"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, setembro 11, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 10/09/07

O Estado brasileiro é esquizofrênico. A análise de José de Souza Martins

A organização do Estado brasileiro é defeituosa da base ao topo. Vemos um Estado doente e uma sociedade enferma. A opinião é do sociólogo José de Souza Martins, professor de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo, 09-09-2007. Entre as manifestações de esquizofrenia da política nacional, o sociólogo comenta o Congresso do PT.

Diz ele: ”O Congresso do PT, que reúne seis partidos ideologicamente distintos e até conflitantes sob um único nome, refletiu o drama da harmonização da sociedade anômica com o Estado esquizofrênico: proclama estratégias para se aproximar dos movimentos sociais e das organizações populares, cuja grande e fundamental base é católica. No entanto, aprova a descriminalização do aborto, medida moderna de saúde pública, que conflita com a orientação católica de seus constituintes. E ninguém debate o conflito que há nessas decisões. Ao mesmo tempo o partido, nominalmente operário, aprova enfática moção que proclama a reforma agrária como o principal problema do País e sua principal meta. Mas não se propõe a enfrentar politicamente o esvaziamento econômico da categoria “trabalho”. Esvaziamento que se agrava em conseqüência da intensificação das trocas econômicas com os países asiáticos, especialmente a China, países que em troca do que nos compram nos vendem produtos de trabalho degradado que degrada ainda mais o de nossos trabalhadores”.

Mais a frente, José de Souza Martins comenta o que considera uma esquizofrenia de Lula: “Os políticos são atores desse teatro do desencontro. Alguns têm clareza e consciência do cenário de contradições em que se movem. Outros, se têm essa clareza, não o demonstram. O presidente Luiz Inácio, com freqüência, compara positivamente seu governo com todos os que o antecederam. Nega-se em Cardoso, que copia, e reconhece-se em Getúlio, que não copia e seu partido abominava. O seu ‘nunca antes neste País’ tornou-se o bordão do governo, como, com muito mais sentido, o ‘brasileiros e brasileiras’ de José Sarney e o ‘trabalhadores do Brasil’, de Getúlio Vargas. Nestes últimos, porém, havia o reconhecimento da alteridade do povo, como referência, motivo e destinação”.

Continua: “Esse ‘nunca antes’ não é só desconhecimento da história. É, também e sobretudo, negação da história e da historicidade da política, do poder como missão delegada do outro que é o povo e o cidadão. Nem por isso o povo deixa de estar lá, mutilado, oculto, nas falas do presidente. Lula, embora nesse sentido precedido por um amador, o presidente Collor, difundiu no Brasil o poder teatral como forma de governar. Ele é platéia e ator ao mesmo tempo. Governa e faz oposição ao governo. Esse, aliás, é o segredo da nova aparência da política brasileira, personificação das duplicidades que nos abatem. Nesse cenário, o povo conta pouco”.

O sociólogo ao final do artigo destaca: “Lula não é o problema. Ele apenas o personifica e seu teatro político constitui a expressão criativa do governante que, cindido, desempenha com convicção, num mesmo dia, e não raro no mesmo palco, papéis opostos. Ser ou não ser, eis a questão teatral e política. O problema é a organização do Estado brasileiro, defeituosa da base ao topo, na mutilação da representação política. A Constituinte tentou harmonizar os antagônicos, criou caminhos de expressão harmônica dos opostos, conciliou além da política para viabilizar a política e, ao viabilizar a política, viabilizou o político antes de viabilizar o País e o Estado”.

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