"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

domingo, setembro 21, 2008

A manipulação das ênfases

Blog do Luis Nassif - 19/09/08

Não estou conseguindo entender o Estadão. Parecia ter a cobertura mais técnica sobre esse episódio da escuta de Gilmar Mendes. De repente, praticamente todos os jornais – até a Folha – saíram daquela posição insustentável de tapar o sol com a peneira enquanto o Estadão caía de cabeça em um jogo incompatível com o nível de leitor que procura alcançar.

O que é a notícia?

1. Supostamente houve um grampo contra Gilmar Mendes, praticado pela ABIN (Agência Brasileira da Inteligência). Hoje em dia, um número cada vez maior de jornalistas sérios coloca o grampo em dúvida. Há a possibilidade de ter sido uma armação.

2. De repente, em uma reunião no Palácio, o Ministro da Defesa Nelson Jobim apresenta como evidência o fato da ABIN ter equipamentos de escuta. É uma prova ridícula, mas virou tema de cobertura. O simples fato de ter um equipamento de escuta não caracteriza a autoria.

3. Virou manchete, todos vão atrás. Jobim vai a uma CPI e sustenta que o equipamento tem capacidade de executar o grampo do qual Gilmar Mendes supostamente foi alvo. Paulo Lacerda e o general Félix dizem que não. Todo o interesse da cobertura está nessa discussão.

4. Aí sai o laudo da Polícia Federal informando que o equipamento não poderia efetuar aquele grampo. Quanto muito, permite gravações analógicas ou ambientais. Gravações analógicas não são utilizadas para grampos telefônicos.

5. É evidente que a descoberta não é atestado de inocência da ABIN. Assim como a eventual constatação de que os aparelhos poderiam grampear não seriam prova de autoria. Só que, até agora, esses equipamentos foram o único indício de culpa - apresentado e reforçado por Nelson Jobim. Portanto, saber se poderia ou não ter efetuado o grampo a Mendes era essencial.

A cobertura do Estadão foi a seguinte. Na capa:

ABIN tem cinco máquinas de grampo, diz laudo.

Apenas no pé da chamada a informação de que não serviria para grampear Gilmar.

Internamente, a matéria principal da página tem esse título extraordinário, tão informativo (para o tema em questão) quanto saber o número de cadeiras giratórias na ABIN.

Laudo da Polícia Federal revela que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem equipamentos capazes de fazer escuta ambiental e interceptações telefônicas analógicas. Cinco dos 16 aparelhos eletroeletrônicos da agência submetidos a perícia do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal podem captar conversas reservadas entre dois ou mais interlocutores.

(...) Segundo o presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), o Stealth LPX teria essa capacidade e função. "O Stealth LPX é próprio para utilização em interceptações de áudio ambiental. É um equipamento que permite a ativação da escuta remotamente", assinala o laudo da PF. O equipamento não possui, no entanto, capacidade para fazer escutas telefônicas em aparelhos celulares ou fixos. O aparelho capaz de fazer esse tipo de interceptação é o X600 Trough Wall Listening System, que não estava na relação dos aparelhos da Abin apresentados à Polícia Federal, mas em uma lista reproduzida da internet que foi apresentada por Jobim ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à CPI como a relação de equipamentos que a Abin teria comprado nos EUA por meio do Exército.

Cadê a notícia?

Na parte de baixo da página, a notícia:

A conclusão do laudo dos exames periciais nos 16 equipamentos enviados pela agência ao Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, diz que nenhum dos aparelhos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem capacidade para gravar conversas mantidas em aparelhos celulares, de qualquer tipo de tecnologia.

A matéria termina com um final digno de Esso:

Referindo-se ao presidente do Supremo, a revista Veja dissera no título da reportagem que a "Abin gravou o ministro". A reportagem não diz que o grampo foi feito com as maletas compradas legalmente pela agência, mas o laudo do Instituto de Criminalística permitirá à Abin dizer que nenhum agente usou seus equipamentos para grampear o ministro e o senador.

Que tal o jornal perguntar para a Veja quais os elementos que ela têm para sustentar que o grampo foi feito pela ABIN? Garanto que seria um grande furo.

Com seu estilo minimalista - eficiente -, Nelson Sá, da coluna Toda Mídia, da Folha, matou a questão:

A MALETA E...

Na escalada dos telejornais, "JN" inclusive, com imagem, e abrindo o Google Notícias, que edita por algoritimos aquelas de maior repercussão, "Laudo da Polícia Federal diz que maleta da Abin não faz escutas telefônicas", no título da Folha Online.

E até a Globo destacou que contradiz o ministro Nelson Jobim, que havia conseguido retirar Paulo Lacerda da Abin, temporariamente.



JOBIM, MENDES, CPI

Ato contínuo, o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e também o da CPI , Marcelo Itagiba, apareceram por sites e foram parar no mesmo "JN", para dizer que o laudo "é insuficiente para isentar" a Abin e anunciar até "perícia própria" da maleta.

No dia anterior, Jobim já havia usado argumento novo. Agora é a participação de agentes da Abin na Operação Satiagraha.

Por Sanzio

19/09/2008 - 17h48


Associação de peritos chama pedido de novo laudo em maletas da Abin de factóide



GABRIELA GUERREIRO


da Folha Online, em Brasília



Irritada com a decisão da CPI das Escutas Clandestinas da Câmara de realizar nova perícia nos equipamentos de varreduras da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais divulgou nota oficial nesta sexta-feira para defender a perícia realizada pelo INC (Instituto Nacional de Criminalística) nas maletas da agência. A nota afirma que o presidente da CPI, deputado Marcelo Itabiga (PMDB-RJ), criticou um "factóide político" ao sugerir a nova perícia.

"As declarações do deputado federal Marcelo Itagiba são lamentáveis e colocam em risco a credibilidade dos órgãos periciais oficiais perante à sociedade, assim como o saudável relacionamento entre as instituições públicas. Em investigações de qualquer natureza, a sociedade não precisa de factóides políticos e, sim, da verdade real", diz a nota.

Segundo a associação, os peritos criminais federais possuem "fé pública e estão sujeitos à disciplina do Poder Judiciário", por isso têm obrigação de expressar a verdade. "Os peritos são profissionais altamente capacitados em diversas áreas do conhecimento científico, com isenção e independência para o exercício de suas funções, ou seja, elaboração de laudos oficiais", diz a nota.

Segundo a associação, a contratação de um órgão "independente" para realizar a perícia pode colocar sob suspeita o laudo emitido pela PF. "Caso o parlamentar [Itagiba] tenha identificado alguma irregularidade formal no laudo emitido pelo Instituto Nacional de Criminalística, ela deve ser apontada objetivamente ao órgão competente. Se houver outros equipamentos da Abin ainda não periciados, eles devem ser encaminhados para o órgão de perícia oficial da União", afirma a nota.

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