"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, julho 15, 2009

Neogolpismo: o risco da América Latina

Instituto Humanitas Unisinos - 14/07/09


"O caso de Honduras é muito transcendental: o futuro da democracia na América LatinaWashington, em Caracas e em Buenos Aires".

Essa é a opinião de Juan Gabriel Tokatlian, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella e membro do Clube Político Argentino. O artigo foi publicado no jornal Página/12, 13-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O golpe de Estado convencional – a usurpação ilegal, violenta, preconcebida e repentina do poder por parte de um grupo liderado pelos militares e composto pelas forças armadas e setores sociais de apoio – foi uma nota central da política latino-americana e do Terceiro Mundo durante o século XX.

O fim da Guerra Fria, a onda democratizante dos anos 90, o avanço da globalização, a gradual redução das disputas fronteiriças entre países, a crescente interdependência mundial e as promessas da integração econômica regional parecem pressagiar o ocaso do golpismo na periferia.

No entanto, o fantasma golpista segue intacto. Desde 2000 até hoje, foram realizados 24 golpes de Estado, uns exitosos e outros falidos, na África, Ásia e América Latina e o Caribe. Os dois últimos, em 2009, foram produzidos em Madagascar e Honduras.

Com o tempo, foi se gestando um neogolpismo: diferentemente do golpe de Estado tradicional, o "novo golpismo" está encabeçado mais abertamente por civis e conta com o apoio tácito (passivo) ou a cumplicidade explícita (ativa) das Forças Armadas, pretende violar a constituição do Estado com uma violência menos ostensiva, tenta preservar um semblante institucional mínimo (por exemplo, com o Congresso em funcionamento e/ou com a Suprema Corte temporariamente intacta), nem sempre envolve uma grande potência (por exemplo, Estados Unidos) e aspira mais a resolver um impasse social ou político potencialmente ruinoso do que a fundar uma nova ordem.

Na América Latina, existiu uma espécie de "aprendizagem" em matéria de golpismo. Por exemplo, os que ocorreram no Equador – contra Abdalá Bucaram em 1997 e Jamil Mahuad em 2000 – foram ganhando em efetividade e em sofisticação, ao ponto de que os "putchs" cívico-militares foram, a contragosto, tolerados e aceitos na região. Não existiu uma virulência desproporcional, e as sucessões presidenciais se encarregaram de lhes dar aspectos de quase constitucionalidade. Washington e Brasília (especialmente no caso de Mahuad) não questionaram seriamente o que ocorreu, e o Grupo do Rio e a Organização dos Estados Americanos se desentenderam.

Tempos depois, em 2002, produziu-se a fracassada remoção forçada de Hugo Chávez na Venezuela. A região – particularmente Argentina, Brasil e Chile – reagiu de imediato, repudiando o ocorrido e definido-o com o qualificativo de golpe de Estado. A Casa Branca não deplorou o golpe. Além disso, o justificou (assim também fizeram Espanha, Colômbia e o Fundo Monetário Internacional). O governo do presidente George W. Bush agiu como se se tratasse de um "golpe benévolo", isto é, deu as boas-vindas à tentativa de derrubada de um governo eleito democraticamente, já que os golpistas atuavam em consonância com as preferências ideológicas dos Estados Unidos. A coalizão cívico-militar venezuelana terminou consumando um golpe ortodoxo e autoritário que, porém, foi falho: o prisioneiro Hugo Chávez retornou à presidência.

Dois anos mais tarde, em 2004, realizou-se a saída forçada de Jean-Bertrand Aristide no Haiti. Tal como na Venezuela, no exemplo haitiano os golpistas insistiram que Aristide foi quem provocou, com o seu comportamento, a crise institucional que levou à sua remoção do governo: desse modo, justificou-se a destituição do presidente. De fato, produzia-se – da mesma forma que no caso de Chávez, mas desta vez com êxito – uma inversão de valores, pois acabou se responsabilizando a vítima no lugar do vitimado.

A coalizão golpista e Washington aprenderam com um erro prévio no caso venezuelano: em vez de deter Aristide temporariamente, o embaixador dos Estados Unidos colocou o presidente haitiano deposto em um avião e o enviou à República Centro-Africana, onde havia se realizado um golpe de Estado exitoso em 2002 e o golpista François Bozizé fez redigir uma nova Constituição e foi eleito presidente em 2003.

Assim chegamos ao primeiro golpe de Estado exitoso na América Central no século XXI: no dia 28 de junho, o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi derrubado. O presidente do Congresso, Roberto Micheletti, assumiu como presidente de fato. Os militares invadiram na residência oficial de Zelaya, o detiveram e o transferiram para a Costa Rica. Os golpistas da poderosa coalizão cívico-militar aprenderam as lições da Venezuela e do Haiti: preservando o funcionamento do Legislativo e do Judiciário, expulsaram do país o presidente constitucional.

No entanto, nessa oportunidade, a rejeição e o repúdio geral foram eloquentes. Todo o hemisfério, suas organizações políticas, as Nações Unidas, a União Europeia, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, ONGs de direitos humanos e governos de diversas orientações ideológicas se manifestaram massiva e unanimemente contra o golpe de Estado.

A coincidência de vozes fortemente críticas é muito alentadora. No entanto, se o golpe for vitorioso – e isso significaria que Zelaya não seria substituído nem sequer temporalmente na presidência –, então a tentação do neogolpismo regional crescerá. Os golpistas então terão aprendido uma nova lição: depor e executar o presidente no governo, simular que a crise era de tal envergadura que não havia outra opção que remover o Executivo, manter formalmente as instituições e esperar até que as políticas antigolpe da comunidade internacional se tornem improdutivas.

O caso de Honduras é muito transcendental: o futuro da democracia na América Latina está em jogo. E todos sabem disso, em Washington, em Caracas e em Buenos Aires. está em jogo. E todos sabem disso, em

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