"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Nossa História - Edição 38

entrevista

Delfim Netto

"Chega de fazer História sonhada"


Por Sônia Araripe e Nívea Pombo


As respostas ferinas emitidas em um tom de voz manso não deixam dúvidas. Delfim Netto, aos 78 anos - apesar de ter sentido a derrota nas últimas eleições para deputado federal, após cinco mandatos consecutivos -, mantém a mesma disposição para a polêmica. Há, no entanto, algo de diferente neste economista que entrou para a História como o czar de governos militares, tendo ocupado as pastas da Fazenda, Agricultura, Planejamento e outros cargos de relevância. Polêmicas não lhe faltam. Em dezembro de 1968, foi, na condição de ministro, um dos signatários do AI-5, o ato pelo qual o presidente Costa e Silva radicalizou o regime militar, fechando o Congresso Nacional, cassando mandatos, estabelecendo a censura à imprensa e suspendendo garantias constitucionais. Mantido no ministério durante o governo Médici (1971-1974), Delfim tentou sem sucesso tornar-se governador de São Paulo em 1974, mas teve as intenções barradas pelo novo presidente da República, Ernesto Geisel (1975-1978), que apoiou Paulo Egydio Martins. Distante do grupo que ocupava o poder, passou todo o governo de Geisel no respeitado mas distante posto de embaixador brasileiro em Paris, voltando para integrar o governo de João Figueiredo (1979-1985) na pasta da Agricultura e depois no Planejamento.

Paulistano do Cambuci - "bairro proletário, bem antes de São Bernardo do Campo", como se orgulha de apresentar-se - o filho de família simples, descendente de italianos, diz que existem três Delfins. "O primeiro era o socialista fabiano. O segundo é o do governo, e o terceiro é este agora, que está ajudando as políticas sociais do Lula." Por ajuda, ele especifica que somente toma café de vez em quando com o presidente reeleito e dá alguns conselhos. "Não sei se ele me ouve." Quem freqüenta o círculo do poder em Brasília conta que não só Delfim é reverenciado por Lula, como muitas das críticas feitas durante a campanha ao seu antecessor no cargo, Fernando Henrique Cardoso, partiram da cabeça do conselheiro. Nesta longa entrevista de uma hora e meia a Nossa História Delfim Netto revisita a sua biografia (corrige a tradicional frase que primeiro era preciso crescer o bolo para depois repartir), a História brasileira e mundial, e faz alvos com a metralhadora giratória. Critica Fernando Henrique Cardoso; economistas que defendem cortes nos gastos sociais; a politização dos conteúdos dos livros didáticos, e adverte que a elite brasileira é míope. Otimista, confia que haverá crescimento econômico sustentado com justiça social. A seguir, os principais pontos da entrevista.

Nossa História - O senhor agora se diz socialista. Há um Delfim de antes e um Delfim de depois?

Delfim Netto - Há três Delfins. O primeiro era o socialista fabiano. O segundo é o do governo, e o terceiro é este agora, que está ajudando as políticas sociais de Lula pelo reconhecimento que é errado quando o modelo econômico pretende ser absolutamente racional e quer que o trabalhador seja rigorosamente igual a um parafuso, que o mercado vai produzir o equilíbrio em não sei quantas gerações. No início era um socialista ingênuo. Depois, aprendi, em um livro muito interessante de teoria de preços de George Stigler, que aquilo tudo que eu pensava era um pouco de sonho. E aí, virei capitalista mesmo. Acreditei no mercado e ainda acredito no mercado como grande instrumento. Há uma tese muito curiosa: que o Delfim queria antes produzir e depois distribuir. O que só pode ter sido produzido por um cérebro defeituoso, porque isso é impossível de ser feito em uma economia de mercado. Isso só pode ser feito em uma economia socialista. Nesse tempo, eu não era socialista. E os que falavam isso pensavam que eram socialistas. O que eu sempre disse, e vou dizer agora de novo, é que não dá para distribuir o que não foi produzido. Fomos nós que lançamos os primeiros programas de expansão do crédito, o PIS, que estendemos a Previdência Social ao setor rural sem contribuição. Quando não se pode dar emprego, dá-se assistência. Se tiver competência para dar emprego, não precisa dar assistência. Nunca defendemos o desenvolvimento com inflação. Quem sempre defendeu o desenvolvimento com inflação foi a esquerda. Porque era a revolta contra a aritmética. Dois mais dois podem ser cinco, desde que haja suficiente vontade política. Até eles aprenderam, e chegaram muito mais perto de mim do que eu cheguei perto deles.

A íntegra desta entrevista está na edição 38 da revista Nossa História

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