"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, maio 30, 2007

Novas e velhas solidariedades. Entrevista especial com Pedro Hespanha

Novas Solidariedades: Locais, Nacionais e Globais é a área de pesquisa do professor Pedro Hespanha, professor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Na pesquisa, Hespanha trata da questão das desigualdades, que, ao invés de diminuírem com a democracia política, o desenvolvimento econômico, a generalização da educação e a proteção social pública, têm aumentado globalmente. Assim, ele investiga, acerca das novas solidariedades que descobriu, o novo pluralismo assistencial, e analisa as relações do Estado, mercado e comunidades; os sistemas alternativos de produção; as novas e velhas desigualdades e os efeitos do capitalismo desregulado, entre outros assuntos. A IHU On-Line aproveitou a presença do professor Pedro Hespanha na Unisinos e o entrevistou pessoalmente.

Nesta entrevista, ele fala das diferenças entre as novas e velhas solidariedades, como as novas solidariedades se constituem em tempos de globalização e individualismo e, ainda, analisa a questão da cultura brasileira.

Pedro Hespanha é doutor em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Foi Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coordenador do Observatório Permanente de Desenvolvimento Social da Universidade de Aveiro e Coordenador do Programa de Mestrado e Doutoramento em Sociologia "Políticas locais e Descentralização: as novas áreas do social".

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na sua pesquisa, o senhor estuda as velhas e novas solidariedades. Como elas se diferenciam?

Pedro Hespanha – As velhas solidariedades eram aquelas que se baseavam muito na proximidade. Os vínculos se davam nas residências, nas vizinhanças, na família, no trabalho. E é isso que de alguma maneira tem se modificado, porque as relações agora estão mais distantes, a mobilidade espacial é maior, as migrações são mais intensas. As migrações estão internacionais. Em todo o mundo está se criando uma deslocalização e, portanto, se criam novas raízes que de alguma maneira estavam criados nas comunidades. Essas raízes comunitárias perderam-se e criou-se um problema, ou seja, as velhas solidariedades estão dando lugar ao individualismo.

IHU On-Line – Como o senhor encontrou essas novas solidariedades em tempos de globalização desenfreada que nos encaminha para um individualismo cada vez maior?

Pedro Hespanha – Esse individualismo gerado pelas novas solidariedades é uma espécie de luta pela vida, em que cada um procura as soluções para seu caso, imigrando, mudando de local, contando com outros grupos. Eu penso que essas mudanças estão sendo acompanhadas do aparecimento de novas formas de solidariedade e essas são mais difíceis de compreender porque são menos convencionais, porque nós nos habituamos a pensar a solidariedade nesses termos da velha solidariedade. As novas solidariedades são praticamente invisíveis, ou seja, dá trabalho identificá-las. Essas novas solidariedades, por não terem vínculos “face a face”, fazem com que as pessoas participantes já tenham uma trajetória, um percurso de origem bastante diferenciado. Gera um individualismo porque as distâncias são maiores, mas também geram grandes coisas, partilhamento de conhecimento, mobilizações etc.

IHU On-Line – E como se constituem essas novas solidariedades?

Pedro Hespanha – Muitas solidariedades são baseadas em fenômenos novos, como a preocupação com o desgaste ambiental e toda modificação do meio ambiente. Esses problemas suscitaram a aproximação, a partilha de interesses, a mobilização e uma solidariedade nova. Entram aí, então, as relações internéticas, as relações dos imigrantes que não se fecham, pelo contrário, são obrigados a se abrirem a outras comunidades étnicas etc. Por exemplo, antigamente Portugal era um país que exportava muitas pessoas e hoje é um país de acolhimento de imigrantes, uma realidade nova que coloca questões novas. Essa nova situação não se focaliza apenas em individualismos exacerbados, pois também dá lugar a outras novas construções solidárias, e é isso que basicamente me interessa pesquisar. Eu acho que esse mundo globalizado é, de fato, de grande exclusão. Há muita gente, muitos grupos sociais, muitas regiões que são deixadas para trás e, portanto, a globalização econômica cria risco social. Mas isso criou também novas solidariedades em escala global, como as ONG’s, a contra globalização que passa por um solidariedade de Norte a Sul contra a globalização capitalista. Essa última suscitou o aparecimento de emergência de forma de globalização anti-hegemônicas e o Brasil é um bom exemplo, porque foi aqui que se iniciou essas iniciativas de participação com o Fórum Social Mundial.

IHU On-Line – E por que o senhor diz que essas novas solidariedades são invisíveis?

Pedro Hespanha – Porque nós não temos o olhar preparado para assistir essas novas formas, estamos preparados para as formas de solidariedades muito mais entre pessoas com alguma homogeneidade em termos culturais, sociais e étnicos. Estamos mal preparados para ver essa solidariedade entre grupos que não são homogêneos.

IHU On-Line – Qual é o papel do Estado em relação a essas novas solidariedades em que a comunidade tem maior relevância?

Pedro Hespanha – O Estado, sobretudo o Estado em sua configuração mais moderna, ao ter construído um tipo de solidariedade organizada, passou a ser o grande operador das solidariedades. Isso teve um efeito perverso onde as pessoas começaram a pensar que o Estado tinham essa função de organizar muita ajuda. Nesse sentido, o Estado é responsável pela ilusão das solidariedades da comunidade e da sociedade civil. Mas talvez porque o Estado esteja a perder a sua missão, ele se minimiza de novo. Assim, a sociedade está de fato confrontada com vários problemas que estão surgindo equivalente também às novas formas de solidariedade. Eu acho que a comunidade precisa também desenvolver novas formas de solidariedade, pois o Estado vai cada vez menos cumprindo essa função de organizador. O ideal seria que no futuro tivéssemos uma espécie de combinatória entre uma e outra.

O Estado, em alguns casos, paradoxalmente converteu-se numa espécie de inimigo da sociedade civil, e, em outros casos não, pois através de políticas sociais o Estado contribuiu para satisfazer um conjunto de necessidades que sociedade civil teria que satisfazer. Em geral, a sociedade civil queixa-se da ineficácia das políticas sociais, pois não são realmente eficazes, perdem suas motivações ao longo de suas aplicação. Muitas vezes, as políticas sociais são apenas um pretexto de solidariedade do Estado. Ainda assim, acho que o Estado deve ter muito cuidado com os mínimos sociais, é preciso que o Estado tenha recursos e meios para garantir que haja padrões mínimos de cidadania, sobretudo neste contexto da globalização em que a população está sendo deixada para trás, a pobreza e a exclusão ainda não desapareceram nos países mais ricos e, portanto, dos mais pobres menos ainda. Há uma espécie de terceiro mundo no interior dos países de primeiro mundo. A Inglaterra tem taxas de pobreza extremamente elevadas, os Estados Unidos também. São países ricos de grande fortalecimento econômico e que, simultaneamente, têm desigualdades sociais.

IHU On-Line – E como o senhor vê a comercialização da pobreza do primeiro mundo dentro dos países do terceiro mundo? Por exemplo, o modelo do Brooklin, de Nova Iorque, é estereotipado e vendido ao movimento hip hop...

Pedro Hespanha – Na verdade, o que acontece é que espaços de pobreza também segregam certa cultura, que é diferente e alternativa. O sistema econômico e de marketing estão sempre valorizando o que é exótico e diferente e, portanto, convertem padrões de cultura marginal em moda. Embora a música esteja hoje bastante valorizada, não significa que essas comunidades de onde surgiram essas formas culturais estejam emancipadas, pelo contrário, parecem que hoje há uma busca pelo exótico e pelo diferente. Por exemplo, hoje o turismo mundial se preocupa com as zonas selvagens, como a África, com países muito pobres, com regiões inóspitas que viram negócio. Algumas pessoas da região são beneficiadas com isso, mas, em geral, as comunidades não ganham nada, apenas passam a ser objeto de curiosidade turística. Muitos deles conseguem adaptar-se a essa intrusão que o turismo traz, que é o de olhar para as pessoas com seus exotismos, mas também com uma supremacia incrível.

IHU On-Line – Quais são as novas desigualdades que essas novas solidariedades precisam superar?

Pedro Hespanha – As desigualdades tradicionais eram baseadas na riqueza. Há outras desigualdades que são igualmente preocupantes, já existiam, mas se tornaram populares só agora, como a desigualdade de gênero, que é muito difícil de ultrapassar. Há diferentes e grandes manifestações. No entanto, os progressos não têm sido grandes. As desigualdades de acesso a recursos ambientais também são muito importantes. Hoje temos consciência de que o modo de vida que algumas populações têm não é mais possível porque o planeta já não tem condições de agüentar. Há um conjunto de novas circunstâncias que criam novas desigualdades, ou seja, para cada novo tipo de desigualdades é preciso inventar novos tipos de solidariedades.

IHU On-Line – O senhor vê a sociedade brasileira e as diferentes culturas inseridas dentro dela, convivendo de forma intercultural, multicultural, ou ainda temos exemplos de apartheid?

Pedro Hespanha – É uma pergunta muito complexa. A primeira coisa que um estrangeiro tem acerca do Brasil é a percepção de certa multiplicidade cultural. Obviamente que um estrangeiro como um português tem uma representação e uma imagem sobre o Brasil já antiga, pois os povos estão ligados por uma história. É provável que o português veja o brasileiro sob certa perspectiva por causa dos estereótipos que foram criados ao longo do passado. E, nesse sentido, é interessante ver que Portugal descobriu o Brasil sob outra perspectiva através das novelas. É verdade que as novelas criam uma imagem do Brasil bastante estereotipada, mas a imagem que dá para o estrangeiro é uma análise de uma cultura com determinadas características simples. Minha percepção é que ainda existe um modelo de multiplicidade cultural. Existe um esforço, uma discussão acerca deste fato no Brasil muito intensa, que perpassa a academia, e isso é interessante e também cria novas solidariedades.

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