"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, setembro 18, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 18/09/07

O caráter do desenvolvimento econômico brasileiro. A análise de Maria Conceição Tavares


A economista Maria da Conceição Tavares proferiu a aula inaugural no curso “Desenvolvimento Brasileiro”, organizado pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. A aula proferida no dia 28 de agosto de 2007, versou sobre o caráter do desenvolvimento econômico brasileiro. Maria da Conceição Tavares, nascida em Portugal, é uma das economistas de maior influência sobre o pensamento econômico brasileiro desde os anos 60, em especial o heterodoxo. A sua produção acadêmica caracteriza-se pelo estudo do desenvolvimento de países periféricos a partir da matriz cepalina.

Na aula apresentada no Centro Celso Furtado a economista discorreu sobre o caráter estrutural do desenvolvimento brasileiro. A análise incorpora a crise de 1930 até à crise dos 1980 e a partir daí a ruptura com o modelo desenvolvimentista. Conclui a aula com os possíveis cenários do desenvolvimento brasileiro.

Apresentamos na seqüência uma síntese da aula apresentada pela Profª Drª Maria da Conceição Tavares. A íntegra do texto pode ser acessada no sítio do Centro Celso Furtado.

Eis a síntese.

Caráter estrutural do desenvolvimento brasileiro. Urbanização e industrialização descompassadas

A urbanização e industrialização não correspondem a um mesmo movimento, apesar de serem coetâneos entre 1950 e 1980. Segundo a profª Conceição Tavares, o movimento da industrialização pesada de 1950/80 se dá localizado, fundamentalmente, em São Paulo e, posteriormente, transborda para Minas Gerais (siderurgia e metal-mecânica). A economista destaca que o Rio de Janeiro não acompanha o ritmo da industrialização de São Paulo e Minas Gerais e posteriormente a partir da década de 80 se desendustrializa (crise da industria naval e metal-mecânica em geral).

Já o movimento da urbanização, segundo Conceição Tavares, no mesmo período se deve a migrações rural-urbanas para as capitais dos estados da Federação, que leva à formação de outras metrópoles além do Rio e São Paulo. Segundo ela, a partir da década de 50, as condições do campo, sem reforma agrária e com baixo dinamismo agrícola até a década de 70 (começo da expansão vigorosa do agrobusiness, com apoio do crédito do Banco do Brasil, na nova fronteira agrícola aberta pelos grandes eixos rodoviários construídos de 60 em diante).

Assim, de acordo com a economista, a interiorização do desenvolvimento no Brasil foi, principalmente, da grande agricultura capitalista (a começar pelos cerrados) na direção do Centro-Oeste. Destaca ainda que a construção de Brasília e dos eixos rodoviários ajudou, sobretudo, os grandes construtores e grandes negócios agro-pecuários e facilitou as migrações rurais urbanas, criando novas cidades com população flutuante e depois marginalizada em cidades satélites.

Resolver o problema do atraso industrial num capitalismo industrial tardio foi possível graças aos dois ciclos de industrialização pesada: o Plano de Metas e o II PND, destaca a economista. Mas – diz ela - dados os deslocamentos de população e sua marginalização em ‘mercados informais’ de trabalho nas cidades e no campo (bóias frias), não resolveu o problema do subdesenvolvimento com má distribuição de renda e provocou um aumento gigantesco da pobreza urbana.

A interpretação da professora coincide com o que muitos autores chamam de modernização conservadora, ou seja, a percepção de que o país cresceu economicamente, porém concentrando renda.

Os agentes do desenvolvimento desde a crise de 30 até à crise dos 80. A formação do tripé

Maria Conceição Tavares destaca que foram, num primeiro momento, nos dois governos Vargas que se deu a construção do Estado Nacional Desenvolvimentista e as políticas trabalhistas e de Seguridade Social. Ao mesmo tempo, comenta, se deu o rearranjo do pacto oligárquico; o surgimento da burguesia industrial paulista; e a importância crescente de construtores e bancos comerciais. A burocracia política passou a operar fortemente no Rio de Janeiro, enquadrando pelo poder central o velho pacto oligárquico rearranjado regionalmente.

Segundo ela, o up grade do desenvolvimentismo nacional ocorre, sobretudo a partir da assessoria de Vargas de 1950/54 que propôs, além do Plano de Reaparelhamento Econômico (Lafer), a criação de vários grupos executivos entre os quais o da automobilística (Alm. Lúcio Meira). Tem-se ainda criação do BNDE e da PETROBRAS - os últimos agentes públicos do Desenvolvimento criado pelo 2º Vargas. A expansão da Vale do Rio Doce e a criação efetiva da Eletrobrás, etc. só se dão mais tarde, comenta a economista.

O segundo momento de forte expansão do desenvolvimento nacional, segundo Maria Conceição Tavares, acontece com o governo JK a partir da formação do tripé Estado, Empresas Estrangeiras e Empresas Nacionais. Porém, a economista chama a atenção para o fato de que a partir de JK e de seu Plano de Metas, a burguesia nacional industrial torna-se a perna fraca dos agentes da industrialização, aceitando a divisão de trabalho imposta pelos grupos executivos do BNDE e a entrada de novas filiais das empresas estrangeiras, sobretudo européias e japonesas.

As filiais, em sua opinião, são as empresas líderes da implantação das indústrias de material elétrico e de transportes restando para as nacionais as tarefas de complementação na indústria metal-mecânica e para as empresas estatais a indústria siderúrgica e de petróleo.

Por outro lado, destaca Conceição Tavares, o Estado é responsável direto pelos planos de infraestrutura, de energia e logística, mas os grandes investimentos em construção pesada dão lugar ao surgimento de grandes construtoras nacionais, mineiras e paulistas o BNDE é o grande banco público financiador do investimento (público e privado nacional). A expansão do crédito comercial (que acompanha o ciclo de expansão) estimula o crescimento dos grandes bancos privados mineiros, cariocas e paulistas – que mais tarde no início da década de 70 (Delfim Netto) se transformam em conglomerados bancários nacionais. Conceição chama a atenção para o fato de que não se registra a entrada de capital financeiro estrangeiro no setor bancário ou financeiro somente no investimento direto de filiais estrangeiras (facilitado pela Instrução 113, de 1955 e não revogada por JK).

Assim, destaca ela, a rigor, o “capitalismo associado” entre o capital nacional e estrangeiro de que fala FHC em sua versão da Teoria da Dependência dá-se sobretudo na indústria. A grande burguesia nacional (construtores e banqueiros) ou está associada ao Estado ou se fortalece no caso do setor financeiro (e assim permanece até hoje). A expansão dos grandes empórios comerciais também continua em mãos de nacionais, praticamente até o neoliberalismo da década de 90.

O período militar e o desenvolvimento brasileiro. Capitalismo de Estado?

Além dos dois períodos anteriores – Vargas e JK – o rastro do desenvolvimento brasileiro encontra um terceiro período, identificado pela economista como o sendo da década de 70: da dupla Delfim – Geisel. Destaca que, passadas as tendências liberais e a etapa reformista do período Bulhões/Campos, no regime militar os agentes do desenvolvimento continuam a distribuir-se no Tripé com as seguintes modificações:

Reforço dos segmentos nacionais: bancos, construtoras, empresas industriais de insumos e grandes empresas agrícolas (agro-business, Pro-álcool).

• Reforço dos segmentos estrangeiros já existentes, ampliação para novos setores da indústria química (petroquímica e fármacos) papel e celulose e equipamentos de telecomunicação.

• No setor Estatal, há o reforço do papel do BNDES com a criação do PIS/PASEP e a reorganização das empresas estatais com a criação institucional de novas agências públicas: Sidebrás, Telebrás, Nuclebrás, etc.

Na verdade, comenta Conceição Tavares, no governo Geisel, com o II PND, a estatização avança a passos largos dando lugar a protestos das empresas nacionais, sobretudo paulistas. No entanto, diz ela, apesar do aumento do peso estatal na organização da indústria pesada, é problemático chamar ‘Capitalismo de Estado’ a este período, dado que o sistema financeiro público não participa como sujeito do processo de monopolização do capital que lhe é exterior e a ‘Ciranda Financeira’ (introduzida na década de 70) desestabiliza o papel de “articulador financeiro” do Estado.

A ruptura do modelo desenvolvimentista brasileiro de 80 em diante

Conforme Maria da Conceição Tavares a crise do "Estado Desenvolvimentista" começou na década de 80, mas foi nos anos 90 que o Brasil concentrou o grosso das políticas de abertura, desregulação, privatizações e desnacionalização industrial e bancária (com aquisições e fusões).Ressalta-se que os grandes grupos nacionais produtores de insumos, na metalurgia, de bens de capital, de construção civil e bancos não eram favoráveis nem à abertura do mercado interno, nem externo. Também não apoiavam as privatizações das estatais de energia.

Na década de 80, de acordo com Maria da Conceição Tavares, a finalização dos investimentos planejados no qüinqüênio anterior e o aumento das exportações (devido à valorização do dólar até 1985) permitiram à economia sobreviver e até animar-se com o mini-boom do Plano Cruzado. Mas a partir de 1987 explodiu a crise financeira interna e externa do Setor Público, o que fez com que o investimento público despencasse.

Entre 1987/92 o Brasil esteve praticamente em moratória e somente a renegociação da dívida externa e a abertura financeira de 1991/92 permitiram a retomada do endividamento público e privado, interno e externo. No entanto, no final de 1998, há uma nova crise cambial e de balanço de pagamentos, uma maxidesvalorização do Real e o apelo ao FMI e ao BID para empréstimos de emergência no início de 1999.

Segundo a professora, a recuperação dos anos 2000 foi lenta e insegura e só em 2006 é que parece ter-se configurado uma possibilidade nova de crescimento com estabilidade macroeconômica. Mas, é óbvio que com a política de juros altos e câmbio sobrevalorizado (mantida pelo governo Lula) continuou a abertura às importações e ao capital financeiro especulativo e de portfólio. Entretanto, não ocorreram novas privatizações nem desnacionalizações importantes. Também, a ampliação do crédito interno estimulou o consumo e recuperou a produção industrial.

Mas, os estrangulamentos em infra-estrutura estão difíceis de superar e os PAC's ainda não deslancharam o suficiente para implicar uma nova onda de investimento autônomo do governo. A Petrobrás é a rigor a única exceção relevante.

Para onde vamos?

A professora Maria Conceição Tavares conclui a sua aula inaugural no Centro Celso Furtado especulando sobre a perspectiva do desenvolvimento brasileiro daqui para frente.

Comenta que quanto a um novo modelo de desenvolvimento não está nada claro do que se trataria, uma vez que a inserção internacional dinâmica já parece ter-se completada. É evidente que não será um regresso a um novo modelo primário exportador, até porque as exportações do agro-business não se expandiram mais do que as de manufaturas, as quais já datam da década de 70.

Em sua análise, a desindustrialização e a desnacionalização dos bancos ocorrida na década de 90 não prosseguiu. O aumento violento das importações deve-se tanto à alta elasticidade dos bens de capital importados (característica cíclica estrutural das nossas importações) como, no que se refere a bens de consumo e outros, à valorização do Real, superior à própria desvalorização do dólar no mercado internacional. A indústria e o mercado interno estão se recuperando, mas não está claro se trata-se ainda de um ciclo curto de expansão.

Conceição Tavares é otimista. Para ela, a atual inserção internacional dinâmica do Brasil como “global trader” lhe é favorável para minorar os possíveis impactos da desaceleração da economia americana. As reservas financeiras (tanto do Tesouro como do BACEN) devem ser suficiente para evitar a vulnerabilidade externa de uma nova recessão americana mas apenas se ela for passageira.

Porém, comenta que os distintos caminhos percorridos pela economia global e pelo Brasil, não são necessariamente convergentes (nem no plano interno, nem externo) e não configuram nenhuma trajetória “sustentável” na acepção plena do termo. A rigor nem o “clássico Tripé” está rearticulado e nem a “desnacionalização”, nem a "internacionalização” de nossas empresas garante resultados eficazes para o crescimento de longo prazo. Afinal não estamos nem no passado nem o nosso futuro é tornarmo-nos “asiáticos”.

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