"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

domingo, setembro 14, 2008

Estatização ou desprivatização?

Instituto Humanitas Unisinos - 09/09/08

Para o governo Bush, controle estatal de megaempresas é "conservatorship". Para Paul Krugman, é "desprivatização". O comentário é de Vinicius Torres Freire e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo,09-09-2008.

Eis o comentário.

" Conservatorship" é o nome que o governo Bush deu ao controle estatal das duas maiores empresas de financiamento imobiliário do país.

Um "conservator" é um tutor ou interventor. "Conservator" lembra Organizações Tabajara. Os problemas do mercado podem não ter acabado, mas o "Conservator" limpa de graça a lambança que o mercadismo promoveu, em propaganda e atos.

Paul Krugman chamou a coisa de "desprivatização". O economista de Harvard, da "esquerda" americana, é colunista do "New York Times" (no Brasil, Krugman seria "ortodoxo", mas passemos). Escreveu em seu blog: "Prefiro que as pessoas não digam que Fannie e Freddie foram "nacionalizadas" [estatizadas]. Quer dizer, está basicamente certo, mas passa uma impressão errada".

Krugman lembra que a Fannie Mae era uma agência estatal criada em meio à Grande Depressão, em 1938, e privatizada em 1968. Acha que tais empresas não devem ser privadas. Por isso, diz meio sarcasticamente que elas foram "desprivatizadas". "Não é como o caso do governo britânico, que [no passado] tomou as siderúrgicas. É algo como despedir o pessoal da Blackwater [os mercenários contratados pelo governo dos EUA] e devolver a responsabilidade pela segurança dos diplomatas para os fuzileiros [marines]".

Bradford DeLong é outro economista reputado, professor de Berkeley. Foi subsecretário-assistente do Tesouro no governo Clinton. Em seu blog, DeLong duvida que o negócio de empacotar dívidas imobiliárias deva ser privado. Chama a "conservatorship" de estatização.

Gregory Mankiw também é de Harvard e autor de um popular livro-texto de introdução à macroeconomia. Foi presidente do Conselho de Assessoria Econômica de George Bush, filho. É ultraliberal, mas não se opôs à inevitável "conservatorship", que para ele resultou de um "takeover" (tomada de controle ou aquisição). Mas diz no seu blog que fica "entristecido toda vez que uma empresa que visa o lucro é socorrida, seja a Chrysler, o LTCM, o Bear Stearns ou a Fannie Mae e a Freddy Mac". É o argumento tradicional: socorro para falidos (e para quem tem negócios com eles) é um incentivo ao risco irresponsável.

O governo "conservator" será dono de Fannie Mae e Freddie Mac. Vai emprestar dinheiro às empresas a 10% ano (caro, mas menos que bancos estão pagando na praça). Vai fazer dívida pública a fim de financiar a comprar títulos lastreados em prestações imobiliárias (os ativos dessas empresas) e não vai vender tais papéis no mercado a fim de evitar que percam ainda mais valor, tentando conter assim o aumento do buraco em bancos e fundos.

Difícil imaginar outra saída. Dir-se-á que os donos dos negócios socorridos estão sendo expelidos do controle ou vendo suas ações virarem pó (mas não é o caso do seguro grátis que o Fed dá para os papéis podres dos bancos, que servem de garantia para empréstimos oficiais).

Mas tais negócios já não valiam nada. O dinheiro grosso foi feito durante a festa e ficou com os convidados, que não pagam o seguro implícito, fornecido pelo Estado e que limpa a sujeira. Não é, óbvio, o caso de jogar o mercado fora, mas de dar cabo da gororoba ideológica do mercadismo.

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