"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, agosto 12, 2008

Quem é quem na nova classe média

Instituto Humanitas Unisinos - 12/08/08

"Desde 2002, a probabilidade de ascender da classe C para a classe A nunca foi tão alta, e a de cair para a classe E nunca foi tão baixa como agora", afirma Marcelo Côrtes Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV e professor da EPGE/FGV, em artigo publicado no jornal Valor, 12-08-2008.

Eis o artigo.

O Centro de Políticas Sociais (CPS/IBRE/FGV) lançou na terça o estudo "A Nova Classe Média" (vide). Um ponto questionado por alguns é que a renda da nova classe média parece baixa. Antes de sujarmos as mãos de graxa nas engrenagens da pesquisa: depois de anos de instabilidade e estagnação, a classe média tupiniquim está crescendo aceleradamente. Este é o ponto. O Brasil, recém-promovido a "investiment grade" pelas agências de rating internacionais, já em 2007 passou a integrar o grupo de países com alto IDH pela ONU. O estudo revela a contrapartida disto no dia-a-dia da parte mais sensível da anatomia humana: o bolso. A renda da parcela da classe C subiu 22,8% de abril de 2004 a abril de 2008. Neste mesmo período, a renda de nossas classes A e B subiu 33,6%. Portanto, para quem acha que a classe média é mais rica que a nossa classe C, a conclusão que a classe média cresceu não é afetada.

Na pesquisa, partimos de duas perspectivas na classificação das classes. Uma primeira é pela análise das atitudes e expectativas das pessoas. Este tipo de abordagem foi desenvolvida nos anos 50 e 60 por George Katona, psicólogo behaviorista. Seguindo nesta linha, Thomas Friedman define classe média como aquela que tem um plano bem definido de ascensão social para o futuro. Esta fábrica de realização de sonhos individuais é o motor fundamental para a conquista da riqueza das nações. O combustível é o anseio de subir na vida; o lubrificante seria o ambiente de trabalho e negócios. O CPS propõe medidas nessa linha subjetiva: o nosso Índice de Felicidade Futura (IFF) será lançado em breve. Podemos antecipar que o índice é alto no Brasil vis-a-vis com outros países, consistente com a emergência da classe média do país.

A segunda forma de definir as classes econômicas E, D, C, B e A é pelo potencial de consumo. O Critério Brasil usa acesso e número de bens duráveis (TV, rádio, lava-roupa, geladeira e freezer, vídeo-cassete ou DVD), banheiros, empregada doméstica e nível de instrução do chefe de família. Este critério estima os pesos a partir de equação minceriana de renda. Além de estarmos medindo isso, propomos conceituação complementar para medir a evolução da nova classe média no Brasil também do ponto de vista do produtor. Ou seja, da capacidade de manter de fato este potencial de consumo ao longo do tempo. Desde o clássico trabalho de Robert Hall de 1977 sabemos que o consumo corrente contém informação sobre os padrões futuros de consumo; já a análise da composição destas despesas, separando o hedonismo da capacidade de produção a um mesmo nível de despesas das pessoas, é útil. Nos termos da fábula de La Fontaine, há que se distinguir as formigas das cigarras consumistas. De toda forma, todos os indicadores, seja do ponto de vista do consumidor, seja do produtor, apontam para o boom na classe C: casa, carro, computador, crédito e carteira de trabalho estão nos seus recordes históricos.

O sempre atento IBGE realiza agora excelente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e já anunciou acompanhamento das despesas de consumo das famílias em bases regulares. Enquanto não chegamos lá, implementamos metodologia para explorar os microdados do IBGE. A PME cobre 40 mil domicílios-mês nas seis principais regiões metropolitanas. Além da limitação geográfica, a pesquisa só trata da renda do trabalho. O ponto forte, além do tamanho da amostra, é a sua maior atualidade. Enquanto a última POF é de 2002/03 e a Pnad é de setembro de 2006, conseguimos chegar com a PME até abril de 2008. A desigualdade de renda segue na trajetória de queda observada desde 2001. Não há nada similar na história brasileira estatisticamente documentada (desde 1960). Tal como na metáfora do motorista, do retrovisor e do pára-brisas, se quisermos nos guiar pela realidade brasileira, é preciso olhar a cena corrente, até porque o tráfego está mais intenso.

Outra vantagem ímpar da PME é a de medir mudanças de faixas de renda das mesmas famílias ao longo do tempo. Por exemplo, a pesquisa mostra que, apesar da crise externa, 2007 e 2008 são dois dos três melhores períodos em termos de recuperação de renda. O fato de que, ao contrário do outro ano de destaque (2004), não estarmos saindo de uma recessão interna, ou vivendo uma bonança externa, torna 2008 surpreendente. Desde 2002, a probabilidade de ascender da classe C para a classe A nunca foi tão alta. E a de cair para a classe E nunca foi tão baixa. O Brasil das estatísticas de renda e emprego surpreende.

A classe C é a classe central, abaixo da A e B e acima da D e E. A nossa classe C sobe de 42% para 52% agora. Segundo o Pew Institute, 53% dos norte-americanos se consideram classe média. O novo Critério Brasil classificava em 2005 cerca de 43% dos brasileiros de classe C, próximos dos 42% de 2004. A fim de quantificar as faixas, calculamos a renda domiciliar per capita do trabalho e depois a expressamos em termos equivalentes de renda domiciliar total de todas as fontes. A faixa C central está compreendida entre os R$ 1.064 e os R$ 4.561, a preços de hoje na Grande São Paulo. Os estudos internacionais variam o limite superior mensal de classe média de US$ 6 mil (Banco Mundial) a US$ 300 (Barnajee & Duflo do MIT), passando por US$ 500 (Goldman Sachs). O nosso está dentro dos limites deles, que variam muito entre si. A nossa classe C está compreendida entre os imediatamente acima dos 50% mais pobres e os 10% mais ricos na virada do século. Heuristicamente, os limites da classe C seriam as fronteiras para o lado indiano e para o lado belga da nossa Belíndia.

Não tenho nada contra aqueles que olham para a nossa classe C e a enxergam como média-baixa, e para a nossa classe B como média-alta. Não somos os EUA, mas este também é um país livre. O Mais importante é ter um critério consistente definido. A nossa classe C aufere em média a renda média da sociedade, ou seja, é classe média no sentido estatístico. Dada nossa desigualdade, a renda média é alta em relação a nossa mediana. Oitenta por cento das pessoas no mundo vivem em países com níveis de renda per capita menores que o brasileiro. Para aqueles que acham que a renda da classe C é baixa: acordem, pois ela é a imagem mais próxima da sociedade brasileira. A elite que se julga classe média e acha feio o que vê, procure as palavras Made in USA atrás de seu espelho.

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