"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, outubro 08, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 06/10/07

A 'Era pós-humana'. O fenômeno da 'Singularidade'

“Caso não se melhore geneticamente a pessoa humana, logo ela será superada pelos robôs e existe o perigo real que assumam o controle do mundo.” A afirmação é do físico Stephen Hawking.

Federico Kukso em artigo para o suplemento ‘Futuro’ do jornal Página/12, 29-09-2007, apresenta um instigante relato dos experimentos em torno do conceito ‘Singularidade’ - um período futuro durante o qual o ritmo de mudança tecnológica será tão rápido e seu impacto tão profundo que a vida humana se transformará de maneira irreversível.

Chegará o dia em que os computadores superarão a inteligência humana e poderão eles mesmos plasmar uma nova geração de máquinas ainda mais inteligentes, teremos então chegado ao fim da 'Era da humanidade' e inauguraremos a 'Era pós-humana', prevêem vários cientistas da ficção. A possibilidade fundamenta-se no fato de que o cérebro humano para chegar no seu estágio atual levou de 50 a 100 mil anos de evolução, já as máquinas chegaram no atual estágio com apenas sete décadas.

Hawking defende que se comece agora mesmo a se fazer certos reparos ou praticar upgrades nas pessoas. Ampliação das capacidades mentais humanas (cérebros com mais neurônios), interfaces cérebro-computadores, incremento da memória, transferência direta de conhecimentos ao cérebro se não quisermos ficar para trás. Uma fusão íntima entre as espécies criadoras da tecnologia e o processo de evolução tecnológica que criaram. É o que o futuro nos reserva?

Debater as implicações das nanotecnologia sobre o futuro da espécie humana e do Planeta será o objetivo do ‘Simpósio Internacional Uma sociedade pós-humana? Possibilidades e limites das nanotecnologias’, promovido pelo IHU e que acontecerá em 2008.

Eis o artigo. A tradução é do Cepat.

Via de regra, as coincidências não existem. E, se existem são raríssimas exceções e com muita razão deveriam ser tomadas entre pinças e esquadrinhadas com um olhar redobrado de dúvidas. Um exemplo? Foi causalidade que a poucos dias da estréia do filme Inteligência artificial (2001) Stephen Hawking viesse à tona e advertisse sobre a possibilidade de que a qualquer momento os robôs superarão os seres humanos em suas capacidades intelectuais? Nada se sabe se a estréia do filme de Spielberg e os ditos de Hawking simplesmente confluíram por uma questão de destino, se correu dinheiro por debaixo da mesa ou se foi uma operação marqueteira.

Seja qualquer for das três possibilidades, o certo é que o astrofísico inglês – que nesse momento se encontra escrevendo com sua filha Lucy um livro sobre o universo para crianças intitulado Geroge’s Secret Key to the Universe – retomou e voltou a dar força a uma idéia que vem rondando no difuso, porém lúdico campo da futurologia. “Caso não se melhore geneticamente a pessoa humana, logo ela será superada pelos robôs e existe o perigo real que assumam o controle do mundo”, disse Hawking para revista Focus, semeando medo e a inquietação.

O ‘disparo’ tecnológico se deu nos últimos 50 ou 100 anos. Neste breve intervalo temporal – um piscar de olhos na história do Homo sapiens -, a tecnologia como se fosse uma entidade ou força autônoma que se move ao seu gosto e vontade, pisou o acelerador e catapultou o mundo e seus habitantes a um novo estágio. Nem melhor, nem pior, simplesmente uma situação diferente. Longe da idéia de que mais e melhores artefatos correspondam a mais e melhor felicidade. É como se ao longo da história o pensamento tivesse flutuado em velocidades com lapsos de aceleração (no Neolítico com a revolução agrária, no século XV com os impressos de Gutemberg, no século XVII com o incipiente caminhar da ciência e no século XIX com a máquina a vapor) e freadas bem marcadas como a que se deu em boa parte da Idade Média.

É verdade que este olhar é impulsionado por uma concepção linear do tempo, mas também é verdade que faz cem anos não tínhamos televisão, Internet, celulares, vacinas, marcapassos, lentes de contato, cirurgias estéticas ou viagens à Lua (assim com não havia HIV, medo nuclear, histeria pela clonagem, alvoroço com as células tronco).

H. G. Wells de alguma maneira já divisava em 1902 o panorama que vinha se abrindo quando em uma conferência intitulada ‘O descobrimento do futuro’ deixou ‘cair uma bomba’: “No último século se produziram mais mudanças que nos milhares de anos que o precederam, mas as mudanças que acontecerão neste século tornarão pequenas os anteriores. A humanidade fez uma parte do caminho e a distância que percorremos nos dá uma idéia do que resta percorrer. Todo o passado nada mais é do que o princípio do princípio; tudo o que a mente conseguiu não é mais do que o sono que precede o despertar”.

Diante desse cenário – do qual o filósofo Paul Virilio sempre destaca a velocidade e suas implicações na subjetividade moderna -, a pergunta que assalta sempre é a mesma: Até onde vamos chegar? A ciência da ficção se postulou sempre como encarregada de responder essa indagação e muito dificilmente se afasta de sete visões futuristas mais ou menos comuns: um estado opressivo e totalitário (V de Vendetta, Brazil, Fahrenheit 451); a utopia retrofuturista (Metropolis, Demolition Man, Retornar ao passado II); o caos urbano (12 monos, Laranja Mecânica); a invasão de extraterrestres hostis (V: invasão extraterrestre, Dia da Independência); a invasão de extraterrestres bondosos (Contatos Imediatos do Terceiro Grau); futuro pós-nuclear ou pós-catástrofe (Mad Max, Waterworld, O planeta dos macacos) e insurreição robótica (Terminator, Matrix, Battlestar Galáctica, Eu robô).

Todos e cada um desses mundos plausíveis se fundamentam em conjunturas presentes; ao fim e ao cabo, a melhor ciência da ficção sempre é aquela que extrapola um temor atual e constrói ao seu redor o verossímil. Philip K. Dick diferenciava: “A fantasia trata daquilo que a opinião geral considera impossível; a ciência da ficção trata daquilo que a opinião geral considera possível sob determinadas circunstâncias”.

No caso do despertar das máquinas, há hipóteses, teorias, papers, simpósios e institutos que pensam o futuro a partir do presente e que a cada dia que passa o vêem com a maior possibilidade de acontecer. E duas palavras (na realidade uma) rondam todo esse debate. Neste caso, o conceito é “singularidade tecnológica” ou simplesmente “singularidade”.

Originário da física, a matemática e a cosmologia têm se utilizado da palavra “singularidade” para caracterizar vários eventos. Mas quase todos confluem na mesma idéia: a do limite. Para Hawking, consiste em “um ponto em que a curvatura do espaço tempo se faz infinita” e exemplifica com o Big Bang (um ponto de densidade infinita) e o buraco de ozônio; para o soviético Alexander Friedmann é “um ponto do universo em que a teoria em si mesma se rompe”.

Mas foi o matemático Vernon Vinge quem a retirou da física e a depositou na futurologia – aquele campo que fica no parêntesis entre a ciência e a ciência da ficção – no ano de 2003 quando publicou seu manifesto ‘A singularidade tecnológica se aproxima’. Entre a profecia apocalíptica e a inquietação de um futuro supostamente inevitável, assegura que a tecnologia terá um crescimento exponencial de uma magnitude inimaginável e que em um momento próximo – o ano 2025 ou 2050 – se chegará a um ponto em que os computadores superarão a inteligência humana e poderão eles mesmos plasmar uma nova geração de máquinas ainda mais inteligentes.

Ou seja, um tempo em que as mudanças tecnológicas já não poderão ser assimiladas pela sociedade. “Parece plausível que com a tecnologia possamos num futuro próximo criar (ou converter) criaturas que superem os humanos em todas as dimensões intelectuais e criativas. Os acontecimentos para além de tal acontecimento – uma singularidade – são tão inimagináveis como a ópera o é a um verme”, anuncia. E, ressalta, se alguém ainda não entendeu: “E então, a era da humanidade terá terminado”. Um esclarecimento, Vinge é conhecido como escritor de ciência da ficção.

Por outro lado, o guru da inteligência artificial e autor da Era das máquinas espirituais e A Singularidade está próxima, Ray Kurzweil – apelidado de o ‘Nostradamus cibernético’ – segue também essa linha apocalíptica e entende a singularidade como “um período futuro durante o qual o ritmo de mudança tecnológica será tão rápido e seu impacto futuro tão profundo que a vida humana se transformará de maneira irreversível”.

Pode-se chamar Vinge, Kurzweil e outros futurólogos ‘singularistas’ (como Hans Moravec) de paranóicos ou exagerados. Mas quando se olha ao redor e se recupera a dimensão histórica dos objetos, percebe-se que exageram um pouco, mas não demasiado. Como a lei de Moore em mãos (aquela que diz que a capacidade dos microchips se duplica a cada 18 meses) pode-se rastrear todos os eletrodomésticos de uma casa e defrontar-se com surpresas. Os jogos de videgames, para ficar num exemplo, tem mais poder de computação que as máquinas utilizadas em 1969 pelos astronautas da Apolo quando puseram os pés na Lua.

Os tempos são evidentemente outros. Todo prognóstico do que acontecerá daqui a cinco anos (quanto a dispositivos, novas tendências, cenários emergentes) é uma aposta difícil de fazer. O cérebro humano para chegar no seu estágio atual (pensando no conceito de hardware) levou de 50 a 100 mil anos de evolução (ou milhões de anos quando se tem em conta a origem da vida como o ponto de partida). As máquinas – segundo Kurzweil – chegaram no atual estágio com apenas sete décadas.

Desde a construção de robôs que constroem por sua vez outros robôs e autômatos capazes de pintar quadros e assim exercer certa criatividade, os projetos que buscam testar e aumentar a inteligência das máquinas são muitos. Em julho de 2000, o cientista canadense Chris Mckinstry inaugurou o ‘Mindpixel project’, também conhecido como o ‘Projeto Modelo Mente digital’, para ensinar a uma rede de computadores o que é, segundo definiram os pesquisadores, a experiência de tornar possível que desenvolvam determinado sentido comum primitivo. Similar ao Open Mind Common Sense do MIT (xnet.media.mit.edu), consistia em um site em que mais de 40 mil internautas manifestavam suas experiências, desde medos, ansiedades, raivas, alegrias e euforia. Lamentavelmente o projeto – projetado para continuar até 2010 – acabou abruptamente em 2005, um ano antes do suicídio de Mckinstry no Chile.

A ênfase na singularidade tem vários pontos frágeis. Não apenas confunde conceitos bastante distintos como ‘mente’ (o software) e ‘cérebro (o hardware) como tacitamente subentende que se chegará num momento crítico quando a humanidade relaxe-se em sua comodidade e não faça absolutamente nada. Ocorre que sob todas essas questões se esconde um medo secreto, mas insistente: o de dar a direção a esta evolução. De fato, o medo da biotecnologia e da engenharia genética se ancora nesse medo ainda maior, como se encorajar estas ciências não significaria abandonar os rumos até agora definidos pela seleção natural e começar a estabelecer às cegas uma nova direção que não se sabe onde vai chegar.

O biólogo molecular Lee Silver (Universidade de Princeton) se aferra neste desconcerto generalizado e conjectura em seu livro de 1977 Retorno ao Éden (Remaking Eden) que talvez dentro de umas cinco ou mais gerações a humanidade se bifurque em duas subespécies graças a ‘reprogenética’ que estará ao alcance de poucos. Por um lado estarão os ‘enriquecidos genéticamente’ ou Genrich (os descendentes dos bebês projetados, possivelmente imunes contra a aids, o câncer, as alergias, a diabete) e, do outro, os ‘naturais’ (indivíduos concebidos à moda antiga).

A singularidade – prognosticada a partir dos avanços da inteligência artificial, nanotecnologia e redes neurais – tira o sono de muitos futurólogos, pois não sabem muito bem se a classificam com algo ‘mau’ ou ‘bom’. Foi isso que discutiram os 600 pesquisadores que participaram do II Congresso sobre singularidade que aconteceu semana passada em São Francisco, Estados Unidos. Os mais pessimistas sugerem que sejam precavidos e que preparemo-nos. Como defende Hawking, presume-se que o panorama não será tão sombrio com Matrix se se começa agora mesmo a se fazer certos reparos ou praticar upgrades nas pessoas. Ampliação das capacidades mentais humanas (cérebros com mais neurônios), interfaces cérebro-computadores, incremento da memória, transferência direta de conhecimentos ao cérebro (em maio de 2002, oito idosos da Flórida receberam uma microscópica solução de silicone que permite que sejam identificados como produtos de supermercados)...

“Nanorrobots inteligentes irão estar integrados em nosso organismo, nosso cérebro e no meio ambiente ajudando-nos a superar a pobreza e a poluição, aumentando a longevidade. Teremos uma realidade virtual de imersão absoluta que incorporarão todos os nossos sentidos, algo assim como a mescla de tudo o que se viu em Matrix com o que se viu em Being John Malkovich. E teremos uma inteligência humana levada ao máximo de sua capacidade. O resultado será uma fusão íntima entre as espécies criadoras da tecnologia e o processo de evolução tecnológica que criaram”, diz Kurzweil – que tomas 250 pastilhas por dia para chegar com vida no ano 2029 – em seu site www.kurzweilai.net (espécie de ‘farol’ em tudo que diz respeito à singularidade).

O menu para a construção do pós-humano é amplo e está em órbita à idéia de transcender ao substrato material – a biologia – e transformar-se em uma coisa nova e quem sabe irreconhecível desde este tempo histórica, ao que dificilmente se poderá chamar ‘ser humano’ (num documentário do programa ‘Horizonte’ da BBC se definiu como o ‘humano v2.0’). Diz-se, pois que as décadas por vir serão a dos híbridos, mesclas entre o orgânico e o não orgânico (silício sobretudo).

“Pode ser que sejamos a última geração de seres humanos”, diz Billy Joy, o cientista chefe da Microsystems em um artigo publicado na Wired intitulado ‘Por que o futuro não necessita de nós”. A partir daí não seremos mais humanos, mas outra coisa.

Para ler mais.

O Pós-humano

Mutações. O futuro pós-humano

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Pós-humano - uma aventura trágica? Artigo de Gilberto Dupas

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