"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, março 08, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

Desindustrialização silenciosa. Artigo de Antonio Corrêa de Lacerda
"O termo choca, mas não há melhor definição do que desindustrialização para o que vem ocorrendo na economia brasileira", escreve Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela Unicamp, professor doutor da PUC-SP em artigo publicado no dia 1-03-2007, no jornal O Estado de S. Paulo.
Eis o artigo.
"O termo choca, mas não há melhor definição do que desindustrialização para o que vem ocorrendo na economia brasileira. A combinação de câmbio valorizado com juros reais elevados e impostos excessivos, assim como as demais condições desfavoráveis (excessiva burocracia, infra-estrutura e logística deficientes, por exemplo), têm provocado um grave processo de substituição da produção local por importações e perda de dinamismo das exportações de maior valor agregado. Os fatores de competitividade sistêmica, tudo aquilo que corresponde ao ambiente externo à empresa, estão em clara desvantagem relativamente à média internacional.
Cena 1: uma grande operadora de telefonia celular realizou concorrência no ano passado para contratar o serviço e fornecimento de equipamentos para instalação de rede de telefonia celular. A concorrência foi vencida por uma empresa chinesa, por larga distância das demais, multinacionais instaladas no Brasil há décadas, de competitividade e tecnologia internacionais, que não podem ser rotuladas de 'ineficientes'. Do ponto de vista microeconômico, da lógica empresarial, a decisão da operadora de contratar a empresa mais barata se justifica. Mas, para o País, é péssimo. Detalhe importante: a empresa chinesa vencedora da concorrência não tem instalações locais. O que significa que todo o equipamento virá de fora, desperdiçando a engenharia e o know-how brasileiros.
Cena 2: noticia-se que o governo brasileiro estaria revendo a sua política de contratação das plataformas da Petrobrás, para as quais se exige um conteúdo local da ordem de 75%. A principal motivação e argumento para a mudança é a diferença de preço, bastante favorável ao importado. Nos dois casos citados, o que está ocorrendo claramente é que o câmbio valorizado está 'subsidiando' importações de produtos e serviços que poderiam ser realizados localmente.
Aqui, não se trata apenas de economia de divisas, igualmente importante, mas também e principalmente de um processo de perda de conhecimento em áreas sofisticadas, assim como de desenvolvimento de fornecedores e tecnologia agregadores de jovens profissionais. Não por acaso, a maioria dos países hoje adiantados e muitos países em desenvolvimento de sucesso utilizaram e utilizam instrumentos, como o poder de compra do Estado, o fomento às atividades locais, e uma clara política de câmbio desvalorizado para incentivo à industrialização. Parece que, infelizmente, aprendemos pouco com a experiência alheia e com a nossa própria passada. É surpreendente que essa questão seja tratada de forma tão superficial no debate econômico brasileiro.
Há ainda quem veja como saudável o observado aumento de importações de bens de capital, em detrimento da produção local, por 'modernizar a indústria'. Se esse é o objetivo, o instrumento mais adequado para estimular a importação de bens não produzidos localmente não é o câmbio, mas tarifas e incentivos localizados, para evitar que toda a estrutura industrial seja negativamente afetada. Outro argumento recorrente e que não resiste a uma análise dos fatos é que o câmbio valorizado não tem provocado perdas nas exportações brasileiras.
Apesar do volume crescente em dólares, decorrente do aumento de preços no mercado internacional, o ritmo de crescimento das quantidades exportadas está em queda livre há dois anos, reduzindo-se de 19,9% em 2004 para apenas 3,3% em 2006. Somente em 2006, em contrapartida, o quantum de importações cresceu 16,1%. Entre 2000 e 2006, houve uma diminuição da participação relativa dos produtos industrializados no total, de 59% para 54,3%, enquanto evoluiu a participação dos produtos primários, de 22,8% para 29,3%. Vencer o desafio de crescer e diminuir as desigualdades sociais é algo que não pode prescindir de uma estratégia de desenvolvimento. A desindustrialização não significa tão-somente a queda da parcela da produção no produto bruto. Equivale também a perder a capacidade de produzir, inovar, investir e criar empregos e renda."

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