"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, outubro 18, 2008

A bancarrota dos modelos de equilíbrio geral

Instituto Humanitas Unisinos - 17/10/08

“Há mais de cem anos os economistas se afogam num modelo desenhado para demonstrar que quando se deixam em liberdade as forças da oferta e da procura, o mercado alcança uma posição de equilíbrio. Por mais que em 1974 se tenha demonstrado com teoremas irrefutáveis que os mercados construídos em torno deste paradigma não podiam demonstrar a convergência, a teoria de equilíbrio geral continuou dominando o ensino da economia. Enquanto os modelos de equilíbrio geral iam à bancarrota científica, seu triunfo no plano ideológico converteu-os na planilha que ainda hoje molda a visão da grande maioria dos economistas”, escreve o jornalista mexicano Alejandro Nadal, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 16-10-2008. A tradução é do Cepat.

Há cinco décadas, os economistas Milton Friedman, Eugene Fama e Robert Lucas desenvolveram o que se converteu na teoria padrão sobre mercados financeiros. Sua idéia central é que os preços dos títulos financeiros e ações sempre tendem ao seu valor real. A razão é que os agentes individuais nestes mercados têm um incentivo para determinar esse valor e assegurar-se de não pagar mais ao comprá-los (ou vendê-los por menos). Essa informação, proveniente de milhões de agentes, é processada no mercado e, deste modo, o preço de mercado de um título se aproxima mais do seu valor real que no caso da avaliação realizada por uma única pessoa.

Friedman e Lucas já foram premiados com o Prêmio Nobel e, até o último domingo, FamaUniversidade de Chicago) era considerado favorito para obter o prêmio este ano segundo a Labrokes, a mais importante empresa inglesa de apostas. É provável que a severidade da crise financeira global inclinou o Comitê Nobel a outorgar o prêmio a um economista um pouco menos ortodoxo (Paul Krugman). (economista da

Para Fama, os preços de títulos financeiros fixados no mercado concentram toda a informação que um investidor necessita conhecer. Qualquer erro será corrigido porque os agentes que o percebem aproveitarão a oportunidade para realizar lucros extraordinários. As forças de mercado se encarregariam de eliminar os erros de avaliação.

Hoje estes esquemas analíticos caíram no descrédito, mas sua lógica segue dominando a análise das causas da crise. E quando se vê o mundo desta maneira, a resposta à pergunta sobre as origens da crise está necessariamente apontada: são fatores externos que a provocam. A lista destes fatores é composta de coisas como os erros de funcionários nas agências reguladoras, a aplicação de uma política econômica equivocada (bolhas à Greenspan), ou pelo comportamento desleal de alguns atores (conduta fraudulenta para se aproveitar das hipotecas fáceis).

Estas percepções sobre as origens da crise seguem sendo prisioneiras de um paradigma analítico baseado na crença na bondade do mercado capitalista. Esta fé no mercado continua muito enraizada. Há mais de cem anos os economistas se afogam num modelo desenhado para demonstrar que quando se deixam em liberdade as forças da oferta e da procura, o mercado alcança uma posição de equilíbrio. Ainda que em 1974 se tenha demonstrado com teoremas irrefutáveis que os mercados construídos em torno deste paradigma não podiam demonstrar a convergência, a teoria de equilíbrio geral continuou dominando o ensino da economia. Enquanto os modelos de equilíbrio geral iam à bancarrota científica, seu triunfo no plano ideológico converteu-os na planilha que ainda hoje molda a visão da grande maioria dos economistas.

É de se esperar que a crise sirva para marcar o fim da visão de que o mercado conduz ao equilíbrio. Hoje já proliferam os modelos em que os mercados se comportam com uma dinâmica interna diferente, essencialmente caótica. Em vez de conduzir a cenários de equilíbrios tranqüilos, os modelos mostram que os mercados estão infestados de desabamentos e comportamentos de manada que conduzem a situações catastróficas. Nestas crises, as perdas se acumulam e não existem mecanismos que permitam curar as feridas de maneira automática. Se parecem mais com a realidade, certo?

O que estes modelos ensinam é algo ainda mais alarmante. Os pontos de ruptura entre uma situação de bonança e uma crise são repentinos e não parecem surgir de causas bem identificadas. Não há umbrais reconhecíveis. A irracionalidade dos agentes e outros parâmetros indica que os mercados exibem uma tendência a se comportar como processos não lineares que conduzem a situações perigosamente instáveis.

Alguns dos novos modelos demonstram que a economia de mercado não regulado pode chegar a se comportar como um reator nuclear que sofre um acidente por perda de refrigeração: a cada instante o mercado acelera sua transição a uma situação incontrolável até se produzir uma explosão terminal. Este estado final corresponde ao colapso do sistema de pagamentos, a uma reação em cadeia de falências com desemprego em massa e a um colapso econômico com desintegração do tecido social.

Qual é a lista de prioridades da política econômica que se depreendem do que foi exposto até aqui? A principal lição destes modelos é que não se pode controlar a dinâmica de mercados financeiros não regulados. Entre outras coisas, requer-se a proibição dos processos especulativos e desestabilizadores. Talvez estas conclusões não surpreendam a alguns dos que vivemos na terra da crise. Depois de tudo, a resposta das principais economias do mundo colocam em prática o que economistas independentes propuseram como alternativa à globalização neoliberal há anos.

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