"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, abril 04, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 03/04/08

Necessidade de controlar demanda divide opiniões

O consumo cresce com força, as importações disparam e a arrecadação explode. Sobram sinais de que a demanda doméstica avança a um ritmo veloz, mas não há consenso entre os analistas sobre se é necessário tomar medidas mais drásticas para conter o crescimento. Os índices de preços exibem sinais contraditórios: há pressões no atacado e no comportamento de serviços, mas as projeções do mercado ainda apontam para uma inflação em 2008 e em 2009 abaixo do centro da meta perseguida pelo Banco Central (BC) , de 4,5%. Já a rápida deterioração das contas externas, devido à disparada das importações, indica, para alguns, que o consumo de bens como automóveis precisa ser controlado, para evitar uma crise no balanço de pagamentos dentro de poucos anos. A reportagem é de Sergio Lamucci e publicada pelo jornal Valor, 03-04-2008.

Se não há unanimidade quanto a um suposto excesso de demanda, tampouco há concordância quanto aos instrumentos que devem ser usados. Os mais ortodoxos sugerem alta de juros, enquanto os heterodoxos querem controlar o crédito. Há consenso quanto à importância de o governo conter a expansão dos gastos correntes para não colocar mais lenha na fogueira da demanda doméstica, que avança a um nível de 7%, mas há dúvidas sobre a eficácia da medida a esta altura do campeonato.

Para o coordenador do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Licha, não há uma pressão de demanda que seja claramente inflacionária. A alta dos índices de preços nos últimos meses seria principalmente devido a um choque de oferta. Números do Credit Suisse mostram que, se forem excluídas as variações de feijão, leite e carnes, o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) subiu apenas 3,4% nos 12 meses até fevereiro - se incluídos esses produtos, a elevação é de 4,6%, ainda próximo do centro da meta.

O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, também vê o aumento de inflação recente como resultado de um choque de oferta, ligados especialmente a produtos agrícolas. Para ele, aumentar os juros não seria a resposta mais adequada, já que a alta de preços, além de localizada, não seria causada por um aumento excessivo da demanda. "E um aumento dos juros neste momento poderia afetar o investimento, o que seria ruim para a economia", diz Carneiro, para quem ainda seria temerário elevar a Selic num momento de forte incerteza na economia global. "É uma insanidade aumentar os juros sem saber os desdobramentos da economia americana. E se os preços das commodities despencarem e houver uma pressão deflacionária global?"

O problema é que o comportamento da inflação é ambíguo. Para o economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, há evidências de que a demanda pressiona a inflação mais do que seria desejável. É o caso dos serviços. Por não serem comercializáveis internacionalmente, não podem ser atendidos por importações, refletindo mais claramente o impacto da demanda. Nos 12 meses até fevereiro, os serviços pessoais (como cabeleireiro e empregada doméstica) subiram 7,9%. Os preços agrícolas e industriais no atacado também crescem a um ritmo forte, o que pode se refletir em pressões no varejo mais adiante.

Para Gomes Filho, com a demanda forte e a inflação pressionada pelas commodities em níveis ainda elevados, um ciclo de alta de juros já se justifica. Ele estima que a Selic vai subir 0,5 ponto percentual neste mês, devendo terminar o ano em 13,25%. Gomes Filho admite, porém, que a circunstância atual é mais difícil para o BC convencer a sociedade da necessidade de uma alta de juros. Como as projeções do mercado ainda apontam um IPCA abaixo do centro da meta, a ação do BC será preventiva. Para Licha, por exemplo, não haveria problema se a inflação ficasse por algum tempo um pouco acima dos 4,5%, mas abaixo do teto, de 6,5%.

O professor Samuel Pessôa, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também acha que chegou o momento de uma elevação dos juros, principalmente por conta da alta do consumo. No quarto trimestre de 2007, o consumo das famílias cresceu 8,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Para ele, esse ritmo é insustentável. Pessôa acredita que adiar a elevação dos juros pode ser mais custosa do que a manutenção das taxas. O ponto é que, se os índices de preços aumentarem mais do que se espera, o "custo de desinflação" costuma ser elevado em termos de crescimento, diz ele.

Uma opção para evitar uma alta de juros - ou pelo menos para diminuir a necessidade de uma elevação mais forte - é conter a expansão dos gastos correntes do governo. O ex-diretor do BC Sérgio Werlang, diretor-executivo do Itaú, diz que seria muito saudável se as despesas públicas crescessem a um ritmo real próximo ao do PIB - hoje na casa de 5% -, e não de 10%. "Eu não fiz as contas, mas é possível que isso tornasse desnecessária uma elevação da Selic para manter a inflação abaixo do centro da meta", afirma ele, para quem é factível conter os gastos públicos sem afetar o investimento. Um dos pais do regime de metas, Werlang diz que, pessoalmente, não veria problemas se o IPCA ficasse um pouco acima de 4,5% neste ano. "Eu seria um pouco menos conservador, mas não posso dizer que uma alta de juros agora é incompatível com o regime de metas." Pessôa também considera importante conter os gastos públicos, mas lembra que a recente aceleração da demanda não se deve às despesas do governo, e sim ao consumo privado.

Até mesmo o heterodoxo Carneiro recomenda cautela na política fiscal, para não estimular ainda mais a demanda. Ele se mostra preocupado com a deterioração das contas externas, devido ao crescimento das importações, que aumentaram 44,1% no primeiro trimestre. Para Carneiro, esse movimento é resultado do câmbio valorizado e da atividade forte Nesse cenário, seria importante fazer um "controle seletivo de demanda", reduzindo os gastos de custeio e atuando para controlar o crédito, com a redução dos prazos de financiamento de bens duráveis, como automóveis. Desse modo, o investimento seria preservado.

Esse tipo de proposta é rechaçada por economistas mais ortodoxos. Para Werlang, tentar controlar o crédito introduziria mais distorções numa economia que já tem distorções em excesso, como os depósitos compulsórios elevados e o crédito direcionado. "Isso prejudica o crescimento de longo prazo do país. É preferível aumentar os juros", afirma ele, evidenciando mais um dos desacordos entre os analistas sobre o que fazer quanto à demanda neste momento.

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