"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, junho 30, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 27/06/08

Crescimento faz da África nova meta de investimento

Você colocaria seu dinheiro num país africano que há poucos meses estava à beira da guerra civil, em que conflitos étnicos deixaram mais de mil mortos e 250 mil refugiados internos? Pois na semana passada investidores internacionais correram à Bolsa de Nairóbi para o IPO da Safaricom, maior operadora de celulares do Quênia. Com a venda de ações, o governo deixou de ser majoritário, controlando apenas 35% da empresa, contra 40% da Vodafone Kenya. A reportagem é de Rodrigo Uchoa e publicada pelo jornal Valor, 27-06-2008.

O Quênia é um exemplo da "nova fronteira" dos mercados na África que estão atraindo investidores de todo o mundo.

Alguns desses mercados já são conhecidos por causa de sua especialização - petróleo na Nigéria, na Argélia e em Angola; diamantes em Botsuana e Angola; cobre em Zâmbia -, enquanto outros se destacam como novas fronteiras agrícolas - expansão do café em Uganda e do algodão em Camarões -, novos centros têxteis - reestruturação dessa indústria na Tunísia - ou mercados domésticos em expansão.

Essas novas fronteiras vêm atraindo três grandes tipos de investidores: as multinacionais, como a anglo-alemã Vodafone; os investidores aventureiros, em busca de lucros rápidos em mercados ainda pouco regulados e bolsas como a de Zâmbia, cujo índice das principais empresas subiu 525% nos últimos três anos, ou a de Malaui, cujo índice subiu 564% no mesmo período; e claro, países como China e Índia, que precisam garantir acesso a matérias-primas - segundo a Unctad (agência de comércio e desenvolvimento da ONU), o investimento direto chinês no continente passou de US$ 49,2 milhões em 1990 para quase US$ 2 bilhões no ano passado.

"Os mercados africanos deram aos investidores alguns de seus mais robustos ganhos em 2007. Aparentemente essa tendência vem se mantendo", diz o analista David Cottle, da Dow Jones. Para ele, a tendência é de que os investidores busquem bolsas de valores novas, além das do Egito, da Nigéria e da África do Sul, que são as maiores do continente.

Todd Moss, pesquisador do Centro para o Desenvolvimento Global e chefe do Birô de Assuntos Africanos do Departamento de Estado dos EUA, diz que "os investimentos externos diretos na África começaram a crescer de forma mais significativa nos anos 90, para ganhar um volume maior nos anos 2000". Ele aponta Quênia, Tanzânia e Uganda como casos de estudo de países em que, atualmente, empresas estrangeiras são mais produtivas e investem mais do que as domésticas.

Para as grandes empresas, a aposta é de que o crescimento sustentável do continente transformará também seus mercados internos. Como um todo, o continente vem crescendo bem. Segundo uma previsão do Banco de Desenvolvimento da África (BDA), depois de uma média de crescimento de 5,7% em 2007, a África deve continuar sua aceleração para 5,9% tanto neste ano quanto no próximo. Louis Kesekende, economista-chefe do BDA, estima que "31 países africanos terão crescimento maior do que 5% neste ano, contra 25 países no ano passado".

"O crescimento tem ocorrido com uma base mais ampla, embora os países exportadores de petróleo continuem a crescer mais do que os países importadores de petróleo", afirma o último relatório anual do BDA sobre o panorama econômico do continente.

A Argélia é um exemplo de país dependente do petróleo - que é responsável por 95% das exportações e 60% da arrecadação fiscal-, mas que se tornou um mercado atraente de telefonia celular.

Nos últimos quatro anos, o número de assinantes pulou de 1,4 milhão para 28 milhões, atraindo principalmente grupos egípcios, do Qatar e da França.

É uma tendência que se vê em todo o norte da África. No Egito, por exemplo, o setor de telecomunicações e de tecnologia da informação teve um aumento nos investimentos da ordem de 30% só no ano passado.

Na Argélia, o investimento externo direto como um todo chegou a US$ 1,1 bilhão no ano passado. E não ficou restrito ao setor de gás e petróleo, como foi a tendência nos anos 70. Segundo a Câmara de Comércio França-Argélia, o IED francês no país africano, excluindo o setor de petróleo, alcançou US$ 233 milhões em 2007.

Pode parecer pouco quando comparado ao total de IED no continente no ano passado, cerca de US$ 40 bilhões, mas as autoridades argelinas comemoram o status de "país atraente a investimentos" dado pelo Banco Mundial. Até há poucos anos atrás, a legislação socialista era vista como principal motivo de repulsa ao IED.

Angola é um outro país africano rico em petróleo, com um histórico socialista pouco afeito à atração de investimentos, mas que mudou o caminho.

Hoje, o país é o principal destino dos investidores brasileiros no continente africano. Segundo o embaixador do Brasil em Luanda, Afonso José Sena Cardoso, as empresas brasileiras já são responsáveis por 10% do PIB angolano.

Apesar de antes fortemente concentrado no setor de mineração e de construção civil, o investimento dá sinais de diversificação.

No fim do ano passado, por exemplo, o grupo Odebrecht anunciou uma associação com as angolanas Sonangol e Damer para investir US$ 200 milhões na produção de etanol e de eletricidade em território angolano.

A Camargo Corrêa Cimentos e a Escom, empresa controlada pelo grupo português Espírito Santo, anunciaram na semana passada que vão construir uma fábrica de cimento no país africano, com um investimento também de US$ 200 milhões. A idéia é suprir 25% da demanda por cimento de Angola - uma demanda que vem aumentando por conta das grandes obras de infra-estrutura e por causa da construção civil.

Entre as economias subsaarianas nas quais o petróleo não é preponderante, a Tanzânia é destacada pelo FMI como "uma das de mais rápido crescimento nas exportações e de maior desenvolvimento do setor financeiro". "Ainda assim há grande campo para progressos por causa do fortalecimento do ambiente de negócios", diz a última avaliação do Fundo em relação ao país.

Em Uganda, um fenômeno vem ocorrendo depois de o país ter se acostumado a duas décadas de estabilidade política: pequenos empresários de origem indiana que haviam sido expulsos durante a ditadura de Idi Amin (1971-79) estão voltando, trazendo com eles uma nova onda de investimentos externos.

Além disso, o governo está investindo em infra-estrutura para atrair investidores para seus projetos de parques industriais. O país atraiu "US$ 1,75 bilhão [em investimentos para esses projetos] no ano passado", segundo dados oficiais, sendo que a maior parte de capital estrangeiro.

Nesta semana, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, disse estar "muito feliz" com a atual crise de alimentos no mundo. "Por quê? Porque produzimos muita comida", disse.

Esse status de fronteira agrícola vem fazendo com que Uganda implemente uma desregulamentação para atrair investimentos no setor. Segundo o FMI, "arrecadação vigorosa, rápida expansão do crédito e abertura de mercado são as razões para o bom desempenho da economia [ugandense]".

Arvind Subramanian, professor da Universidade Johns Hopkins e economista ligado ao FMI, diz que, "surpreendentemente, os países africanos são liberais quando se trata de comércio e vêm perdendo o medo dos capitais externos". Esse medo se daria principalmente por causa da experiência colonial: muitos dos países africanos ainda registram aversão por parte da população em relação aos investimentos estrangeiros por causa do temor de que eles possam controlar a economia do mesmo modo que as potências coloniais faziam na primeira metade do século passado. "As perspectivas são positivas", diz.

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