"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, dezembro 20, 2008

Mea culpa maximizada

Instituto Humanitas Unisinos - 16/12/08

"Escândalo da pirâmide de Madoff é menor do que o das agências de risco ou o da "falta de integridade" dos bancos? "A pergunta é de Vinicius Torres Freire em comentário publicado no jornal Folha de S. Paulo, 16-12-2008.

Eis o artigo.

O caso de Bernard Madoff talvez fique nos anais anedóticos desta crise como o episódio mais patético de mea-culpa, mea maxima culpa que se seguiu a uma tentativa gorda, gananciosa, gorada e gatuna de maximização de lucros.

Madoff é o financista que disse a subordinados, a sócios e a clientes que mentiu, roubou e arrumou um rombo de US$ 50 bilhões. O homem já dirigiu a Nasdaq. Enganou alguns dos maiores bancos e figuras da finança mundial por meio de um engodo que ele mesmo chamou de "basicamente, um esquema Ponzi gigante", uma das patuscadas mais antigas e banais das finanças.

Um esquema Ponzi é uma pirâmide, uma arapuca de investimentos na qual, grosso modo, os rendimentos dos investidores mais antigos são pagos com as aplicações dos mais novos, sistema que gira em falso. A lambança mais uma vez passou sob as pernas da SEC, a instituição que deveria supervisionar o mercado de capitais dos Estados Unidos.

Ao longo da crise, como em todos os demais tumultos financeiros, descobrem-se malversações explícitas de dinheiro. A graça da coisa está em observar como o público e os grandes interessados discernem o que é caso de polícia, "falha de regulação" ou "crise de confiança".

Em outubro, um comitê de investigação da crise do Congresso americano divulgou um caso típico de bolhas, visto numa troca de e-mails entre analistas da Standard & Poor's (a agência de cotação de risco) a respeito da qualidade de títulos lastreados em hipotecas (um desses papéis que ajudaram a detonar a crise). "Se esse negócio tivesse sido estruturado por vacas, a gente ainda o avaliaria [de maneira positiva]", dizia um deles.

Vimos atitudes parecidas durante a bolha da internet e no escândalo da contabilidade (2001-2002). Bancos de investimento, analistas, agências de risco e auditores ajudaram empresas a fraudar contratos.

Esses foram tidos como "casos de polícia". A atuação das agências de avaliação de risco nesta crise, porém, ficou no limbo. S&P, Moody's e Fitch laudaram o papelório imobiliário que, como se viu, era podre. A pena das três irmãs, porém, limitou-se a uma temporada no purgatório. "Moral", no entanto, foi uma palavra que voltou explícita ou subliminarmente nos discursos de mea-culpa a respeito da ruína financeira.

Alan Greenspan disse coisas do gênero: "No último ano [2007/8], a falta de confiança na validade dos registros contábeis de bancos e outras instituições financeiras (...) provocou uma maciça relutância de emprestar a eles [aos bancos] (...). Alguns dos pilares críticos da competição de mercado falharam". Ao Congresso dos EUA, Greenspan diria que estavam abaladas algumas de suas crenças, pois "o auto-interesse", "a supervisão da contraparte [dos negócios]" e "falhas na precificação de ativos de risco" não haviam sido bastantes para manter o bom funcionamento dos mercados.

De repente, a moralidade pareceu tornar-se condição necessária para o bom funcionamento dos mercados, os quais, porém, até outro dia (2007?) eram eficientes, racionais, baseados em abundante informação e regulados apenas o necessário para não distorcê-los (ou ao menos era o que se dizia da boca para fora, no debate público e político).

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