"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, novembro 08, 2012

Márcio Meira sugere que internautas militem em defesa dos Xavante de Marãiwatsédé

viomundo - publicado em 7 de novembro de 2012 às 20:00
Crianças Xavante de Marãiwatsédé (foto do Facebook)
por Luiz Carlos Azenha

O antropólogo Márcio Meira, ex-presidente da Funai, atribui à militância digital o fato de que um grande número de brasileiros ficou conhecendo mais de perto e passou a se preocupar com a situação dramática dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.
Porém, ele diz que uma situação tão dramática quanto a dos Guarani é a dos Xavante de Marãiwatsédé, em Mato Grosso, que vivem em terra homologada como indígena mas que foi invadida e desmatada por latifundiários.
Trechos:
A disputa por este território expõe a dificuldade do governo em controlar os conflitos fundiários na Amazônia. Os pequenos posseiros, tradicionais inimigos dos índios na região, deram lugares aos grandes ruralistas – que se negam a deixar o território. A pressão externa tem provocado divisões internas dos Xavantes, que colocam em risco a vida das principais lideranças. “Nós vamos conseguir, tenho certeza”, diz o advogado dos fazendeiros, Luiz Alfredo Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), uma das principais líderes dos agropecuaristas no Congresso Nacional. “Eu não tenho medo. Eu quero a terra. Eu morro pela terra”, rebate o cacique Damião Paridzané.
A diáspora de Marãiwatsédé é decorrente da expulsão dos índios da região em 1966, e um dos problemas mais constrangedores do indigenismo no Brasil. Os Xavante foram levados em aviões da FAB para um outro território Xavante localizado 400 quilômetros ao sul, um aldeamento organizado por uma missão católica. Nos primeiros quinze dias, uma epidemia de sarampo matou 150 índios, e os sobreviventes fugiram para outras áreas Xavante, vivendo em uma espécie de exílio interno no País.
Após ser adquirido por uma empresa colonizadora paulista, de Ariosto da Riva, o território Marãiwatsédé passou para as mãos do Grupo Ometto e se transformou no latifúndio Suiá-Missu, com 1,8 milhão de hectares. Depois foi adquirido pela Liquigás e, em seguida, passou para as mãos da empresa italiana Agip Petrolli.
Nessa sucessão jurídica de posse, o esbulho dos Xavante passou em silêncio. Foi na Eco-92 que a situação mudou. O encontro internacional serviu para dar visibilidade, e a Agip foi constrangida, na Itália, por seus atos contrários aos direitos indígenas no Brasil. A sede da empresa decidiu devolver as terras aos índios, mas, no Brasil, o latifúndio foi invadido. Os posseiros e os fazendeiros que hoje ocupam ilegalmente a área chegaram durante esse período.
Márcio Meira destaca os vários avanços realizados pelo Brasil no reconhecimento dos direitos dos indígenas desde a Constituição de 1988. Lembra que o país é reconhecido internacionalmente pela sua política de proteção dos indígenas isolados.
Destaca que o Brasil tem uma Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, criado pelo governo Dilma.
Não é, portanto, um pessimista. Cita o último Censo, que apontou novo aumento no número de indígenas brasileiros, cerca de 900 mil.
Isso tudo convive com situações dramáticas, como a dos Guarani em Mato Grosso do Sul e a dos Xavante em Mato Grosso.
Na entrevista, o ex-presidente da Funai também comentou um artigo e uma carta de leitor publicados no jornal O Estado de S. Paulo (segundo Márcio, representativos “da ultradireita”). No artigo, Insensatez, o autor se refere à decisão da Advocacia Geral da União de suspender os efeitos de uma portaria, a 303, considerada prejudicial aos indígenas.
“Forças conservadoras, especialmente ligadas ao agronegócio, não conseguem compreender que o Brasil não pode conviver com esse tipo de situação”, afirmou o ex-presidente da Funai quanto aos casos dos Guarani e dos Xavante e de outras violações dos direitos indígenas.
Num trecho de entrevista publicado anteriormente, Márcio tinha feito referência a uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre a percepção que a população em geral tem dos indígenas, que revelou alguns dados perturbadores, como este:
Uma visão mais extrema e exterminadora sobre os indígenas é observado em uma pequena parcela da população brasileira, 3% concorda totalmente que “índio bom é índio morto” e 2% concorda parcialmente com esta afirmação.
É opinião minoritária, mas a ignorância sobre a importância cultural dos indígenas talvez não seja.
Contei ao ex-presidente da Funai uma experiência que tive quando gravava um documentário numa escola da TI Raposa-Serra do Sol, em Roraima, em 2008, antes da decisão do STF que confirmou a demarcação em área contínua. Foi um dos momentos mais marcantes em meus 40 anos como repórter.
Era numa escola que recebia a visita de jovens estudantes de distintas etnias. Cada um falava seu próprio idioma. Tinham em comum o português ou improvisavam uma espécie de língua franca. Fiquei ouvindo a conversa dos adolescentes e achei aquilo lindo: além da música criada pelo som das palavras — só algumas das quais eu conseguia entender (quando encaixavam uma ou mais palavras em português) — caiu a ficha de forma concreta sobre a imensa riqueza cultural representada pela cena.
Márcio, depois de lembrar que existem 300 línguas indígenas no Brasil, muitas delas ameaçadas, concluiu: “Cada língua dessa aí há um conhecimento por trás dela. Do meio ambiente, da floresta, dos recursos naturais, da estética”.
E mais: “Essas pessoas que tem esse preconceito não conseguem se olhar no espelho. Se olhassem no espelho de verdade, com honestidade, iam ver os índios lá, no espelho, na sua cara, nos seus costumes”.
*****
O terceiro trecho da entrevista começa com a situação dramática dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul:



A questão indígena é bem instigante. Como em muitos casos, os conflitos de posse de terras indígenas, envolvem os posseiros. Essa figura, corresponde muitas vezes a camponeses sem terra que são expulsos para as áreas de fronteira agrícola. Nessa situação tomam posse da terra que ali está "sem uso". Quando é área indígena, surgem os conflitos, quando são terras devolutas, surgem os grileiros para lhes tomarem a terra e os forçarem a novas peregrinações. Então, que são os bandidos nessa questão? 

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