"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

domingo, setembro 14, 2008

Um vivo e um morto

Site do Azenha - Atualizado em 12 de setembro de 2008 às 11:15 | Publicado em 09 de setembro de 2008 às 11:33
Um vivo e um morto

Fausto Wolff

Um velho comunista, hoje com mais de 80 anos, perguntou-me há 11 meses exatamente, em Paris, mais para puxar conversa do que qualquer outra coisa, como ia o Brasil. Confesso que não soube o que responder. O que poderia dizer? Que temos dois partidos comunistas aliados à direita e um – autêntico - que não tem representantes na Câmara? Que o governo é inqualificável em termos políticos, pois não tem uma ideologia? Que, embora se diga a agremiação dos trabalhadores, tem um presidente que classifica de heróis usineiros exploradores que mantêm milhares de escravos em suas fazendas? Como dizer-lhe que a plataforma de quase todos os partidos é a mesma: ganhar dinheiro de qualquer maneira? Como informá-lo de que o governo, além do salário, paga empregados, casa, automóvel, chofer e passagens aéreas aos parlamentares e autoridades de primeiro e segundo escalão? Será que ele, que foi amigo de Prestes, Arruda, Amazonas, Pomar e tantos outros, sabe que a atual "esquerda" ganhou mas não levou, por jamais ter sido de esquerda? Deveria dizer-lhe que temos um dos impostos de renda mais altos do mundo e que há mais de 20 anos nada se constrói para o povo? Que temos o maior índice de prostituição infantil do Universo e também o maior de desigualdade social? Que vendemos quase todo o país e que matamos quase todos os índios? Que os cargos políticos são hereditários e que nossas professoras primárias são as mais mal pagas da História, enquanto pragas como a tuberculose e a lepra, que pareciam ter sido extintas, estão voltando? Que me envergonho do meu país, onde pelo menos dois presidentes e dois governadores foram assassinados sem que jamais se aprofundassem as investigações? Que anistiamos os revolucionários de todos conhecidos e anistiamos igualmente os torturadores sem identificá-los? Que seitas religiosas exploram os pobres, os presídios são fábricas de delinqüentes, os ministérios mais desprezados pelo governo são os da Cultura, da Educação e da Saúde? Que a televisão tiraniza, imbeciliza, destrói neurônios, incentiva o lucro fácil, dá publicidade à pornografia? Que nossa cultura foi literalmente roubada? Que temo que o Brasil se torne oficialmente uma cabeça de ponte para os Estados Unidos e onde a Constituição só existe no papel? Finalmente, que estamos sendo governados por um lunático? Preferi responder: "O Brasil vai daquele jeito".

Deixo-os com as palavras ditas por dois homens. Primeiro, as de um ex-operário riquíssimo respondendo ao repórter Milton Neves 15 anos atrás, que lhe perguntou se tinha pena de Fernando Collor por ter sido impichado: "Tenho pena, sim. Não, bem, talvez como ser humano. Não, não tenho, porque uma pessoa que teve a oportunidade que aquele cidadão teve de construir um governo e constrói uma quadrilha como ele construiu me dá pena (sic), porque deve haver qualquer sistema de debilidade de funcionamento no cérebro do Collor. Efetivamente fico com pena, porque acho que o povo brasileiro esperava que essa pessoa pudesse pelo menos conduzir o país, se não a uma solução definitiva, a um indícios de solução para os graves problemas que vivemos. Lamentavelmente a ganância, a vontade de corrupção foi mais forte e fez com que Collor jogasse o sonho de milhões e milhões de brasileiros por terra. Mas, de qualquer forma, acho que essa foi uma grande lição que o povo brasileiro aprendeu e espero que o povo brasileiro em outra eleição escolha pessoas de que pelo menos conheça o passado político." (Lula 1993)

Ouçamos agora o educador:

"Nos últimos anos, pouco a pouco, no Brasil e no mundo, as ideologias políticas, os pendores revolucionários, os fervores tradicionais perderam o poder de atração sobre o povo. Começaram ao mesmo tempo a difundir-se seitas e práticas místicas que, com apelo a biorritmos, drogas, astrologia, dietas místicas e feitiçarias, passaram a orientar a vida de milhões de pessoas, devolvendo-lhes o equilíbrio emocional indispensável para enfrentar suas existências, mas desativando-s como protagonistas da História e construtoras dos seus próprios destino; o Brasil cresceu visivelmente nos últimos 80 anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido desde sempre prisioneiro em uma jaula de ferro. Nossas jaulas são as nossas estruturas sociais medíocres inscritas para compor um país de pobreza na província mais bela da terra. Sendo assim, no Brasil do futuro, a maioria nascerá e viverá nas ruas, enquanto a minoria rica ficará com medo e se recolherá para casas-fortalezas, confortáveis campos de concentração cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é bem fácil nos livrarmos dessas feras. É tão necessária que dói em nós a nossa conversa culposa. Solução: educação". (Darcy Ribeiro, 1993).

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