"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, agosto 29, 2007

Bresser Pereira - 27/08/07

Brasil perdeu idéia de Nação
Entrevista de Luiz Carlos Bresser-Pereira
Entrevista publicada em 24.8.2007 no site do Instituto Teotônio Vilela (http://www.itv.org.br).
A adoção de uma política econômica baseada no tripé composto por juros altos, câmbio apreciado e ajuste fiscal "frouxo", associada à perda da idéia de nação, explica, em grande medida, o baixo crescimento da economia brasileira nos últimos anos. A tese é a idéia central do livro "Macroeconomia da Estagnação", obra mais recente do economista e fundador do PSDB Luiz Carlos Bresser-Pereira.

No livro, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) critica o que chama de "ortodoxia convencional", pensamento, segundo ele, hegemônico na economia em escala global. Para desatar o que considera "um nó", o tucano propõe a adoção do chamando "novo desenvolvimentismo". "Só assim países como o Brasil podem competir com os países ricos para alcançá-los", destaca.

Ex-secretário de governo de Franco Montoro em São Paulo e ex-ministro da Fazenda de José Sarney, Bresser-Pereira foi tesoureiro da campanha da eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994. No ano seguinte, assumiu o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, no qual comandou a Reforma da Gestão. No segundo mandato, foi, durante os primeiros seis meses, Ministro da Ciência e Tecnologia. Desde julho de 1999, dedica-se exclusivamente à vida acadêmica. Leia abaixo a entrevista exclusiva à Agência Tucana para o site do Instituto Teotônio Vilela:
No seu mais recente livro, "Macroeconomia da Estagnação", o senhor afirma que, desde a década de 1980, a economia do país está estagnada. O que explica esse fenômeno?

Nos últimos anos, as taxas de crescimento da economia brasileira têm sido menores que as registradas pelos demais países emergentes e até das nações ricas. O motivo fundamental é que perdemos a idéia de nação. A sociedade brasileira passou por uma crise da idéia de nação, o que culminou na crise da economia.

Qual o efeito direto disso?

O Brasil abdicou da idéia de nação. O que isso significa? A economia mundial é organizada em estados, nações e empresas. Não são apenas as empresas que competem, mas também os estados, nações e países. Dessa forma, aquele país que não tiver uma idéia de nação forte, não tiver um projeto nacional, ou também, um projeto de competição internacional, não tem chance de crescer, ou seja, vai ficar para trás.

A interdependência entre os mercados não fez com que os Estados perdessem espaço?

Uma ideologia neoliberal e globalista, que vem do Norte, diz que, com a globalização, isso deixou de ser verdade, que os estados haveriam perdido autonomia e relevância. Isso é falso. Eles perderam realmente um pouquinho de autonomia apenas, porque houve um aumento da interdependência entre os estados. Sempre que você fica mais interdependente, você perde autonomia.

Qual a origem do aumento dessa interdependência?

A origem dessa maior interdependência está no aumento da competição entre os estados, seja comercial, tecnológica ou de qualquer outro nível. Mas quando os países se preparam e enfrentam o aumento da competição, eles se fortalecem para poder tomar decisões de acordo com critérios próprios, em vez de obedecer às diretrizes vindas do Norte.

Quando exatamente o Brasil perdeu a idéia de nação?

Quase sempre se fala que perdemos a idéia de nação em 1981. No entanto, ocorreu durante o governo Fernando Collor, que resolveu fazer um acordo com o FMI e uma abertura financeira. Eu sou favorável à abertura comercial, mas desde que feita com moderação.

A do governo Collor foi muito agressiva?

Demais. A abertura financeira foi um desastre para o Brasil, porque implicou na perda do controle da taxa de câmbio. Aquele acordo e a abertura financeira foi o sinal de uma submissão às políticas financeiras e comerciais vindas de Washington.

O modelo chinês de desenvolvimento poderia ser aplicado ao Brasil?

O modelo chinês não. A China é um país autoritário. O Brasil é um país capitalista. Somos capitalistas há mais tempo que eles e vamos continuar capitalistas. Temos uma área social mais desenvolvida que a deles.

Como o senhor avalia o tripé macroeconômico do governo Lula baseado em taxa de juros alta, câmbio apreciado e gasto público excessivo?

O ajuste fiscal do governo é frouxo, porque tem déficit público de 3% pelo menos há muitos anos. O que fazem os asiáticos, por exemplo? Eles têm taxa de juros baixa, taxa de câmbio competitiva e ajuste fiscal duro, nada de afrouxamento. É muito diferente a política dos asiáticos em relação à nossa macroeconomia.

Isso vai de encontro com os pressupostos de uma política econômica ortodoxa.

O meu livro é uma crítica forte à ortodoxia. A inflação não vai voltar com juros menores e câmbio mais depreciado. Pode haver apenas por um pequeno período. O motivo verdadeiro da alta inflação no Brasil foi a indexação da economia.

No entanto, o fantasma da inflação ainda está muito presente no imaginário do brasileiro.

Existe uma retórica que favorece essa percepção. Esse, a meu ver, é o ponto de vista que domina o pensamento no Brasil.

Quais as principais diferenças entre a ortodoxia convencional e o novo desenvolvimentismo?

A ortodoxia defende uma política macroeconômica com juros altos, câmbio apreciado e ajuste fiscal frouxo. Hoje temos superávit primário acima de 4% do PIB, mas déficit público em torno de 3,5%. Proponho o inverso: taxa de juros baixa, taxa de câmbio depreciada e competitiva e ajuste fiscal duro. Agora, há uma diferença fundamental em termos ideológicos, esse tipo de política a meu ver é neoliberal, ou seja, ultraliberal. O sistema capitalista deu origem a quatro grandes ideologias: liberalismo, nacionalismo, socialismo e o ambientalismo.

O ideal é o equilíbrio entre essas quatro grandes ideologias.

O PSDB foi criado em função dessas quatro ideologias vistas moderadamente. A grande idéia do PSDB é ser moderadamente liberal, nacionalista, socialista e ambientalista. Não é bom virar radical em qualquer um desses termos. O neoliberalismo é uma radicalização do liberalismo. Em geral você acaba reduzido, como reduzimos, a importância da nossa nação.

O senhor acha que os brasileiros são pouco nacionalistas?

Sempre digo que devemos ser nacionalistas, como são os franceses, os alemães e os ingleses, não tanto como os americanos. Mas não podemos ser muito menos como temos sido. Perdemos a idéia de nação e passamos a achar que eles sabem como devemos agir.

Como ajustar essa distorção?

Essa equação se equilibra nas medidas políticas do Estado. O Estado é o instrumento de ação coletiva da nação. A nação partilhando as quatro ideologias de forma moderada faz com que as políticas de Estado contenham elementos liberais, nacionais, socialistas e ambientalistas. O equilíbrio dessas quatro regras é o grande objetivo dos Estados modernos: liberdade, desenvolvimento econômico, bem-estar, justiça social e proteção ao meio ambiente.

Como o senhor avalia o fato de o governo Lula aumentar os gastos em programas sociais, manter taxas de juros altas e ainda elevar a carga tributária, sobretudo a incidente sobre os estratos médios da sociedade?

O PT é um partido que teoricamente se classifica de esquerda. Na prática, quando chegou ao poder, o partido procurou beneficiar os pobres com distribuição assistencialista de recursos. Por outro lado, aprofundou uma política de juros altos e taxa de câmbio baixa, o que beneficia os mais ricos.

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