"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, junho 11, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 09/06/07

Escravos do século XXI na China

A polícia da província chinesa de Shanxi, no norte do país, resgatou 31 trabalhadores que viveram durante um ano em situação de escravidão numa fábrica de ladrilhos, propriedade do filho do secretário local do Partido Comunista. A notícia é do jornal El País, 9-06-2007.

Segundo informava ontem o jornal Beijing News, oito trabalhadores estavam tão traumatizaods pela experiência que nem sequer eram capazes de recordar os seus nomes. Os resgatados tinham feridas, manchas e queimaduras pelo corpo e eram forçados a trabalhar 20 horas por dia (das cinco da madrugada até à uma hora do dia seguinte) em troca de pao e água.

Um cheiro pestilento assustou a polícia que irrompeu no local. “Estavam tão sujos que a sujeira podia ser raspada com uma faca”, informa o jornal. “Estavam vestidos com a mesma roupa durante um ano”. Os trabalhadores informaram que antes da operação de resgate, um companheiro tinha sido assassinado a marteladas por não trabalhar “o suficiente”.

Segundo o jornal chinês, “os oito trabalhadores que sofrem de transtornos psicológicos não conseguem dizer onde estão as suas casas”.

O jornal espanhol lembra que dezenas de milhares de imigrantes das empobrecidas zonas rurais chegam anualmente até as cidades em busca de trabalho, com a esperança de desfrutar de alguns frutos de uma economia que cresce a dois dígitos.

Com salários que apenas chegam a um euro por dia, estes imigrantes contribuíram para que a China se tornasse na fábrica do mundo e uma das mais pujantes economisas do planeta. Muitos destes trabalhadores carecem de contratos formais e não têm acesso à lei, o que os torna presas fáceis da exploração laboral. A proteção que as autoridades locais dispensam aos proprietários das fábricas lhes permite atuar com total impunidade.

Instituto Humanitas Unisinos - 09/06/07

Festas e ritos: espaços urbanos e espaços rurais e suas diferenças. Entrevista especial com José Guilherme Magnani

O 34° Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos, realizado na USP no mês de maio, discutiu as “Festas, ritos e celebrações” das grandes e pequenas cidades. Discutindo a questão neste evento, estava presente o doutor em ciências sociais José Guilherme Magnani. A IHU On-Line conversou com o professor Magnani por e-mail e abordou as diferenças desses eventos nos espaços rurais e urbanos, os simbolismos e a sociabilidade.

José Guilherme Magnani é graduado em ciências sociais pela Universidade Federal do Paraná. Concluiu seu mestrado sobre a escola latino-americana de sociologia na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, no Chile. Seu doutorado, na área de Antropologia Social, foi realizado na USP. Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade de São Paulo. É autor de Expedição São Paulo 450 anos: uma viagem por dentro da metrópole (São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 2004) e Festa no Pedaço: cultura popular e lazer na cidade (São Paulo: Ed. Unesp, 2003), entre outros títulos.

Confira a conversa.

IHU On-Line – Sob seu ponto de vista, quais são as principais diferenças entre as festas, ritos e celebrações das comunidades urbana e rural?

José Guilherme Magnani - Nas comunidades rurais tradicionais, as festas, ritos e celebrações estão ligadas, geralmente, a um calendário religioso ou a mudanças sazonais ditadas pelas tarefas agrícolas, como capina, plantio, colheita etc.

As comunidades urbanas são extremamente heterogêneas, por isso suas festas, ritos e celebrações se adaptam às tradições de cada espaço urbano. É o caso, por exemplo, do rapper que oito horas por dia é office-boy; do vestibulando que nos fins de semana é rockabilly (1); do bancário que só após o expediente é clubber (2); do universitário que à noite é gótico (3); do secundarista que nas madrugadas é pichador, e assim por diante.

IHU On-Line – Quais tipos de simbolismos presentes nas festas urbanas provêm do êxodo rural?

José Guilherme Magnani – Um bom exemplo para essa questão são as festas juninas. Na produção desse tipo de festas dentro das grandes cidades, há a rememoração de um estilo de vida que já não é possível manter no contexto urbano. Assim, produzimos uma festa, a partir do trabalho, de grupos de amigos, de clubes e sociedades, num espaço urbano com elementos que provêm dos grupos que saíram do campo, do espaço rural.

IHU On-Line - Que recorte o senhor fez que caracteriza, nas práticas culturais do segmento jovem urbano, circuitos típicos de uma cidade de grande porte?

José Guilherme Magnani – No meu recorte, eu percebi que os jovens que vivem no espaço urbano percorrem a cidade e estabelecem pontos de encontro que podem ser reconhecidos por aqueles que fazem parte do mesmo “pedaço”, em vários “circuitos” para troca de experiências, informações, fortalecimento de laços, ou simplesmente cultivar o “estar junto”.

IHU On-Line - Quais são os caminhos da metrópole hoje no que se refere à relação com o tempo e lazer hoje?

José Guilherme Magnani - Existem os equipamentos institucionais - academias, parques, quadras de esportes - com sua temporalidade e calendário específicos. E, ainda, existem aqueles espaços que a própria cidade, em sua configuração e diversidade, oferece, aos praticantes de skate e rappel, por exemplo.

IHU On-Line - Quais são os espaços das diferenças dentro dessa cidade grande?

José Guilherme Magnani - A própria cidade é o resultado das diferenças produzidas pela multiplicidade de atores sociais, tradições, regras e padrões de conduta.

IHU On-Line - Existem ou são mitos as tribos urbanas?

José Guilherme Magnani - Esse termo, apesar de popularizado pela mídia, não é apropriado; prefiro utilizar “grupos de jovens”. Uma análise das utilizações mais freqüentes da expressão “tribos urbanas” mostra que, na maioria dos casos, não se vai além do nível da metáfora. Assim, esse termo – a menos que seja empregado após um trabalho prévio com o propósito de definir seu sentido e alcance – não é adequado para designar, de forma unívoca e consistente, nenhum grupo ou comportamento no contexto das práticas urbanas. Pode constituir um ponto de partida, mas não de chegada, pois não constitui um instrumento capaz de descrever, classificar e explicar as realidades que comumente abrange.

IHU On-Line - E como o senhor analisa as diferenças entre a sociabilidade urbana da rural?

José Guilherme Magnani - A sociabilidade rural tradicional é baseada, principalmente, nos pertencimentos de laços de parentesco, nos vínculos de ajuda mútua para o trabalho e no compartilhamento de crenças. Na cidade, além desses elementos presentes no espaço rural, mas certamente modificados em razão de novos contextos, outros vínculos são criados, em razão de contatos com leque mais variado de possibilidades.

Notas:

(1) É um dos inúmeros gêneros do rock and roll. Tornou-se conhecido durante os anos 1950, devido a artistas norte-americanos. Durante aquela década, o gênero foi impulsionado por batidas atrativas, guitarras e contrabaixos acústicos que eram tocados usando a técnica slap-back (batendo nas cordas, ao invés de puxá-las individualmente).

(2) É um estilo derivado dos punks e dos internautas. Dos punks por serem radicais e dos internautas por serem futuristas. Os clubbers se vestem de uma maneira extravagante; em geral, é possível reconhecê-los pelas blusas coloridas, com personagens de desenhos japoneses, saias e calças coloridas, leggins, tênis coloridos.

(3) Gótico é mais que um rótulo ou conceito; é, ao mesmo tempo, um estilo de vida e uma filosofia que tem suas raízes no passado e no presente. Ignorando aqui referências históricas das tribos de bárbaros na Europa, gótico é uma subcultura, que começou nos anos 1970 na Europa e nos Estados Unidos, e aqui no Brasil em 1980. A cultura era composta de indivíduos de posturas incomuns, com uma insaciável curiosidade pela cultura, intelectuais e socialmente pouco aceitos na expressão de sua arte e de si mesmos, demonstrando, assim, seu desencanto do mesmismo da sociedade moderna. Os góticos sempre foram voltados aos movimentos musicais, literários e arquitetônicos, possuidores de um humor um tanto incompreendido, sendo, desse modo, difamados como depressivos, pois eles acham beleza e graça até nas coisas que, para uma sociedade comum, seriam tétricas. Os góticos são um tanto gauche.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/06/07

Etanol. Preço da terra tem valorização histórica no Brasil

O crescimento dos projetos envolvendo o plantio de cana-de-açucar e a produção do etanol fez explodirem os preços das terras no Brasil. A reportagem é do jornal O Globo, 07-06-2007.

Os preços das terras no Brasil atingiram em abril o seu pico histórico. Na média do país, o preço do hectare chegou a R$ 3.432,00 contra pouco mais de R$ 3.300,00 no bimestre maio-junho de 2004, quando a cultura da soja dava o tom no campo. Somente nos últimos 12 meses, a valorização foi de 11,64% mas algumas regiões do país tiveram resultados bem superiores à média.

As terras destinadas ao cultivo de cana no Nordeste, em especial na Zona da Mata alagoana, tiveram valorização de 84%. Em Araraquara, interior paulista, o que era ocupado por grãos e pastagens agora passou a dividir espaço com a cana, o que fez o preço do hectare subir 70% nos últimos 12 meses. De R$ 9.621 em maio-junho de 2006, esse valor chegou a R$ 16.332 em abril deste ano. No Rio, o preço da terra teve alta média de 26% , com destaque para a região de Campos (aumentos de 46,82%).

- Há dois anos, só se falava em soja. Agora, a vedete do momento é o etanol. Essa inflação está estritamente ligada ao etanol – afirmou a engenharia agrônoma Jacqueline Dettmann Bierhalds, analista do Instituto FNP, responsável pelos dados.

O preço de terreno assusta investidores estrangeiros. Essa valorização tem assustado muita gente. Em meados do ano passado, um grupo de 14 empresários da Holanda que produzem álcool a partir da beterraba desembarcou em Cravinhos, no interior paulista, interessado em comprar uma área para se instalar no país. Eles desistiram do negócio quando souberam que o preço do hectare na região pode chegar a R$ 30mil – valor que restringiria o potencial de rentabilidade do projeto.

- Todo dia recebo a visita ou a ligação de alguém que representa grupos estrangeiros. O preço sempre assusta – disse o corretor de terras Atílio Benedini filho, com 40 anos de atuação no setor.

A cana já ocupa cerca de 3,4 milhões de hectares em São Paulo, o correspondente a 52% do plantio do produto no país. A saturação no estado levou os empresários a abrirem novas fronteiras para o etanol. Três regiões têm concentrado as atenções: as cidades que formam o Triângulo Mineiro, o Sul de Goiás e o Leste de Mato Grosso do Sul.

Nesses lugares, pelo efeito da demanda, os preços também dão sinais de explosão. Há um ano, era possível fechar negócio por entre R$ 3 mil e R$ 6 mil o hectare em cidades como Rio Verde, no Sul de Goiás. Hoje, o vendedor da terra não começa a conversa com preços inferiores a R$ 4 mil. O teto já chegou a R$ 7 mil.

O mesmo vale para Três Lagoas e Aparecida, em Mato Grosso do Sul. Ali, o preço do hectare, que oscilava entre R$ 1.500 e R$ 3.500 há um ano, pulou para o intervalo entre R$ 2 mil e R$ 4.500. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, o valor do hectare acumula valorização de até 31% nos últimos 12 meses: de R$ 8 mil, foi para R$ 10.500,00.

Jacqueline acredita que o preço já chegou a seu teto no interior paulista. Mas é possível esperar valores ainda mais elevados para regiões da nova fronteira. - Salvo pouca exceções, existe uma forte resistência em vender terras neste momento, diante do fato de que a maioria dos produtores acredita na retomada dos preços dos imóveis rurais num horizonte mais longo – disse a engenheira.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/06/07

Soros: ‘Sou um especulador do etanol’

A euforia do etanol pode acelerar a produção no Brasil a ponto de gerar um desequilíbrio entre oferta e demanda, afirmou nesta semana o investidor George Soros. "A menos que os mercados se abram para o etanol, provavelmente haverá produção demais", disse o americano, que visita o Brasil para participar de um encontro sobre etanol em São Paulo. A reportagem é da revista Exame, 05-06-2007.

Soros reclamou de "tarifas proibitivas" nos Estados Unidos e na Europa e de barreiras no Japão à entrada do combustível e declarou que é papel do Brasil reivindicar mudanças. "Tem de ser chamada a atenção dos países desenvolvidos, porque há uma super-oferta no Brasil e uma fome por biocombustíveis no mundo todo", disse o investidor.

Soros criticou principalmente os Estados Unidos, dizendo que os estados americanos estão atentos à necessidade de um combustível alternativo, ao contrário do governo federal. Segundo ele, o presidente George W. Bush está "deixando o problema para seu sucessor". Além do risco de uma demanda represada, os produtores de etanol também devem sofrer com as flutuações dos preços da cana até que se forme um mercado internacional de etanol. "A cana é suscetível à variação dos preços porque tem um período de crescimento de cinco anos", afirma.

Estes são temores que o próprio Soros enfrenta. Dono de uma fortuna de 8,5 bilhões de dólares, o americano de 76 anos é sócio, desde 2004, de uma empresa que está apostando no etanol brasileiro, a argentina Adecoagro, dona de negócios ligados a açúcar, álcool, café e algodão. A companhia já possui uma usina em Minas Gerais, adquirida em 2005, que produz 30 milhões de litros de etanol, além de fazendas cafeicultoras e algodoeiras na Bahia. Em 2006, os sócios - brasileiros e estrangeiros - da Adecoagro decidiram expandir as operações de álcool e investir 900 milhões de dólares na construção de três novas usinas de etanol no Mato Grosso do Sul. O empreendimento deve ficar pronto entre 2011 e 2015, e será capaz de produzir 1 bilhão de litros do combustível, que serão vendidos para o mercado interno e externo. A primeira das usinas iniciará as operações já em meados de 2008.

Assumindo-se como especulador, Soros afirma apostar na empreitada por acreditar que os riscos do mercado do etanol serão resolvidos. "Estou especulando que essas questões serão resolvidas", diz, "o mercado interno tem demanda considerável para receber a oferta, mas a grande oportunidade está em oferecer o etanol para o resto do mundo".

Instituto Humanitas Unisinos - 07/06/07

Socialismo do século 21. Artigo de Boaventura de Sousa Santos

"Não haverá socialismo, e sim socialismos do séc. 21", afirma Boaventura de Sousa Santos, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 7-06-2007. Segundo ele, eles "terão em comum reconhecerem-se na definição de socialismo como democracia sem fim".

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo português, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Eis o artigo.

"O que de mais relevante está a acontecer em nível mundial acontece à margem das teorias dominantes e até em contradição com elas.

Há 20 anos, o pensamento político conservador declarou o fim da história, a chegada da paz perpétua dominada pelo desenvolvimento "normal" do capitalismo - em liberdade e para benefício de todos -, finalmente liberto da concorrência do socialismo, lançado este irremediavelmente no lixo da história. À revelia de todas essas previsões, houve, neste período, mais guerra que paz, as desigualdades sociais se agravaram, a fome, as pandemias e a violência se intensificaram, a China "se desenvolveu" sem liberdade e mediante violações massivas dos direitos humanos e, finalmente, o socialismo voltou à agenda política de alguns países.

Concentro-me neste último, pois constitui um desafio tanto ao pensamento político conservador como ao pensamento político progressista. A ausência de alternativa ao capitalismo foi tão interiorizada por um quanto pelo outro. Daí que, no campo progressista, tenham dominado "terceiras vias", buscando achar no capitalismo a solução dos problemas que o socialismo não soubera resolver.

Em 2005, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, colocou na agenda política o objetivo de construir o "socialismo do século 21". Desde então, dois outros governantes -tal como Chávez, democraticamente eleitos -, Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador), tomaram a mesma opção.

Qual o significado desse aparente desmentido do fim da história? Qual o perfil da alternativa proposta ao capitalismo? Que potencialidades e riscos ela contém?

O socialismo reemerge porque o capitalismo neoliberal não só não cumpriu suas promessas como tentou disfarçar o fato com arrogância militar e cultural; porque sua voracidade por recursos naturais o envolveu em guerras injustas e acabou por dar poder a alguns países que os detêm; porque Cuba -seja qual for a opinião a respeito do seu regime- continua a ser exemplo de solidariedade internacional e de dignidade na resistência contra a superpotência; porque, desde 2001, o Fórum Social Mundial tem vindo a apontar para futuros pós-capitalistas, ainda que sem os definir; porque nesse processo ganharam força e visibilidade movimentos sociais cujas lutas pela terra, pela água, pela soberania alimentar, pelo fim da dívida externa e das discriminações raciais e sexuais, pela identidade cultural e por uma sociedade justa e ecologicamente equilibrada parecem estar votadas ao fracasso no marco do capitalismo neoliberal.

O socialismo do século 21, como o próprio nome indica, define-se, por enquanto, melhor pelo que não é do que pelo que é: não quer ser igual ao socialismo do séc. 20, cujos erros e fracassos não quer repetir.
Não basta, porém, afirmar tal intenção. É preciso realizar um debate profundo sobre os erros e fracassos para que seja credível a vontade de evitá-los. Se tal desidentificação em relação ao socialismo do séc. 20 for levada a cabo, alguns dos seguintes traços da alternativa deverão emergir.

Um regime pacífico e democrático assente na complementaridade entre democracia representativa e democracia participativa; legitimidade da diversidade de opiniões, não havendo lugar para a figura sinistra do "inimigo do povo"; modo de produção menos assente na propriedade estatal dos meios de produção que na associação de produtores; regime misto de propriedade em que coexistem propriedade privada, estatal e coletiva (cooperativa); concorrência por um período prolongado entre a economia do egoísmo e a economia do altruísmo, digamos, entre Microsoft Windows e Linux; sistema que saiba competir com o capitalismo na geração de riqueza e lhe seja superior no respeito à natureza e na justiça distributiva; nova forma de Estado experimental, mais descentralizada e transparente, de modo a facilitar o controle público do Estado e a criação de espaços públicos não estatais; reconhecimento da interculturalidade e da plurinacionalidade (onde for o caso); luta permanente contra a corrupção e os privilégios decorrentes da burocracia ou da lealdade partidária; promoção da educação, dos conhecimentos (científicos e outros) e do fim das discriminações sexuais, raciais e religiosas como prioridades governativas.

Será tal alternativa possível? A questão está em aberto. Nas condições do tempo presente, parece mais difícil que nunca implantar o socialismo num só país, mas, por outro lado, não se imagina que o mesmo modelo se aplique em diferentes países. Não haverá, pois, socialismo, e sim socialismos do séc. 21. Terão em comum reconhecerem-se na definição de socialismo como democracia sem fim"

Instituto Humanitas Unisinos - 07/06/07

A ‘aventura’ de viajar para os Estados Unidos

“Desde os atentados do 11-S, algumas pessoas renunciaram a ir para os Estados Unidos, em parte por esses pesados procedimentos e em parte pela impressão geral de que o país se converteu numa fortaleza”, escreve Timothy Garton Ash. Para ele, os Estados Unidos, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, se tornaram menos acolhedores. Descrevendo minuciosamente a saga para se conseguir um visto na Embaixada dos Estados Unidos em Londres, Ash se justifica: “Detenho-me nestes detalhes prosaicos porque são os que oferecem as primeiras impressões que centenas de milhares de pessoas que desejam trabalhar, estudar e viver nos Estados Unidos têm. E as primeiras impressões são importantes.” Mas, questiona tamanha rigidez, quando a maioria das entradas – pelo México e pelo Canadá – nos Estados Unidos não segue o mesmo rigor: “Mesmo assim, alguém pode se perguntar sobre a eficácia dessa rede de segurança tão vasta e de tecnologia tão complexa”.

Segue a íntegra do artigo publicado no El País, 03-06-2007. A tradução é do Cepat.

Desde os atentados do 11 de setembro (11-S), algumas pessoas desistiram de ir para os Estados Unidos. Na parede do consulado, na Embaixada norte-americana em Londres, vi projetadas uma série de fotos. Procediam de uma base de dados situada em algum lugar dos Estados Unidos, e mostravam meu rosto – com as olheiras e o cansaço do vôo transatlântico – assim como o havia captado a câmara do Departamento de Segurança Interior, no controle dos passaportes, em cada uma das minhas entradas nos Estados Unidos desde 2004. Junto ao meu nome, algumas palavras: “Status de segurança: Não desfavorável”.

Segundo as informações mais recentes que a embaixada me passou, nessa base de dados – situada em lugar não revelado – figuram atualmente cerca de 100 milhões de pessoas. No ano passado, a cifra que me deram foi de cerca de 60 milhões. Nesse ritmo, daqui a 10 anos terão arquivado o rosto de uma boa parte da humanidade.

Não constam apenas as nossas caras, mas também nossas digitais. Quando alguém vai para os Estados Unidos com um visto de intercâmbio acadêmico, como faço todos os anos, tem que ir cada vez à embaixada e deixar que lhe tomem as digitais e que voltem a entrevistá-lo. Cuidado para não fazer um corte no dedo na noite anterior, porque se o corte modificar as digitais, o fazem voltar para casa e esperar que cicatrize.

Depois de preencher vários formulários, um dos quais pede os números de telefone de pais e irmãos (imagino a ligação: “Você tem ou teve um filho chamado Timothy?”), fazer uma nova foto de passaporte de formato especial e pagar, não uma, mas duas consideráveis quantias de dinheiro, recebe-se uma severa carta na qual o advertem que talvez tenha que esperar diante da embaixada com tempo “inclemente” e lhe dizem para não levar telefone celular (pode-se guardá-lo no armário de alguma estação, sugerem). Na minha carta diziam que contasse com três a quatro horas para completar o processo.

Na fortaleza que é a Embaixada dos Estados Unidos em Londres desde os atentados do 11-S, é preciso passar por uma cabine na qual a revista está a cargo de empregados britânicos. Quando foi esta última vez, esses empregados britânicos estavam sendo desnecessariamente grosseiros com um visitante norte-americano ao qual acabavam de estropiar uma valiosa caneta. Uma vez dentro, há uma ampla sala, do tamanho de duas pistas de tênis, com filas e filas de gente sentada em cadeiras, como zumbis, esperando que chegue a vez do seu ticket na tela eletrônica. Se o dedo sem cortar passa no exame da janelinha número 13, é preciso voltar a se sentar para esperar que o chamem para a entrevista na janelinha número 23, antes de voltar a entrar na fila para pagar outra soma pelo mensageiro que levará o passaporte à sua casa. A cena me lembrou um verso que li uma vez num poema sobre a vida na Europa durante os anos trinta: algo como “aqueles cujo domicílio eram os corredores da Europa / enquanto esperavam ser interrogados sobre sua falta de culpa”. Agora são os corredores de um consulado norte-americano.

Visados

Que fique clara uma coisa: mesmo tediosos que são esses procedimentos, entendo perfeitamente por que os Estados Unidos os implantaram. No meu exemplar do relatório da comissão sobre o 11-S posso ler com detalhes como os homens que cometeram aqueles atentados haviam solicitado e obtido seus vistos. Estava justificado que endurecessem os trâmites.

Mesmo assim, alguém pode se perguntar sobre a eficácia dessa rede de segurança tão vasta e de tecnologia tão complexa, posto que todos os anos viajam da Grã-Bretanha para os Estados Unidos três milhões de pessoas sem visto, graças ao programa de exceção para turistas. Além disso, a grande maioria das entradas nos Estados Unidos não se realiza pelo ar nem por mar, mas por terra, a partir do México e do Canadá. O cônsul que tinha minha coleção de retratos involuntários em seu computador me disse que se calcula a assombrosa cifra de 400 milhões de entradas anuais pelas fronteiras terrestres, muitas delas de gente que vai diariamente trabalhar (quer dizer, que o número total de visitantes é inferior ao de entradas). Os controles com México e Canadá também estão se endurecendo, mas, ao que parece, muitos destes visitantes continuam entrando pelo simples fato de mostrarem um carnê ao funcionário da cabina, que os deixa passar sem mais com seu carro. Quer dizer, há uma ânsia de perfeccionismo na hora de controlar a parte menos avultada e um autêntico corredor no controle dos mais numerosos. Mas compreendo que tinha que começar por algum lugar.

Ao longo dos anos notei certos esforços para fazer com que o procedimento seja um pouco mais simples, facilitando a complementação de formulários pela Internet e o pagamento com cartão de crédito por telefone. Antes era preciso ir pessoalmente ao Barclays Bank – e só podia ser no Barclays – para pagar o visto e obter um recibo. Ao final de sete anos, finalmente, o Governo dos Estados Unidos se deu conta de que estamos no século XXI.

Muitas vezes, os problemas se devem à atitude arrogante e suspicaz dos empregados locais, que são, por assim dizer, mais americanos que os americanos. Em Londres, isso se traduz em britânicos que tratam de forma prepotente a outros britânicos. Ou, no caso do incidente que presenciei no controle de segurança, britânicos que estavam tratando com prepotência norte-americanos, em nome dos Estados Unidos. Este fenômeno não é exclusivo dos norte-americanos. Ouvi casos de experiências semelhantes (e piores) sofridas por solicitantes de vistos com o pessoal local dos consulados britânicos no leste europeu. Uma coisa é a teoria e outra a prática.

Detenho-me nestes detalhes prosaicos porque são os que oferecem as primeiras impressões que centenas de milhares de pessoas que desejam trabalhar, estudar e viver nos Estados Unidos têm. E as primeiras impressões são importantes. O que pretende Osama Bin Laden é que essas impressões sejam más. Eu quero que os Estados Unidos lhe neguem essa satisfação.

Desde os atentados do 11-S, algumas pessoas renunciaram a ir para os Estados Unidos, em parte por esses pesados procedimentos e em parte pela impressão geral de que o país se converteu numa fortaleza. No curso 2003-2004, o número de estudantes estrangeiros matriculados em universidades norte-americanas caiu pela primeira vez desde 1971. Em vez disso, foram para a Grã-Bretanha e a Austrália. Os reitores norte-americanos deram o sinal de alarme. Condoleezza Rice disse publicamente que era preciso inverter a tendência. Porque, como não se cansa nunca de repetir o catedrático de Harvard Joseph Nye, os estudantes estrangeiros contribuem para reforçar o “poder brando” de um país. Em tempos mais recentes, parece que a tendência está começando a melhorar. Em 2005-2006 houve mais de 560 mil alunos estrangeiros nas universidades norte-americanas.

Um lugar pouco acolhedor

Está por se saber que experiência têm durante sua permanência ali. Tenho a impressão de que, nos últimos anos, os Estados Unidos foram um lugar pouco menos acolhedor que de costume, mesmo que siga sendo um dos países mais cordiais e generosos do mundo. Em parte se deve ao sentimento nacional de assédio depois do 11-S, alimentado pela implacável retórica da Fox News sobre a “guerra contra o terror”. Em parte se deve também ao medo da competição de países com salários inferiores, um medo fomentado por alarmistas demagogos como Lou Dobbs na CNN. Mas a atmosfera muda de um ano para o outro. Voltarei a este tem durante os próximos meses, quando escreva dos Estados Unidos; sempre, claro está, que minha condição de segurança siga sendo a de “Não desfavorável”. Quando chegar ao controle de passaportes, darei um lânguido sorriso para o álbum secreto de fotografias.

Instituto Humanitas Unisinos - 07/06/07

Produção de carros é recorde e empregona indústria automobilística é o maior em 10 anos

Puxada pelas vendas recordes, a produção de veículos em maio também foi a maior da história da indústria automobilística brasileira, com 258,9 mil veículos, um salto de 15,9% em relação a abril e de 7,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado. As projeções de que o mercado continuará aquecido levaram as montadoras a abrir novas vagas. No mês passado, foram contratados 1.421 funcionários, ampliando o quadro total para 110,7 mil pessoas, o maior nível de emprego no setor nos últimos dez anos. A reportagem é de Cleide Silva e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 7-06-2007.

Os dados divulgados ontem pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não incluem as 1,7 mil contratações anunciadas pela Fiat no fim do mês passado. Em 1997, quando a indústria produziu 2 milhões de veículos, havia 115,3 mil empregados nas montadoras. Nos últimos dois anos, foram abertos quase 20 mil novos postos.

De janeiro a maio, foram produzidos 1,137 milhão de veículos (incluindo caminhões e ônibus), número 5,8% maior que o de igual período de 2006. Também é o melhor acumulado para o período de cinco meses já registrado pelo setor. As vendas internas somam 883,6 mil unidades, 24% a mais que no ano passado. Financiamentos acessíveis, prazos mais longos e estabilidade da economia são os motores desse aquecimento, afirma o presidente da Anfavea, Jackson Schneider.

“O crescimento da indústria é sustentável, não é uma bolha”, diz o executivo, que manteve para o ano a projeção de produção de 2,78 milhões de veículos e vendas internas de 2,2 milhões de unidades. “Vamos esperar fechar o semestre para analisarmos possíveis mudanças.”