"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, março 08, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

Cana avança no pasto e limita expansão da soja no Paraná
Demanda mundial por açúcar e álcool consolida novo ciclo da cultura no país; no Paraná, canaviais já empurram o gado e limitam o crescimento da área de grãos.
Segue a íntegra da reportagem de Giovani Ferreira publicada na Gazeta do Povo, de Curitiba, em 6-03-2007. Sobre a problemática da monocultura da cana-de-açúcar no Paraná e suas implicações, vale a pena conferir a análise de Jelson Oliveira, membro da Comissão Pastoral da Terra do Paraná.
A soja já não reina absoluta entre as opções do agronegócio com maior potencial econômico e de interesse comercial. O novo ciclo da cana-de-açúcar, que se consolida com a incorporação de novas áreas e o aumento da demanda interna e externa por açúcar e álcool, seduz o produtor rural e muda a paisagem no campo.
No Paraná, a área destinada aos canaviais cresce no mesmo ritmo da soja, ou até mais, se considerado o avanço em regiões específicas, como Norte e Noroeste. Os técnicos defendem que a cana não está invadindo a área de soja, mas admitem que já limita o crescimento dos grãos. Nos últimos 5 anos, a soja cresceu 18% - de 3,3 milhões em 2002 para 3,8 milhões de hectares em 2006 - e a cana 23%. Otmar Hübner, do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secreraria de Estado da Agricultura, ressalta, no entanto, que o grande crescimento da cana significa pouco diante do tamanho da área destinada à soja, que é quase oito vezes maior.
Disonei Zampieri, coordenador sucro-alcooleiro também do Deral, explica que a cana avança, basicamente, sobre pastagens. Ele reconhece, porém, que existem tradicionais lavouras de grãos que foram convertidas para cana. "O produtor continua plantando milho e soja, mas arrenda parte da propriedade para o cultivo de cana e tem uma alternativa paralela de negócios."
Na última safra o estado plantou 409,1 mil hectares e processou 32 milhões toneladas de cana. Há 10 anos a relação era de 314 mil hectares para 25 milhões de toneladas. Os números são da Alcopar e consideram área e produção destinadas exclusivamente à indústria. Nas estatísticas do Deral, que incluem a cana utilizada na fabricação de cachaça, açúcar mascavo e rapadura a produção foi maior e atinge uma oferta potencial de 40 milhões de toneladas.
Na comparação com números absolutos e estaduais, a cana ocupa uma área no estado equivalente a 13% da soja. As regiões de Umuarama e Paranavaí (Noroeste) somam juntas 45% de toda a área cultivada no Paraná, conforme dados do Deral. O estado é o segundo produtor nacional, com 7,5% da produção, atrás de São Paulo (40%) e à frente de Alagoas (5,5%). O Paraná também é o segundo em produção de açúcar e álcool. No último ano/safra foram 2,17 milhões de toneladas de açúcar, uma variação superior há 100% no período de 10 anos, quando foram produzidas 973,7 toneladas. Já o volume total de álcool na safra passada foi de 1,32 bilhão de litros.
As exportações paranaenses cresceram, basicamente, em cima das exportações. No ano passado, o estado embarcou 1,51 milhão de toneladas de açúcar e 269,6 milhões de litros de álcool.
Abertura de mercado
O impulso à produção veio com a liberação do setor para exportação de álcool em 2002. Até então, lembra José Adriano da Silva Dias, superintendente da Associação dos Produtores de Açúcar e Álcool do Paraná (Alcopar), toda a exportação do produto era via governo federal. Com o setor privado autorizado a atuar diretamente no mercado internacional, a cadeia se mobilizou e investiu no fomento de novas áreas e na ampliação do parque industrial.
Este ano o número de usinas em operação no Paraná sobe de 27 para 28 e o volume de cana moída deve chegar próximo de 40 milhões de toneladas.
Produtor do Noroeste dobra a área em apenas três anos
Na propriedade de Rogério Magno Baggio, em São Carlos do Ivaí (Noroeste), "a cana está comendo pasto, soja e laranja". O sentido figurado na afirmação do produtor traduz, na prática, o avanço da cana-de-açúcar. Em sociedade com seu irmão, Reginato Baggio, ele planta 3.200 hectares de cana, o dobro da área de três anos atrás. "Adquirimos novas áreas e hoje estamos entrando nas de soja", diz Baggio, que tem como objetivo ampliar o cultivo em mais 900 hectares.
Ela também produz soja, laranja e se dedica à pecuária. São 800 hectares de soja e 100 de laranja, além e outros 1.000 de pasto. Mas o foco na soja já foi mais intenso. Baggio lembra que chegou a plantar 4 mil hectares com a oleaginosa. A opção pela cana foi por questões de "segurança" e ganhou força com a crise dos grãos, depois de três anos de frustração de safra, por questões de preço e clima.
Baggio diz que mantém a soja para diversificação. "Na entressafra da cana, tenho renda na produção de grãos." Já o pasto, que faz parte de um projeto de integração lavoura-pecuária, tem sua área reduzida a cada ano.
Em termos de rentabilidade, a cana também está na frente nas contas do produtor. Enquanto a soja tem um faturamento bruto de R$ 1.300, para um custo de R$ 500 a R$ 600 por hectare, a cana rende, em média, R$ 3.000 por hectare, para uma despesa de R$ 1.800.
Futuro
Rogério Baggio está empolgado com o bom momento da cana, mas o investimento feito nos últimos anos tem base numa perspectiva futura de crescimento da demanda mundial. Na sua avaliação, a cana deixou de ser sinônimo de açúcar e álcool, para se transformar num produto para fins industriais diversificados. Ele cita de exemplo a geração de energia a partir do bagaço e a demanda internacional pelo álcool combustível.
A importância econômica da atividade está no resultado da propriedade, que tem 70% de seu faturamento em cima da cana.
Opção segue tendência mundial
A opção pela cana-de-açúcar ganhou força e foi motivada por questões relativas ao desempenho interno das tradicionais commodities e também pelo cenário macro-econômico de preços e demanda do açúcar e do álcool. O marco dos especialistas é o ano 2000, quando teve início a chamada fase de transição, com a expansão da área, a abertura do mercado mundial e a saída do governo do comando das exportações de álcool.
Aliado à demanda mundial, o país entrou na era dos carros bicombustíveis e fomentou ainda mais a produção e demanda do álcool. O apelo ao consumo do combustível renovável e menos poluente foi outro fator que também estimulou a expansão da cana.
Do lado do açúcar, o país se fortalece e consolida a cada ano sua posição de primeiro exportador mundial. O país embarca próximo de 20 milhões de toneladas. A participação do Paraná nas exportações é proporcional à produção e fica em torno de 7%.
A produção nacional de cana na safra 2006/07 atingiu 471 milhões de toneladas, para uma área de 6,1 milhão de hectares. Uma variação de 9,2% e 5,5%, respectivamente. Já o Paraná registra um crescimento maior, de 22% em produção e 6,5% em área.
Perspectivas
Para o superintendente da Alcopar, José Adriano, a cana é a bola da vez não somente no Brasil, mas no agronegócio mundial. "O combustível oriundo da biomassa tem excelente potencial de crescimento, a demanda por açúcar só cresce e o mundo planta cana", diz o técnico, que não tem dúvidas da liderança brasileira na condução desse processo. "O Brasil sai na frente porque tem tecnologia."

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