang, que fez estas observações durante um seminário consagrado a esta questão na cidade de Wuhan, na Província de Hebei, não longe da barragem, não mencionou um outro custo, mais diretamente humano, e que as autoridades sempre mantiveram em silêncio: o deslocamento forçado de 1,4 milhão de pessoas que viviam às margens do rio Yangtze assim como o desaparecimento de 116 vilas e algumas obras-primas milenares...

Mas a constatação desse responsável foi tão precisa quanto nova em relação aos habituais discursos lenitivos da propaganda. “Não podemos nos permitir baixar a guarda diante das questões de segurança ecológica e ambiental”, preveniu antes de acrescentar: “Nós não podemos sacrificar o nosso ambiente em detrimento das perspectivas de prosperidade de curto prazo”.

Um julgamento que certamente faz eco ao discurso oficial de hoje, mas que contrasta com aquele dos predecessores da atual direção. No momento em que os comunistas chineses estão preparando o seu 17º Congresso, que deverá iniciar no dia 15 de outubro, esta declaração não é inocente: o ex-presidente Jiang Zemin, qualificou o projeto em 1997 de etapa “memorável na história da humanidade” que permitirá “explorar” melhor “os recursos naturais”. Hoje, o presidente Hu Jintao, seu sucessor e adversário, não pára de exaltar “a harmonia social” a fim de humanizar um crescimento que deverá seguir um modelo mais moderado e melhor adaptado de “desenvolvimento científico”.

Em Chongqing, o gigantesco município situado acima da barragem, o ecologista Wu Dengming, durante muito tempo perseguido pelas autoridades por ter criticado o projeto, se alegra com o discurso de Wang Xiaofeng: “Bravo!, politicamente é um passo corajoso à frente em boa direção”. “De agora em diante – acrescentou com uma certa perfídia o presidente da Liga dos Voluntários Verdes de Chongqing –, posso citar as autoridades de Pequim quando tiver que conversar com as autoridades locais...”.

Esta nova tomada de consciência por parte das autoridades mais zelosas na prevenção de uma catástrofe ecológica não resolve, entretanto, a contradição na qual a China corre o risco de se atolar ainda por muito tempo: uma barragem como a de Três Gargantas encerra um fenomenal boom econômico do país, responde às suas enormes necessidades de eletricidade, ajuda na regulação dos ciclos de inundações e de seca na região do rio Yangtze.

Mas Pequim faz bem em se esforçar por antecipar os problemas ligados a uma tal proeza tecnológica; no entanto, não é evidente, mesmo para um regime autoritário, que seja ouvido pelas autoridades locais, cuja psicologia de desenvolvimento a qualquer preço não evoluiu, ou evoluiu muito pouco.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/10/07

Diplomacia de Amorim entra em ação no Equador

O aumento de impostos sobre a produção petrolífera no Equador pode ser o primeiro passo de um processo de estatização do setor. A avaliação é de especialistas consultados pelo Estado, para quem o decreto publicado na quinta-feira pelo governo Rafael Correa tem como objetivo pressionar as empresas a se tornarem prestadoras de serviços para a estatal PetroEcuador. Ontem, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou em Quito que o governo local está disposto a negociar com as companhias afetadas pela medida. A reportagem é de Nicola Pamplona e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 6-10-2007.

Em decreto publicado na quinta-feira, o governo local aumentou de 50% para 99% a participação do Estado sobre os ganhos excedentes com a venda de petróleo por empresas estrangeiras. Os ganhos excedentes representam toda a receita com a venda do petróleo a preços superiores a um valor de referência estipulado em contrato, que hoje ronda os US$ 24 por barril, segundo diários locais. Ou seja, o governo fica com 99% da diferença entre os US$ 24 e o valor de venda da produção.

Com o petróleo beirando US$ 80, o ganho excedente da produção equatoriana da Petrobrás chega perto dos US$ 1 milhão por dia. Desde o ano passado, esse valor era dividido em partes iguais com o governo. A Petrobrás não quis informar quanto vai perder com o aumento de impostos. Na saída de um evento na sede da companhia, ontem, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, afirmou que só vai se pronunciar após notificação oficial do governo equatoriano.

Analistas concordam que a perda é pequena para uma empresa, que faturou, no primeiro semestre, uma média de R$ 570 milhões por dia.

“Mas é mais um sinal de aumento do risco da América do Sul”, aponta o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Para Erasto Almeida, analista da consultoria Eurasia Group, a situação no Equador pode se tornar pior do que na Bolívia, que reestatizou o setor no ano passado.

“Na Bolívia, a YPFB existia praticamente só no papel e, portanto, o governo não tinha condições de fazer nada sozinho e teve de moderar o tom e fazer concessões às petroleiras”, diz Almeida. “Já no Equador vejo menos incentivos para moderação. A PetroEcuador é responsável por 50% da produção de petróleo do Equador. É menos arriscado do que na Bolívia tomar dinheiro das empresas e investir na estatal.”

Amorim reforçou a disposição da Petrobrás em negociar. A imprensa equatoriana, porém, fala em migração para contratos de prestação de serviço, com remuneração fixa pela produção de petróleo, que são muito mal vistos pelas companhias do setor.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/10/07

Desindustrialização? É preciso mudar o discurso, afirma economisa do Ipea

Os números da produção industrial em agosto, divulgados ontem pelo IBGE, não chegaram a surpreender. Os vários indicadores do setor já vinham mostrando que em julho a indústria ultrapassara o seu modesto padrão de crescimento dos últimos dois anos - uma média de 3% -, embicando rumo aos 5%. A novidade nesses dados, segundo destaca o Iedi, está no fato de que sugerem que, mesmo esse patamar, pode ser superado. Com ajuste sazonal, o aumento de produção do setor foi de 1,3%, batendo nos 6,6% na comparação com agosto de 2006. 'No ano, o crescimento é de 5,3%, denotando aceleração com relação ao crescimento acumulado até julho (5,1%) e junho (4,8%)', admite o Iedi. A reportagem é de Sonia Racy, jornalista, e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 5-10-2007.

Isso posto, o economista Fabio Giambiagi, do Ipea, clama por uma mudança de discurso do setor industrial. Ele lembra que, no começo do ano, quando o câmbio estava em R$ 2,10, especialistas em câmbio advertiram que a tendência era de que a taxa caísse abaixo de R$ 2,00. E foram acusados de 'adeptos de um Brasil onde só há espaço para o agribusiness e os bancos'. Enquanto isso, os industriais anunciavam, com todas as letras, que o Brasil estava se 'desindustrializando'. O fato é que, nos primeiros 8 meses do ano, a indústria cresceu mais de 5% e o setor de bens de capital, quase 18%. 'É simplesmente espantoso que, em face desses números, não apenas quem defendia essa tese não tenha tido a humildade de reconhecer o erro, como insista na tese de que o País está passando por uma fase de desindustrialização.'

Giambiagi não se furta de um mea-culpa. Lembra que, embora o Ipea não tenha jamais adotado essa tese esdrúxula, também não se mostrou muito otimista em relação às perspectivas para o ano. O que está acontecendo com o investimento, ressalta, é verdadeiramente notável e caracteriza, inequivocamente, 2004 como o início de um novo ciclo de crescimento e não como um vôo de galinha. O País está caminhando, em 2008, rumo ao quinto ano de um bom crescimento do investimento, com uma média de expansão da variável de mais de 8% no período. 'Aqui não há doença holandesa e sim um país em expansão, ainda que com muitos problemas não resolvidos.'

Instituto Humanitas Unisinos - 05/10/07

O Senado francês aprova os testes de DNA para imigrantes

O Senado francês aprovou na madrugada de hoje uma versão suave da polêmica emenda pela qual o Estado autoriza o recurso a uma análise genética para os estrangeiros que queiram entrar no país para se reunir com seu agrupamento familiar. A lei agora será examinada por uma comissão mista da Assembléia. O voto definitivo será emitido no dia 22 de outubro. A notícia é dos jornais Le Monde e El País, 5-10-2007. O Conselho Nacional Consultivo de Ética qualificou a medida como “contrária ao espírito da lei francesa”.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/10/07

A exclusão é a regra da cibercultura e não a inclusão, afirma especialista

"O mercado exige dromoaptidão, ou seja, a capacidade de ser veloz. O mercado está cada vez mais dromocrático. Essa exigência cumpre a função de seleção. Mas é uma violência, porque sobrepesa aos conhecimentos que já eram exigidos. E é pantópica, vem de todos os lados." A afirmação é de Eugenio Trivinho, autor do livro "A Dromocracia Cibercultural" recém-lançado pela Editora Paulus. O autor foi entrevistado por Jorge Felix e a entrevista foi publicada pelo jornal Valor, 4-10-2007.

Eis a entrevista.

Ainda é possível viver fora da lógica da velocidade?

Não, desde que se considere que o indivíduo necessita, para integrar-se ao mercado de trabalho, estar em sintonia com a época. Pela sua sobrevivência e para integrar-se também aos produtos de lazer, os games. A época exige um domínio das chamadas senhas infotécnicas de acesso. Deixa para aqueles que não entraram, não têm necessidade de entrar ou saíram do mercado de trabalho a prerrogativa de rescisão a esse domínio dos instrumentos, das linguagens ou dos conhecimentos. No entanto, há muito pouca brecha para escape. A tecnocracia é a mais penalizada. Os executivos certamente não desfrutam do privilégio concedido pela época de não precisar responder a todas as exigências dromo- cráticas. Apenas o tecnófobo pode dizer "não".

Quais são as conseqüências desse fenômeno para a qualificação profissional?

A primeira é a inexorabilidade da sobrecarga civilizatória. O indivíduo deve dominar essas infotécnicas, mesmo para funções nas quais esse conhecimento sequer é um requisito. Isso faz parte da incorporação da violência típica desta época. O mercado exige dromoaptidão, ou seja, a capacidade de ser veloz. O mercado está cada vez mais dromocrático. Essa exigência cumpre a função de seleção. Mas é uma violência, porque sobrepesa aos conhecimentos que já eram exigidos. E é pantópica, vem de todos os lados.

É nesse aspecto que a dromocracia revela-se típica de uma época violenta?

A cibercultura não é apenas uma época. É um processo civilizatório e busca sua perpetuação no tempo. É a fase atual do capitalismo tardio. Há um sobrepeso aos ombros de todos, embora a época estipule quem domina as novas senhas e quem não deve dominá-las, porque a seleção é econômica ou cognitiva. Esse sobrepeso se faz com requintes. Ela aponta para o horizonte sem definir o rumo. Existe uma cobrança para o domínio do ciberespaço, mas é doce, sutil, uma pressão social invisível. Diz: "Você deve dominar essas senhas, que prometem 'garantir' sua inclusão na cibercultura".

Essa promessa é de fato cumprida?

É apenas um discurso. Vive do caudal publicitário das megaindústrias do ramo. Mas desse processo fazem parte governo, terceiro setor, provedores de acesso e também a massa de consumidores que aderem sem reflexão aos produtos. A lógica da cibercultura vive dessa dinâmica da reciclagem info-tecnológica estrutural. Não basta dominar uma senha. É necessário que esta senha esteja sempre atualizada. Mas, para esse acompanhamento há a necessidade de formação de capitais econômico e cognitivo.

E a mudança é cada vez mais rápida.

O coração desse movimento é a reciclagem estrutural, a passagem de uma "mais potência" para outra. Do hardware 486 para o Pentium 1, por exemplo. Ou seja, não basta qualquer senha. O tempo de reciclagem hoje é de seis meses para todos os componentes. Nunca tivemos taxa de reciclagem tão alta para outras modalidades de objetos tecnológicos, como carro e televisão.

Os indivíduos, empresas ou governos conseguem acompanhar?

Esta é a síntese da lógica da reciclagem: a violência. Invisível. As indústrias do ramo têm necessidade de fazer girar o capital. O capitalismo cibernético tem necessidade de reprodução. Todos, governos, empresas, nações, todos devem se vergar à lógica da mais potência. É um ódio valorativo ao que estava vigorando antes, como se o 4.0 fosse melhor que o 3.0, como se o Windows 98 fosse melhor que o 95. Isso é uma falácia. A lógica nos convence que status é ter acesso a senhas atualizadas.

E, como mudam rápido, cada vez criam mais excluídos.

A equação da época, com seus requintes sutis, diz: é necessário desenvolver um domínio privado, a partir do dromo, com computador em casa, pleno, com todas as senhas info-técnicas atualizadas, e capital cognitivo para ter lugar ao sol da cibercultura. Aí começa o drama do nosso processo civilizatório. Esse domínio não é dado a todos. Abre-se, portanto, o fosso que separa uma elite, a nova, elite tecnológica, e aquela massa dromoinapta que não o é porque quer, é porque o processo é darwinista. Aí ocorre uma super exclusão. A exclusão é a regra da cibercultura e não a inclusão.

É um desafio para a política de inclusão digital?

Pensar na inclusão digital, como forma de inclusão social, é utopia. A inclusão digital só pode assim ser pensada como meta a ser cumprida no âmbito civilizatório. Sistema escolar, governos, fundações, ONGs podem trabalhar para saldar uma dívida. A escala é civilizatória. Não é localizada nem reduzida a uma época. A civilização tenta se desdobrar porque as necessidades comparecem e a sociedade tem que dar conta. Nós sabemos que o Estado, o capital, o terceiro setor, ao falarem de acesso universal, fazem apenas um discurso. A época exige acesso privado pleno. O discurso deixa entender que o acesso universal já inclui socialmente. Essa filigrana é que precisamos notar. Sem isso, caímos numa ingenuidade política de que apenas a popularização dos equipamentos vai flexibilizar o acesso. É bom lembrar que o barateamento ocorre para os equipamentos defasados, quando a mais potência já se deslocou para categorias que têm capacidade econômica e cognitiva para acompanhar a reciclagem estrutural. É essa diferenciação interna da dromocracia cibercultural que marca a complexidade da exclusão.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/10/07

A lenda Che. Introdução ao mito

Por que razão Che se transformou em um mito? É o que Jorge Auliciano em artigo para o El País, 30-09-2007, procura desvendar. Segundo ele, esse processo de mitificação de Che começou antes de sua morte, com o que já tinha de mítico a revolução cubana e os seus heróis. Mas o sacrifício converteu Che num emblema de gratuidade, de férrea adesão a ideais, exatamente numa sociedade na qual esse desapego estóico e carregado de princípios parece cada vez mais um objeto de museu.

O autor, considera ainda que contribuiu para consolidar a imagem de um Che mítico e lendário duas fotos históricas, a do fotógrafo cubano Alberto Korda e a do fotógrafo boliviano Freddy Alborta. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

A conjugação de uma derrota sublime, de um crasso erro tático e estratégico e de duas imagens que se difundiram quase que simultaneamente fizeram de Ernesto Guevara um símbolo de gratuidade, coragem, absoluto desapego, inclusive pelo objetivo e emblema de uma vitória metafísica.

A história deve ainda dizer muito sobre as razões que levaram Guevara e seus ideais a um beco sem saída na selva de Ñancahuazú no sudeste boliviano. A forma inclusive como Che caiu nas mãos do exército boliviano, ferido, andrajoso, com uma arma avariada, deveria ser tão significativo como o seu corpo estendido sobre uma maca colocada sobre uma espécie de tanque de lavagem no hospital de Vallegrande.

“Não se preocupe capitão, tudo acabou”, é o que Guevara teria dito a Gary Prado, segundo esse, no momento em que se entregou. Prado hoje é general e anda em cadeiras de rodas baleado nas costas por um erro quando despejava, anos depois, ultra-direitas que ocuparam um poço petroleiro. Esse “tudo acabou” não significa mais do que a confissão quase sarcástica de uma impotência que nunca foi explicada.

Não é a frase que Guevara pronunciaria desde o terreno do mito, lugar para o qual foi depois das rajadas de fuzil automático disparadas pelo sargento Mario Terán, no momento em que se encontrava prisioneiro em uma escola do povoado de La Higuera. As palavras que o mito pronuncia são: “Aponte bem e dispare. Você vai matar um homem”. Terán foi quem as repetiu para a posteridade. Elas ressoam hoje de uma maneira estranha. Guevara parece estar dizendo: “Você vai matar um valente”, mas também: “Vai matar um homem, não a sua lenda”.

Como se construiu esse mito?

Hoje, os camponeses dessa região da Bolívia fizeram um santuário não no lugar em que foi fuzilado – a escolinha de La Higuera – mas no local de Vallegrande em que foi exibido o seu cadáver. Os camponeses na época que não se uniram a ele e, tampouco o apoiaram, o têm como um santo. É o que sobrou da verdadeira religiosidade que ainda inspira o Che. O restante é um aluvião de imagens das quais não é possível estabelecer o conteúdo nem o significado. Milhares de jovens que nem haviam nascido quando Che morreu, o carrega em imagens sobre suas camisetas, em tatuagens nos adesivos em automóveis - não são socialistas e nem o serão e ignoram quase tudo sobre o tipo de revolução que Che queria.

Che partiu de Cuba em 1965. Perdeu ali várias batalhas políticas ou não foi demasiado apto para travá-las. Em 1967, o ano da sua morte, o editor marxista Giangiacomo Feltrinelli, que em 1972 morreu vítima de uma explosão enquanto suponha-se tentava sabotar uma torre de alta tensão próxima de Milão, obteve de presente uma foto de Alberto Korda, de 1960. O fotógrafo cubano a tirou em um ato de rua quando Che se aproximou da mureta de um palanque para olhar a multidão. Não gostou e deu a Feltrinelli que viu na foto a imagem de uma espécie de anjo sombrio e visionário. Em poucas semanas vinha à tona o primeiro pôster de Che. A imagem virou milhares de cartazes e cartões postais. Meses depois, Che morria.

Quase simultaneamente outra foto se sobrepôs a de Alberto Korda, a foto tirada de Che pelo fotógrafo da UPO, Freddy Alborta em Vallegrande, foto que associa Che a imagem de Cristo. As fotos de Freddy Alborta; a pintura de Andrea Mantegna, A lamentação sobre Cristo Morto, de 1940 e a pintura de Rembrandt, A lição de Anatomia do doutor Nicolas Tulp, de 1632, tornaram aquela morte de uma iconografia do martírio. Um certo modo de vincular estas imagens produzidas pela pintura e a história deram conteúdo a discussões que se sucedem desde que o escritor inglês John Berger relacionou o quadro de Rembrandt com as fotografias de Vallegrande.

Na realidade, os fatos, as causalidades, a pintura, a religião católica, parecem ter se misturado para que a imagem de Guevara saísse da historia e entrasse no terreno do mito, no preciso instante em que morreu. O anjo de 1960 e o mártir de 1967 são dois rostos de um mesmo sacrifício, posto que a foto de Korda deu a volta ao mundo já impregnada do ar sacrifical da foto de Alborta.

Décadas depois, o cineasta argentino Leandro Katz no seu documentário El día que me quieras (1997), pergunta ao fotógrafo boliviano sobre as fotos da morte e esse diz: “Comoveu-me o olhar de Guevara. Tinha a impressão de estar fotografando a um Cristo. Não era simplesmente um cadáver, era algo extraordinário”. Se Alborta sentiu realmente que se movia por um “entorno” místico então estava instintivamente unido à corrente pictográfica que desde o Renascimento acrescentou um poder sobrenatural às imagens do Cristo e do corpo de Cristo.

Nem o comando militar, nem Terán que não feriu o rosto de Che, nem o agente da CIA Félix Rodríguez que ordenou que se evitasse a desfiguração do rosto poderiam prever como a câmara do fotógrafo cavaria na escuridão até encontrar um corpo humano abatido e um olhar sobre-humano ao ponto de que se compararia a cena com a de um Cristo sob a cruz e com uma obra de Rembrandt nas quais luzes e sombras unem a carne detestável e perecível, o cheiro de morte e hospital, com um hálito cósmico. Há muita poesia nisso, mas uma poesia da qual se ‘alimentaram’ sucessivas gerações. A lente fotográfica, a arte mecânica do século, produziu o efeito da grande arte, desde o inicio até o final do mito de Che.

O resto é literatura. E o que vem depois, uma reprodução ao infinito de uma silhueta que não tem conteúdo propagandístico, uma vez que não há o que propagandizar, nem político, mas meramente ideológico em conceito de mistificação.

A imagem de Che estirado o fez imortal. De nada serve hoje dizer que a sua incursão na Bolívia foi um fracasso militar e político, uma sucessão de erros de trágicas dimensões para ele e para o movimento revolucionário. A questão pela qual Che morria não era importante. O estadunidense Peter Bourne em sua biografia Fidel destacou a causa pela qual, mesmo no fracasso político, a morte de Che é éticamente vitoriosa: “Che, um revolucionário purista, romântico, acreditava que estar moralmente correto era, em última instância mais importante do que conseguir a vitória”.

Há idéias que a imagem de Che já não atinge. Idéias que por sua vez seriam muito difícil dos jovens que carregam a imagem de Che compreender. São de um período da história cujo discurso resulta incompreensível. Na A vida vermelha (1197) o ensaísta mexicano Jorge Castañeda anota: “As idéias de Che, a sua vida, a sua obra, inclusive o seu exemplo, pertencem a outra etapa da história moderna, e como tais, dificilmente recobrarão algum dia a sua atualidade. As principais teses teóricas e políticas vinculadas a Che – a luta armada, o foquismo guerrilheiro, a criação do homem novo e a primazia dos estímulos morais, o internacionalismo combatente e solidário – carecem virtualmente de vigência. A revolução cubana – seu maior triunfo, seu verdadeiro êxito – agoniza ou apenas sobrevive graças à rejeição de boa parte da herança ideológica de Guevara. Mas a nostalgia persiste”.

O “clima da época” se apresenta em uma história que ao longo dos anos parecia desmesurada e impossível. Tinha o selo da revolução cubana, que também em princípio parecia impossível e que foi considerada no mundo da esquerda como um sucesso excepcional, a luta contra os Estados Unidos, a congênita debilidade do exército cubano, a bandeira nacionalista enraizada na ilha e uma coragem fora do comum.