"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Nossa História - Edição 38

Soldados na paz e na guerra

Além da atividade bélica, o Exército tem forte presença social no Brasil desde os tempos da Colônia, quando militares assumiam até funções de carteiros, bombeiros e construtores de estradas e prédios públicos

Imaginemos um Brasil com um exército de 9 milhões de soldados. Seria o maior do mundo, muitas e muitas vezes superior ao contingente de 290 mil homens que hoje integram nossas forças armadas. Parece um exagero? No entanto seria exatamente assim, caso o número de pessoas ligadas à atividade militar no país mantivesse, em relação à população, as mesmas proporções registradas no período colonial. Naquela época, cerca de 5% dos homens de todas as idades pertenciam a uma das diversas tropas existentes, seja de soldados permanentes - do exército regular, ou "tropas de linha", recrutados por nada menos que 25 anos -, ou então de milicianos - chamados de "ordenanças" ou "auxiliares", membros de unidades militares temporárias convocados apenas para treinamento e emergências.

A sociedade da América portuguesa era muito militarizada, embora isso não se refletisse numa cultura em que valores bélicos eram cultuados ou mesmo apreciados. Muito pelo contrário. O serviço militar representava um fardo para os soldados - quase que uma forma de escravidão. Além de ter de servir por entre os estratos mais baixos da sociedade. Por estas e outras, a vida na tropa não era vista como uma coisa desejável. Apesar disso, a importância das forças armadas não pode ser negada. Desde o início do povoamento, a preocupação com a defesa era permanente, a começar pela ameaça dos índios, hostis aos portugueses que ocupavam suas terras e os escravizavam. Também havia o receio constante de ataques estrangeiros e de piratas, assim como o medo de uma insurreição da parte dos milhares de escravos que sustentavam as atividades econômicas. Essas ameaças reais não eram tratadas como nos dias de hoje pelo governo: a metrópole deixava a defesa a cargo dos colonos, que tinham de organizar e manter suas próprias milícias, construir fortes e, no início da colonização, até comprar canhões e outras armas pesadas.

Era um período em que o governo tinha uma presença mínima: basicamente se restringia à cobrança de impostos, à administração da defesa e da justiça e às atividades da igreja, então parte da máquina do governo. Como não havia um "serviço público" para executar esses serviços, e como as forças armadas estavam presentes em todo o país, estas tinham que realizar diversas atividades que hoje lhe são estranhas. Os militares atuavam como cobradores de impostos; carteiros, levando a correspondência para o interior; faziam obras, como estradas, pontes e prédios públicos; escoltavam valores; serviam como polícia; reprimiam os quilombos e os escravos nas suas tentativas de conquistar a liberdade, e até apagavam incêndios, já que não havia corpo de bombeiros, criado somente em 1856.

Adler Homero é mestre em História pela UFF, pesquisador

do IPHAN, curador do Museu Militar Conde de Linhares e autor,

entre outros livros, de Armas, ferramentas da paz e da guerra

(com José Neves Bittencourt).

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