"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, agosto 12, 2008

Tudo pelos juros

Blog do Luis Nassif - 11/08/08

Segundo matéria de Alex Ribeiro, no “Valor”, “Para BC, aperto na política monetária deve diminuir déficit de conta externa” (clique aqui).

Até cego vê que o grande fator de deterioração das contas externas é a política monetária do BC que atrai capital especulativo e joga o dólar para baixo. Aí exporta-se menos e importa-se mais por uma simples questão de preço.

O que o BC pretende?

A hipótese se baseia na constatação de que, para o caso brasileiro, a demanda doméstica é o fator mais importante para determinar o volume de importações, superando até mesmo a taxa de câmbio.

O efeito da alta de juros sobre as contas externas é um assunto controverso entre os economistas. Alguns deles atribuem o déficit em conta corrente, que registrou uma virada de US$ 19,810 bilhões entre o primeiro semestre de 2007 e de 2008, à forte valorização do câmbio, que, por sua vez, teria sido causada sobretudo pela alta de juros.


Outra leitura, difundida pelo BC, é que a política monetária relaxada expandiu a demanda doméstica, puxando o déficit externo. As pesquisas econômicas feitas pela autoridade monetária corroboram essa tese, ao apontar que a chamada absorção doméstica é mais importante do que a taxa de câmbio para explicar o resultado de contas correntes.

A lógica do BC é a seguinte:

A demanda doméstica é mais importante para explicar as importações - alta de 1% no consumo e investimentos leva a um aumento de 1,2% nas importações. Já uma valorização de 1% na taxa de câmbio aumenta em apenas 0,2% as importações.

Faltou explicar quanto a apreciação do real contribui para o aumento da demanda doméstica.

Em reforço ao BC vem a extraordinária intuição de Affonso Celso Pastore, no mesmo jornal:

A intuição sugere que para um exportador é indiferente se um aumento de x% em sua receita de exportações é proveniente de uma depreciação de x% do câmbio real, ou de uma elevação de x% nos preços em dólares das exportações. Intuições somente são úteis quando não são negadas pelos fatos, e esta é uma delas. De fato, a econometria mostra que a resposta do quantum exportado ao câmbio real é igual à sua resposta aos preços em dólares das exportações.

A lógica de Pastore é que para qualquer apreciação do câmbio (que reduz a receita dos exportadores) há um aumento correspondente nos preços que compensa. I-n-a-c-r-e-d-i-t-á-v-e-l! Ele toma o “overshooting” atual dos commodities e transforma em regra econômica permanente. Acabaram as crises cambiais porque sempre haverá espaço para elevar os preços para compensar qualquer nível de apreciação da moeda.

E os déficits, mesmo com esse efeito que revolucionou o sistema de preços na economia mundial?

Contabilmente, os déficits nas contas-correntes são iguais ao excesso das importações sobre as exportações de bens e serviços, mas economicamente eles são idênticos ao excesso dos investimentos (públicos mais privados) sobre as poupanças (pública mais privada).

Tempos atrás, quando se comemorava a melhoria do PIB, o próprio Pastore, em artigo no mesmo valor, dizia que a razão maior foi o câmbio que estimulou o consumo.Na alegria, é o câmbio. Na tristeza, não é o câmbio. Quando se trata de atribuir responsabilidades à deterioração das contas públicas, são os gastos públicos.

A lógica da crise das contas externas e da receita do BC-Pastore é um sofisma óbvio, ao alcance de qualquer aluno de economia, mas que não pode ser explicitada, porque revelaria os erros do BC:

1. Quanto mais o BC aperta os juros, mais aprecia o câmbio.

2. Quanto mais aprecia o câmbio, mais aumenta o déficit nas transações correntes.

3. Em vez de corrigir o câmbio, o que Pastore (e o BC) propõe é uma recessão em tal nível que reduza violentamente a demanda, derrubando as importações e gerando excedentes exportáveis.

4. Ou seja, amarra-se emprego, nível de atividade, necessidade de investimentos, tudo à política monetária do BC.

E, depois, diz-se que tudo está errado. Menos a política monetária do BC.

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