"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, maio 26, 2012

Breve Comentário

Porto Alegre nesse final de semana dá dois gigantescos contributos para a ampliação da democracia nacional, do engajamento para solução de problemas de grande cunho social e finalmente, dá grande visibilidade a problemas que permitirão às classes sociais menos favorecidas terem acesso e voz para lutarem por melhores condições de vida.

Que contributos? Bom, hoje ocorreu a “marcha pela maconha” e amanhã ocorrerá a “marcha das vadias”,

Provavelmente tais marchas ficarão lotadas de participantes, em contraponto a todas marchas que se tentaram fazer contra a corrupção e que tiveram um público minguado.

Isso é que preocupação de fundo social….

quinta-feira, maio 24, 2012

Breve Comentário

Em 14 de fevereiro do corrente ano, o governador da Bahia Jaques Wagner, pediu ao presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT), para colocar em votação o projeto que reduz o piso nacional dos professores. Outros governadores também solicitaram o mesmo. 
Creio que o problema reside no fato de um governador oriundo de um partido que sempre defendeu o direito de greve estar contra o piso e contra a atual greve dos professores que assola a Bahia.
Imaginei estar ouvindo coisas quando a Band News noticiou que Jaques Wagner havia dito que os professores estariam se utilizando dos alunos. Essa foi demais. 
O Estado não tem dinheiro para dar reajustes aos professores, mas as obras da copa saem? Muito bem, mas um belo exemplo de democracia que esses senhores que tanto lutam pela Comissão da Verdade, e que se dizem valorizadores da educação como processo de superação da pobreza estão dando.

Eike Batista, um superpai?

O comportamento do pai de Thor nos leva a refletir sobre o que é a paternidade em nossa época

ELIANE BRUM

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)
 



Na noite de sábado, 17/3, Thor Batista, 20 anos, atropelou Wanderson Pereira dos Santos, 30 anos, na rodovia Washington Luís, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Wanderson morreu na hora. De imediato, Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, passou a defender o filho de todas as maneiras – e também no microblog twitter. Com tanta veemência que o humorista Tutty Vasques comentou em sua coluna no Estadão, de 21/3: “Não satisfeito com o lugar de destaque que ocupa na mídia como o homem mais rico do Brasil, o insaciável Eike Batista tem se esforçado um bocado para virar capa de revista como o Pai do Ano em 2012”. A observação é aguda, como costuma ser o humor de qualidade. E é algo que vale a pena pensar: ao defender o filho com os melhores advogados, com assessores de imprensa e com seu próprio discurso público, Eike Batista é mesmo um superpai? O que se espera hoje de um pai, afinal?
Ainda que a maioria tenha acompanhado o noticiário, é importante recordar os principais capítulos e seus protagonistas, antes de seguirmos adiante. Assim como é importante fazer algumas perguntas óbvias sobre a investigação. 
Thor é o mais próximo de um príncipe herdeiro que o Brasil atual pode ter: filho do homem mais rico do Brasil e da eterna musa do Carnaval. Como disse Eike Batista (@eikebatista) no twitter: “A mídia e todos vão já já perceber que o Rio tem um Príncipe Harry! O Thor”. Wanderson era ajudante de caminhoneiro e filho de criação de Maria Vicentina Pereira. Thor foi batizado com o nome de um deus nórdico. Ninguém se preocupou em perguntar qual é a origem do nome de Wanderson na mitologia familiar, mas com certeza existe uma história, sempre existe. Thor dirigia um Mercedes SLR McLaren, o mesmo que costumava ser exibido como obra de arte na sala da mansão de sua família. Wanderson, uma bicicleta. Na BR-040, Thor e Wanderson encontraram-se não apenas como dois brasileiros, mas como dois Brasis que raramente se encontrariam de outro modo.
A vontade de condenar Thor, em um país tão desigual como o nosso, sempre pródigo em presentear os mais ricos com a impunidade, é imediata. É necessário, porém, resistir a ela. Ninguém pode ser condenado sem julgamento, sob hipótese alguma. Da mesma forma, pelos mesmos critérios e também pela sobriedade que a morte de uma pessoa exige, Eike Batista deveria ter resistido a condenar Wanderson. 
Em suas afirmações na imprensa e no twitter, o pai de Thor apressou-se em culpar o morto pela própria morte. E afirmou que Wanderson poderia ter matado não só a si mesmo, como também seu filho e o amigo que o acompanhava – o que é altamente improvável. Segundo pesquisa citada pela jornalista Maria Paola de Salvo, no Blog do Sakamoto, apenas 0,3% dos motoristas envolvidos em atropelamento com vítima fatal morrem.
Enquanto as investigações não forem concluídas, nenhum de nós – e muito menos Eike – tem o direito de condenar alguém. Até agora, ninguém – nem mesmo Eike – pode afirmar se a morte de Wanderson foi fatalidade ou homicídio. Até agora, ninguém – nem mesmo Eike – pode declarar se a morte de Wanderson é responsabilidade exclusiva da vítima, é responsabilidade exclusiva de Thor ou é responsabilidade de ambos.
Infelizmente para todos, já pairam dúvidas sobre as investigações. É difícil entender, por exemplo, por que um carro envolvido em uma morte está na casa de Thor, o investigado – e não nas dependências da polícia. Depois da perícia feita no local, o carro foi liberado. As demais diligências seriam feitas na mansão do Jardim Botânico. “No dia seguinte, meu advogado me informou que havia sido feita a perícia do carro no local do acidente, e que o carro teria sido liberado pela PRF para que pudéssemos trazê-lo para casa, garantindo deixá-lo intacto”, afirmou Thor.
Segundo o próprio Thor relata na conta no twitter que criou para dar sua versão dos fatos, ele primeiro foi para casa, onde seria atendido pelo médico da família, e só depois, por iniciativa própria, foi a um posto da Polícia Rodoviária Federal próximo ao local do acidente para se submeter ao bafômetro e demais procedimentos exigidos em um caso de atropelamento com vítima fatal. O exame deu negativo para a presença de álcool, ao contrário do resultado de Wanderson, que revelou um índice elevado de álcool no sangue.
Se Thor não fugiu do local – o que não é um ato louvável, como seu pai quer convencer a opinião pública que é, mas uma obrigação –, por que a polícia não fez o que devia fazer, na hora em que devia fazer, por sua própria iniciativa? A conta de Thor no twitter é esta: @Thor631. Nela, é narrada sua versão da cronologia dos fatos. Pensado para defendê-lo e escrito com método, o relato revela mais do que gostaria. 
É uma pena que as partes nebulosas darão, mais uma vez, algum grau de legitimidade às dúvidas sobre a lisura do inquérito policial, mesmo depois da sua conclusão – ou de seu arquivamento. Para o futuro em aberto de Thor, pelo futuro interrompido de Wanderson e para o Brasil, um país partido pela impunidade dos poderosos, seria fundamental que a polícia e o Estado demonstrassem total correção e transparência ao investigar uma morte que envolve o filho do homem mais rico da nação.
A condenação prévia de Thor nas redes sociais e nas conversas de bar deve-se não apenas à raiva que parte da população teria dos ricos e poderosos, ou à tendência de se colocar ao lado dos mais fracos, mas também à percepção legítima de que os atos criminosos dos ricos e poderosos permanecem impunes. A pressa em acusar e condenar Thor não demonstra apenas histeria ou irresponsabilidade das “massas”, ou mesmo “inveja”, como chegou a ser dito, mas a ansiedade de fazer uma justiça que temem, com todas as razões históricas e objetivas para isso, que não seja feita por quem tem o dever constitucional de fazê-la. Seria, nesse sentido, uma espécie de antecipação e compensação pela justiça que não acreditam que aconteça. E aqui me limito a analisar o fenômeno – e não a defendê-lo.
Quem é Thor, o filho de Eike Batista? Seu perfil é fascinante e quase obrigatório para compreender o Brasil atual. Basta procurar no Google para encontrar pelo menos uma matéria exemplar sobre sua vida, seus hábitos e seus pensamentos. Aqui, vou me deter apenas em quem é Thor como motorista. Em seu prontuário no Detran constam 51 pontos e 11 multas, parte delas causada por excesso de velocidade. Thor deveria ter perdido a carteira de habilitação por isso, mas não a perdeu. Se a tivesse perdido, como determina a lei, talvez não estivesse dirigindo na noite daquele sábado, e Wanderson possivelmente não estaria morto. Thor ama carros, velocidade e potência. Como declarou em uma entrevista  anterior ao acidente, ele já teve um Aston Martin: “Trouxe de São Paulo e fiz 280 quilômetros por hora na Dutra”.  

Segundo o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, em 27 de maio de 2011, a bordo de um Audi placa EBX 0001, Thor atropelou um homem de 86 anos, também em uma bicicleta, na Barra da Tijuca, no Rio. Thor prestou socorro, e sua família pagou todas as despesas médicas. A vítima fraturou o acetábulo (parte da bacia onde a cabeça do fêmur se encaixa) e teve de colocar duas placas e cinco parafusos, além de se submeter à fisioterapia, à hidroterapia e a sessões com psicólogo para superar o trauma. Em entrevista à coluna de Ancelmo Gois, um dos filhos da vítima afirmou não ter registrado queixa nem pedido indenização: “Estávamos preocupados em salvar nosso pai, que também não queria confusão”.
No dia seguinte à publicação, a vítima, José Griner, hoje com 87 anos, manifestou-se através de uma nota na qual afirma que nem ele nem Thor tiveram culpa: “Houve uma colisão que envolveu a lateral do carro dele e a roda dianteira da minha bicicleta”. Disse mais: “Ele agiu com lisura e deu suporte à minha recuperação”. Que tudo isso nos faz pensar na excelência do “gerenciamento de crise”, faz. Mas o que podemos afirmar é que, em menos de um ano, Thor exibe uma estatística incomum como motorista: atropelou dois ciclistas. Um sobreviveu, o outro não.
Qual é o papel de um pai em um momento crucial como este? Não há resposta fácil para isso, mas há muitas perguntas que podem ser feitas. E essas perguntas são pertinentes porque a defesa imediata e veemente que Eike Batista fez publicamente do filho ilustram bem o que hoje se acredita ser o papel de um pai. 
Um pai – ou um superpai – seria aquele que defende o filho contra tudo e contra todos, tenha ele ou não razão – e mesmo que ele já tenha 20 anos e seja moral e legalmente responsável por seus atos. Um pai – ou um superpai – afirma a inocência do filho e usa todos os recursos para convencer a opinião pública dela, mesmo que ele não possa garanti-la, já que ninguém ainda pode. Um pai – ou um superpai – usará todos os meios de que dispõe para impedir que o filho seja punido, mesmo se for provado que ele merece a punição.  
Pelo comportamento público de Eike Batista, me parece que ele acredita com sinceridade que esta é a função de um bom pai – ou mesmo de um superpai, já que, pelo que tem demonstrado em sua trajetória de vida, ele não aceitaria nada menos do que ser um supertudo. No twitter, ele assim definiu seu desempenho: “Vou defender como um Leão! Tenho certeza que todo Pai que ama seu Filho faria o mesmo!”. É interessante observar as palavras escolhidas por ele para colocar em maiúsculas.
O cotidiano mostra que Eike Batista está longe de estar sozinho em sua crença sobre a educação de um filho – e a postura de um pai. Tenho certeza de que muitos leitores aqui compartilham da visão de Eike sobre a paternidade e acham sua defesa e suas ações dignas dos maiores elogios – e fariam o mesmo pelos seus filhos se tivessem a infelicidade de se encontrar em situação semelhante. Esses mesmos leitores afirmariam que isso é prova de amor verdadeiro – que só um superpai pode dar.
Será?
Tenho dúvidas. E me arrisco a discordar não só como mãe, mas como cidadã que tem de conviver com os filhos desses pais em todas as esferas da sociedade. Já havia me surpreendido com a atitude da mãe do menino que, em fevereiro, atropelou e matou com um jet ski Grazielly Lames, de 3 anos, que construía castelos de areia na praia de Bertioga, no litoral paulista. Segundo o advogado da família, o adolescente de 13 anos correu para a casa em que estavam hospedados em busca de orientação da mãe. Em vez de voltar e prestar socorro, junto com o filho menor de idade, dando o exemplo do que uma pessoa decente deve fazer, a mãe preferiu fugir com o garoto. A tese da defesa é a de que o adolescente não dirigia o jet ski, “apenas” o ligara. Ou seja, o menino não teria nenhuma responsabilidade e, se tudo der certo do ponto de vista do que os pais  desse menino entendem por dar certo, seu filho não será punido pelo fim da vida de uma criança.
Os casos guardam diferenças. Mas também semelhanças. Tanto para a mãe do adolescente do jet ski, quanto para o pai de Thor, a proteção de filhos que podem ser responsáveis pelo fim de uma vida parece ser uma preocupação acima de todas as outras. Ambos já decretaram previamente a inocência dos respectivos filhos antes que ela fosse provada. Pode ser que a inocência seja mesmo provada, em um ou em ambos os casos, mas nenhum deles poderia tê-la garantido antes de a investigação ser concluída.
Vivemos numa época em que se acredita que, ao dar limite para um filho, estamos comprometendo seu projeto de felicidade. E o que é entendido como felicidade? Ter tudo, ter gozo ilimitado. Qualquer imprevisto nesse percurso deve ser apagado, custe o que custar, para não virar trauma – e, assim, comprometer o futuro do filho, que deve passar pela vida sem ser marcado pela vida. Deve fazer marca na história, mas não ser marcado por ela. Neste cálculo, não são admitidos erros, covardias, irresponsabilidades, deslizes, excessos.... máculas.
Na biografia futura de Thor Batista, que, como seu pai já disse, espera-se que supere a sua em feitos, as máculas devem ser apagadas. Se existirem máculas, é necessário “ligar o dispositivo de administração de crise” – e eliminá-las da linha do tempo. Se alguém errou, foi sempre o outro. Para ter certeza disso não é preciso nem apurar os fatos: o filho de um superpai é automática e previamente inocente. E não acho que essa mentalidade pertence apenas aos mais ricos, apenas que eles têm recursos para garantir essa inocência – e os mais pobres, raramente.
É legítimo fazer algumas perguntas – que podem ser propostas tanto para Eike Batista como para nós mesmos. Se seu filho já atropelou uma pessoa, será que o melhor é emprestar a ele um dos carros mais velozes do mundo? Se seu filho tem 11 multas e 51 pontos na carteira de habilitação, será que você deveria permitir que ele dirigisse o seu carro, mesmo que o Detran não tenha cumprido seu dever e suspendido a licença? Se seu filho atropelou alguém e essa pessoa morreu, não seria o caso de silenciar até que os fatos fossem esclarecidos, ainda que fosse por respeito à enormidade do que é a morte de um ser humano? O que cada um de nós faria nessa situação? E por quê? 
Acho que é uma situação muito dura para qualquer pai – ou mãe. É duro dizer a um filho que ele errou. Em qualquer escala – e muito mais em uma escala dessa envergadura. É duríssimo. Mas é necessário. Não é fácil ser pai ou mãe exatamente porque a educação se dá nas escolhas difíceis. Educar é, em grande parte, ensinar aos filhos que eles são responsáveis pelos seus atos, dos mais simples aos mais complexos – e devem responder por eles. Mesmo que tudo o que gostaríamos, como pais amorosos, fosse voltar no tempo e apagar o passado.
Penso que um pai ou uma mãe deve se colocar ao lado do filho não para absolvê-lo, mas para apoiá-lo enquanto ele assume as consequências dos seus atos. Você errou, vai responder por seus erros, e eu vou estar ao seu lado. Ou: não sabemos se você errou, então vamos aguardar a apuração dos fatos. Se for concluído que você não errou, ótimo, mas mesmo assim uma pessoa morreu e é preciso lidar com essa tragédia. Ou: se for concluído que você errou, você vai responder pelos seus erros como a lei determina e um cidadão decente deve fazer, e eu vou ajudá-lo a seguir em frente apesar e a partir disso, aprendendo com a tragédia e não a esquecendo.
A revolta da opinião pública levou a muitas ironias – entre elas, as com o nome de Thor, o deus nórdico do trovão. Eike Batista seria uma versão contemporânea de Odin, o pai de Thor na mitologia, já que em nossa época é o dinheiro que concede algo próximo a uma divindade terrena. Nesse sentido, é curioso lembrar que nas histórias em quadrinhos inspiradas na mitologia nórdica, Odin expulsou Thor de Asgard. Thor, então um jovem arrogante e impulsivo, em uma de suas aventuras adolescentes invadira o reino dos gigantes de gelo, rompendo o tratado selado por Odin. A honra do pai e sua autoridade entre os deuses dependiam de punir exemplarmente o filho, que com suas ações havia prejudicado a todos e comprometido a segurança de Asgard.
Thor foi enviado para a Terra – um exílio que significava punição e aprendizado. Ao expulsar Thor, Odin disse a ele: “Tu és o filho favorito de Odin! Além de valente e nobre, tua alma é imaculada! Mas ainda assim és incompleto! Não tens humildade! Para consegui-la deverás conhecer a fraqueza… sentir dor! E para isso necessitas deixar o Reino Dourado e despir-te de tua aparência divina! A Terra, lá aprenderás que ninguém pode ser verdadeiramente forte se, em realidade, não for humilde! Por  um tempo não mais serás o Deus do Trovão! A tua memória também tirarei! Agora, vai! Uma nova vida te espera!". Thor transformou-se então em um mortal chamado Donald Blake, médico talentoso mas manco. Até que aprendesse o dom da humildade e estivesse apto a cumprir seu destino.
Por que vale a pena lembrar esse episódio? Porque este é o Thor de Stan Lee, o grande criador da Marvel Comics. E Stan Lee é um homem nascido em 1922, que criou o seu deus do trovão no início da década de 60. Ao tecer o enredo, Lee revela a mentalidade da sua época. E nos mostra como a paternidade – e o que se compreendia como amor e como obrigação de um pai – já foi diferente. Nos lembra, portanto, que a construção da paternidade é cultural. E, portanto, mutante.
Acredito valer a pena pensar sobre o que é ser pai hoje. E que tipo de consequências essa ideia de paternidade, tão bem ilustrada na relação de Eike Batista com seu Thor da vida real, acarreta para a sociedade como um todo. Este episódio nos leva a várias vertentes de reflexão – e uma das mais interessantes é a nossa relação com os limites na educação de um filho.
Tenho muito cuidado em tocar em assuntos que envolvem tanta dor. Acho que testemunhar a morte de um ser humano – sendo ou não responsável por ela – é uma experiência devastadora, que deixa marcas profundas, para além da punição legal. Mesmo atropelar um homem de 80 anos e machucá-lo deve ser terrível. Não sei como é estar na pele de Thor. Tentei descobrir pelo twitter como ele se sentia em sua humanidade.
Primeiro, percebi que Thor estava mais preocupado em garantir sua inocência, provar a culpa do morto e nos convencer da correção de seus atos, assegurando também o apoio material à família da vítima. Depois, na sexta-feira, 23/3, descobri que já tinha mudado de assunto. Thor estava dando a fãs no twitter o que chamou de “dica de endocrinologia do dia”: “Eu recomendo o uso da cabergolina (Dostinex) para baixar a prolactina. Comece com 0,25 mg por semana, por 4 semanas, e dose no sangue”, é um dos tuites. Na sexta-feira, copiei toda a página, como material de pesquisa para esta coluna. Pouco antes de publicá-la, voltei a entrar na sua conta de twitter e constatei que o post reproduzido acima havia sido apagado. Os demais permanecem lá.
Depois de prescrever uma receita que só um médico poderia, sugerindo inclusive a dose, para seus milhares de seguidores, imagino que alguém o tenha alertado que a postagem era irresponsável e indevida. Thor então escreveu: “Meus comentários sobre endocrinologia são inúteis. Não sou médico, não posso recomendar nada. Apenas gosto de botar para fora conhecimento”.
Em todo o episódio – trágico de várias maneiras, e de algumas outras que ainda vamos testemunhar – me chamou a atenção – positivamente – o silêncio de Luma de Oliveira, a mãe de Thor. Justamente ela, a celebridade, a ex-modelo, a musa do Carnaval, aquela que tudo expôs de si mesma. Procurada por repórteres, Luma pouco falou. Disse ao jornal O Globo, na sexta-feira 23/3: “Este não é o momento de dar entrevista. É o momento de sentimentos, de solidariedade”. Posso estar sendo ingênua, e a sobriedade de Luma seja apenas mais um cálculo, mas penso que a mãe de Thor estava sendo sincera.
Thor afirmou no twitter: “A frase que mais admiro é ‘The truth sets you free’. Author: Jesus”. Imagino que a original tenha sido pronunciada em aramaico, mas a tradução da frase postada por Thor seria: “A verdade vos liberta”. É possível. Mas talvez pai e filho um dia descubram, ainda que em seus pesadelos noturnos, naqueles que não se pode controlar mesmo sendo um superpai ou um superfilho, que a verdade é uma criatura complexa e que pode levar a territórios imprevisíveis. Ela pode libertar, sim – mas dificilmente sem dor. E dificilmente sem um profundo e corajoso olhar para dentro.

The War on Democracy

É um documentário do ano 2007 dirigido por Christopher Martin e John Pilger.
O documentário se centra na intromissão dos EUA nos assuntos políticos da América Latina, grande parte da temática se desenvolve ao redor da figura de Hugo Chávez na Venezuela.
Igualmente se descreve a participação da CIA nos golpes de estado contra Jacobo Arbenz na Guatemala e Salvador Allende no Chile.
Também se aborda o tema da situação econômica no Chile depois da ditadura de Augusto Pinochet e a ascensão de Evo Morales na Bolívia.
Publico aqui uma das partes do filme. Mais uma vez, podemos mostrar a bela democracia tão defendida por aqueles que também acreditam em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa.


terça-feira, maio 22, 2012

Forças Armadas dos EUA usam peças falsificadas da China - Certamente com o apoio do governo chinês

blogdaunr.blogspot.com.br - 22 maio 2012

Mais de 1 milhão de peças 'made in China' foram encontradas em equipamentos militares estratégicos por comitê do Senado americano

Peças ‘made in China’ são usadas nas Forças Armadas dos EUA
Um relatório do Comitê das Forças Armadas do Senado americano divulgado nesta segunda-feira descobriu que há um vasto uso de peças eletrônicas falsificadas no armamento militar do país. As peças, além de trazerem riscos à segurança, também trazem prejuízo para o governo americano.
A investigação de um ano e dois meses traz à tona a descoberta de 1.800 casos de componentes falsos em aeronaves militares americanas. Nesses casos havia mais de um milhão de peças falsificadas, dos quais 70% seriam provenientes da China. Depois da China, o Reino Unido e o Canadá são os maiores fornecedores de peças falsificadas para as Forças Armadas dos Estados Unidos.
De acordo com o documento, os militares americanos dependem de vários “componentes eletrônicos, pequenos e incrivelmente sofisticados”, como equipamentos de visão noturna, rádios e GPS, que, se sofrerem com a falha de uma única parte, podem colocar a vida dos soldados em risco.
Além de criticar a fragilidade da cadeia de suprimentos dos EUA um programa nacional que deveria identificar suspeitas de peças falsificadas foi descrito como “tristemente deficiente” —, os senadores criticam o fracasso chinês em conter o seu vasto mercado de produtos falsificados, que são exportados para todo o mundo. — Nosso relatório descreve como esse fluxo de peças falsificadas, predominantemente da China, ameaça a segurança nacional, a segurança de nossos soldados e os empregos americanos — afirmou à CNN o senador Carl Levin, presidente do Comitê.
Durante as investigações, o governo chinês se recusou a dar vistos para uma equipe do comitê do Senado que queria visitar o país. O comitê criticou Pequim por não fechar fábricas de produtos falsificados. “Peças eletrônicas falsificadas são vendidas abertamente em mercados públicos na China. Em vez de reconhecer o problema e agir agressivamente para acabar com os falsificadores, o governo chinês tem tentado evitar o escrutínio”, afirma o relatório de mais de 100 páginas. Entre os equipamentos onde foram usados as peças falsificadas chinesas estão helicópteros da Marinha, caças e aviões de carga, que foram analisados mais a fundo pelos senadores americanos.
Apesar de o inquérito só ter sido divulgado agora, o senado americano não esperou para agir contra os efeitos das peças “made in China”: uma emenda à lei de Autorização da Defesa Nacional foi proposta e aceita. A ideia é atingir a fragilidade da cadeia de abastecimento da defesa americana e promover a adoção de agressivas práticas para evitar o uso de peças falsificadas no setor.
A emenda foi assinada pelo presidente Barack Obama em 31 de dezembro de 2011. Parte da lei determina que, quando o contratante encontrar peças ruins em um sistema, ou ele ou o fornecedor pagarão para resolver o problema. Antes, esse custo era pago pelo Departamento de Defesa.

segunda-feira, maio 21, 2012

O Legislativo Precisa RETIFICAR a Demarcação da TIRSS (Terra Indígena Raposa E Serra do Sol)

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 19 de maio de 2012.

A política indigenista está dissociada da história brasileira e tem de ser revista urgentemente. Não sou contra os órgãos do setor. Quero me associar para rever uma política que não deu certo; é só ir lá para ver que é lamentável, para não dizer caótica. (General de Exército Augusto Heleno Ribeiro Pereira)

O Legislativo Brasileiro tem hoje, na PEC 215/2000, a arma que precisava para que se restabeleça a soberania em nossas áreas de fronteira. A aprovação da PEC 215 é um marco na política nacional e internacional, um divisor de águas entre o entreguismo que perdurou por mais de três décadas e a volta, ainda que tardia, do nacionalismo.

-  Um projeto de Soberania

D. Sebastião, o desejado, rei de Portugal e o último da dinastia dos Avis, cresceu com a plena convicção de que Deus o criara para grandes feitos. Ao enfrentar os mouros, em número significativamente superior, na batalha de Alcácer Quibir, evidenciou nas suas ações achar que o “Milagre de Ourique” repetir-se-ia, afinal a Batalha de Ourique foi um episódio simbólico para a monarquia portuguesa. Graças a ela, D. Afonso Henriques foi aclamado rei de Portugal, em 25 de julho de 1139.

Conta a lenda que no campo de Ourique, haviam se defrontado o exército cristão e os cinco reis mouros de Sevilha, Badajoz, Elvas, Évora e Beja e os seus guerreiros, que ocupavam o Sul da península. Antes da batalha, D. Afonso foi surpreendido por um raio de luz que progressivamente iluminou tudo em seu redor, deixando-o distinguir aos poucos o Sinal da Cruz e Jesus Cristo crucificado.

O rei, emocionado, ajoelhou-se e ouviu a voz do Senhor que lhe garantiu a vitória naquela batalha e nas vindouras por intermédio dele e de seus descendentes. Cristo teria afirmado, ainda, que o nome de D. Afonso seria reverenciado nas nações mais longínquas. D. Afonso Henriques voltou confiante para o acampamento e, no dia seguinte, diante da coragem dos portugueses, os mouros fugiram, sendo perseguidos e completamente dizimados.

Para desespero de D. Sebastião e de seus combatentes, o milagre não se repetiu e a sua morte precipitou uma série de acontecimentos que culminaram com a unificação das coroas de Espanha e Portugal sob a autoridade da Espanha ficando, o período, conhecido como União Ibérica. O período, que durou 60 anos (1580-1640), permitiu que os espanhóis estendessem seus domínios no Pacífico em regiões reconhecidamente portuguesas.

Os portugueses, por sua vez, ampliaram sua área de influência na América, e a Amazônia foi sendo conquistada pelos portugueses nos seus mais longínquos rincões, graças à instalação de fortificações e criação de pequenos povoados lusitanos. Quando da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, os espanhóis, acatando os argumentos de Alexandre de Gusmão, o “Uti Possidetis”, reconhecem a soberania portuguesa sobre a região.

As questões mais importantes de fronteiras pós-Madri foram as questões do Acre, contestado Franco-Brasileiro no Amapá, e do Pirara, em Roraima. Nas duas primeiras, cujas questões foram favoráveis ao Brasil, devemos reverenciar a ação de dois grandes brasileiros: José Plácido de Castro, gaúcho de São Gabriel, e de Joaquim Caetano da Silva, gaúcho de Jaguarão. Outras questões oriundas de criminosas demarcações, seguramente virão, no futuro, comprovar que a história pode se repetir.

- Questão do Pirara

Vamos nos reportar ao passado para entender como funcionam os maquiavélicos estrategistas estrangeiros. A questão do Pirara é emblemática. Os ingleses levaram quase sete décadas para fincarem suas garras na região. Na Questão do Pirara, com a Inglaterra, vimos como são capazes de usar a diplomacia e cooptar as populações indígenas para alcançar seus intentos.

“O conhecimento da História nos permite elaborar uma doutrina que nos capacite enfrentar com sucesso os desafios do presente e, seguramente também, as pelejas que nos aguardam no futuro”. (Hiram Reis e Silva)

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo relata que:

o governo inglês contratou um súdito alémão, homem de ciência, geógrafo e naturalista, para realizar pesquisas na Guiana Inglesa e em terras brasileiras. O gabinete do Lord Palmerston solicitou ao nosso Ministro Plenipotenciário, em Londres, um passaporte diplomático para esse “cientista” e assim se exprimiu, dirigindo-se ao Ministro brasileiro:

Lord Palmerston apresenta cumprimentos ao Sr. Galvão e tem a honra de informá-lo de que Mr. Robert Hermann Schomburgk, que se acha agora em viagem na Guiana Britânica, em comissão para a Royal Geografic Society, vai proceder ao exame da serra que forma a divisão de águas das Bacias do Amazonas e do Essequibo, tendo provavelmente para esse fim, necessidade de atravessar a fronteira brasileira. Lord Palmerston pede ao Sr. Galvão um passaporte para Mr. Schomburk e, ao mesmo tempo, que o Senhor Galvão tenha a bondade de promover as precisas ordens no Pará ao Comandante da Fortaleza de São Joaquim, próximo das cabeceiras do Rio Branco, para autorizar Mr. Schomburk a continuar suas explorações nessa região. Como o objetivo de Mr. Schomburk é “meramente” fazer descobertas geográficas no território inexplorado que forma a fronteira dos domínios britânicos e brasileiros na América do Sul, Lord Palmerston acredita que, da parte do Senhor Galvão, não haverá objeção alguma a este pedido.

Robert Schomburgk, em 1835, chegou até o forte São Joaquim, no centro do vale do Rio Branco, onde foi recebido com cortesia, sem que os portugueses desconfiassem de suas reais intenções. Schomburgk regressou a Londres mas, em 1837, retornou à Guiana e continuou seus “estudos geográficos”. Em seus relatórios a Londres, Schomburgk relatava que a presença militar brasileira na região era quase inexistente. Sugeriu que a Inglaterra ocupasse esses espaços “vazios”, mandando demarcá-los para os domínios de sua majestade inglesa até ocupá-los em caráter permanente.

Em 1838, o reverendo inglês Thomas Yovel criou uma missão no Pirara, com a intenção de atrair e aliciar os índios macuxis e permaneceu em atividade durante 8 meses até ser expulso pelo Capitão Leal, comandante do Forte de São Joaquim. Os ingleses reagiram determinando que a Missão Schoburgk demarcasse a fronteira com o Brasil. Na região do Pirara atuava um missionário brasileiro, que foi intimado, por um oficial inglês, a evacuar a área. E o território brasileiro foi ocupado por tribos independentes (macuxis).

O resultado final deste engodo britânico foi submetido ao arbitramento parcial do incompetente Rei Dom Vitório Emanuel, da Itália. Joaquim Nabuco defendeu as propostas brasileiras mostrando a supremacia brasileira na região. Sua obra sobre o Rio Branco, e seus formadores e afluentes e especialmente sobre esta questão da fronteira entre Brasil e Inglaterra é extensa e minuciosa. São diversos volumes que impressionam em relação ao conteúdo e aos argumentos. Mas, apesar dos esforços da diplomacia brasileira através de Joaquim Nabuco, do Barão do Rio Branco e do governo do Pará, através de Antônio Ladislau Monteiro Baena, em junho de 1904, sua Majestade o Rei D. Vitorio deu a palavra final, retirando 19.630 km² do território brasileiro, pertencente ao atual Estado de Roraima, e entregou-os à Inglaterra.

- Questão Ianomâmi

Embora a época, o cenário e os agentes sejam outros, processo similar teve início em 1957 com a entrada de “missionários” na região Ianomâmi.

Nenhum dos grandes cientistas e exploradores anônimos que cruzaram os vales do Uraricoera e Orenoco contataram índios com nome “Ianomâmi”. Em seu estudo “Índios do Brasil”, o maior e mais respeitado indigenista brasileiro, Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, jamais fez qualquer alusão aos “Ianomâmi” dentre as tribos levantadas na região.

A nação Ianomâmi é absolutamente forjada. São quatro grupos distintos, linguistica e etnicamente e, por vezes, hostis entre eles. A criação dos ianomâmis foi uma manobra muito bem conduzida pela WWF (Worldwide Fund for Nature) com a criação do Parque Ianomâmi para, certamente, criar uma nação que se separe do Brasil. O Parque Ianomâmi é uma região do tamanho de Portugal, ou de Santa Catarina onde, segundo afirmação da FUNAI, há 10 mil índios. A Força Aérea, que andou levando o pessoal para vacinação, viu que os índios não passam de 3 mil. Ainda que fossem 10 mil, há motivo para se deixar a área mais rica do país virtualmente interditada ao Brasil? O esforço deveria ser no sentido de integrá-los na comunidade nacional. Nenhuma epidemia vai deixar de atingir índios isolados. A única salvação, nesse caso, é a ciência médica. (Gélio Fregapani)

O livro de autoria do Coronel Carlos Alberto Menna Barreto, “A Farsa Ianomâmi”, denuncia a inexistência de tribo indígena com a denominação “Ianomâmi”. O Coronel Menna Barreto, já falecido, comandou o 2º Batalhão Especial de Fronteira/Comando de Fronteira de Roraima, em Boa Vista, no período de 1969 a 1971 e foi secretário de Segurança Pública do atual Estado de Roraima, de 1985 a 1988, adquirindo um conhecimento e uma vivência importante nos temas relativos àquela região. Menna Barreto é taxativo na sua obra:

É preciso ficar claro antes de tudo que os índios supostamente encontrados por Cláudia Andujar são os mesmos de quando estive lá, em 1969, 1970 e 1971. Pode ser que, seduzidos com promessas, tenham concordado em renegar o próprio nome, deixando de ser os valentes que sempre foram, para se prestarem agora a esse triste papel. Ou, quem sabe, podem ter sido convencidos a vestir o apelido de “ianomâmis” por cima dos antigos nomes, numa forma de fantasia menos nociva aos valores e tradições indígenas. Entretanto, não é de se duvidar que, para cúmulo do desprezo pelos antropólogos nacionais, nada tenha sido feito para disfarçar a mentira e que, com exceção dos mais sabidos, eles continuem a ser os xirianás, os uaicás, os macus e os maiongongues de sempre, ficando essa história de “ianomâmis” só para brasileiros e venezuelanos.

Mas os índios tidos como ianomâmis são os mesmos que lá estavam de 1969 a 1971. Tenho certeza porque voltei à região em 1985, 1986, 1987 e 1988, como Secretário de Segurança, e vi as malocas nos mesmos lugares e os índios com as mesmas caras de antes. E, muito embora essa afirmação possa parecer temerária, pela dificuldade de distinguir-se um índio do outro na mesma tribo, é fácil de ver que, se nesses vinte anos não se registrou nenhuma ampliação de malocas, nem há notícia da ocorrência de epidemias ou guerras entre eles, os atuais habitantes são os mesmos visitados por mim, quando Comandante da Fronteira ou, então, são descendentes deles.

A Reserva Ianomâmi projetada inicialmente para ser demarcada em áreas insulares, evoluiu para demarcação contínua com uma área aproximada de 2,4 milhões de hectares e, ampliada para 5 milhões de hectares tão logo foram conhecidos os primeiros resultados do levantamento dos recursos minerais da Amazônia executados pelo Projeto Radam-Brasil, em 1975.

Na data de sua criação, por força de Decreto Presidencial, assinado pelo então Presidente Fernando Collor, em 15 de novembro de 1991, passou para 9,4 milhões de hectares. Curiosamente, esta ampliação permitiu que as grandes reservas de minerais nobres (ouro, estanho, nióbio e minerais radioativos), detectados pelo Radam-Brasil, ficassem dentro da reserva, sendo importante ressaltar, ainda, o nível de intencionalidade dolosa:

  a decisão para a criação da Reserva Ianomâmi foi tomada em meados da década de 60, por iniciativa da Casa de Windsor e cujos pormenores e implicações estratégicas foram arquitetadas pelo Príncipe Philip;

  a localização da Reserva foi resultado de várias viagens de exploradores ingleses, especialmente Robin Hambury-Tenison, que faziam parte de um esforço de localização dos principais grupos indígenas situados sobre os eixos naturais de integração do continente Ibero-americano;

  a meta era escolher grupos indígenas que, posteriormente, poderiam ser manipulados para obstaculizar a construção de grandes obras de infra-estrutura necessária para concretizar tais conexões;

  em seu livro “Worlds Apart” (Mundos a Parte), Hambury-Tenison apresenta um mapa no qual mostra, precisamente, essa preocupação, e revela que a importância estratégica de seus roteiros lhe foram indicadas, pessoalmente, pelo Príncipe Philip.

O histórico deste caso mostra, novamente, que os vassalos da Casa de Windsor, ao contrário de nossos governantes brasileiros, conhecem a sua e a nossa história. Levaram pouco menos de quatro décadas (1957/1991) para delimitar a reserva ao seu bel-prazer. Uma gigantesca reserva na fronteira de dois países. São dois estados de Santa Catarina para pouco mais de 10.000 índios. Uma região estratégica, rica em minerais e extremamente vulnerável à ação clandestina de traficantes de drogas, armas e garimpeiros.

- Cel Jarbas Passarinho e a Demarcação (depoimento pessoal)

Permita-me enviar-lhe algumas palavras da extensamente discutida demarcação da Terra Ianomâmi.

Político, senador pelo Pará, fui também constituinte em 87/88, onde já éramos minoria para as esquerdas apoiadas por antigos pares nossos do PDS. Na Constituinte, entre outras intervenções minhas, figura a alteração da redação proposta para o Artigo 231. Consegui, ao menos, que se substituísse o advérbio “imemorialmente” por “tradicionalmente”. Do contrário, o Brasil inteiro seria repartido em terras indígenas das etnias existentes, quando Cabral chegou a Porto Seguro. A Constituinte popularizou as sessões públicas. Delas participaram frequentemente os índios, com seus trajes peculiares, apoiados pela esquerda marxista. Daí o Artigo 231 rezar que as terras indígenas, tradicionalmente ocupadas, cobrissem as utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. O grifo é meu.

Num dos últimos meses do governo de seis anos do general João Figueiredo (janeiro de 1985), foi publicada uma Portaria da FUNAI, subordinada ao Ministério chefiado pelo saudoso Coronel R1 Mário Andreazza, interditando área superior a 90 milhões de hectares para ser demarcada como Terra Ianomâmi. Os garimpeiros de Serra Pelada, no Pará, frustrados com a diminuição do produto da extração de ouro, serviram-se da descoberta de ouro pelo Projeto Radam e, usando a parte construída da rodovia Perimetral Norte, invadiram a área interditada. Os tratores espantaram a caça e o mercúrio envenenou os rios. Os índios eram assistidos pelos garimpeiros, com alimentos enlatados. Desde o século XVII, os Ianomâmis (que habitavam Serra Parima, de onde se dispersaram por tribos com quatro línguas diferentes) onde ficaram não tinham contato com brancos ou mestiços, e o governo de Roraima lá nunca esteve presente. Assumindo a presidência da República, José Sarney teve o mandato fixado em cinco anos. Entrementes, uma forte e caluniosa campanha mundial denunciava o Brasil de estar praticando o “genocídio das últimas tribos primitivas do mundo”. O CIMI estava na frente dessa acusação. Dizia-se que nas malocas eram jogadas roupas contaminadas de variolosos. Na verdade, os índios morreram de gripe, principalmente, de malária e de pneumonia. Só Catrimâni perdeu cerca da metade de sua população. Viramos a escarradeira do mundo, para os religiosos e indigenistas.

Em outubro de 1991, convidado, aceitei assumir o Ministério da Justiça, a que o Presidente Collor, no seu novo organograma, subordinou a FUNAI. Dois dias depois de assumir, fui surpreendido com o despacho do presidente da FUNAI, que me trouxe uma sentença do Juiz da 7ª. Vara Federal de Brasília, enquanto o delegado (hoje senador) Romeu Tuma, diretor-geral da PF, cumpria ordem espetacular do presidente Collor de expulsar os garimpeiros das terras devidamente interditadas no último governo militar, fazendo explodir trechos dos campos de pouco de uso dos garimpeiros.

Por que a sentença judicial? É que no último ano do seu governo, Sarney assinou 19 decretos, redividindo a área de 90 milhões de hectares em 19 “ilhas”, que somavam cerca de 2 e meio milhões de hectares, e criando (inconstitucionalmente) Florestas Nacionais entre elas, para garimpagem. Era outubro, mês de eleição de sua sucessão. Inconformados, dois procuradores do Ministério Público entraram com Medida Cautelar para revogar os citados decretos e restaurar a área fixada no governo Figueiredo. Despachando a Medida Cautelar, o Juiz Novelly Júnior ouviu o governo Sarney, cuja resposta simplória foi de que o assunto era de sua estrita competência como chefe do Executivo. Não aceitando esse argumento, o magistrado deu provimento à Medida Cautelar. Estava eu obrigado a cumprir a decisão judicial. Como diz a frase feita, decisão judicial não se discute, cumpre-se, mas se pode recorrer. No caso, especialmente porque o juiz é de 1ª instância, o Sarney - que agora passa por grande patriota para os contrários à demarcação - não recorreu da decisão para um tribunal superior. Só ele poderia fazê-lo, porque só à parte cabe recorrer. Collor não era parte. Muito menos o seu Ministro da Justiça. Ganhando tempo, obtive do presidente, decreto fixando normas para a demarcação imposta. Ouvi ministros, inclusive das Relações Exteriores, dirigido pelo jurista Rezek, que viera Ministro do Supremo Tribunal Federal para o Itamaraty, os governadores e as Forças Armadas. Estas encarregaram o General Agenor Homem de Carvalho, ministro do Gabinete Militar, de opinar, em nome delas, para que a sentença fosse submetida ao Conselho de Defesa. Nas atribuições do Conselho, nada consta sobre demarcação, mas de utilização de terras indígenas (demarcadas, pois). A Marinha propusera interromper a linha contínua (reclamada na sentença) 20 quilômetros antes da fronteira, o que o § 5º do Artigo 231 impede. Pedi parecer do Consultor-geral da Justiça sobre a possibilidade de a linha contínua pôr em perigo a soberania nacional. O parecer, de que tenho cópia, contraria completamente qualquer dano à segurança nacional, com que concordou também o ministro Rezek, até porque a soberania na faixa de fronteira abrange 150 quilômetros de largura. Do contrário, poderia cumprir a sentença e apresentar um projeto de lei que revogasse a demarcação.

A impressão que deixei, de ter sido o pai da criança, derivou de entender que fosse de meu dever justificar a decisão do governo João Figueiredo, depois de convencer-me de que a linha contínua não afetava a soberania, mas apenas a segurança, devido à falta de maiores efetivos Militares de fronteira. O vazio militar, já ensinava Hausopher, precursor de geopolítica, convida à invasão. A série de objeções que tive de rebater provou a ignorância dos críticos, do mínimo de antropologia cultural, a que recorri. Um camarada nosso, que comandou Boa Vista, chegou a escrever, e a Bibliex publicou, em livro, que não existem os Ianomâmis. Seriam uma farsa! Desconhece que, assim como o latim, do seu tronco derivaram línguas diferentes.

A matéria é muito extensa. Troquei cartas com generais, debati no Senado, pois os senadores de Roraima sabem que índio não vota, mas guerrilheiro vota. Quanto à Raposa Serra do Sol, decisão pessoal do governo atual e não derivada de sentença judicial fronteira aberta e não morta como a dos ianomâmis, escrevi um artigo que, tomo a liberdade, de enviar-lhe. Saliento, isso sim, o perigo à soberania nacional no abuso de certas ONGs, que dominam - e nós deixamos isso - as malocas indígenas e combatem nosso conceito de aculturação.

- Demarcações, futuras Questões

Os casos das demarcações da Cabeça do Cachorro, Trombetas-Mapuera, da Reserva Raposa e Serra do Sol e tantas outras, seguem os mesmos passos, a mesma doutrina, das demarcações relatadas anteriormente com a conivência e, na maioria das vezes, com explícito apoio de nossas autoridades. No futuro serão outros “Piraras”.

- Cabeça do Cachorro

Em 14 de abril de 1998, o presidente FERNANDO HENRIQUE Cardoso homologou cinco terras indígenas em São Gabriel da Cachoeira, formando um polígono contínuo de 10,6 milhões de hectares, área ainda maior que a aberrante reserva Ianomâmi. A demarcação física das áreas indígenas da Cabeça do Cachorro só foi possível devido à doação de US$ 600 mil feita pelos países do G7 ao governo brasileiro dentro do escopo do PPTAL (Plano de Proteção das Terras Indígenas da Amazônia Legal Brasileira).

- Trombeta Mapuera

Em 2007, o governo federal homologa a Terra Indígena (TI) Trombetas-Mapuera. A TI abriga as tribos Wai-Wai e Karafawyana com apenas 500 indivíduos, na divisa dos Estados de Roraima, Pará e Amazonas. A reserva tem o tamanho da Holanda (41,5 mil km²), país com 16 milhões de habitantes e, como fica entre duas grandes áreas indígenas (Waimiri-Atroari e Nhamundá-Mapuera), criou-se mais uma área contínua de 7,5 milhões de hectares.

- Raposa e Serra do Sol

Um olhar atento à cronologia da demarcação da Reserva aponta para uma série infindável de vícios de origem que foram, totalmente, desprezados:

Cronologia de um “Crime”

1917   Lei estadual nº 941, de 16.10.17, define a área Indígena, destinada aos Macuxis e Jaricunas, a região compreendida entre os rios Surumu e Cotingo, e as serras Mairary e Canapiáepim, no Município de Boa Vista do Rio Branco.

1922   Lei estadual alterando a Lei nº 941, excluindo as terras que já tenham sido concedidas pelo Estado, e as que já estiverem ocupadas e cultivadas por qualquer pessoa, com residência habitual e cultura efetiva.

1971   Primeira assembléia de Tuxauas, na missão Surumu, representando o marco da pretensão da área Indígena insuflados pelo padre Giordio Dal Ben apoiado pela Diocese de Roraima e CNBB.

1977   Processo FUNAI nº 3233/77 solicita criação da área Indígena pleiteando a demarcação com um total de 578.918 ha.

1978   Relatório Preliminar, de 09.03.78, assinado pela Antropóloga Isa Maria Pacheco Rogedo, encontra “argumentos” para aumentar para 1.332.110 ha.

1979   A Portaria nº 509/E, da FUNAI, de 09.01.79, constituiu subgrupo de trabalho que redefine a área como de 1.347.810 ha.

1982   O Delegado da FUNAI Dinarte Nobre de Madeiro propõe a transformação da área Indígena em Colônia Agrícola, considerando a possibilidade de separar áreas de malocas de áreas de posses.

1984   Em 23.05.84, aquisição de propriedade rural pelas comunidades representadas pelo Tuxaua Jaci Souza graças a financiamento da Diocese de Roraima.

1985   Relatório da antropóloga Maria Guiomar de Melo, datado de 30.08.85, informa que foi identificada uma área indígena de aproximadamente, 1.577.850 ha desmembrada em 5 regiões.

1989   A informação nº 009, de 04.04.89, do antropólogo da FUNAI, Célio Horst, afirma que:

1.    A região denominada Raposa Serra do Sol - é uma das mais conflitantes e está a merecer uma solução política - os dados técnicos estão todos disponíveis.

2.    O Conselho Indígena de Roraima (CIR) está reivindicando uma área única e contínua e, segundo informações de superiores hierárquicos, não tem a menor condição de ser aprovada porque abrange extensa faixa de fronteira, é de superfície elevada, possui um total de 305 fazendas e nesta área estão inseridas quatro vilas, sendo uma a sede do Município de Normandia.

3.    Segundo relatório do Dr. Valter Ferreira Mendes (10.06.86), a recomendação é de que na região Raposa Serra do Sol “seja reestudada a faixa de fronteira, deixando espaço entre a Fazenda São Marcos, criando-se várias áreas indígenas”.

1992   Em 09.01.92, alguns tuxauas assinam carta propondo uma nova demarcação, cujo desfecho foi o relatório apresentado pela antropóloga Maria Guiomar de Melo propondo uma área de 1.678.800 ha.

1993   Em 11.06.93, o administrador regional da FUNAI comunica ao Presidente da FUNAI que: “O Secretário de Interior, Justiça e Meio Ambiente Robério Araújo, consta como integrante do Grupo de Trabalho, Portaria PP 1141, de 06.08.92, alega que não tomou conhecimento do relatório final, publicado pela FUNAI”. Até a data da publicação do parecer, a FUNAI havia recebido somente as contribuições do CIMI e do Antropólogo convidado Paulo Santilli.

1993   O DOU de 21.05.93 publica Portaria da FUNAI com o estudo de identificação da área indígena, resultado do grupo de trabalho interinstitucional. Relatório assinado apenas pela antropóloga da FUNAI Maria Guiomar de Melo.

1993   O Parecer 036/DID/DAF, publicado em 21.06.93, aprovando o relatório de 1992, foi encaminhado ao Ministério da Justiça, que solicitou manifestações do Ministério Público Federal e do Estado Maior das Forças Armadas. A Procuradoria-Geral da República foi favorável à demarcação, enquanto que o Estado Maior da Forças Armadas foi contrário.

O Congresso Nacional nomeou uma Comissão Externa para avaliar, “in loco”, a situação da demarcação em área contínua da “Reserva Indígena Raposa Serra do Sol”, no Estado de Roraima. Em abril de 2004, a referida comissão fez as seguintes observações que, como a série de incorreções cometidas desde a década de 70, pela FUNAI, igualmente não foram levadas em conta pelo poder executivo e judiciário.

Um grupo de 27 profissionais, entre técnicos e índios, nomeados pela FUNAI, foi encarregado de realizar o levantamento fundiário da reserva, no período de 1991 a 1994. Graças aos estudos dessa comissão, a reserva passou por sucessivas ampliações até ser declarada de posse permanente dos índios com 1,7 milhão de hectares em 11 de dezembro de 1998 pela Portaria nº 820, do Ministério da Justiça, assinada pelo então ministro Renan Calheiros. Em 2005, ela foi homologada pelo presidente Lula.

O Laudo Antropológico deve fundamentar-se numa relação de pertinência lógica, enunciando os motivos que determinaram as suas conclusões.

É necessário que seja demonstrada a adequação dos pressupostos legais
e dos pressupostos de fato com o objeto.

Um atento exame do Laudo permite levantar os seguintes questionamentos:

-  Participação CIR e CIMI

A participação do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) foi decisiva na elaboração do Laudo. A análise da situação fundiária da Raposa e Serra do Sol foi baseada em levantamento realizado pelo próprio CIR. O texto declara que “foi visando a ampliar seu campo de atuação política e defender sua terra que o CIR encaminhou ao Grupo de Trabalho a pesquisa sobre a situação fundiária da área Indígena Raposa e Serra do Sol”.

Como agravante, o parecer jurídico do Laudo foi escrito pelo advogado Felisberto Assunção Damaceno, membro do CIMI. A elaboração de parecer jurídico e peças centrais do laudo por essas entidades comprometem a isenção do processo e caracterizam o comprometimento da Administração Pública.

-  História do Contato

A sequência cronológica de contatos descrita no item “História do Contato” reforça a tese de que a região experimentou desde o século XVII um processo histórico de interação cultural, e reforça a falha do Laudo em tentar comprovar o atendimento aos requisitos do art. 231 da Constituição.

-  Atividades Socioeconômicas

No item “Atividades Socioeconômicas”, não há referência à delimitação das áreas utilizadas pelos índios para suas atividades. A região possui grande extensão territorial, com fazendas seculares, tituladas antes mesmo da existência do Território de Roraima, áreas urbanas e rurais destinadas a atividades agrícolas e pastoris.

A Constituição define as terras indígenas tradicionalmente ocupadas pelos índios e caberia ao laudo identificá-las. Na busca de espaços territoriais que preencham os requisitos estabelecidos, o laudo é falho ao não delimitá-los, promovendo a demarcação das terras ocupadas pelos não-índios.

-  Proposta de Demarcação de área Indígena

Na “Proposta de Demarcação de área Indígena”, redigida em apenas três páginas, o que deveria ser uma proposta reduz-se à reprodução cronológica do processo de reconhecimento das terras indígenas.

Chama atenção o fato de que as delimitações das áreas foram evoluindo, partindo do reconhecimento da existência de várias etnias que ocupavam áreas específicas, para a constituição de uma colônia indígena - que é “área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da comunidade nacional” e, posteriormente, para uma área única e contínua.

-  Parecer Jurídico

O item “Parecer Jurídico” pode ser utilizado para qualquer demarcação, visto que dá ênfase aos aspectos jurídicos específicos apenas da legislação indígena, e parte da premissa de que “as posses primárias são as indígenas, e os índios os primeiros ocupantes” - o que nos leva a concluir que todas as terras brasileiras seriam, por direito, indígenas.

Segundo Konrad Hesse, professor de Direito Público e Eclesiástico da Universidade de Freiburg (Alemanha), “a constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade”. Além disso, os mandamentos constitucionais são harmônicos entre si, de tal forma que uma norma não se sobrepõe à outra, mas têm a sua vigência e aplicação delimitadas pelas demais. A proteção constitucional implícita no artigo 231 não exclui outros direitos garantidos pela Constituição.

-  Conclusão

A “Conclusão” do Laudo Antropológico limita-se a corroborar a demarcação de 1.678.800 hectares, sem fundamentar-se em atos e fatos que lhe possam dar credibilidade. Questiona-se, portanto, se o processo administrativo foi instruído com informações confiáveis, que tenham suporte na realidade social e econômica da área a ser demarcada.

- Demarcação Fraudulenta

O laudo não contou com a necessária isenção. Uma leitura atenta do Laudo Antropológico nos permite verificar que a presença da sociedade nacional naquela região é inquestionável e que o processo histórico da interação entre etnias, raças e culturas é uma realidade incontestável. Os aglomerados urbanos, cidades, vilas, posses e fazendas centenárias ali existentes, e a presença das atividades agropastoris, comprovam a presença do não-índio e uma intensa miscigenação. A administração não pode ignorar esta realidade. Dessa forma, a demarcação da área como deseja a FUNAI não tem apoio na realidade social da região, fazendo-se necessária uma revisão da área demarcada.

- Alienação do STF

A demarcação contínua é algo inusitado, jamais visto neste País. É claro que daria ensejo a esse tipo de resistência.(Ministro Gilmar Mendes – Pres. do STF)

O julgamento da TI Raposa e Serra do Sol repousava nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que sinalizou, através do voto de seu relator, Ayres de Brito, no dia 27 de agosto de 2008, sucumbir à influência estrangeira. O Ministro Gilmar Mendes, para citar apenas o presidente do STF, ignora a problemática das demarcações indígenas no Brasil. A afirmação, acima, evidencia o total desconhecimento, não só do STF, mas da sociedade brasileira em questões que colocam em cheque a soberania e influenciará o destino de cada um de nós, índios e não índios em futuro próximo. O STF dá uma demonstração de não estar à altura de sua destinação histórica de interromper a ação nefasta de demarcações comandadas por ONGs estrangeiras e maus brasileiros. Desconhece o senhor Ministro do STF que a demarcação contínua tem sido a regra e não exceção.

Uma raça, cujo espírito não defende o seu solo e o seu idioma, entrega a alma ao estrangeiro, antes de ser por ele absorvida. (Ruy Barbosa de Oliveira)

-  “Modus Operandi”

O Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, chamado por uns de “senhor voto vencido” pela frequência de vezes em que fica isolado nas decisões do Tribunal, e conhecido por outros por seus votos controversos - “Primeiro idealizo a solução mais justa, só depois vou buscar apoio na lei”. Um histórico de seus votos demonstra que suas decisões visaram sempre priorizar a liberdade do cidadão e a ética na política, embora algumas vezes tenha enveredado por trilhas altamente controversas, mas, seu voto em relação a TIRSS merece nosso aplauso.

-  Demarcação da TIRSS

Na votação do dia 18 de março de 2009, defendeu a nulidade do processo com o argumento de que índios, produtores e autoridades do governo não foram ouvidos no processo. Questionou, também, a forma como foi feita a demarcação afirmando:

Eis a conclusão dos peritos do juízo do laudo referido na inicial: o que restou provado com esta perícia é que a FUNAI apresentou e aprovou um relatório completamente inadequado, incorreto, incompleto e com vícios insanáveis para a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, induzindo o Ministro da Justiça ao erro em baixar a portaria 820/98, substituída pela subsequente de 2005.

Foi o único a votar contra o voto do relator. Na quinta-feira, dia 19, os trabalhos foram retomados e o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, apresentou seu voto covarde e entreguista.

- Ministro Marco Aurélio - um Homem no STF

Sou favorável à demarcação correta. E esta somente pode ser a resultante de um devido processo legal, mostrando-se imprópria a prevalência, a ferro e fogo, da óptica do resgate de dívida histórica, simplesmente histórica - e romântica, portanto, considerado o fato de o Brasil, em algum momento, haver sido habitado exclusivamente por índios. Os dados econômicos apresentados demonstram a importância da área para a economia do Estado, a relevância da presença dos fazendeiros na região.

O Ministro com a lucidez, saber constitucional e coragem moral que lhe são peculiares, apresentou seu voto contrariando o parecer de todos os seus colegas. Os nove votos apresentados, até então, pelos demais ministros do Supremo, se perdiam em devaneios poéticos carregados de conhecidos chavões usados pelos arautos do Movimento Ambientalista-Indigenista Internacional. O voto do nosso D. Quixote do Supremo entrou para a história como um tributo à memória daqueles que tombaram na luta pela demarcação de nossas fronteiras e nossa soberania. Infelizmente, talvez, não seja lembrado pelas gerações apátridas vindouras quando estas vierem a pertencer a um Brasil Plurinacional.

-  Bate-Boca no plenário

O entreguista Carlos Britto, depois do voto do Ministro Marco Aurélio, pediu a palavra afirmando que os principais obstáculos levantados por Marco Aurélio já tinham sido refutados anteriormente por ele, Carlos Britto, e pela exposição do Ministro Menezes Direito. Dando continuidade à sua falta de ética profissional, contestando o voto do companheiro, disse que questões de “conteúdo periférico” não precisariam ser respondidas. Iniciou-se, então a discussão.

Marco   Respeite meu voto. Não acho que seja adequado criticar o voto alheio. Vossa Excelência classificou meu voto de periférico, como se eu tivesse aqui delirado.

Britto    Vossa Excelência se referia a quem quando disse que a questão foi tratada de forma lírica, romântica?

Marco   Não se sinta atingido pelo meu voto.

Britto    Eu peço que o senhor ouça minhas razões, já que eu ouvi o senhor por quase seis horas.

Marco   Posso me retirar se o senhor quiser.

Britto    Não. De forma alguma.

............................................................

Britto    Vossa Excelência fica fazendo o contraditório. Estamos em uma espécie de movimento ioiô, de estica e puxa. Deixe-me, por favor, concluir meu raciocínio.

Marco   Por que Vossa Excelência está tão preocupado com o voto discrepante, já que tem o apoio de outros sete ministros? Eu não retruco, não me estendo quando voto. Depois do meu voto, Vossa Excelência pediu a palavra para quê? Para retrucar?

Britto    Não. Não se trata de retrucar. Estou expondo os motivos pelos quais mantenho meu voto. E acho que fiz a leitura correta da questão.

Marco   Ainda bem que Vossa Excelência apenas acha.

Britto    Vossa Excelência não entendeu meu voto. Estou aqui a confirmar, data vênia, o acerto das posições que sustentei perante a corte. Não há nenhuma contradição no meu voto. Não é romantismo, não é lirismo, é interpretação de direito constitucional positivo.

-  Livro

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na AACV – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
 

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br