"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, agosto 12, 2008

Centenas de imigrantes recorrem ao bisturi para limar traços étnicos

Instituto Humanitas Unisinos - 09/08/08

Descendentes de indígenas da América Latina radicados na Europa, chineses e japoneses residentes na Austrália, recorrem à correção cirúrgica para diminuir traços étnicos. A motivação é aproximar-se do cânon de beleza ocidental. Segue o artigo de Jaime Prats publicado no El País, 04-08-2008. A tradução é do Cepat.

Orly Cuzco, de 28 anos, não gosta do seu nariz. “Me marcava muito os traços incas”. Por isso, este equatoriano de Guayaquil que mora em Madri não duvidou em destinar os 4.200 euros que economizou para passar pela sala de cirurgia e assim “chamar menos a atenção” na rua. Está encantado com o resultado. “Ficou muito bem”, comenta Cuzco, que, com a boca pequena, cita entre os motivos da cirurgia a que se submeteu há quatro meses um ligeiro deslocamento do septo nasal.

A forma do nariz é um dos traços que mais pistas dá da origem étnica de uma pessoa. Por essa razão, a rinoplastia se converteu na intervenção estrela entre os imigrantes – a maioria sul-americanos – que, cada vez em maior número, decidem recorrer ao bisturi para ocidentalizar seu aspecto. Há casos, como o de Orly, em que se acorre à consulta para reduzir o nariz, ainda que o mais normal seja o contrário: ganhar volume, estreitar as fossas nasais e aumentar o nariz.

“Muitos clientes vêm com a desculpa de um septo nasal desviado quando o que pretendem realmente é corrigir o nariz chato e suavizar os traços que identificam sua nacionalidade”, comenta Diego Tomás, o cirurgião que operou Orly e que atende cerca de 30 casos similares por ano, algo menos de 10% do volume de sua clientela. “Notou-se um forte aumento deste tipo de paciente nos últimos anos”, aponta.

Esse fenômeno também não passou despercebido à Sociedade Espanhola de Cirurgia Estética, Plástica e Reparadora (Secpre), que inclusive abordou o tema em sua reunião do mês passado, realizada em Zaragoza. Seu presidente, Antonio Porcuna, também reconhece um aumento deste tipo de cliente que busca “um nariz mais ocidentalizado”. “É uma forma de se adaptar ao meio em que vive”, comenta Salvador Rodríguez-Camps, cirurgião de Valência que faz cerca de 30 cirurgias deste tipo por ano.

O nariz é a intervenção mais comum, mas não a única. Rodríguez-Camps lembra ter operado também mulheres centro-americanas com o rosto muito arredondado às quais implantou uma prótese no queixo para estilizar seu perfil. Fez inclusive intervenções em cidadãos de origem ocidental que buscavam um olhar com traços europeus.

Neste caso se recorre à blefaroplastia, uma cirurgia das pálpebras feita para arredondar o contorno ocular. “É uma intervenção não muito complexa em que se emprega anestesia local”, assinala. Na Espanha, esta técnica não é muito comum, mas em países com grandes colônias de cidadãos asiáticos. “No último congresso da Sociedade Internacional de Cirurgia Estética houve muitas colocações relacionadas com técnicas para ocidentalizar os olhos. Algo especialmente freqüente entre imigrantes chineses e japoneses residentes na Austrália e nos Estados Unidos”, relata Antonio Porcuna, chefe da Secpre. A tal ponto que estas intervenções se converteram numa subespecialidade da cirurgia estética nestes países, de forma que há consultas centradas quase exclusivamente para tratar estes pacientes.

Na Espanha, o fenômeno é sensivelmente menos freqüente. A Secpre não tem dados sobre o volume deste tipo de intervenção. No total, são realizadas 400.000 intervenções cirúrgicas para finalidade estética por ano na Espanha. Cirurgiões consultados estimam que podem ser centenas, uma cifra que calculam a partir da prática clínica tanto sua como de outros. Igualmente difícil é saber o número de imigrantes que aproveitam as férias em seus países para se operarem e economizarem assim alguns euros.

“Eu pensei nisso, mas não compensava; se não saísse como queria, não poderia reclamar daqui da Espanha”. Orly Cuzco descartou a possibilidade de fazer a cirurgia no Equador, mas o mesmo não aconteceu com outros de seus compatriotas que acreditaram que compensava arriscar-se a um eventual problema no pós-operatório em troca de uma cirurgia muito mais barata, por 1.200 dólares ou mesmo 900 dólares.

Mas, numa sala de cirurgia não vale tudo. Existe uma fronteira infranqueável para a maioria dos cirurgiões que está no bom gosto e na proporção entre as facções. “Em toda intervenção é preciso respeitar os traços faciais para que o resultado seja harmônico”, disse Antonio Porcuna. Juan Antonio Mira, cirurgião de Valência, insiste nesta idéia. “As correções devem estar sempre dentro de uma fidelidade étnica”. “Se alguém vem para corrigir um nariz largo, eu o estreito, mas mantendo o estilo latino; não coloco um nariz de uma alemã numa mulher latina”, aponta.

Há especialistas que matizam que a intenção dos pacientes seja a de renunciar aos seus traços étnicos. Ou que exista uma motivação de se integrar às custas de diluir os traços que identificam sua nacionalidade. Antes, como aponta José María Palacín, da clínica Teknon de Barcelona, o desejo destas pessoas obedece a corrigir partes do rosto com as que não se encontram a gosto e, de passagem, aproximar-se do modelo de beleza universal, que passa pelo cânon ocidental forjado pelos meios de comunicação. Isto é algo que tem em mente todo aquele que se coloca nas mãos de um cirurgião plástico, independentemente de sua procedência, comenta Palacín.

Agora está por se ver se a crise afeta não apenas estas intervenções de cirurgia estética, mas um setor que, em geral, cresceu como a espuma ao abrigo da bonança econômica dos últimos anos e das facilidades de financiamento oferecidas pelo setor bancário ou pelas próprias clínicas. Até poucos meses atrás.

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