"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, março 16, 2013

Bernardo dá R$ 6 bi de isenção à teles, apesar de lucrarem como bancos

viomundo - publicado em 16 de março de 2013 às 17:39

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

por Carlos Lopes, no Hora do Povo, via site da CUT

Somente entre 2005 e 2012, a receita líquida - ou seja, depois de pagos os impostos e feitos alguns descontos – dos monopólios de telecomunicações no Brasil montou a R$ 911 bilhões e 437 milhões, quase um trilhão de reais.

Os números de cada ano estão na Pesquisa Anual de Serviços do IBGE (e, no caso de 2011 e 2012, como ainda não foram publicadas as pesquisas do IBGE referente a esses anos, usamos os números do próprio balanço das teles).

Quase um trilhão de reais, depois de pagos os impostos. São esses pobres oprimidos e explorados pelos terríveis impostos que o Estado brasileiro lhes cobra, que o ministro Paulo Bernardo, na última terça-feira, resolveu “desonerar” em nada menos do que R$ 6 bilhões. Diz Bernardo que, com essa isenção de impostos, ele espera que as teles façam investimentos de R$ 18 bilhões até 2016.

O ministro deveria ler os balanços das teles. Saberia, por exemplo, que a Telefónica/Vivo declarou que fez investimentos de R$ 6,117 bilhões em 2012 – e, só nos últimos três anos (2010, 2011 e 2012), dizem os balanços, a Telefónica investiu, no Brasil, R$ 16 bilhões e 788 milhões! O mesmo, mais ou menos, fizeram as outras teles – no balanço.

Isso, sem qualquer “desoneração” de impostos. Então, porque precisariam de R$ 6 bilhões de isenção para – todas juntas e somadas – investirem apenas R$ 18 bilhões até 2016?

Sobretudo se considerarmos que, desde 1998 – ou seja, desde a privatização -, as teles receberam do BNDES, em financiamentos para investir, R$ 38 bilhões e 381 milhões.

Certamente que o investimento declarado pelas teles em seus balanços é uma farsa. Mas o próprio fato de declararem esses “investimentos” e mesmo assim lucrarem quase tanto quanto os quatro maiores bancos instalados no país, mostra que elas não precisam de “desoneração” alguma para investir – o necessário é que o poder público (o Ministério das Comunicações, antes de tudo) acabe com essa farsa.

Porém, se elas não investiram foi porque sua opção preferencial é aumentar os lucros para remetê-los ao exterior. Entre 2002 e 2011 as remessas de lucros oficiais (ou seja, declaradas oficialmente) das teles para suas matrizes aumentaram 1.099,51%. Mesmo em 2012, ano em que elas diminuíram um pouco, atingiram US$ 1,027 bilhão (1 bilhão e 27 milhões de dólares), sem contar os pagamentos de empréstimos intercompanhias e outros artifícios para enviar lucros sem declará-los.

No entanto, o próprio ministro Bernardo declarou que as teles estavam “retardando” seus investimentos. Como “retardando”? E os balanços que elas publicaram? Será que o ministro acha que os investimentos que constam dos balanços das teles não são reais? Não acreditamos…

Porém, em vez de responder a um inquérito policial, as teles receberam R$ 6 bilhões em isenção de impostos, mais a promessa de acabar com o regime público  na telefonia (apesar de que, segundo o ministro, “isso não foi conversado com a presidente Dilma e precisamos da autorização dela para tocar pra frente”) e, ainda por cima, Bernardo falou em recursos do PAC para investir em redes de fibra ótica. Que redes? Somente pode ser a rede das teles, pois a do governo já existe há muito – e as teles, há muito, querem usá-la.

A desoneração do ministro Paulo Bernardo, portanto, é um plano para substituir a rede de cabos de cobre das teles por redes de fibra ótica, às custas do Erário, ou seja, do distinto público. Em vez delas gastarem uma parte dos seus lucros (só o lucro líquido da Telefónica, em 2012, foi mais de R$ 4 bilhões), gastarão dinheiro público – os impostos que não pagarão ao Estado.

Isso, na melhor das hipóteses. Podem, também, embolsar essa “desoneração”, ou seja, aumentar sua margem de lucro à custa de não pagar impostos, e continuar declarando investimentos fantásticos em seus balanços.

Hoje, depois de tudo o que aconteceu desde 1998, ninguém duvidaria dessa possibilidade – exceto alguma besta, que sempre as há por aí.

O plano do governo Lula, elaborado pelo engenheiro Rogério Santanna, primeiro presidente da Telebrás após sua reativação, era utilizar a rede de fibras óticas das estatais – especialmente a Eletrobrás e a Petrobrás – para universalizar a banda larga. Em suma, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) partia do reconhecimento de que as teles, com seus preços extorsivos e sua concentração nos aglomerados de maior renda do país,  eram incapazes de universalizar até mesmo a telefonia fixa, inventada por Antonio Meucci em 1856 – quanto mais a banda larga.

Como declarou o então presidente da Telebrás ao HP:

“Vislumbramos, então, a seguinte proposta: (…) Em lugar de carregar o passado, o cabo de cobre, todas as tecnologias antigas, nós podíamos usar essa infraestrutura [de fibras óticas estatais] para criar uma rede independente – deixar as teles com a rede delas e criar uma rede neutra, pública. A partir de uma tecnologia mais nova, mais barata, gerar essa rede neutra e vender serviços só no atacado” (HP, 22/10/2010, entrevista de Rogério Santanna).

A venda de serviços no varejo (a chamada “última milha”, a conexão até a casa ou estabelecimento do usuário) seria feita por empresas nacionais privadas. Como disse Santanna, “não precisamos fazer a ‘última milha’, porque os pequenos provedores associados podem fazê-la, e nós vamos gerar milhares de oportunidades de negócios que hoje são reprimidos”.

O que fez Paulo Bernardo foi acabar com o PNBL – em primeiro lugar, amofinando a presidente Dilma para demitir o seu criador da presidência da Telebrás. O objetivo de Bernardo era – mas, hoje, é mais – evidente: privilegiar as teles, uma quadrilha de monopolistas que nem mesmo construiu suas empresas: pelo contrário, receberam de presente o resultado de décadas de esforço do povo brasileiro. E, para quem estranhe esse “de presente”, lembremos, além do patrimônio dessas empresas, que, na época da privatização, Aloysio Biondi demonstrou que o governo Fernando Henrique gastou mais na “preparação” das empresas estatais de telecomunicações para privatizá-las, do que recebeu por elas. Estamos nos referindo, é natural, ao que foi recebido legalmente.

Paulo Kliass: O fracasso do governo Dilma nas políticas de comunicações

viomundo - publicado em 14 de março de 2013 às 21:15

Colunistas| 14/03/2013 | Copyleft

Recuos nas políticas públicas de comunicações

Se ocorreu alguma diferença com o governo Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações. Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao mundo empresarial.

Paulo Kliass, na Carta Maior

Passados mais de 10 anos de uma grande expectativa criada quanto a mudanças efetivas na condução da política e da economia em nosso país, algumas áreas de foco de ação governamental são mais evidentes por não apresentarem as transformações necessárias e esperadas.

Dentre elas, o setor de comunicações talvez seja um dos que mais concentram as energias da frustração e da desesperança.

Parcela significativa das matérias sob jurisdição do Ministério das Comunicações é composta de temas e processos associados ao conceito de “bens e serviços públicos”, a serem explorados diretamente pelo Estado ou transferidos, sob a forma de concessão, ao setor privado.

As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo. As empresas de telefonia também operam uma modalidade específica de serviço público e só podem funcionar se forem portadoras de concessão para esse fim. A operação dos serviços de internet e banda larga também exigem autorização, regulamentação e fiscalização da administração pública federal.

Perspectiva de mudanças e frustração

Para quem imaginava que 2003 significaria um momento de reversão da tendência anterior de consolidação das práticas neoliberais no setor, os anos que se seguiram foram bastante desanimadores. A partir de meados do primeiro mandato de Lula, a opção política foi feita e o recado foi transmitido com todas as cores, para que não pairassem dúvidas a respeito da verdadeira intenção política do governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores.

Assim como a condução da política econômica foi entregue ao ex presidente internacional do Bank of Boston, a política de comunicações foi entregue a um fiel servidor dos interesses das Organizações Globo e das grandes corporações do setor.

Depois da nomeação de Henrique Meirelles para a Presidência do Banco Central em 2003, Lula nomeia o Senador Helio Costa para o Ministério das Comunicações em 2005. Enquanto o império de Meirelles durou os exatos 8 anos dos dois mandatos de Lula, Helio Costa ficou “apenas” 5 anos no cargo.

Se ocorreu alguma diferença com a chegada da presidenta Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica com tinturas heterodoxas, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações.

Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao atendimento dos pleitos do mundo empresarial. A nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério antes ocupado por Helio Costa não significou nenhuma mudança expressiva em relação à estratégia anterior para o setor.

Telefonia e internet: empresas intocáveis

A agenda da telefonia não representou grandes avanços em termos de melhoria da qualidade dos serviços ou de redução das tarifas elevadas, mesmo para padrões de comparação internacional. As autorizações concedidas para a fusão das grandes empresas do setor não foi revertida.

Muito pelo contrário, houve a continuidade dos níveis de concentração e centralização entre os conglomerados que operavam a telefonia convencional e a telefonia celular. A configuração de práticas de oligopólio não recebeu tratamento mais efetivo por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e tampouco do Ministério.

Para se ter uma ideia, as empresas de telefonia fixa e celular sempre estiveram impunemente à frente do desrespeito às regras e direitos dos usuários. Confirmando a tradição, foram as campeãs de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor em 2012, registrando o dobro das notificações de bancos ou cartões de crédito. No quesito da reivindicação histórica pela revogação da assinatura básica, tampouco o governo se movimentou para viabilizar a aprovação de algum dentre os Projetos de Lei que tramitam no interior do Congresso Nacional há vários anos sobre o tema.

Os processos envolvendo a ampliação e o aprofundamento da inclusão digital também foram sendo tocados a um ritmo bastante abaixo do desejável. A conivência dos órgãos reguladores com o desleixo a que os usuários dos sistemas de acesso à internet são tratados pelas empresas do setor chega a ser escandalosa.

Um dos exemplos mais gritantes é o direito assistido às empresas para que não cumpram nem mesmo o contratado quanto à velocidade e capacidade de transmissão na rede de banda larga. Por outro lado, pouco se exige em termos de contrapartida das empresas operadoras, no sentido de ampliar a rede de acesso à internet e tornar o sinal acessível em municípios e localidades distantes dos centros urbanos mais adensados.

Já se foram mais de dez anos e o potencial de uso do estoque de fibra ótica da Telebrás permaneceu inutilizado. Isso porque o governo federal tinha condições jurídicas de fazer valer sua condição de acionista majoritário para ampliar a rede física por todo o território nacional. Mas a opção foi pela postura passiva da espera e de não contrariar os interesses dos grandes grupos privados atuantes no setor.

Como a maioria dos grupos privatizados pertence a conglomerados americanos e europeus, as diretrizes empresariais determinam a redução drástica de recursos aplicados em reinvestimentos e o aumento da remessa de lucros para ajudar as matrizes a resolveram a falta de perspectiva pela crise internacional. E os órgãos reguladores do Estado brasileiro assistem calados a tal movimento, que na prática tem o sentido de um lento e silencioso sucateamento desse novo e estratégico setor da economia.

Lei do Marco Regulatório: recuo patético

A outra área de comunicações, também essencial para um governo que se pretenda transformador, não está exatamente sob o domínio de Paulo Bernardo. Trata-se das decisões do Estado relativas à sua própria política e estrutura de comunicação.

Essa vasta agenda inclui temas tão diversos e essenciais quanto: i) as emissoras públicas de rádio e TV; ii) a descentralização e a democratização das vultosas despesas com publicidade do governo e das empresas estatais; iii) a proibição de formação de conglomerados típicos das oligarquias, cruzando imprensa escrita, falada e televisionada; iv) a responsabilização por abusos de poder, seja na área política, econômico-financeira ou outras; entre tantos assuntos similares.

A sensibilidade e a importância da matéria remetem à necessidade da Casa Civil, junto com a Presidenta, se envolver diretamente com a matéria. A Ministra Gleisi Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo, não pareceu se entusiasmar muito com o projeto elaborado ainda na gestão de Franklin Martins.

Tampouco a atual titular da Secretaria de Comunicação, Helena Chagas, deu mostras de batalhar pela aprovação do novo marco regulador da imprensa e das comunicações em geral. O resultado foi a declaração patética, onde a equipe governamental oficialmente joga a toalha e lava as mãos: não mais se compromete com a regulamentação do setor

Em sentido inverso ao processo levado a cabo na Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, o governo brasileiro resolveu recuar e não mais se envolver com o projeto em tramitação no Congresso Nacional. Pressionada pelos grandes grupos empresariais do amplo setor de comunicação, Dilma voltou atrás na estratégia ainda definida no governo Lula e deixou essa área estratégica da economia e da sociedade sem qualquer tipo de controle ou regulamentação.

Em nome da hipocrisia da defesa da “liberdade de imprensa e de opinião”, os empresários recusam qualquer tipo de normativa ou ação do poder público para coibir abusos e para fazer valer a vontade da maioria da população.

Na União Européia, vários países dispõem de instrumentos para viabilizar esse tipo de ação regulamentadora. Ao contrário da acusação irresponsável de “lei da mordaça”, trata-se de mecanismo de defesa da democracia da sociedade contra os abusos do chamado “quarto poder”.

Estão aí inúmeros exemplos como o de Rupert Murdoch na Inglaterra, onde fica evidente a necessidade da ação do poder público. O caso do “News of the World” e os excessos cometidos só reforçam a justeza dos dispositivos da Lei de Meios, por impedir a centralização do poder econômico em diversos segmentos das comunicações.

Infelizmente, o receio de avançar pelo caminho da transformação social mais efetiva é marca também do setor de comunicações. Não bastassem os recuos em termos de aspectos da política econômica, na questão agrária, na questão ambiental, nas benesses concedidas aos conglomerados da infraestrutura, entre outros, o governo perde mais uma oportunidade de se legitimar junto a amplos setores da sociedade.

Para isso, bastaria se empenhar pela aprovação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, como faz sistematicamente com outros textos de seu interesse.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Nabil Bonduki: Tucano Serra só pensou no automóvel

viomundo - publicado em 15 de março de 2013 às 11:05

Questões de mobilidade urbana serão discutidas na Revisão do Plano Diretor

por Leandro Fonseca

Proposta é priorizar transporte coletivo em São Paulo, que contabiliza mais de 7 milhões de automóveis em toda a cidade

A prefeitura de São Paulo tem como prioridade em 2013 a revisão do Plano Diretor, que pretende discutir, além de outros pontos, questões de mobilidade urbana. Construção de corredores de ônibus e incentivo ao uso do transporte coletivo são apenas algumas propostas de melhoria do trânsito e do excesso de tempo no deslocamento de paulistanos na cidade. Além desses assuntos, a revisão do Plano tem por objetivos a geração de empregos na periferia, o estímulo da produção de habitação no centro expandido e a melhora na qualidade do solo, além de priorizar o transporte coletivo e a proteção de áreas verdes.

Para José Américo, vereador e atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo, algumas medidas resolvem de forma paliativa o problema da mobilidade urbana. “São Paulo já tem um número de ônibus e microônibus absurdo. Se aumentar, a cidade não anda. Se constrói corredores de ônibus, ajuda muito, mas até quando? Em cinco anos a quantidade de carros da população aumenta de novo, e não dá tempo de se construir metrô pra todo mundo tão rápido”, afirma.

O trânsito está entre as quatro áreas consideradas mais problemáticas na cidade de São Paulo, segundo a pesquisa Dia Mundial sem Carro de 2012, realizada pela Rede Nossa São Paulo e o Ibope. A pesquisa considerou que 80% dos paulistanos entrevistados analisam a situação do trânsito como ruim ou péssima. De acordo com a pesquisa, a medida mais citada pela população em transporte público é a ampliação das linhas de metrô e trem. O estudo revela, ainda, que a ampliação dos corredores de ônibus passou de 34%, em 2011, para 41%, em 2012, como prioridade de investimento para os paulistanos.

Dados do DETRAN-SP de 2012 (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) apontam que a frota paulistana é de 7,5 milhões de veículos. O vereador Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor Estratégico de 2002, afirma que a lógica presidida no processo de construção da cidade de São Paulo foi a de que o espaço público é para o automóvel. “Em São Paulo, a ênfase viária do planejamento da cidade é muito forte. Tanto que o plano mais conhecido de São Paulo é o plano de avenidas. Em geral, se costuma dizer que o viário é o que manda na cidade”, diz.

Bonduki critica, ainda, as gestões anteriores que incentivaram a propagação do uso de veículos. “Em desacordo com o Plano Diretor, quando José Serra foi governador, criou três pistas na marginal do Tietê, sem prever nenhum corredor exclusivo para o transporte coletivo, sem criar uma ciclovia, sem se preocupar com nada além de aumentar o espaço viário para os automóveis”.

A revisão do Plano Diretor contará com a participação pública, através de reuniões realizadas em cada uma das subprefeituras, que serão divulgadas este ano pela Câmara Municipal nos mais diversos veículos de comunicação. “O processo participativo é importante, pois traz pra esse debate olhares que muitas vezes os técnicos e os gabinetes não conseguem ter”, aponta.

Sobre as intenções da prefeitura em incluir a população paulistana na discussão da revisão, Américo acredita na possibilidade do diálogo. “Não adianta apenas aprovar uma coisa de modo autoritário e enfiar essa coisa pela goela das pessoas. A lei aprovada é imperativa, ou seja, as pessoas têm que cumprir e ponto final. Mas não basta isso. A ideia é fazer que esse processo seja democrático”, aponta.

Exemplo da grande capacidade do tucanato paulista em gerar políticas urbanas que atendam ao povo como um todo.

Deputado do PT homenageia o “maior grileiro do mundo”

viomundo - publicado em 14 de março de 2013 às 15:47

Para o jornalista Igor Felippe, a homenagem de André Vargas (PT-PR) a Dom Cicillo deixa lição: “A grilagem terras será recompensada”.

por Igor Felippe Santos, especial para o Viomundo

O deputado federal André Vargas (PT-PR) apresentou em 2009 um projeto de lei (PL 6.167/09) para nomear o trecho da BR-277 entre as cidades de Paranaguá e Curitiba (PR) de Rodovia Cecílio do Rego Almeida.

Nesta quarta-feira, a homenagem foi aprovada, depois de parecer favorável de outro deputado do PTna Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, José Mentor.

Por que uma homenagem dessas para um nome pouco conhecido?

Cecilio do Rego Almeida, que morreu aos 78 anos em 2008, foi presidente do Conselho de Administração do Grupo CR Almeida.

Almeida é paraense, mas mudou para o Paraná com 7 anos de idade.

O grande feito dele foi conquistar o título demaior grileiro do mundo”, por concentrar fazendas que somadas são maiores que o estado da Paraíba.

Um homem só concentrou 6 milhões de hectares. Não, não é 6 MIL hectares, que já seria um baita latifúndio.

Em 2012, a subseção da justiça federal de Altamira, no Pará, recebeu os autos do processo sobre a grilagem.

O documento com 1.500 páginas, distribuídos em seis volumes, demonstra as irregularidades – ou melhor, crimes – de Cecilio do Rego Almeida para chegar ao topo do ranking dos grileiros.

A homenagem de André Vargas deixa uma lição: a grilagem terras será recompensada.

Abaixo, leia reportagem da Caros Amigos, de 2005 com perfil do homenageado.

Maior grileiro do mundo

Caros Amigos

Ano 09/2005

Edição 102

Na década de 1990, o empreiteiro Cecílio do Rego Almeida grilou duas fazendas no Pará, uma de 1,2 milhão de hectares e outra de 4,77 milhões de hectares. Somadas, dão uma área maior que a do Estado da Paraíba. É uma longa história, mas este mês a Polícia Federal deverá invadir a maior delas a, fim de garantir uma liminar da Justiça que contesta os direitos do empresário. Ele pode recorrer ao Tribunal Regional Federal, mas enquanto isso não pode negociar a área, deve interromper qualquer atividade ou ocupação dentro dela e dispensar a polícia particular que mantém na fazenda. Aqui se conta quem é esse brasileiro cuja fortuna chega a 5 bilhões de dólares e que concedeu a Caros Amigos uma atordoante entrevista.

João de Barros, em Caros Amigos

Cecílio do Rego Almeida é um paraense corpulento, de 75 anos de idade, cabelos inteiramente brancos e voz tonitruante, que enriqueceu construindo obras públicas – no Brasil e no exterior. Seus olhos, quando não estão ocultos sob os óculos escuros Armani, parecem dois canos de uma carabina dupla pronta para disparar sobre o interlocutor.
Com patrimônio que ele mesmo estima em algo como 5 bilhões de dólares, Cecílio já apareceu na lista da revista Forbes entre os cem homens mais ricos do mundo. A empreiteira dele, a CR Almeida Engenharia e Construções, é o quarto maior grupo econômico privado do Brasil – e a principal construtora -, com patrimônio de 3,274 bilhões de dólares, segundo a publicação Melhores e Maiores da revista Exame, do ano passado.

Dom Ciccillo, como é chamado pelos íntimos, tem gênio explosivo e teatral – e hoje é refém do temperamento que sempre cultivou. No passado comparava-se a uma bulldozer, a barulhenta máquina de terraplenagem usada na construção de estradas, cuja lâmina, enorme, derruba os obstáculos naturais de matas fechadas, transformando-as em trilhas.

Ah, mas não fossem os muitos “filhos da puta’, como ele classifica, que perpassaram seu caminho – da família aos negócios -, a vida do empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, o dom Ciccillo, estaria infinitamente melhor. Nesse instante, por exemplo, ele não estaria às turras com autoridades da República, como o Ministério Público Federal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nem com o Instituto de Terras do Estado do Pará, o Iterpa, por causa do megalatifúndio que alega possuir em Altamira, no Pará, maior do que o estado da Paraíba, razão de seu título de maior grileiro do mundo.

Dom Ciccillo se diz dono de duas áreas amazônicas que totalizam quase 6 milhões de hectares. Uma é a fazenda Xingu, de 1,2 milhão de hectares, formada a partir de 1997, pela compra de antigos seringais, ao longo do rio Xingu, que pertenciam ao espólio de uma certa família Moura. Segundo a Superintendência do INCRA, a área da fazenda Xingu se sobrepõe às reservas indígenas do povo araueté, no igarapé Ipixuna, paracanã, na reserva Apyterewa, e à Floresta Nacional do Xingu. Além disso, a descrição do perímetro de todos os seringais que compõem a fazenda – seringais Forte Veneza, Humaitá, Belo Horizonte, Mossoró e Caxinguba – não bate com as coordenadas geográficas contidas nas escrituras.

A outra, a fazenda Curuá, de 4,772 milhões de hectares, é uma vastidão quase intocada. Rica em biodiversidade, sua floresta nativa hospeda cerca de 350 espécies de árvores, 1.400 de vertebrados, quinhentas de peixes e uma quantidade não estimada de insetos não catalogados pela pesquisa científica. Pontilhada por dezenas de rios perenes, muitos deles navegáveis, a região é abundante em madeiras, nobres como o mogno e em reservas minerais como o ouro.

Ocupando mais da metade da vastidão florestal chamada Terra do Meio, a Curuá, também conhecida como Ceciliolândia em alusão ao suposto proprietário, abriga ainda três terras indígenas (das tribos xipaia, curuá e caiapó-baú-mecranoti), a Floresta Nacional de Altamira e dois assentamentos do INCRA (Nova Fronteira e Santa Júlia). Por lá vivem umas duzentas famílias de ribeirinhos e extrativistas, distantes horas de barco entre si, em situação de seno-abandono – quase todos analfabetos e sem certidão de nascimento.

Uma viagem de barco de Altamira até uma das bases instaladas pela administração da fazenda Curuá – na localidade de Entre Rios, onde os cursos dos rios Curuá e Iriri se encontram antes de desembocar no rio Xingu -, pode levar até dezoito dias no inverno (a época de chuvas) e pelo menos uma semana no verão. Um vôo de Minuano leva uma hora e meia.

A grilagem e os grileiros

O interesse de dom Ciccillo pela floresta surgiu em dezembro de 1994, quando ele deparou com um anúncio publicado no jornal 0 Estado de S. Paulo que oferecia, por 40 milhões de reais, “a maior fazenda do mundo”. Meses depois, três assessores de Cecílio foram à sede do Iterpa e manifestaram, diante de diretores da entidade, o desejo do patriarca de implantar na área um projeto de preservação ambiental “auto-sustentável” batizado de Floresta para Sempre. Na ocasião, os assessores teriam sido alertados de que o Estado do Pará jamais fizera concessão de terras com aquelas dimensões a particulares. Mais: foram informados de que se tratava de patrimônio público, uma vez que não havia nos arquivos do órgão nenhum registro de título definitivo expedido pelo Estado para aquela localidade – Cecílio nega ter sido avisado e atribui a versão a ‘débeis mentais do Iterpa’.

O certo é que no dia 13 de junho de 1995 Cecílio fechou o negócio. Em nome do filho Roberto Beltrão Almeida e da Rondou Projetos Ecológicos, do grupo CR Almeida, ele comprou de Umbelino de Oliveira, empresário já falecido, o controle acionário da Incenxil – Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda. -, que, de acordo com documentos de procedência discutível, possuía o latifúndio como um ativo da empresa, formado pela junção de dez glebas contínuas, todas elas na margem esquerda do rio Iriri. Isso é o que está registrado no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Altamira, o Cartório Moreira.

A história dessas dez glebas remonta a 1923. Na ocasião, o governo do Pará arrendou quatro delas, uns 30.000 hectares, a quatro comerciantes – João Gomes da Silva, Francisco Aciolly Meirelles, Bento Mendes Leite e Anfrísio da Costa Nunes -, permitindo-lhes o extrativismo nos castanhais e seringais da área. Os quatro contratos eram idênticos. Rezavam que a concessão não podia ser repassada a terceiros, sob pena de rescisão imediata. E tinha de ser renovada anualmente; se não fosse, caducaria. Nenhum desses itens foi respeitado.

Ao contrário, no dia 9 de janeiro de 1984, o cartório Moreira, de Altamira, privatizou as terras públicas, transferindo as dez glebas – 4 milhões de hectares – aos herdeiros de um certo coronel Ernesto Acioly dá Silva. Segundo atestou o cartório, a área teria sido adquirida, por meio de “título hábil”, da Diretoria de Obra, Terras e Viação do Estado. “Título hábil”? 0 governo do Pará jamais encontrou tal documento nos seus registros de concessão de terras. Tampouco os supostos possuidores do “título hábil” o apresentaram.

Em dezembro de 1993, a área mudou de dono. Umbelino de Oliveira, representando a empresa Incenxil, compareceu ao mesmo cartório Moreira e, diante da oficiala Eugênia Silva de Freitas, após à matrícula 6.411 – a mesma que repassara as dez glebas aos herdeiros do coronel Aciolly -, um mapa, elaborado em 28 de março de 1993 pelo agrimensor Nilson Lameira de Souza, acrescendo mais 772.000 hectares de floresta aos 4 milhões de hectares, já “registrados” como propriedade particular. Para dar ao mapa idade mais antiga e legitimar as operações suspeitas realizadas no passado com a matrícula 6.411, a oficiala Eugênia lavrou a certidão como se o documento tivesse sido elaborado dez anos antes – 28 de março de 1983.

Por causa dessa trajetória sinuosa e recorrente, de registrar indiscriminadamente terras do Estado sem consultar o órgão responsável pela política fundiária do Pará (que oficialmente legitima o registro cartorial), dona Eugênia está sendo processada por crime de falsidade ideológica Os advogados que a defendem foram contratados por Cecílio do Rego Almeida.

Floresta de papel

O primeiro processo (270/96) contra as pretensões de Cecílio na Amazônia foi ajuizado na comarca de Altamira, em agosto de 1996. Trata-se da ação ordinária de nulidade e cancelamento de matricula movida pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa) contra a empresa Incerixil. A ação pede o cancelamento de registro da fazenda Curuá “em vista de haver restado provado, após estudos e levantamentos, realizados inclusive no próprio cartório, que jamais houve ato causal que originasse a propriedade privada em questão’.

A ação está parada há quase dez anos. Durante todo esse tempo, o Tribunal de Justiça do Estado não decidiu se tem competência jurídica para julgar a questão ou se a remete à justiça Federal.

Em março de 2003, o Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal em Santarém que cancelasse todos os títulos de terra e registros da fazenda Curuá e denunciou criminalmente os titulares da Incenxil e dois oficiais do cartório de Altamira, entre os quais dona Eugênia, por envolvimento em falsificação para a grilagem de terras da fazenda Curuá.

Por fim, no dia 14 de abril passado, o Ministério Público Federal, por meio dos procuradores Felício Pontes Júnior, Gustavo Nogami e Ubiratan Cazetta, ajuizou uma ação civil pública contra a Incenxil para evitar que, com a criação, em novembro, da Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio, pelo presidente Lula, o Ibama seja obrigado a indenizar 736.000 hectares declarados de interesse social a detentores de títulos de terra abarcados pelo decreto – a Procuradoria da República constatou que metade da área coincide com trechos grilados da fazenda Curuá. “Em vista da histórica fraude’, escreveram os procuradores, “a União poderá ser obrigada a desapropriar um imóvel que lhe pertence, ocasionando vultosos prejuízos para os cofres públicos”.

Para eles, “o alastramento da corrupção perpetrada pela Incenxil nos registros públicos do Pará significa o desordenamento agrário, a violência no campo, a devastação ambiental e o sofrimento de milhões de pessoas que poderiam e deveriam usufruir uma reforma agrária profícua’.

Em 12 de agosto passado, o juiz federal Fabiano Uerli ordenou que a empresa Incenxil “interrompesse qualquer atividade ou ocupação na fazenda Curuá” e que o imóvel “permanecesse indisponível para venda ou troca’, além de suspender qualquer pagamento de indenização por parte do Ibama. Na prática, a Ceciliolândia ficará intocada até o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, caso a empresa recorra da decisão do juiz Fabiano.

O QG de Cecílio

É de um palacete amarelo de piso de granito e paredes revestidas de madeira, que ocupa uma quadra inteira da rua Vicente Machado, no bairro Batel, em Curitiba, onde a modernidade da tecnologia não ofusca a decoração clássica do interior, que dom Ciccillo toca seu império, como presidente do conselho de administração da holding capitaneada pela CR Almeida, o mega-grupo que controla uma penca de empreiteiras menores, as estradas do sistema Ecorodovias-Imigrantes (SP), Caminho do Mar (PR) e Ecosul (RS), a indústria de explosivos Britanite e a Rondou Projetos Ecológicos.

Dom Cicillo parece estar sempre à beira de um ataque de nervos. Não, ele não conhece a revista Caros Amigos, mas espera que ela não seja “marxista”, não de Karl Marx, mas de Groucho Marx, uma vez que ultimamente só jornalistas “palhaços” o entrevistam. O repórter há de entender. Ele, um empreiteiro de obras fantásticas como a rodovia dos Imigrantes, que conquistou prêmios no estrangeiro pela preocupação ambiental do projeto, não se prestaria a perseguir ribeirinhos ou índios. Ademais, depois de cinqüenta anos construindo o Brasil, como uma pessoa com o patrimônio que ele possui poderia ter coragem de fazer grilagem? Para que uma pessoa assim faria uma coisa dessa?

E a sua trajetória pessoal, doutor Cecílio?

Ele apanha uma edição da extinta revista Manchete que o traz como um de dez personagens escolhidos pela publicação para compor a série “Do Zero ao Infinito”. No alto da página, em letras garrafais, aparece o nome “Cecílio do Rego Almeida” em vermelho, logo abaixo uma declaração dele: “Eu joguei no desenvolvimento do Brasil”. Cecílio relê a matéria saltando trechos. “Está tudo aqui, minha infância, meus primeiros negócios, pode usar e abusar.”

Em seguida, apanha livros e folhetos que revelam a pujança do grupo CR Almeida, do qual é o presidente do conselho de administração. Um livro enumera as principais obras da empreiteira – rodovias, ferrovias, aeroportos, metrôs, hidrelétricas, terminais marítimos e até o Maracanã, inaugurado quando Cecílio tinha 20 anos de idade e não era nem engenheiro. Explicação: como comprou, em 1974, a construtora Cavalcanti Junqueira, que erguera o, estádio para a Copa do Mundo de 1950, ele achou por bem incorporá-lo ao portfólio de sua empresa.

O batismo profissional de Cecílio ocorreu em 1952, quando ainda estudava na Escola Federal de Engenharia, na rodovia Curitiba-Paranaguá. A obra era tocada pela Lysímaco da Costa, a maior empreiteira paranaense da época. Quando não estava estudando, e ele sempre foi um dos melhores alunos da classe, Cecílio não saía de lá. O que via não o satisfazia.

Por exemplo, fez as contas e percebeu que uma máquina substituiria quatrocentos homens e faria “muito melhor” uma valeta longitudinal. Ganhou pontos com a ‘descoberta’. Mais: para amortizar o preço da máquina, afinal comprada pela Lysímaco, instituiu o trabalho noturno. Outro ponto para Cecílio. No final de 1957, já formado e casado havia um ano, ele era um dos engenheiros mais bem pagos do Paraná. E economizava o máximo. Seu plano era construir um império.

No Natal desse mesmo ano, Cecílio rodou a baiana na empresa em que trabalhava. Ele queria ir para casa, passar a festa em família, mas os chefes, inexplicavelmente, adiaram sua saída por seis horas. Ele se revoltou, brigou feio e pediu demissão “para não passar o vexame de ser posto para fora. Pensou em partir para a Bahia, por causa dos poços de petróleo descobertos pela Petrobras, mas a Lysímaco decidiu contratá-lo como sub-empreiteiro e ele, então, montou a Engenharia e Construções C R Almeida Ltda., em sociedade com o irmão Félix. Capital inicial: 2.500 cruzeiros. Cecílio dera o primeiro passo rumo à fortuna que almejava.

Montou o escritório na garagem da casa paterna e foi fazer bueiros de pedra. Pedras? Cecílio já sabia que era muito mais negócio fazê-los de concreto e investiu pesado na inovação. Passou a ser respeitado. Foi chamado para construir 8 quilômetros de uma estrada num charco. Criou um sistema de drenagem, deu certo e, com a bolada que faturou, passou a ganhar mercado. Para aumentar a participação em obras maiores, ele comprava empreiteiras concorrentes. Até que, em 1965, comprou a Lysímaco. Cecílio já era o maior empreiteiro do Paraná.

Marchas e contramarchas

Para as aspirações de Cecílio não podia haver coisa melhor do que o golpe de 1964. À fome dos militares por obras juntou-se a vontade de comer de Cecílio. Cedo, mão e luva perceberam afinidades que os aproximariam por longo tempo – a ponto de o magnata falar do período com imenso carinho ainda hoje. O auge da união coincide com o tempo mais bravo da repressão política da ditadura, o do general Emílio Garrastazu Médici. A CR Almeida abocanhou no período 37 grandes obras do governo federal, entre as quais a Estrada de Ferro Central do Paraná, a pavimentação da rodovia Belém-Brasília, a Rodovia Rio-Santos, o terminal marítimo do porto de Sepetiba, entre outras.

É nesse período, aliás, que Cecílio começa a ganhar notoriedade nacional – e a ser chamado de ‘dom Ciccilio’.

Acostumado a pagar as comissões de praxe – entenda-se propinas -, algo tido como absolutamente natural no ramo, Cecílio foi surpreendido pelo próprio Médici, que indicou (as eleições eram indiretas) o então deputado federal Haroldo Leon Peres, um amigo com o qual o ditador se divertia jogando biriba em Brasília, à sucessão de Paulo Pimentel no governo do Estado do Paraná. A posse se deu em 15 de março de 1971 para um mandato de cinco anos.

Tão logo assumiu o cargo, Peres chamou Cecílio para renegociar as comissões sobre as obras em andamento, acertadas no governo anterior. Cecílio disse que era impossível, mas o governador bateu o pé. Diante do impasse, Cecílio marcou o acerto para o Rio de janeiro. O fim de semana estava ensolarado e ambos resolveram passear a caráter na praia do Leme – camisa aberta no peito, bermuda e chinelos. No bolso do empreiteiro, um pequeno retransmissor emitia a conversa para o outro lado da rua, onde era captada por receptores e gravadores de agentes do temido Serviço Nacional de Informações, o SNI. A fita foi parar no Conselho de Segurança Nacional, em Brasília. E Peres teve de renunciar ao cargo que exercia havia oito meses.

Fanfarronices e ameaças

Denúncias de fraudes, subornos, sonegação de impostos, remessa ilegal de dinheiro ao exterior, espionagem, grampos telefônicos, cárcere privado, grilagem de terras, agressões e ameaças de morte recheiam a biografia de dom Ciccillo. Com o tempo, sua fama de arquitetar vinganças e perseguir inimigos só aumentou. Para propagar a força econômica que detinha (e no início dos anos 1970 também o poder político), Cecílio apresentava-se à sociedade como um caçador de bisonte”. Ao absorver a ideologia anticomunista dos militares, Cecílio passou a andar armado e a justificar o auto-apelido – caçador de bisonte – revelador da própria truculência.

Cecílio voltaria à cena nacional em março de 1974, por conta de um drama pessoal: seu filho César Beltrão de Almeida, de 12 anos, foi sequestrado no dia 25 e libertado 35 horas depois, após o pagamento do resgate exigido de 15 milhões de cruzeiros, equivalente hoje a 1,650 milhão de reais. Em Curitiba corre a versão de que Cecílio teria castigado dois dos doze criminosos envolvidos no crime: o mentor do sequestro foi jogado de um helicóptero em alto-mar. E outro detido, que cumpria pena no Presídio de Ahu, foi brindado com injeções diárias de hormônio feminino, afinou a voz, ganhou seios, perdeu pelos e virou mulher de malandro na cadeia.

Os anos 1970 e 1980 prodigalizaram de vez Cecílio como personagem de histórias aparentemente inverossímeis. Certa vez, temendo demorar para receber um dinheiro da Companhia Vale do Rio Doce, ele chegou à sede da empresa, no Rio de Janeiro, de pijama, empurrado numa cadeira de rodas por um homem vestido de enfermeiro. Num dos braços recebia soro. Dizendo-se à beira da morte porque sua empresa estava quebrando, sensibilizou o diretor financeiro da companhia, doutor Moretzsohn, a liberar rapidamente o pagamento.

Noutra ocasião, sentindo-se prejudicado numa licitação, Cecílio viajou a Belo Horizonte com um bando de seguranças e obrigou um rival, genro de um banqueiro mineiro, empreiteiro da falida Construtora de Estradas e Estruturas S.A. (Ceesa), que ganhara a concorrência pública, a engolir uma folha do contrato vencedor. De outra feita, quando soube que a esposa de um desafeto da Companhia Paranaense de Energia (Copel) traía o marido, gravou e distribuiu cópias de vídeo da mulher frequentando um motel com o amante.

Seu currículo, porém, não apresenta apenas vitórias. Em 1986, a justiça americana descobriu que o ex-coordenador da dívida externa brasileira e então vice presidente do Morgan Bank, o venezuelano naturalizado norte-americano Toni Gebauer, aplicara um golpe na praça, surrupiando de Cecílio ao menos 2 milhões de dólares. E, em 28 de julho de 1992, Cecílio deu muita sorte ao não embarcar no Learjet que usava, prefixo PT-LHU.

O avião saiu de Curitiba com destino ao Rio de Janeiro com seis pessoas a bordo. Caiu em Iguape, São Paulo. Ninguém sobreviveu. Nunca se soube a causa do acidente.

Outra encrenca feia armada por Cecílio data de 1994. Ao ser entrevistado em sua mansão curitibana, na verdade um forte fincado num bosque, ele prendeu o repórter Policarpo Júnior e a fotógrafa Marleth Silva, ambos da revista Veja. “Se levantar daí, não sai mais da minha casa”, ameaçou. Os jornalistas esperaram um descuido do sequestrador e ligaram para a sucursal de Brasília. Os dois só foram libertados três horas depois pela Policia Civil do Paraná.

Uma de suas mais recentes estripulias veio à tona no ano passado, durante as investigações da CPI do Banestado, quando se descobriu que, no dia 9 de abril de 1998, governo FHC, Cecílio remeteu ao Brasil, a partir de uma conta de doleiros do MTB Bank, de Nova York, 11 milhões de dólares. O dinheiro foi convertido em reais sem passar pelo Banco Central, o que constitui crime financeiro. Trata-se de uma das maiores operações financeiras realizadas por pessoa física no país.

Na verdade, Cecílio não passou um ano sequer livre de encrencas nos últimos trinta anos. São incontáveis as ações que move e responde nas diversas áreas do direito, em diferentes cidades do país. Só no Paraná, hoje, contam-se pelo menos 35 processos.

A entrevista

No dia 18 de abril passado, dom Cecílio seguinte entrevista a Caros Amigos:

Qual é a origem de Cecílio do Rego Almeida?

Eu tive um grande pai. Ele nasceu em 1891 e morreu em 1987: Raymundo Ramos da Costa Almeida. A história dele está neste livreco que eu te dou, feito pelo meu irmão Carlos do Rego Almeida. O livreto conta a história de uma família pobre, mas que sempre teve honra. Aqui você terá uma ideia de quem foi meu pai, um homem de simplicidade extrema, mas que me passou e a todos os seus filhos coisas sábias. Como, por exemplo: o homem só é um verdadeiro homem quando é leal e digno com sua família, leal e digno com seus amigos e leal e digno com os menos favorecidos. Eu considero esse pensamento profundo. Aqui, então, tem a história dele, de uma família que sai de Pernambuco para o Pará, no início do surto da borracha. Então, em vez de eu ficar lendo, é mais fácil o senhor extrair o que quiser daqui…

O senhor é paraense?

Sou paraense, nascido em Óbidos. Vim com 2 anos para Curitiba. Éramos em sete irmãos – três morreram. Um deles, que era um ano e oito meses mais velho do que eu, foi um dos maiores médicos de toda a história do Paraná, chamado Félix do Rego Almeida. Ele fez para mais de 40.000 operações e sempre na Santa Casa de Misericórdia Ele atendia de quarenta a cinquenta pessoas por dia.

Seu pai fazia o quê?

Meu pai foi carteiro. Minha mãe era dona de casa, aliás, ótima dona de casa Aqui, a fotografia de um amigo dele dos Correios, João Malta de Albuquerque Maranhão. Esse João veio antes, com onze filhos. Como era muito amigo do meu pai, escreveu uma carta para que saísse do Norte porque em cem anos a nossa família não teria a oportunidade que o Sul dava Então, viemos e ficamos hospedados na casa dele, em Curitiba. E hoje essa família é como se fosse minha família, e minha família é como se fosse a família Albuquerque Maranhão.

E como foi a sua trajetória pessoal?

Fui uma criança pobre que procurou estudar, e estudar à noite, que começou a trabalhar de uma forma que parecia que eu estava no século 16, porque eu fazia bueiros de pedra: fazia uma base, fazia dois muros de pedra que em cima também era coberto de pedras enormes. Naquela época, o tubo de concreto era muito caro. De Curitiba a Paranaguá tem uma série muito grande ainda de bueiros de pedra. Eu trabalhei muito. E percebi que ia levar uns trezentos anos para ser rico se continuasse a fazer bueiros de pedra. Então, passei a fazer de concreto. Saímos da Idade Média para o século 20. Foi aí que comprei betoneiras. Os operários, eu vinha buscá-los aqui no albergue noturno. Meu transporte era um caminhão Hércules diesel 1942, que eu mesmo guiava e servia pra tudo. Bem, em 1949 eu entrei na Escola de Engenharia, quando ela foi federalizada e virou pública. E entrei um ano atrasado porque antes o ensino era pago e não tinha condição de pagar – todos ajudávamos em casa. Fiz o primeiro ano, o segundo, o terceiro. No terceiro, o professor de geologia era dono da maior empresa de engenharia do Paraná. Eu não colava, era um cê-dê-efe, cu-de-ferro. E geologia era matéria que os outros colavam. E o professor sabe quando é colado e quando não é. Duas pessoas não colavam: eu e o filho de um padeiro, Roberto Brandão. No fim do ano ou no começo do ano seguinte, esse professor me chamou para me entrevistar. Ele disse que tinha uma vaga, mas duas pessoas – eu e o Roberto, que era meu amigo. Eu disse: “Olha, professor, vamos fazer da seguinte maneira: chama o Roberto porque ele está mais na merda do que eu, então é merecedor disso, mas eu gostaria que o senhor guardasse uma vaga para mim também, no futuro. Para meu espanto, ele me chamou. Não fiz nada de errado, o Roberto é meu amigo até hoje. Estou há cinqüenta anos construindo no Brasil e tenho uma comenda por nunca ter sofrido penalidade ética alguma durante cinqüenta anos.

Vamos seguir a linha do tempo. Como era tratar, durante o regime militar, essa questão de obras, que naquela época servia à propaganda oficial do governo, da Transamazônica, do lema “País que vai pra frente”? Gostaria que o senhor fizesse uma análise desse período.

Vou te responder: entendo que foi uma ditadura, mas a mais leve das ditaduras. Hoje existe uma ditadura do PT mais forte do que a dos militares. Se você pegar o primeiro marechal, o Castelo Branco, esse homem foi um grande estadista. De total probidade. Levou gênios para o seu governo, como o Roberto Campos, o Bulhões. Só esses dois nomes transformaram o Brasil. Peguei obras nesse governo Castelo Branco. Eram concorrências. O Costa e Silva durou muito pouco tempo. Em seguida entrou o Garrastazu Médici. Eu sei que foi um governo duro. Houve mortes – houve um negócio lá no Norte do Brasil – que eu condeno. Mataram o Herzog durante o regime militar, mas na época ficava tudo na base do ouvi dizer (que foram os militares). Igual ao que faz hoje esse relator da CPMI da Terra, que fica só na base do que ouve dizer, do que está nos jornais.

Bem, mas no Médici houve muita obra, trabalhamos muito. Ele tinha um grande ministro a quem chamavam de ladrão, o Andreazza. Um absurdo o que fizeram com esse homem. Ele morreu pobre, de câncer, e a família não tinha dinheiro para enterrá-lo. Fui um dos empreiteiros que deram dinheiro. Nunca houve a menor corrupção nossa com o Andreazza. Uma coisa fantástica: você ganhava dinheiro e obras e tudo sem ter de pagar corrupção.

Como se faz a cabeça do empreiteiro para aceitar o esquema do caixa 2, a corrupção, o financiamento de campanha? É na base do, se não der, não participa?

Depois da lei 8.666, e mesmo antes dela, havia a concorrência. São os atestados que a pessoa tem. Daí inventam tudo quanto é manobra para tirar esse, pôr aquele. É inventada a manobra. Quem criou isso muito foi o genro do Antônio Carlos Magalhães, que é meu inimigo, um grande filho da puta chamado César Mata Pires. Ele inventou a coisa mais fantástica. Inventou franchising de balcões de corrupção. Conseguiu trezentas emendas no Congresso Nacional para obras dele. E eu destruí essa boca dele, fui eu.

Como o senhor briga num caso desses?

Eu sabia que ele tinha um homem no exterior, o Raul Gigante. E contratei policiais aposentados da Scotland Yard que filmaram o homem dele viajando de helicóptero para a França, para a Suíça. No dia em que ele veio para o Brasil com a mulher, fui avisado que eles estavam nos bancos 2A e 2B da British Airways. A Polícia Federal foi avisada e prenderam o cara com uma vasta documentação. Fiz isso porque ele foi muito filho da puta comigo. Eu pedi concordata em 1998 por causa desse César Mata Pires, mancomunado com a Sônia Alves, uma jornalista do Jornal da Tarde, de São Paulo. Houve um acerto com a Receita Federal e sai nesse jornal: “CR Almeida arromba os cofres públicos: 578 milhões de dólares”.

Dias antes, houve uma fiscalização da Receita, que me multou em 178 milhões de dólares. Era tão cretina a multa que, no primeiro requerimento administrativo ao próprio filho da puta que era da Receita Federal, baixaram 100 milhões de dólares. Isso foi de 1993 para 1994. Eu tinha ido para a China, nós montamos negócio na China, depois descemos para a África do Sul, porque minha mulher queria conhecer uma reserva de lá. Tive a notícia em Joanesburgo e, quando cheguei no Brasil, dei ordens para o presidente da empresa: “Peça concordata amanhã cedo. Senão, nós quebramos”.

Eu sabia que ia quebrar. E agora, há pouco tempo, desses 178 milhões sobram 2 milhões que nós estamos brigando no Conselho de Contribuintes. Não é o fim do mundo? Não pode ficar parado, tem que sair pra briga, tem que sair pra quebrar as pernas. Esse é o jogo.

E quando muda o governante muda o jogo?

Muda e não muda.

Vamos continuar, então, passeando pelos governos, estávamos no governo Figueiredo…

Bom, eu quero elogiar os governos da revolução. Agora, sou altamente conceituado no meio empresarial de empreiteiros do Brasil. Minha palavra vale, meu nome é respeitado, nunca houve um caso de entregar alguém. 0 único caso que houve foi o desse vagabundo, desse genro do Antônio Carlos Magalhães. No governo Collor fui investigado pela CPI dos Empreiteiros, inventada pelo Jarbas Passarinho, tenho documento disso.

E o que se fala do governo Collor aconteceu mesmo?

Aconteceu. E o mais digno deles era o PC Farias, um homem que tinha palavra. 0 resto era merda.

Muitos falavam em nome do presidente Collor para se beneficiar?

Alguns apareciam, como esse Edemar Cid Ferreira, esse ladrão do Banco Santos. Ele era ladrão lá atrás. E outros. Tem o episódio de um merda que chegou lá bonito, arrumado, e veio cobrar um percentual de um dinheiro que estava recebendo no governo Collor de obra que tinha sido feita no governo anterior. E o cara queria um percentual alto. Eu estava armado, revólver. Porque eu tinha briga com esse César Mata Pires. Daí o cara disse: “Estou aqui, não sei se você recebeu a fatura”. Eu disse: “Sim, recebemos”. “Não, é que eu tenho um percentual:’ Aí eu disse: “Tenho só uma pergunta a lhe fazer: o senhor comeu merda hoje, não foi?” 0 cara era maior que eu. “Como?” “0 senhor, estou perguntando, comeu merda hoje, merda, cocô?” 0 cara não sabia o que fazer. E eu: “Está me achando com cara de que, seu filho da puta! Você vem ao meu apartamento me dizer uma merda dessa, seu cretino!”. “Não, o PC, não sei que” Bem, o cara percebeu que eu estava armado e afinou.

Quem era o sujeito?

Morreu já. Era um baiano que tinha uma companhia de transporte coletivo em Salvador. Eu liguei e o PC disse:
Não, o cara é meu amigo”. Eu disse: “Mas esse filho da puta, na minha frente, e eu com a mão no revólver, esse filho de uma puta quer esse percentual”. E o PC disse: “Não foi isso que eu disse a ele”. Eu disse: “Quanto?” O PC disse: ‘A metade’.

Normalmente, quanto é a comissão?

Esse César Mata Pires paga qualquer comissão. Porque ele rouba, né? Ele foi contratado para fazer o rebaixamento da calha do rio Tietê e não fez. Ele mentiu na topografia. Deu uma enchente e morreram catorze pessoas. Ele topa qualquer negócio. É um porco. Das empreiteiras, é o que destoa, ele destoa dos outros. Porque, se você pegar a Camargo Corres, o Sebastião Camargo é um cara fantástico, meu amigo, eu ia lá pedir conselho para ele, é bem mais velho do que eu; o pessoal da Andrade Gutierrez, corretíssimo; CBPO, pessoal de primeiro mundo em São Paulo; o Lacombe, que já morreu, era corretíssimo. Todos honram o que falam.

Normalmente, quanto é a bola?

Não, isso eu não vou dizer.

E no governo do PT houve alguma mudança?

Não sei se existe porque eles não fizeram nada. Dois anos de governo sem nada, nada foi feito. Então não posso falar. E dessas obras futuras nem posso dizer porque nem saíram os editais. Mas acho que, com as parcerias público-privadas, a corrupção em obras no Brasil virou a página. Porque, na PPP, você é que entra com o dinheiro. O governo dá a concessão. Veja a nossa obra na Imigrantes. Ela consumiu 400 milhões de dólares, sem um único centavo do governo – zero. O trabalho principal foi o ambiente, uma coisa fantástica. Recebeu prêmios no estrangeiro. Você constrói para ser o dono, então isso vai sanar esse aspecto. Vai estimular a competição entre as empreiteiras.

E não vai acirrar o ânimo entre vocês?

Não. Vai ter para todos. E você não estará fazendo obras para o governo, mas para você mesmo. Você vai ter a concessão por vinte, 25 anos, vai fazer o melhor tipo de obra com o menor custo ao longo do tempo, não é isso? Senão, você perde dinheiro. Porque daí o panaca que passa de carro paga o pedágio. Também tem casos em que a gente paga uma taxa ao governo.

Com as terras do Pará o senhor faria parceria?

Eu tenho 75 anos de idade. Faz dez anos que comprei essa merda lá no Pará. Você acha que uma pessoa que construiu estradas, ferrovias, barragens, túneis, portos, aeroportos pode pensar em querer fazer uma grilagem na terra em que nasceu? Isso, qualquer cabeça sã não aceita, é impossível que venha a ser acusado de perseguir ribeirinhos ou índios. Só uma montagem feita pelo procurador da República do Pará, chamado Felício Ponte, que há dez anos não faz outra coisa a não ser perseguir a nossa empresa. Esse Felício Ponte se julga um vice-rei da Amazônia. Vou entrar com representação contra ele na Procuradoria da República e, também, vou processá-lo. Não é possível que um país como o Brasil, em plena democracia, tenha medo ou do partido dominante ou da promotoria pública. Eu não tenho.

Então, vamos esclarecer de uma vez por todas, doutor Cecílio. Quando, como e por que o senhor adquiriu as terras no Pará?

Em dezembro de 1994, h classificado em jornal de circulação nacional que anunciava a venda dessas terras no Pará. Interessei-me. Seria uma oportunidade de enfrentar um novo desafio. Fui ao então governador do Pará, Almir Gabriel, que fora senador junto com meu irmão Henrique. Queria informações sobre as terras, especialmente as anunciadas no jornal, que eram de propriedade da empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda. – Incenxil. A resposta levou à conclusão de que o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) não era organizado o suficiente para dar informações precisas. Fui, então, apresentado ao dono da Incenxil o senhor Umbelino de Oliveira, que havia mais de trinta anos explorava as terras de forma não predatória, com extrativismo de látex, castanha, tendo sido o maior produtor do Estado do Pará durante muito tempo. Mostrei meus planos a ele e ele me disse que venderia a empresa até mais barato, pelo fato de ser um projeto inovador, que não destruiria a floresta de onde ele tinha tirado seu sustento. A compra foi feita em Belém no dia 13 de junho de 1995.

Mas por que diabo o senhor comprou essas terras no Pará, porque estavam em oferta?

Não. Se você pegar o mapa, eu nasci em Óbidos, o meridiano que passa por Óbidos passa por essas terras. Essas terras são no Pará. Eu não ia fazer uma fundação. Eu ia fazer um instituto com o nome da minha mãe para desenvolver esse projeto ao longo de duas gerações. Meu sonho era buscar o que havia de melhor de seringueiras na Ásia, que foi roubado do Brasil em 1930, mais ou menos. Esse seringueiro que se fodeu, que mataram, o Chico Mendes, era um líder mesmo, viu? Eu ia abrir essas terras aos seringueiros, dando a eles o que há de melhor em matéria de sementes, mudas. Tendo funcionários da Embrapa e aqui do Paraná da Emater, aposentados, homens de mais de 50 anos de idade que quisessem aceitar esse desafio de mudar uma região e melhorar a vida desses seres humanos. Isso é o meu sonho. Há outros. Você sabe que o jacaré é um bicho muito valioso. Claro que você não pode matar o jacaré hoje. Mas o jacaré de criatório você pode. E é a coisa mais simples do mundo fazer um criatório de jacaré. A mesma coisa, a tartaruga fluvial. Pensava também em um sócio japonês para criatório de peixes amazônicos, peixes de 2 metros, 300 quilos, desviando com dutos a água do rio para a criação. Claro, eu preciso energia, preciso a tecnologia dos japoneses em matéria do empacotamento do peixe congelado. Vá somando essas coisas. Eu ouvi que foram presos na Amazônia uns franceses que chegaram de balão – eles fizeram errado, coitados. Eles desciam na copa das árvores com uns sapatos parecidos com essas raquetes de tênis para colher microrganismos – e roubavam, também, claro, toda uma sabedoria indígena de cura com ervas, Vem aí o biodiesel. E você tem o dendê, que dá muito bem lá.

Por quanto o senhor comprou essas terras?

Paguei o equivalente a 6 milhões de dólares. O tamanho da área que comprei é de 4 milhões, 772.000 hectares.
Segundo o artigo 188 da Constituição, o senhor teria que ter uma autorização de compra pelo Congresso Nacional.
Não tinha nada A propriedade é anterior à Constituição. Depois que existia essa propriedade é que vieram com esse papo. Mas e o direito adquirido, de antes? Teria que passar pelo Congresso Nacional? Isso apareceu numa Constituição, não sei se de 64 ou 88, e a propriedade é de antes. Pode perguntar para qualquer advogado, que não precisa passar pelo Congresso. Isso é uma besteira, é coisa de comunista burro. Daí, um débil mental chamado Paraguaçu Éleris, que era diretor do Iterpa, e o outro, o presidente, que era o Barata, vieram dizer que me avisaram. Mentira Eles não avisaram merda alguma E, mesmo que tivessem avisado, eu não ia acreditar nos débeis mentais. O Iterpa foi fundado em 1975, teve vinte anos para regularizar a parte fundiária do Estado. Faltava um mês para completar os vinte anos e eles não tinham feito absolutamente nada Então, por que é que eu iria perguntar ao Iterpa se podia possuir a área?. Simplesmente não fui. Oito meses depois que as terras eram minhas, procurei o Iterpa já com um pré-projeto para fazer uma parceria com o governo do Pará. Eu queria que o povo do Pará participasse também, via governo. Com a regra lógica de que o dono era eu. Eu não ia ficar subordinado a funcionário público.

Como seria a parceria?

Faria uma parceria, eles teriam 5 por cento. Porque, se eu tivesse o governo do Pará como parceria, eu teria poder de polícia via meu parceiro. Isso era importantíssimo, ter poder de polícia isso é meu. Uma vez feita a parceria com o governo do Pará, eu traria a Universidade do Maranhão, a Universidade do Pará, a Universidade do Amazonas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Goeldi, que faz parte do governo do Pará. Aqueles armazéns no porto de Belém, que os ingleses fizeram, que subiu a areia e não existe mais o porto lá, esses armazéns pertenciam ao Ministério dos Transportes. Eu queria ficar com eles para fazer uma Escola de Ecologia. E mais tarde pretendia fazer um negócio de turismo para hotel. Abrir novos cursos. Pra ajudar. Entrava o governo do Pará. Foi aí que o Iterpa entrou com uma ação de anulação de nossa matrícula, esse Felício Pontes com o próprio Lamarão do Iterpa, que falou de mim e eu processei e está para ser preso – ele que não fale mais um pio de mim, que ele vai ser preso, deixou de ser réu primário. Porque foi a maneira que encontrei de calar a boca desses filhos da puta. Tem também um merda de um jornalzinho de lá chamado jornal Pessoal. Esse eu também processei. Tá no bico pra ser preso. Ele já foi processado por um desembargador e foi condenado, então não é mais réu primário.

Legalmente, o senhor ainda não é dono da terra.

Besteira. Eu sou dono da terra. Estão grilando a minha terra. Mas eu estou na moita, não adianta brigar agora, não é hora. Você tem que esperar. Depois é que veio esse troço da matrícula, que esses filhos da puta agora querem anular dessa maneira, a mais cretina possível.

O que se alega para anular?

Não alega nada, eu posso dar a ação para você ver, é uma merda.

Como o senhor toma conta de uma área do tamanho da Bélgica?

Duas vezes a Bélgica. Já havia brigas na estrada BR-163. Invadiram. Eu sei como vou fazer no futuro. Não vou brigar com invasores, mas vou fazer parceria com os caras que estão na minha terra. Eu não vou brigar porque vou conseguir a expulsão deles da terra. Agora, não, mas no futuro…

O senhor está trabalhando na moita…

Estou quieto com relação às invasões. Mas é gente que está fazendo plantações. 0 cara não está derrubando madeira. Mas já teve gente lá para derrubar madeira. E esse é ladrão.

Como o senhor vai fazer com essa turma?

Ah, esse não entra, esse tem medo. Eu consegui expulsar o maior ladrão de madeira do Pará, ele agora vai derrubar madeira no Peru. Esse cara sumiu. Ele entrava com um grupo com trator, motosserra. Nós apreendíamos tudo.

Como?

Entrávamos em juízo, o juiz determinava que o secretário de Segurança providenciasse para que a Polícia Militar e a Polícia Civil fossem ao local para a apreensão, levassem fiscais do Ibama, que só eles têm poder sobre crime ambiental. Só que os caras do Ibama são mancomunados com os madeireiros, e os caras do Ibama ficavam putos mas iam, era uma ordem judicial. ‘:Ah, mas precisa de avião” Eu punha avião. Daí tiravam os caras de lá e a madeira que eles cortavam ficava lá. Eu consegui deixar a madeira num fiel depositário lá em Altamira. Daí, um ministro da época, do Meio Ambiente, chamado José Carlos Carvalho, fez um farol, desceu lá vestido de Rambo, com exército, para apreender a madeira que eu havia apreendido, e doou para uma ONG. Foi um chucho.

O que é chucho?

Chucho é marmelada, sacanagem.

Como a área do senhor é muito grande, como sabe exatamente onde eles vão atacar?

Nós temos guias. Se vierem de barco, em geral vêm de barco… 0 rio Curuá se junta ao Iriri numa ponta que é a Entre Rios, que é como se chama esse lugar onde tem pista de pouso, tem casas, tem gente nossa, tem rádio para comunicar Altamira, Altamira comunica Belém para,, em seguida, desencadear a ação. Então, nós compramos ali 4 milhões e 772.000 hectares e compramos mais uma posse de não sei quantos anos de uma família chamada Moura, de 1 milhão e 200.000 hectares. São, então, duas áreas: uma é a fazenda Curuá e a outra, que era da família Moura, fazenda Xingu.
Mas a acusação é de que a compra da Curuá foi registrada num cartório cuja funcionária teria sido processada por corrupção ou coisa do gênero.

Não foi. Tem ainda um processo. Não conseguiram comprovar. Ela está lá. Ela é de Altamira. É uma mulher que sofre de elefantíase, as pernas deste tamanho, tem dezesseis filhos adotivos, tem filhos formados, e é de uma bondade incomensurável. Dona Eugênia. Essa mulher é que querem pintar disso e eu pus advogados para defendê-la.

Não seria nenhuma troca de favor entre o senhor e ela?

Não, porque esses documentos foram feitos lá por 1984. Eu comprei a empresa que era a dona da matrícula, não tem nada a ver com dona Eugênia.

E esses 1,2 milhão de hectares?

Isso é fora, é uma outra área no rio Xingu, eu te mostro no mapa.

Se existe um vice-rei no Pará, o rei seria o senhor?

É a primeira vez que ouço isso. Isso foi inventado por você.

Rei do Pará, rei da Amazônia?

Nunca vi isso escrito em jornal, em revista. O que existia é que eu tinha uma terra tão grande que se chamava Ceciliolândia – foi coisa desse filha da puta do Roberto Guita.

Por que o senhor sempre surge na imprensa como a pessoa que é o maior grileiro do mundo?

Tudo iniciou com o Roberto Civita. Eu estava entrando num novo negócio no Brasil,que é transmissão de dados – de bancos, de grandes companhias. Aí, eu aluguei seis transponders, que servem para captar e enviar mensagens via satélite. O aluguel era de 23 milhões e 900.000 dólares por ano, quase 2 milhões de dólares por mês. E ele me atacou, pensando que eu ia entrar em televisão a cabo.

Como o senhor sabe que foi isso?

Ah, como é que eu sei? Claro que eu sei. Eu consigo saber as coisas. Ontem, nós não estávamos na CPMI e eu já sabia dessa nova ação contra as minhas terras? Como é que esse palhaço desse relator do PT (deputado João Alfredo, PT-CE)..) ele foi filho da puta, começou a me irritar. Por que eu engrossei com ele? Não aceitei fatos em jornais. Porque isso é prato requentado. São notícias requentadas. Você põe uma em cima da outra e são todas iguais, em todos os jornais, em todas as revistas.

Toda vez que o filho da puta do Felício Pontes quer alguma coisa, o Carlos Mendes, redator de O Liberal, aperta um botão e nós temos no Brasil inteiro essas notícias. São essas pessoas. E um outro jornalista, um cretino que eu mandei para lá e ficou com raiva do nosso grupo. Agora, como eu posso chamar um cara que trabalhou comigo e, depois, para ganhar 150.000 dólares – que vai ser pedida a quebra do sigilo bancário dele e ele, ó, vai para o espaço.

Quem é?

É o Tarcísio Feitosa, um merda que trabalha na Comissão Pastoral da Terra, um caboclinho, que agora está bonito lá, de caminhonete. Acho que também é do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e de outra merda lá.

Como grande proprietário rural, o que o senhor acha do MST e da UDR e como vê o futuro no campo?

Isso não é problema meu, é problema do Lula. Mas você acha que esse monte de menos favorecidos, analfabetos têm capacidade de fazer uma agricultura? Capacidade para criar umas galinhas, um porco, isso eles têm. É só ver a fazenda que o governo comprou, a fazenda Itamarati, do Olacyr de Moraes, ficaram com a metade. Eles roubavam os equipamentos da fazenda. E se foderam lá. Totalmente. E ainda queriam a outra metade do Olacyr!

Isso é negócio do Pedro Stedile, do Rainha, de tirar dinheiro de miserável. Quem tinha razão nisso era aquele coronel Neves (Neves está preso em Curitiba, acusado de tráfico de armas e formação de milícias para a UDR). Não sou favorável à tortura, à violência, acho um absurdo um sujeito entrar numa casa – essa história é complicada porque o MST invadiu, mas tudo bem – com criança, com mulher de camisola, seminua, como se pode fazer uma coisa dessa? Acho isso uma coisa brutal. Se ele realmente fez isso, eu quero que ele se foda. Agora, o contrário também é verdadeiro. Por que esse merda desse Rainha tem direito de entrar na propriedade alheia, do sujeito que comprou, pagou? Claro que tem que se formar uma reação, que é a UDR. Claro. E eu até acho a UDR muito frouxa. Se eu fosse ruralista, essa merda não estaria assim.

Estaria como?

Ah, estaria resolvido. 0 Roberto Requião fazia os sem-teto entrar nas minhas propriedades, cercava lá com tratores, arrebentava a luz e entrava na minha propriedade. Arrebentava a luz, arrebentava a água, fazia um fosso em torno das casas. Eu tinha centenas ou milhares de casas aqui em Curitiba. Vendi tudo.

Mas como o senhor acha que poderia ser resolvido o conflito?

Só na força. Não tem outra maneira: só na força! A propriedade é minha, não entra (exaltado, dá um tapa no vidro da mesa).

Entra algum vagabundo na sua casa?

O pior é que de vez em quando entra.

E o que você faz?

Vou para o banheiro onde eles colocam a mim e a minha família, enquanto rapelam a casa.

Chama a polícia…?

Chamo a polícia.

No meu caso eu tenho granadas. Tenho aqui em Curitiba e tenho em Morretes. Granadas.

Como o senhor agiria no meu caso?

Eu faria exatamente como você fez. Se eu estivesse com minha família, meus filhos pequenos, eu tirava meu relógio, tome o relógio, só não quero que façam nada com a minha mulher. 0 melhor banheiro que tenho para vocês me prenderem é aquele, tome a chave, me prendam lá. Você não foi covarde, foi inteligente. Deve ter sido preto esse filho da puta que entrou, né?

Não. Um mulato e dois brancos.

Brancos… deviam estar cheirados. Muito bem. Eu tenho uma propriedade, uma fazenda, vamos dizer, porque eu vi um palhaço do Paraná.. Porra, com uma indústria lá dentro, o melhor em matéria de plantei, de gado. Você acha que eu vou deixar vagabundo entrar e fazer churrasco com o meu gado?… Milícias? Não. Eu faria treinamento para os meus operários, com calibre 12. Treinava os meus funcionários a se defenderem. Que direito tem esse filho da puta, esse maluco do Pedro Stedile? Ele não quer a reforma agrária, ele quer a revolução. Ele quer alcançar o poder, esse idiota. Você acha que isso é uma coisa de coitadinho? Faça um somatório de tudo o que produziram todos esses assentamentos: uma merda.

Há assentamentos que são exemplo de reforma agrária, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Mas veja, esse ponto de vista é o inverso. Hoje, quantos assentamentos deram certo? Quantos? Cinco, seis. Por que eles não imitaram esses cinco, seis, para os outros? Hoje, o sem-terra é dono de botequim, é dono de loja, tem automóvel. É isso que está havendo: muita corrupção. Venda de lotes já pegaram mil vezes. Mas como o pessoal do MST é rico, e só tem comuna no INCRA, que acha que tem que tirar dos ricos para dar para os pobres… Os caras estão brincando. Eu defenderia a minha terra.

Para defender suas terras lá no Pará, o senhor precisaria de um pelotão.

Não, não, uns trinta homens armados com rifles da policia.

Para cuidar da Bélgica inteira?

Não, da Bélgica inteira, não, dos focos. Prendia os tratores, prendia o equipamento. Algemas, mandava sacos de algemas.

Com polícia particular?

Eu, não, quem faria isso seria a polícia, o Estado.

Porque o senhor tem facilidade de chamar?

Não, eu não tenho a facilidade. É uma ordem judicial, porra.

Um momento, acho que estou me expressando mal, desculpe. Quero dizer o seguinte: o senhor tem uma área de terra do tamanho de duas Bélgicas, como o senhor falou. O senhor tem tantas entradas nessa fronteira…

Agora, nessa nova terra, na fazenda Xingu, esse Bida, que matou a freira americana, já tinha desmatado 6.000 hectares. Depois desse assassinato ele voltou lá, se escondeu lá.

Nas suas terras?

Não, lá perto. Nessa CPMI eu fui chamado por causa de um artigo do Carlos Mendes. Dizia: ah, prendemos, despejamos agricultores, pequenos posseiros, coitadinhos. Não! Pegamos posseiros, porra, tinham devastado 6.000 hectares de floresta para plantar sementes para boi, para capim (pega o mapa). Essa é uma área, a de 4 milhões e 772.000, e essa é a do Xingu (de 1,2 milhão de hectares). Foi por aqui, assim, que eles .. eles querem formar tudo isso aqui como parque roubando a mim.

O senhor acha que um dia suas terras podem voltar a ser da União?

Paguem, ora. Eu ia procurar receber o valor potencial, que eu venho com isso há dez anos. Não é só a terra em si, é o valor que está acima da terra.

Mas normalmente a desapropriação é feita..

Não, você está enganado. Isso é só pra bobo.

Como seria feito então?

Em alguns casos têm que pagar o que está acima da terra, em matéria de vegetação. E pra quê o governo federal vai gastar dinheiro? Por que ele não deixa o particular fazendo o novo plano? Porque é um monte de comuna burro, que acha que só o governo… Não, esses putos querem, como tem o negócio do ouro, do índio e dos diamantes, eles querem se refestelar no roubo, na corrupção, na sacanagem. O Ibama, o INCRA e a Funai. Estão criando terreiros para eles.

O senhor ataca todos os órgãos federais.

Não, eu ataco as pessoas, algumas pessoas desses órgãos federais. E do Estado do Pará, esses idiotas do Iterpa que não fazem nada, só estão comendo.

Como o senhor vê a questão indígena?

Nas minhas terras restam 120 e poucos, entre curuás, xipaias. O chefe da tribo xipaia, que não tinha tribo nem porra nenhuma, Manuel Xipaia, tem RG do Piauí. Ele nasceu na cidade. Fez grupo escolar na cidade onde nasceu. E lá no Pará ele se pinta: “Manuel Xipaia, chefe da tribo. Levou até alguns vagabundos de Altamira para lá, pôs lá, não tem nada a ver com índio. Daí apareceu uma puta, só pode ser uma puta, de uma antropóloga comunista, querendo tirar 300.000 hectares para oito, doze pessoas. Quer dizer, é um absurdo você ser tapeado pelo Manuel Xipaia! Se eles fizerem uma lei, eu não posso fazer nada. Eu vou ser desapropriado, vou receber uma gaita e não posso fazer absolutamente nada. Mas nas coxas? Porque tem que ter uma regra de antropologia, o cemitério, não sei o que. Mas os caras não fazem nada disso.
E o que o senhor acha do programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia) e como as ONGs atuam lá na sua região?
O projeto Arpa é capitaneado pela multinacional WWF, com dinheiro do Banco Mundial, da norte-americana Moore Foundation, do Banco de Cooperação da Amazônia e uma contrapartida do Ministério do Meio Ambiente. Ele pretende criar unidades de conservação na Amazônia. Para isso, desenvolve um lobby no Ministério do Meio Ambiente e no Ibama e conta com o aval de entidades como o ISA (Instituto Socioambiental da Amazônia) e outras ONGs nacionais menos conhecidas, que vivem da doação de recursos públicos. No fundo, eles querem fazer o governo brasileiro aceitar 240 milhões de dólares em doações, a serem feitas até 2012, sob a condição de criar as unidades, engessando 500.000 quilômetros quadrados da floresta amazônica e retirando da sociedade brasileira o direito de decidir qual a melhor forma de ocupar e explorar esse território, Os processos no Ibama para a criação dessas unidades de conservação não têm critérios técnicos, não levam em conta a realidade local, sem consultas públicas e debate amplo. Alguns técnicos e representantes de ONGs internacionais se reúnem lá em Brasília se debruçam sobre mapas e imagens de satélite e desenham as áreas a serem protegidas. Depois usam entidades como a Comissão Pastoral da Terra e associações de trabalhadores rurais como massa de manobra para tentar demonstrar que, para coibir a ocupação de terras públicas e atos de violência contra os moradores tradicionais, devem ser criadas unidades de conservação e reservas extrativistas. Mal sabem que áreas indígenas e florestas nacionais têm sido palco da devastação sob a falsa e tíbia proteção da Funai e do Ibama. São essas entidades que financiam e fomentam a criação e expansão de terras indígenas, que se unem às áreas de conservação, formando um imenso território contínuo. No futuro, com apoio internacional, terão condições de promover a autonomia desse território. Não sou contra reservas indígenas, áreas de conservação. Mas questiono os critérios empregados – irracionais e antinacionais. Recentemente, saiu na imprensa, o senhor Paschoal Lamy, presidente da Organização Mundial do Comércio, propôs a internacionalização da gestão dos recursos naturais que pertencem aos brasileiros, tratando o nosso território como bem público mundial. Agora, foi nomeado presidente do Banco Mundial o senhor Paul Wolfowitz, um dos falcões do presidente Bush e mentor da guerra do Iraque sob falsa alegação de que aquele país estaria desenvolvendo armas de destruição em massa. Wolfowitz será o responsável pela cobrança dos resultados dos programas que b Banco Mundial financia, e nosso governo, por ter se comprometido com o programa Arpa, estará sujeito à tutela internacional de nossos recursos naturais. Então, nós somos o ladrão de carteira..

O senhor?

Eu não, essas merdas dessas ONGs brasileiras. São ladrões de carteira, punguistas, como é?, trombadinhas. Essas ONGs são trombadinhas. Essas que deram a madeira. Tiraram um dinheirinho, 150.000 dólares para o Tarcísio comprar uma caminhonete bonita. Fizeram tudo, menos proteger o menos favorecido. O menos favorecido são eles mesmos. Essas ONGs, ONG da água! Isso aí é tudo negócio e têm vergonha de falaz Aqui no Paraná quiseram me fazer de vítima de uma ONG de um chileno vagabundo – acho que é da Amigos da Água, coisa assim – junto com um advogado polonês, um puto, vagabundo, Antonieck, coisa assim. Por que uma ONG querendo entrar na minha propriedade, que é um negócio lindo pra caralho, com portão, com guarda, não entra. “Eu sou da ONG.” Não entra, dá o fora, não deixamos entrar vagabundo aqui na propriedade, dá o fora! Esse pedaço meu é pequeno. Tem 1.000 metros por 800 e pouco num parque estadual, que faz parte de um parque nacional na Mata Atlântica. E isso foi o governador Álvaro Dias, ele fez isso. A Mata Atlântica no Paraná é altamente conservada. Mas o meu lote estava fora porque tinha sido serraria naquele local, há 120 anos atrás, e depois foi para criar boi. E eu comprei da família. E esses palhaços não entendem nada de nada. Do outro lado do rio, mais para a frente, tinha umas casas que em 1920 tinham sido construídas e hoje estão num bagaço. Eu entrei na prefeitura para restaurar as casas, fiz um negócio lindo numa das casas, a do meu encarregado, com madeira de pinho-de-riga, e esses palhaços queriam que eu desmanchasse a casa. Mas caíram na cagada de querer explorar 160 proprietários pobres, caras que têm seu lugarzinho lá com três mesinhas pra comer seu churrasco. Na hora que eu vi que estava com mais 159 palhaços, eu disse, porra, quero ser o último a desmanchar a casa lá. Acabou-se. Porque eles quiseram roubar demais. Pensei: ficar na mão de gente assim? Eu ia mandar queimar a casa desse filho da puta. Desse, eu ia mandar queimar a casa, do chileno.

Mas o senhor ia mandar queimar…

Sem gente dentro. Lógico, porra, que que há?

Pela ação deles,a sua reação seria essa?

Minha reação seria essa. Eu fiz chegar no ouvido dele. Que ele se cuidasse. Porque eu não ia engolir merda nenhuma de um chileno filho da puta e podre como ele. O nome dele eu não lembro. É Amigos da Água, aqui do Paraná. Então,
a forma de reagir é essa.

Estamos no fim… Mais duas perguntinhas. Analise o governo Lula.

Eu só posso analisar da seguinte maneira. Minha mulher votou no Lula e eu também. Interessante foi o seguinte. Eu votei aqui no Paraná, ela foi para São Paulo, votou no Lula, tomou um avião para os Estados Unidos. A filha dela estava estudando lá. Ela tem 52 anos. Infelizmente não tenho nenhum filho com ela, devia ter, o filho nós perdemos, eu queria, tenho certeza que seria formidável ter um filho com ela. Bem, eu vim para casa, estava em casa e pedi para botarem frutas, queijinho, bolacha, pus assim no lado da minha cama. E 5 e pouco da tarde ia aparecer o Lula, ele já ganhou, eu quero ver esse homem, conhecer a alma desse homem. Gravei tudo em videocassete. E notei uma coisa interessantíssima, a de que ele era um companheiro fora do comum. Que ele tinha uma vontade doentia de fazer bem para o Brasil. Que ele falava como coração. Que ele respeitava a mulher dele. Você já notou como ele respeita aquela mulher? Não que ela mande nele, não. É o respeito do macho, que ela é agradável, mãe dos filhos dele. Fez promessas, achei meio difícil ele cumprir tudo aquilo que ele disse que ia fazer. Mas só esse milagre de ele levantar nossas exportações de 63 bilhões de dólares para 118 bilhões!

Agora, tem erros incomensuráveis por causa dessa merda desse partido dele. A Marina Silva foi uma péssima escolha. Pegou uma indiazinha totalmente analfabeta e doente. E essa merda de governador que perdeu o governo do Rio Grande do Sul, um bicha, que é veado, o Olívio Dutra. Tem coisa mais ridícula do que aquele José Graziano, um que era da Fome, um barbudinho, nervoso, perdeu até o cheque que aquela nossa modelo deu para ele, de 50.000 reais, Gisele Bündchen.

Pôr o Rosseto no Incra? Um comuna! Na Embrapa também cometeu esse erro. A Embrapa é um organismo fantástico, que atravessou governos. Ele mudou regras para botar uns caras do PT.

E os acertos, além das exportações?

Economia grau dez. Agricultura grau dez. Porque o que ele tem protegido o agrobusiness no Brasil é uma coisa fantástica. Graças a isso, o Brasil está exportando o que está exportando. Criação de empregos por causa do tipo da política do Ministério da Fazenda, comandado com mão de ferro pelo Palocci. Veja o progresso que nós estamos tendo. Milhões de empregos que o Lula já criou, e todo mundo debochava do Lula. Milhões de carteiras assinadas. A indústria crescendo, a exportação de automóveis no Paraná, em São Paulo, só não cresceu no Rio Grande do Sul porque esse animal bigodudo do Olívio Dutra não permitiu, que é o maior crime que se podia fazer contra o povo do Rio Grande do Sul.

Para terminar, o senhor já apareceu entre os cem homens mais ricos do planeta, segundo a revista Porões. Como o senhor vê a pobreza no país?

Eu vou fazer a pergunta ao contrário: você quer que eu divida o meu?

Cria algum constrangimento a sua riqueza diante de tanta pobreza?

Nenhum. Nenhum. Zero. Eu só não passei fome. Vivi na merda total anos e anos. Trabalhava das 6 da tarde à 1 da madrugada. Estudava com atestado de pobreza. Não tinha roupa boa para sair. E não precisei invadir nada nem chorar pitanga pra ninguém. Lutei para conseguir o que consegui. Claro que sou um favorecido de Deus por ter esse tamanho, a força que tenho, sou eugenicamente são graças aos meus pais. Não tenho pena nenhuma. Nenhuma. É zero a pena que eu tenho. Agora, se um homem entra no meu trabalho e for vesgo, eu mando consertar” seus olhos. Se tiver lábio leporino, eu mando arrumar. Se tiver o nariz arrebentado, eu mando restaurar o nariz no melhor restaurador de nariz que tenha. Seja quem for, do primeiro ao último escalão. O operário que trabalhou na minha casa aqui em Curitiba, que quebraram o nariz dele, fala português errado, vai ser nomeado chefe lá de Morretes para morar nessa casa linda que eu te falei. Ele estava cuidando dos cavalos. Então, todos têm a oportunidade de crescer. Qualquer coisa que um filho da puta de um chefe faça mal a um subordinado, eu ponho o chefe na rua. Agora, por que é que eu vou ter dó de vagabundo na rua? Por que o filho da puta foi ter seis filhos? Por que não fodeu de camisinha, com a tabela ou não gozou fora? Que culpa eu tenho disso? Gerações de seis, oito filhos, vivendo nessa merda que nós vivemos. De 1970 para cá aumentaram 90 milhões de brasileiros, por causa dessa merda da Igreja Católica que eu faço parte. Por que isso? Não se pode ter filhos à bangu, sem controle.

O senhor é pelo controle da natalidade?

É lógico. Planejamento familiar. Eu sei que passo por grosso. Eu penso assim. Não tenho o menor constrangimento. Zero. Nada.

João de Barros é jornalista