"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, novembro 16, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 13/11/07

'Voracidade'. Editorial de Ignácio Ramonet


Houve quem pensou que com a globalização o capitalismo estaria por fim saciado. Engano. Um nova forma de rapinagem acomete o mundo. O comentário é Ignácio Ramonet no editorial do Le Monde Diplomatique de novembro. A tradução é do Cepat.

Eis o editorial.

Ao mesmo tempo em que contra o horror econômico, o discurso crítico – a que durante algum tempo se chamou altermundista – se enreda e de repente se torna inaudível, vai-se instalando um novo capitalismo, ainda mais brutal e conquistador: o de uma nova categoria de fundos de rapinagem, os private equities, fundos de investimento rapaces, com apetites desmesurados e detentores de capitais gigantescos.

Os nomes destes titãs – The Carlyle Group, Kohlberg Kravis Roberts & Co (KKR), The Blackstone Group, Colony Capital, Apollo Management, Starwood Capital Group, Texas Pacific Group, Wendel, Eurazeo, etc. – continuam sendo pouco conhecidos do grande público. E graças a esta discrição apoderam-se da economia mundial.

Em quatro anos, de 2002 a 2006, o montante dos capitais obtidos por estes fundos de investimento, que coletam o dinheiro dos bancos, dos seguros, dos fundos de pensões, e os investimentos de riquíssimos particulares, passou de 94 bilhões de euros para 358 bilhões… O seu poder de fogo financeiro é fenomenal, ultrapassando 1,1 trilhões de euros. Nada resiste. O ano passado, nos Estados Unidos, os principais private equities investiram cerca de 290 bilhões de euros na aquisição de empresas, e mais de 220 bilhões só no primeiro semestre de 2007, passando assim a controlar 8000 empresas… Atualmente, um em cada quatro assalariados norte-americanos e quase um em cada doze franceses já trabalham para estes mastodontes.

A França tornou-se, aliás, depois do Reino Unido e dos Estados Unidos, o seu primeiro alvo. O ano passado, em território francês, estes fundos apoderaram-se de 400 empresas (por um montante de 10 bilhões de euros) e já gerem ali mais de 1600. Marcas muito conhecidas – Picard, Dim, os restaurantes Quick, Buffalo Grill, Les Pages Jaunes, Allociné ou Afflelou – são agora controladas por private equities, quase todas anglo-saxônicas, que já estão de olhos postos nos gigantes do índice CAC 40.

O fenômeno destes fundos rapaces surgiu há uns quinze anos, mas nos últimos tempos, estimulado pelo crédito barato e graças à criação de instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados, adquirem uma amplitude preocupante. Porque o princípio é simples: um clube de investidores afortunados decide adquirir empresas, que depois gere de forma privada, longe da Bolsa e das suas regras constrangedoras, e sem ter de prestar contas a acionistas minuciosos. A idéia consiste em contornar os próprios princípios da ética do capitalismo, apostando apenas nas leis da selva.

Concretamente, como no-lo explicam dois especialistas, as coisas acontecem assim: "Para adquirir uma sociedade que vale 100, o fundo aplica 30 do seu bolso (percentagem média) e os restantes 70 pede-os emprestados aos bancos, aproveitando as muito baixas taxas de juro do momento. Durante três ou quatro anos reorganiza a empresa com a direção em funções, racionaliza a produção, desenvolve atividades e capta a totalidade ou parte dos lucros para pagar os juros… da sua própria dívida. Depois revende essa mesma empresa por 200, com freqüência a um outro fundo, que irá fazer a mesma coisa. Reembolsados os 70 obtidos a crédito, ficam com 130 no bolso, por um investimento inicial de 30, obtendo assim mais de 300 por cento de taxa de retorno sobre o capital investido em quatro anos. Tem coisa melhor?".

Ao mesmo tempo em que pessoalmente ganham fortunas exponenciais, os dirigentes destes fundos praticam doravante, sem sentimentalismos, os quatro grandes princípios da "racionalização" de empresas: reduzir o emprego, comprimir os salários, aumentar os ritmos de produção e deslocalizar.

São nisso estimulados pelas autoridades públicas, as quais, como em França hoje em dia, sonham "modernizar" o aparelho de produção. E fazem-no em detrimento e para desespero dos sindicatos, que denunciam vigorosamente o pesadelo e o fim do contrato social. Houve quem pensou que com a globalização o capitalismo estaria por fim saciado. Vê-se porém agora que a sua voracidade não tem limites. Até quando?

Nenhum comentário: