"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, setembro 08, 2010

A Revolta de Jacaré-Acanga

Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS, 04 de setembro de 2010.

As estações de rádio das companhias comerciais de aviação, cujos cristais estavam em poder de Veloso, voltaram ao ar. Centenas de pessoas que haviam fugido ante o noticiário alarmista das emissoras, começaram a regressar. Os gêneros de primeira necessidade, que já escasseavam – porque nenhum barco ousava atracar em Santarém – reapareceram no mercado. (Arlindo Silva – Revista O Cruzeiro)

- Do Campo dos Afonsos para Cachimbo

A eleição do Presidente da República Juscelino Kubitschek e de seu Vice João Goulart preocupava alguns setores da sociedade brasileira. Inconformados com a situação política que se delineava, o Major Haroldo Veloso e o Capitão José Chaves Lameirão da Força Aérea Brasileira, arquitetaram um movimento militar que esperavam ganhasse amplitude nacional. Na madrugada de 11 de fevereiro de 1956, dias antes da posse dos eleitos, os dois oficiais sequestraram do Campo dos Afonsos, localizado na Guanabara (atualmente Rio de Janeiro), uma aeronave “Beechcraft”. Carregaram-na com armamento e munição e rumaram para a Base Aérea de Cachimbo que eles mesmos haviam ajudado a construir.

Mais tarde o próprio Capitão José Chaves Lameirão confessou:

“Nosso plano era iniciar efetivamente a Revolução. Era preciso que alguém o fizesse. Nosso plano era apoderar-nos, logo de início, da base de Cachimbo – e foi o que fizemos. É preciso que se saiba que o Cachimbo fica mais ou menos equidistante de Fortaleza, Recife, Natal e Salvador. Com a Base em nossas mãos, seria fácil aos camaradas que quisessem aderir, com seus aviões B-25, as ‘Fortalezas Voadoras’ do Nordeste, e os ‘Ventura’ de Salvador, principalmente, voar diretamente ao Cachimbo e ali lutar pela causa. Chamaríamos, também, as atenções da Nação para aquele ponto e para o Amazonas, e isto poderia facilitar o levante no Sul. Achávamos que alguém começando a Revolução, ela se alastraria naturalmente”.

Os amotinados procurando ampliar sua área de influência ocuparam e dominaram, depois da Base Aérea de Cachimbo, a Base Aérea de Jacaré-Acanga (Cabeça de Jacaré). Desde a decolagem do campo dos Afonsos todos os aeroportos do país tinham recebido o sinal de alerta e tão logo foi conhecida sua posição dos insurgentes partiu um “Douglas” comandado pelo Major Paulo Vitor com a missão de aprisionar os rebeldes. A tripulação, tão logo pousou em Jacaré-Acanga foi aprisionada enquanto o Comandante Paulo Vitor aderiu ao movimento.

Veloso dando continuidade à estratégia de ampliação da área convulsionada parte o “Beechcraft” reforçado pelo “Douglas” para a Base de Santarém que foi ocupada sem resistência. Enquanto Lameirão providenciava a interdição da pista, Veloso assumiu o comando da força policial santarena, interditou o telégrafo, e neutralizou as comunicações das estações de rádio e das companhias aéreas retirando-lhes os cristais dos equipamentos. Fechou o “Tiro de Guerra 190” e convocou alguns atiradores para o serviço de patrulhamento e vigia. Concluídas as medidas preliminares e mais urgentes, Veloso se dirigiu à população fazendo uso do serviço de auto-falantes do Partido Social Democrático (PSD), e comunicou que a cidade estava sob controle pacífico da Força Aérea e que a população podia continuar com seus afazeres diários sem qualquer temor. No trapiche do Instituto Agronômico do Norte, Bairro da Prainha, foi montado um Posto de Vigilância com a missão de revistar as embarcações. Os revolucionários achavam que a repercussão com a tomada de Santarém provocaria a adesão de outros oficiais, ampliando o movimento, mas não foi o que aconteceu.

“Combate em Santarém!”
“Luta-se encarniçadamente na Pérola do Tapajós! Já sobem a milhares os mortos e feridos na Revolta de Jacaré-Acanga!”

No sul do país as rádios alardeavam notícias fantásticas e exageradas, enquanto em Santarém as “Fortalezas Voadoras” sobrevoavam a cidade despejando folhetos conclamando a população a se afastar dos insurretos. Na tarde de 22 de fevereiro de 1956, Lameirão sobrevoando o Amazonas no “Beechcraft”, avistou uma embarcação que confundiu com o “Presidente Vargas” de transporte de tropas, na verdade era o “Lobo D’Almada”, que conduzia centenas de civis. Lameirão muito nervoso, tão logo pousou, foi relatar a Veloso a necessidade de bombardeá-lo que preferiu outra alternativa realizando uma retirada estratégica que, certamente, poupou a vida de centenas de inocentes. Às dezenove horas, deste mesmo dia, partiram para a Base de Jacaré-Acanga levando armas, munições e 25 homens que julgavam serem fiéis ao Movimento.

Dias depois, chegava a Santarém o “Presidente Vargas” com um contingente de 300 homens do Exército, comandados pelo Coronel Hugo Delayte, e um contingente de pára-quedistas militares, comandados pelo Coronel Santa Rosa, o aeroporto foi liberado permitindo o pouso de diversas aeronaves militares.

“Enquanto decorriam as operações aéreas de reconhecimento do campo inimigo, as tropas vindas pelo ‘Presidente Vargas’ iniciavam sua subida pelo Tapajós, sob o comando do Coronel Hugo Delayte. Viajavam em barcaças. (...) Sucedeu, porém um imprevisto: Veloso queria apanhar gasolina em Itaituba. Chegou a São Luís (fronteira àquela cidade) numa embarcação com 12 homens. Dessa localidade enviou dois espiões a Itaituba para averiguarem se a praça estava desguarnecida. Acontece que lá estava a tropa do Coronel Delayte. Os dois espiões denunciaram o Plano de Veloso. Fizeram mais: conduziram Delayte e seus soldados a São Luís e indicaram a casa onde Veloso estava escondido. Ocorreu, então, o único choque armado entre rebeldes e legalistas. Veloso escapuliu pelo mato, mas no chão ficou estendido um homem: Cazuza, que Veloso, dias antes, em Santarém, em tom de pilhéria, promovera a cabo. (...) Cazuza se transformaria na única vítima da ‘Guerra’ do Tapajós”. (Arlindo Silva – Revista O Cruzeiro)

No dia 28, às 17 horas, Veloso, desarmado, foi aprisionado sem oferecer resistência em uma casa de São Luís. Levado para Itaituba foi transportado em um “Beech 1512” na companhia do comandante da “Operação Tapajós” – Brigadeiro Alves Cabral e escoltado pelo Major-aviador Celso Neves. Enquanto isso o Major Paulo Vitor, o Capitão Lameirão, e o Sargento João Gunther fugiam no “Douglas” para a Bolívia onde aterrizaram na noite de 29 de fevereiro no aeroporto de Santa Cruz de La Sierra.

Fonte: SANTOS, Paulo Rodrigues dos. Tupaiulândia. ICBS/ACN. Santarém, PA: Gráfica e Editora Tiagão, 1999.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br