"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, março 26, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 23/03/08

Crise financeira faz Brasil perder oportunidade histórica de crescimento acelerado e sustentado por longo prazo


Com a crise financeira americana, tudo indica que perderemos uma oportunidade histórica de transitar para crescimento acelerado e sustentado por longo prazo. A análise é do economista Yoshiaki Nakano, em artigo na Folha de S. Paulo, 23-03-2008. Nakano é diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Eis o artigo.

Nos próximos meses a economia brasileira atingirá o auge do ciclo de recuperação. Tudo indica que perderemos uma oportunidade histórica de transitar para crescimento acelerado e sustentado por longo prazo. Vários indicadores e eventos internacionais sinalizam que uma economia dependente de fatores externos para crescer, como a nossa, está chegando ao auge do crescimento. Da mesma forma, a recuperação do mercado interno está também chegando a seu limite com as restrições impostas pela política macroeconômica.

Com a crise financeira americana, o crescimento da economia mundial previsto pelo FMI em 5,2% foi revisto para 4,8%, depois para 4,1%, e nova revisão para baixo será anunciada. A economia americana deverá crescer menos de 1%, e a européia também desacelerará. A China, com a taxa de inflação atingindo 8,7% em fevereiro, fará esforços para desacelerar o crescimento. Eles anunciaram a meta de crescimento de 8% para este ano e, para atingi-la, será necessário desacelerar o crescimento em 3,4 pontos percentuais em relação ao ano passado.

Os mercados de commodities já dão sinais de estar atingindo o pico - a queda dos preços vem ocorrendo pela recessão e pela saída dos afetados pela crise financeira. Estamos assistindo, simultaneamente, a desaceleração da economia global e o esfriamento dos preços de commodities com óbvios impactos sobre nossas exportações e nosso crescimento.

A metástase da crise financeira norte americana vem se mostrando com uma extensão maior e mais profunda do que se imaginava, podendo provocar uma reviravolta no fluxo de capitais, levando à depreciação do real e com impacto imediato sobre a taxa de inflação. Enquanto isso, a política de taxa de juros elevadas do Banco Central e a forte apreciação da taxa de cambial, desde 2004, vêm manifestando seus efeitos defasados, acelerando o aumento de importações, mês a mês, de forma que, em fevereiro passado, comparado com o mesmo mês do ano anterior, elas crescessem à taxa de 64,8%! Isso é insustentável, pois já no final do ano teremos um megadéficit nas transações correntes -e o desfecho desse quadro é bastante conhecido. Com a taxa de câmbio tão apreciada, não é à toa que o consumo doméstico cresça a 9% enquanto a produção doméstica cresça pouco mais de 5%. Obviamente, só uma explosão nas importações fecha as contas.

As condições das experiências bem-sucedidas de transição para crescimento acelerado por longo prazo são conhecidas: maior abertura da economia, ampliando de forma sustentável o fluxo de comércio externo, evitando para isso que a taxa de câmbio se aprecie; ampliação da taxa de investimento produtivo - no nosso caso, em pelo menos 5% em relação ao PIB, para que este possa crescer sustentadamente 5% ao ano; redução relativa do consumo do governo, para abrir espaço para a ampliação da taxa de investimento; e fazer as reformas institucionais necessárias no prazo de até cinco anos depois de iniciada a aceleração. Infelizmente, fizemos importantes avanços em algumas áreas, mas nem de longe construímos as condições acima.

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