"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, julho 29, 2008

Doha. A indústria brasileira perderá? Para a CNI, 56% dos produtos terão corte real de tarifa

Instituto Humanitas Unisinos - 28/07/08

A tarifa de importação de automóveis, calçados, têxteis e vestuários declinará de 35% para 23,8% ao longo de dez anos, pelo acordo industrial que o Brasil aceita na Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Esses produtos terão corte tarifário menor (50% do que for aplicado sobre os outros), porque devem ser designados como sensíveis. No total, o país poderá proteger 14% das 8.850 linhas tarifárias em conjunto com os parceiros do Mercosul. A reportagem é do jornal Valor, 28-07-2008.

Em contrapartida, o país optará por uma redução maior nos demais setores. Assim, em 86% das tarifas a alíquota máxima de importação declinará de 35% para 12,7% em dez anos, com aplicação integral da redução definida na negociação. No jargão da OMC, significa optar pelo coeficiente 20.

De acordo com Soraya Rosar, coordenadora da área de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), é mais vantajoso para o Brasil optar por um limite maior de produtos sensíveis porque a diferença de redução tarifária média entre os coeficientes 20 e 25 é de apenas 1,5 ponto percentual. Pelo coeficiente 25, que não permite produtos sensíveis, a tarifa média de importação do Brasil ficaria em 13,5%.

A representante da CNI rebate a crítica dos países ricos de que a atual proposta não significa melhoria efetiva no acesso ao mercado brasileiro. Pelos cálculos da entidade, 56% dos cortes vão perfurar a atual Tarifa Externa Comum (TEC), ou seja, significam redução real nas tarifas de importação. Ela afirma ainda que há uma série de outros setores que também devem ter produtos incluídos como sensíveis, caso de papel, brinquedos, produtos químicos, etc. "São poucos os setores que não precisam de alguma proteção", disse.

Apesar de considerar os cortes significativos, a avaliação geral dos empresários industriais é positiva e o governo brasileiro não deve enfrentar dificuldades para "vender" o acordo internamente. "O acordo está muito equilibrado e razoável no contexto da negociação. O Brasil decidiu ser líder e isso tem um custo maior", disse Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Não está nos níveis que nós gostaríamos, mas estamos conseguindo as flexibilidades necessárias para acomodar os produtos sensíveis", concordou Soraya.

A lista de linhas tarifárias protegidas dependerá de negociações no Mercosul. A Argentina, sobretudo, não tem os mesmos itens sensíveis que o Brasil. Mesmo em setores como têxtil, que preocupa os dois países, as linhas que necessitam de proteção nem sempre coincidem. No Brasil, a indústria brasileira já havia chegado a uma lista definindo 16% das linhas.

Uma solução específica para a Argentina está sendo buscada na OMC, mas negociadores ainda acham que isso deve ser resolvido dentro do Mercosul, com mais espaço para os produtos argentinos serem protegidos. A indústria brasileira não admite pagar a conta da Argentina. "O esforço que terá que ser feito agora é muito mais junto aos argentinos do que da parte brasileira", disse Soraya.

Para a representante da CNI, a lista de sensíveis do sócio do Mercosul é maior do que a do Brasil. Ela também ressalta que os argentinos já obtiveram vantagens porque deverão limitar seus sensíveis ao volume de comércio do Brasil. A nova regra é mais vantajosa, porque o comércio argentino é concentrado em poucos itens. "A Argentina teve mais espaço para acomodar seus produtos. Em contrapartida, esperamos um corte real na sua lista de sensíveis", disse ela.

O acordo industrial que o Brasil aceitou na OMC prevê uma cláusula anti-concentração, que impede a proteção de todas as linhas da mesma nomenclatura tarifária ou capítulo. Nos setores sensíveis, 20% das tarifas terão corte integral (54% na média, segundo o Itamaraty). As outras 80% poderão ser protegidas com corte pela metade. Embora a indústria brasileira seja contra essa cláusula, a avaliação dos seus representantes é de que não haverá grandes problemas.

Para a indústria brasileira, os acordos setoriais são agora o tema mais delicado. Os emergentes se comprometeram a participar da negociação de dois acordos setoriais, para eliminar ou reduzir mais rapidamente as tarifas. Europeus e americanos querem a abertura acelerada do setor automotivo. Os brasileiros topam acordo setorial em gemas ou mármores.

Soraya, da CNI, frisa que esses acordos são voluntários e que o Brasil vai apenas participar da negociação sem qualquer compromisso com os resultados. A Anfavea, associação dos produtores de automóveis, diz ter "enorme preocupação" com as pressões da UE e EUA por acordos setoriais, conforme seu representante Pedro Bettancout.

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