"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, setembro 16, 2008

MAGISTRADOS ESTUDAM ADIN CONTRA RESOLUÇÃO DE MENDES SOBRE GRAMPO

Conversa Afiada - 16/09/2008 11:55



Mozart não gosta nem de “milícia”
nem de “consórcio”, que Mendes usou


O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), presidido pelo Ministro Gilmar Mendes, aprovou no último dia 09 uma resolução que obriga os juízes fazerem um relatório ao Conselho sobre as autorizações para a quebra de sigilo telefônico. O objetivo dessa norma é identificar responsáveis por vazamentos ou detectar se algum juiz determinou número excessivo de escutas, o que poderá levar o CNJ a puni-lo (clique aqui para ler no Globo).

O presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) Mozart Valadares disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta terça-feira, dia 16, que a Associação estuda a resolução do CNJ para ver se cabe uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal.

“Nós estamos estudando em profundidade a resolução editada pelo Conselho Nacional de Justiça, já remetemos para o nosso departamento jurídico e durante toda a semana nós chegaremos à conclusão se devemos ou não questionar a constitucionalidade da resolução no Supremo Tribunal Federal”, disse Valadares.

Mozart Valadares disse também que teme que o CNJ possa ter se desvirtuado de suas atividades e extrapolando na sua competência, que é exclusivamente administrativa, no caso da resolução contra os grampos telefônicos. “A decisão de conceder a quebra de um sigilo é uma decisão judicial e o Conselho não tem essa competência”, disse Valadares.

O presidente da AMB Mozart Valadares ficou surpreso com as declarações do Ministro Gilmar Mendes, que teria dito que juízes, procuradores e delegados da Polícia Federal que trabalham nas Varas de combate à lavagem de dinheiro agem como milícias. Valadares disse que o Ministro Mendes nega ter usado o termo “milícias”. Mendes teria usado os termos “consórcio” e “cumplicidade”. Mas, na opinião de Valadares, isso não atenua as declarações do Ministro Mendes.

“Eu fiquei surpreso com a declaração do Ministro por dois motivos: porque é grave a declaração dele, a afirmação dele é de uma gravidade muito grande. E porque partiu da maior autoridade judiciária do país. Com esses dois aspectos, eu tenho convicção que o Ministro, como presidente do Conselho Nacional de Justiça, poderia de ofício mandar abrir uma investigação e apontar aqueles que participam desse suposto consórcio, dessa suposta cumplicidade”, disse Valadares.

Sobre a súmula vinculante que trata do emprego de algemas, editada pelo Supremo Tribunal Federal, Valadares disse que é uma medida inoportuna. Para ele, o STF tem problemas mais importantes para se preocupar.

“Acho totalmente inoportuno uma súmula vinculante sobre emprego de algemas. Nós temos coisas muito mais importantes para disciplinar, nós temos coisas, questões relevantes para o país para o Supremo decidir do que estar disciplinando emprego de algemas. Acho que é inoportuna e também acho que a lei é que tem que disciplinar e não a súmula do Supremo”, disse Valadares.

Leia a íntegra da entrevista com Mozart Valadares:

Paulo Henrique Amorim – Eu vou conversar agora com o Dr. Mozart Valadares. Ele é presidente da Associação dos Magistrados do Brasil. Dr. Mozart, eu gostaria de recolher sua opinião sobre essa decisão do Conselho Nacional de Justiça que obriga os juízes a fazerem um relatório sobre as autorizações para a quebra de sigilo telefônico. A minha pergunta é: isso é uma forma de interferir na autonomia do magistrado?

Mozart Valadares – Nós estamos estudando em profundidade a resolução editada pelo Conselho Nacional de Justiça, já remetemos para o nosso departamento jurídico e durante toda a semana nós chegaremos à conclusão se devemos ou não questionar a constitucionalidade da resolução no Supremo Tribunal Federal. Eu temo muito que o Conselho Nacional de Justiça, que vem dando uma grande contribuição ao Poder Judiciário nacional, no campo da impessoalidade, da ética, da transparência, mas causa-me um pouco de temor que ele possa estar desvirtuando suas atividades e extrapolando na sua competência, que é exclusivamente administrativa. E a decisão de conceder a quebra de um sigilo é uma decisão judicial e o Conselho não tem essa competência.

Paulo Henrique Amorim – Outra questão: o senhor, evidentemente, tomou conhecimento da declaração do Ministro Gilmar Mendes, também presidente do Conselho Nacional de Justiça, de que as Varas que cuidam do colarinho branco estão se transformando em verdadeiras milícias, com a atuação conjunta de juízes, procuradores e delegados da Polícia Federal. O senhor considera apropriada essa palavra “milícias” para o trabalho das Varas de Justiça que cuidam do crime do colarinho branco?

Mozart Valadares – O Ministro Gilmar Mendes nega que tenha empregado esse termo, ele diz que falou em consórcio e cumplicidade entre os operadores do Direito, no caso procuradores, juízes e delegados...

Paulo Henrique Amorim – Isso atenua a declaração?

Mozart Valadares – Não. Eu fiquei surpreso com a declaração do Ministro por dois motivos: porque é grave a declaração dele, a afirmação dele é de uma gravidade muito grande. E porque partiu da maior autoridade judiciária do país. Com esses dois aspectos, eu tenho convicção que o Ministro, como presidente do Conselho Nacional de Justiça, poderia de ofício mandar abrir uma investigação e apontar aqueles que participam desse suposto consórcio, dessa suposta cumplicidade no exercício da função e aqueles que fossem identificados, que fossem encontrados nessa situação, que fossem punidos exemplarmente.

Paulo Henrique Amorim – Outra questão, Dr. Mozart: o Supremo Tribunal Federal baixou uma súmula vinculante a respeito do emprego das algemas. Eu li ontem um artigo de um Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no jornal O Globo, que diz pura e simplesmente que súmula não é lei, não se pode fazer uma súmula vinculante vinculada a si própria, porque ela tratou de um único caso. O senhor considera que essa súmula vinculante tem um efeito de lei?

Mozart Valadares – Eu acho que o Supremo Tribunal Federal, que é a Corte Suprema do país, que a sua atribuição principal é a interpretação da nossa Carta Política, da nossa Constituição, perdeu muito tempo num assunto que não merecia esse desperdício de energia. Ora, o emprego da algema é para a autoridade totalmente disciplinado. Você só coloca uma algema em alguém se ele reagir, se ele tentar obstacular o cumprimento da decisão judicial. Acho totalmente inoportuno uma súmula vinculante sobre emprego de algemas. Nós temos coisas muito mais importantes para disciplinar, nós temos coisas, questões relevantes para o país para o Supremo decidir do que estar disciplinando emprego de algemas. Acho que é inoportuna e também acho que a lei é que tem que disciplinar e não a súmula do Supremo.

Paulo Henrique Amorim – Uma última questão, Dr. Mozart: o senhor acha que essa seqüência de decisões do Supremo e essa seqüência de atitudes do presidente do Supremo derivem, sobretudo, do fato de ter sido preso um banqueiro, branco, rico e de olhos azuis?

Mozart Valadares – Eu tenho pelo Supremo Tribunal Federal, como toda a magistratura brasileira o maior respeito e pelo Ministro Gilmar Mendes, um homem extremamente qualificado, um jurista de primeira linha, e um homem reconhecidamente honesto. Agora, o Judiciário tem que se posicionar... Todos nós somos subordinados à Lei, magistrados, empresários, pobres, todos, ninguém está acima da Lei, ninguém está acima do bem e do mal. Não acredito que foi em razão de um empresário, eu acho que essa questão vinha sendo discutida, ele foi o estopim, mas não para protegê-lo, não para beneficiar quem quer que seja, até porque, logo em seguida, o Supremo Tribunal Federal anulou um júri de um pedreiro porque ele passou durante todo o julgamento algemado. Então, acho que o Judiciário tem que olhar e olha para o cidadão, o cidadão com a Constituição na mão, para proteger o cidadão e para punir aquele, independente da classe social, independente da condição financeira, independente da cor, a Lei é feita para todos e tem que ser aplicada para quem quer que seja, até o magistrado, aquele que cometer um ato ilícito, aquele que utilizar o cargo, a sua caneta, para cometer uma conduta ilícita, ele tem que ser punido exemplarmente.

Paulo Henrique Amorim – O senhor teria dado dois HCs em 48 horas ao Daniel Dantas?

Mozart Valadares – Eu não conheço os processos nem as provas que estavam nos autos, por isso fica difícil de fazer esse julgamento. Eu não tenho elementos, eu não li a peça, eu não li o pedido da fundamentação, eu não conheço as provas que estavam nos autos para me posicionar sobre isso.

Nenhum comentário: