"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Instituto Humanitas Unisinos - 08/12/06

Mendigos são "invisíveis", segundo especialistas

Milícias armadas de segurança ilegal, em geral formadas por integrantes e ex-integrantes das forças policiais do estado, podem estar envolvidas nos recentes ataques a moradores de rua na cidade do Rio de Janeiro, apontam especialistas. Na semana passada, quatro mendigos foram queimados na região central da cidade; dois deles morreram. Na noite desta quarta-feira (6), outros três moradores de rua foram baleados no interior do Túnel Velho, em Copacabana, Zona Sul do Rio. A reportagem é do portal G1, 7-12-2006.
“Pode ser que grupos de segurança informal, que exploram de maneira oportunista o medo da população, estejam agindo. É importante que se investigue essa possibilidade”, diz o professor do Departamento de Ciências Sociais da Uerj Dario de Souza e Silva, especialista em populações de rua.
“É uma possibilidade que eu exploraria com cuidado se estivesse na polícia”, reforça Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança. “Esse caso de Copacabana pode mostrar o deslocamento dessa nova barbárie fluminense para a área do asfalto”, acrescenta.
Segundo Dario, os moradores de rua são alvos de uma visão equivocada da população em geral, que imediatamente os associa à criminalidade. Ele lembra que muitos deles estão nas ruas porque foram alijados de outras formas de convívio social, como a família e o trabalho.
“O imaginário coletivo identifica o morador de rua com o crime. Quem está na rua não é interpretado tendo em vista sua biografia, inserção social e no mercado de trabalho. Ele simplesmente ‘apareceu’ na rua. Os ciganos já viveram esse estigma, assim como outros grupos sociais sem residência fixa. Isso os desumaniza frente à população em geral e assim o valor da vida de um morador de rua pode ser negligenciado”, avalia.

Chacina da Candelária
Tanto Soares quanto Dario vêem nos recentes ataques a continuação de um processo que tem como um de seus principais símbolos a chamada Chacina da Candelária, em que oito menores de um grupo de mais de 50 que dormia nas proximidades da igreja no Centro do Rio foram mortos por policiais militares na madrugada de 23 de julho de 1993. “A relação (com o caso da Candelária) é clara. Até o procedimento é bem parecido. A Chacina da Candelária é um caso significativo que sintetiza esse problema de uma ‘limpeza’ fascista que por vezes nossa sociedade é capaz de fazer”, aponta Soares em referência ao ataque de Copacabana.
“Não são episódios isolados, vem se consolidando um padrão. Houve casos no passado recente em que não se investigou e não houve punição. Isso leva a uma sensação de impunidade que pode disseminar a prática. Mas, por outro lado, a indignação popular também tem o poder de interromper esse processo”, considera Dario.

Polícia inoperante
Assim, a inoperância da polícia e o descaso do governo com a apuração desses episódios são outra face do problema, dizem os especialistas. Com relação aos recentes ataques, a Polícia Civil se limita a informar que investigações estão em curso nas delegacias responsáveis pelas áreas das ocorrências, a 1ª DP (Praça Mauá) e a 12ª DP (Copacabana).
“Os moradores de rua não têm biografia, não votam, não têm documentos nem presença estatística. Assim, eles também não têm representação política, diferentemente de outros grupos sociais. A pobreza material é homóloga à invisibilidade política”, avalia Dario.
Soares acrescenta que, devido às dificuldades materiais e de pessoal da polícia, é raro uma investigação ser bem-sucedida. “Infelizmente a regra é essa. No estado, há mais de 114 mil solicitações de laudos periciais não atendidos e, sem perícia, a investigação é limitada. Apenas algumas investigações, de casos com grande repercussão, vão em frente. Nesses ataques, como as vítimas são pobres, é que elas não andam mesmo”, diz.

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