"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, março 15, 2014

Guerra civil ucraniana faz mais vítimas mortais

darussia.blogspot – 15 março 2014

PUBLICADA POR JOSÉ MILHAZES

Confrontos entre manifestantes pró-Rússia e pró-UE na cidade de Kharkov, no Leste da Ucrânia, provocaram dois mortos e vários feridos encontram-se em estado grave.

Moscovo apressou-se a acusar as forças da extrema-direita ucraniana dos desacatos e reafirmou que reserva para si o direito de intervir em defesa dos “russófonos” e seus cidadãos. Para que estas palavras sejam levadas a sério, o Kremlin continua a concentrar fortes contingentes militares nas fronteiras com o Leste e o Sul da Ucrânia.

Tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos, podem-se prever dois cenários: Putin apodera-se da Crimeia, desmonta todas as estruturas militares e civis ucranianas existentes naquela península e começa conversações com a UE e os EUA com vista a manter as posições conquistadas.

(A ocupação e anexação da Crimeia é um facto irreversível, e aqui não deverá haver ilusões, pois é difícil imaginar formas de pressão que levem Vladimir Putin a recuar).

Este cenário poderá ser o menos sangrento, visto que as forças armadas da Ucrânia parecem não ter capacidade de resistir, mas não se podem excluir acções armadas de grupos clandestinos contra a presença russa na Crimeia.

O outro cenário possível é a continuação da expansão do poderio militar russo ao Leste e Sul da Ucrânia e, neste caso, será inevitável não só uma guerra civil entre ucranianos, mas também uma guerra entre ucranianos e russos. A julgar pela correlação de forças militares, o Kremlin poderá vencer, mas com graves custos para ambas as partes do conflito.

Neste caso, não se pode excluir o apoio em armamentos por parte da NATO ao governo ucraniano de Kiev, o que poderá dar dimensões ainda maiores ao conflito.

Neste momento, o nível de popularidade de Putin entre a população russa é muito alto, mas estas coisas mudam muito depressa, quando os caixões com soldados russos começarem a chegar à Rússia.

N.B. A Rússia recebeu hoje o apoio da Coreia do Norte

Dilma orienta Defesa a não comemorar os 50 anos do golpe militar

luis nassif - sab, 15/03/2014 - 17:53

de O Estado de S.Paulo

A presidente Dilma Rousseff sinalizou nesta sexta-feira, 14, que não quer celebrações dos militares da ativa por conta do aniversário de 50 anos do golpe de 31 de março. Dilma mobilizou o ministro da Defesa, Celso Amorim, que já conversou com os comandantes militares sobre o assunto.

Os chefes militares já haviam aproveitado as reuniões de seus Alto Comandos, que trataram também das promoções do final do mês, antes do Carnaval, para avisar aos comandados que evitassem qualquer tipo de polêmica sobre o assunto, para evitar choques com o Planalto. Os comandantes das forças já haviam repassado aos seus subordinados a ordem de não serem feitas comemorações fora dos quarteis e nem festejos internamente.

O tema, no entanto, não será deixado de lado pelas Forças Armadas. No Exército, por exemplo, o assunto será tratado por meio de palestra e divulgação de informações para a tropa apenas para que "as novas gerações" não se esqueçam do que chamam de "fato histórico", contextualizado à época da guerra fria.

O clima na ativa das Forças Armadas, até o momento, é de distensionamento. Não há movimentações para promover atos para exaltar a data, embora existam insatisfações em relação à condução dos trabalhos da Comissão da Verdade. Grande parte dos militares reconhece que houve avanços nos investimentos das Forças durante os governos Lula e Dilma.

Ainda há grande preocupação com o pessoal da reserva. Ainda não se sabe exatamente o que eles poderão promover para exaltar os 50 anos da "Redentora", expressão que usam para se referir ao 31 de março. Para evitar problemas com estes militares que já estão fora dos quartéis, mas que, quando querem, fazem barulho, os comandos das Forças Armadas fizeram contatos com os presidentes dos Clubes Militar (Exército), da Marinha e da Aeronáutica pedindo moderação nas manifestações. Vários grupos, no entanto, atuam de forma independente e não costumam atender pedidos dos comandantes.

Quem está no serviço ativo não pode se manifestar, por força do regulamento militar. Os da reserva não sofrem tantas restrições, mas também têm de seguir algumas regras e podem ser punidos inclusive com prisão por declarações que forem consideradas ofensivas à presidente da República.

Santayana: O “ocidente” esqueceu-se dos russos e de suas matrioskas

publicado em 14 de março de 2014 às 18:17

A OTAN E AS MATRIOSKAS

por Mauro Santayna, em seu blog

(Hoje em Dia) – Toda nação tem seus símbolos. Um dos mais tradicionais símbolos russos, à altura de Dostoiévski, e de Pushkin, são as Matrioskas, as bonecas de madeira, delicadamente pintadas e torneadas, que, como as camadas de uma cebola, guardam, uma dentro da outra, a lembrança do infinito, e a certeza de que algo existe, sempre, dentro de todas as coisas, como em um infinito jogo de espelhos e surpresas.

Ao se meter no complicado xadrez geopolítico da Eurásia, que já dura mais de 2.000 anos, o “ocidente” esqueceu-se dos russos e de suas Matrioskas.

Para enfrentar o desafio colocado pela interferência ocidental na Ucrânia, Putin conta com suas camadas, ou suas Matrioskas.

A primeira camada, a maior e a mais óbvia, é o poder nuclear.

A Rússia, com todos os seus problemas, é a segunda potência militar do planeta, e pode destruir, se quiser, as principais capitais do mundo, em uma questão de minutos.

A segunda é o poder convencional. A Rússia dispõe, hoje, de um exército quatro vezes maior que o ucraniano, recentemente atualizado, contra as armas herdadas, pela Ucrânia, da antiga URSS, boa parte delas, devido à condição econômica do país, sem condições de operação.

A terceira, é o apoio chinês, a China sabe que o que ocorrer com a Rússia, hoje, poderá ocorrer com a própria China, no futuro, assim como da importância da Rússia, como última barreira entre o Ocidente e Pequim.

A quarta Matrioska é o poder energético. Moscou forneceu, no último ano, 30% das necessidades de energia européias, e pode paralisar, se quiser, no próximo inverno, não apenas a Ucrânia, como o resto do continente, se quiser.

A quinta, é a financeira. Com 177 bilhões de superávit na balança comercial em 2013, os russos são um dos maiores credores, junto com os BRICS, dos EUA. Em caso extremo, poderiam colocar no mercado, de uma hora para outra, parte dos bilhões de dólares que detêm em bônus do tesouro norte-americano, gerando nova crise que tornaria extremamente complicada a frágil a situação do “ocidente”, que ainda sofre as consequências dos problemas que começaram – justamente nos EUA – em 2008.

Finalmente, existe a questão étnica e histórica. Para consolidar sua presença nas antigas repúblicas soviéticas, Moscou criou enclaves russos nos países que, como a Ucrânia, se juntaram aos nazistas, para atacar a URSS na Segunda Guerra.

Naquele momento, o nacionalismo ucraniano, fortemente influenciado pelo fascismo, não só recebeu de braços abertos, as tropas alemãs, quando da chegada dos nazistas, mas também participou, ao lado deles, de alguns dos mais terríveis episódios do conflito.

Derrotados pelo Exército Soviético, na derradeira Batalha de Berlim, em 1945, os alemães sabem, por experiência própria, como pode ser pesada a pata do urso russo, quando provocado.

E como podem ser implacáveis – e inesperadas – as surpresas que se ocultam no interior das Matrioskas.

Para corroborar Santayana, basta lembrar dos recentes casos da Ossétia e Abcásia.

Milton Temer e a Operação Banqueiro: “Era a patota tucana que estava nisso”

publicado em 11 de março de 2014 às 22:46

por Luiz Carlos Azenha

“Era a patota tucana que estava nisso”, relembra hoje o ex-deputado federal Milton Temer. Ele é um importante personagem mencionado no livro Operação Banqueiro, de Rubens Valente. Esteve próximo de uma informação que poderia ter danado as privatizações feitas por Fernando Henrique Cardoso. Era uma lista de clientes de um fundo administrado pelo banqueiro Daniel Dantas nas ilhas Cayman, o refúgio fiscal do Caribe.

Se Temer tivesse tido acesso à lista, poderia ter ficado explícito o quid pro quo: brasileiros, impedidos de participar das privatizações através de fundos como aquele, do banco Opportunity, tinham participado clandestinamente. As regras da venda de estatais teriam sido violadas. Dentre os brasileiros poderiam estar estrelas do tucanato. Beneficiários que, por sua vez, teriam ajudado o banqueiro Dantas em sua batalha contra Carlos Jereissati, na privatização da telefonia.

Temer chegou a conversar, por telefone, com a autoridade monetária das ilhas Cayman, que deu a entender ter informações a respeito do que Temer procurava. Mas que exigiu, para entregar a lista, que uma autoridade equivalente, no Brasil, fizesse o pedido formalmente. O deputado foi ao então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que demonstrou interesse no caso. Depois, repentinamente, Armínio mudou de ideia. A lista nunca veio. Valente, o autor do livro, diz que é um mistério que os brasileiros ainda precisam desvendar.

Temer, aos 75 anos de idade, hoje é um dos ideólogos do PSOL.

Foi figura importante do Partido dos Trabalhadores. Ajudou a apelidar o ex-procurador geral da República, na era FHC, Geraldo Brindeiro, de “engavetador da República”. Temer foi vice-presidente da CPI do Proer, que investigou a operação de salvamento dos bancos brasileiros bancada pelo Tesouro público. Disputou duas vezes a presidência do PT com José Dirceu: em 1997, perdeu de 49% a 47%; em 1999, Dirceu teve 51%, Temer 33% e Arlindo Chinaglia 11%.

Olhando em retrospectiva, diz que travou as grandes batalhas contra o sistema financeiro praticamente sozinho, já que em 1994 identificou os primeiros sinais de uma guinada do PT em direção aos bancos.

A suspeita que motivou o trabalho de Temer, com apoio de Luiz Gushiken: “Grande parte do tucanato estava num fundo no Exterior, num fundo que o Daniel Dantas administrava nas ilhas Cayman”.

Na gravação abaixo ele narra como foi a batalha.

Ele fala em Fruet, Gustavo, hoje prefeito de Curitiba, então deputado que presidiu a CPI; não lembra o nome de Alberto Goldman, então deputado do PSDB, encarregado de aliviar para os tucanos na comissão.

Fala do grande adversário empresarial de Daniel Dantas, Luís Roberto Demarco, e de Paulo Okamoto, amigo do ex-presidente Lula.

Fala dos irmãos Mendonça de Barros, de André Lara Resende e Elena Landau, artífices das privatizações.

Fala da turma de sindicalistas do PT — Jair Meneghelli, Paulo Rocha, João Paulo Cunha e Ricardo Berzoini — que teria abraçado a ideia do ex-presidente Lula de fechar parceria com o grande capital nacional.

Lembra que conseguiu levar ao plenário o pedido de impeachment de FHC, que recebeu 100 votos.

Conta casos bombásticos dos bastidores da política: a CPI do Proer, por exemplo, só saiu porque Luiz Eduardo Magalhães, do extinto PFL, presidente da Câmara, tinha contas a acertar com o Planalto.

Se um dia os brasileiros tiverem acesso aos dados do fundo de Cayman que Temer buscava, poderemos colocar em pratos limpos quem lucrou com as privatizações por debaixo dos panos.

sexta-feira, março 14, 2014

Obama faz uma oferta no caso da Crimeia

Tlaxcala – 14 março 2014

MK Bhadrakumar

Traduzido por  Coletivo de tradutores Vila Vudu

Quando um especialista em Rússia, de grande reputação, Stephen Cohen da New York University, diz que os EUA estão a dois passos de uma Crise dos Mísseis de Cuba e, pela primeira vez, a três passos de uma guerra contra a Rússia, as coisas parecem sombrias. Cohen insiste: “Temos de conseguir pôr em andamento uma negociação...”[1]

Mas os EUA estão-se preparando para confronto militar com a Rússia? Parece, mais, que está em andamento uma campanha diplomática para isolar a Rússia. Os telefonemas do presidente Barack Obama a seus contrapartes, o chinês e o cazaque, na 2ª-feira, não são coisas de rotina.


Guerra fria 2, por
Christo Komarnitski, Bulgária

Os EUA esperam empurrar China[2] e Cazaquistão para posição de neutralidade. Obama tocou numa corda sensível para ambas as capitais, Pequim e Astana – a santidade da integridade territorial dos estados-nação.
Significativamente, Obama conclamou o presidente Nurusultan Nazarbayev
[3] do Cazaquistão a assumir papel “ativo” na crise da Ucrânia. Depois disso, a imprensa-empresa norte-americana tem insinuado que Nazarbayev teria cancelado visita marcada a Moscou, na 3ª-feira.
No que tenha a ver com os EUA, a visita do primeiro-ministro do governo de Kiev, Arsenyi Yatsenyuk, à Casa Branca e ao Capitólio ontem (4ª-feira) é o fecho da história, quero dizer, significa que o novo governo de Kiev recebeu legitimação internacional.
Em resumo: a partir desse ponto, se o referendo na Crimeia seguir adiante como planejado, haverá pouco o que discutir com a Rússia. Na 5ª-feira, Yatsenyuk deve falar ao Conselho de Segurança da ONU em New York, ao mesmo tempo em que uma delegação do Congresso dos EUA, liderada pelo irascível senador McCain chega a Kiev.
Preveem-se discursos fortes. Outra vez, o real significado da Resolução aprovada na Câmara de Deputados dos EUA na 3ª-feira, condenando a “intervenção” russa na Crimeia, está no grande apoio que recebeu. Baseado nisso, o establishment político de Washington exige que Obama seja duro no caso da Ucrânia.
Mas até aqui, além de declarações fortes, há bem pouco que os EUA possam fazer para deter a Rússia. Até aqui, as sanções não têm capacidade para realmente cortar fundo.
[4]


Mestre de xadrez Putin, por
Taylor Jones, El Nuevo Dia, Puerto Rico

Enquanto isso, o Parlamento em Kiev invocou as promessas de segurança feitas por EUA e Grã-Bretanha em 1994, como garantidores da soberania da Ucrânia, para que usem todas as medidas, inclusive militares, para conter a “agressão” da Rússia. Tecnicamente, se militares de EUA e/ou Grã-Bretanha se envolverem, a OTAN estará automaticamente envolvida.
Na 2ª-feira, a OTAN também anunciou sua intenção de mobilizar equipamento aéreo embarcado de reconhecimento [orig. AWACS] na Polônia e na Romenia, “para aumentar o conhecimento situacional da aliança”. Na 3ª-feira, a Rússia iniciou manobras massivas envolvendo uma divisão aérea embarcada
[5] em condições de combate simulado.
Mas... o que mais podem fazer EUA ou OTAN?
O fato que não podem alterar é que o exército ucraniano não obedecerá ordens dos novos líderes em Kiev.
Mais importante: os comandantes militares ucranianos que foram treinados na Rússia,  e mantêm relação muito próxima com seus contrapartes russos, jamais combaterão contra forças armadas russas.
Isso significa que, se EUA ou OTAN quiserem intervir militarmente em futuro próximo, terão de agir eles mesmos, quer dizer, terão de pôr os próprios coturnos em solo, como se diz.
Dito em termos simples, é ideia inconcebível, num momento em que dois terços da opinião pública britânica opõe-se a qualquer intervenção do Reino Unido na Ucrânia.
Em termos ainda mais claros, portanto, se o referendo na Crimeia decidir a favor de uma integração à Rússia, e se Moscou aceitar a integração, nada haverá que EUA ou seus aliados da OTAN possam fazer para impedir. O governo Obama parece bem consciente dos limites do que os EUA podem fazer para retaliar contra a Rússia.
Na conferência de imprensa em que Obama apareceu ao lado de Yatsenyuk na Casa Branda ontem (4ª-feira),
[6] Obama voltou a ‘alertar’ a Rússia sobre consequências à vista. Mas – e é muito curioso – usou a expressão “um custo pelas violações da Rússia”, expressão que ele, adiante, elaborou: disse que os EUA têm pronta uma “arquitetura” (...) para aplicar consequências financeiras e econômicas a ações que [Moscou] empreenda.”
Enquanto isso, os EUA anunciaram um pacote de ajuda à Ucrânia que inclui “garantias para um empréstimo de $1 bilhão que pode ajudar a pavimentar o caminho para reformas”, mas que não chega nem perto da proposta que a Rússia apresentou para resgatar a economia ucraniana, de $15 bilhões.
A segunda declaração do G7
[7] distribuída na 5ª-feira, fala de “outras ações, individualmente e coletivamente” no caso de a Rússia anexar a Crimeia, mas passa longe de qualquer especificação. No momento, o máximo que o G7 pode fazer é suspender a participação  dos russos nas reuniões preparatórias para a reunião do G8 em junho, marcada para acontecer na Rússia.
Muito significativamente, a declaração de Obama na conferência de imprensa não tem qualquer traço de postura beligerante, embora tenha dito bem claramente que o apoio dos EUA ao governo da Ucrânia [de fato, sempre disso isso escondendo os EUA por trás da tal “comunidade internacional”; é ler e ver (NTs)] continuará inabalável. Mas limitou-se a falar de apoio moral, político e econômico. Isso é uma coisa.
A segunda coisa é que Obama reconheceu os laços históricos muito próximos que ligam Rússia e Crimeia. E bem profundamente escondida dentro da declaração de Obama há uma sugestão tentadora, de que o futuro status da Crimeia sempre pode ser regulado mediante um processo constitucional (para atender aos interesses russos).
O que Obama não disse, mas pareceu deixar implícito foi que, embora “com a mira de uma arma apontada para você”, as respectivas posições só endurecem; e se uma trilha diplomática puder ser aberta, podem surgir novas possibilidades de uma solução.
Em resumo, Obama, sim, ofereceu uma espécie de saída a Moscou – tanto quanto aos EUA e ao ocidente – por onde escaparem do feio poço da confrontação.
Não há dúvidas de que Moscou avaliará cuidadosamente as nuanças da fala de Obama, e tomará medidas para assegurar que aquelas palavras não são mero diplomatês, mas emanam de avaliação realista do impasse total que se desenvolvendo, pela qual o ocidente poderá ir até ali, mas não adiante daquilo, se a Rússia de fato pisar no acelerador para a anexação da Crimeia.
Em termos imediatos, ainda restam quatro dias antes do referendo na Crimeia. Obama quer que a Rússia pare de agir a favor do referendo, que criaria um ponto sem volta.
Lembra, sim, os navios soviéticos aproximando-se de Cuba, há 52 anos. A Crise dos Mísseis Cubanos só foi esvaziada quando os EUA reconheceram as legítimas preocupações de Moscou com mísseis mirados contra a URSS, e agiram de acordo. Cohen acerta, na sua analogia.

Notas

[1] Russia Expert Stephen Cohen: ‘Two Steps From Cuban Missiles Crisis’ (11/3/2014) – “Professor de Estudos Russos, Stephen Cohen, em entrevista a Fareed Zakaria, da rede CNN, dia 9/3/2014:
“Acho que estamos a dois passos de uma crise como a Crise dos Mísseis Cubanos e, pela primeira vez, a três passos de guerra com a Rússia”. E o prof. Cohen insistiu:
“Temos de conseguir começar uma negociação. Ao longo dos últimos 20 anos, os EUA movemos a OTAN diretamente para as fronteiras da Rússia. Há dez anos, Putin anunciou muito claramente ‘eu não gosto da OTAN juntos às minhas fronteiras, mas, vejam bem, eu tenho duas linhas vermelhas: uma é a Geórgia’ (a ex-república soviética). E Putin entendia que os EUA pisáramos naquela linha vermelha. E houve guerra. Agora Putin está entendendo que pisamos outra vez a linha vermelha noutro ponto, na Ucrânia.”
Respondendo a outra pergunra de Zakaria, Cohen Said:
“Eu gostaria de perguntar a todo mundo, inclusive ao presidente dos EUA: ‘A Rússia tem algum interesse legítimo? A Rússia está de algum modo certa na sua narrativa? Porque temos duas narrativas conflitantes. Agora, Putin quer que nós voltemos a 21 de fevereiro, quando o acordo negociado pelos ministros de Relações Exteriores da ONU foi destruído nas ruas. Ninguém pode fazer a história retroceder. Mas Obama diz que precisamos conversar [disse isso em
http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/03/12/remarks-president-obama-and-ukraine-prime-minister-yatsenyuk-after-bilat (NTs)]. E se fizermos isso, acho que as negociações podem começar e posso imaginar uma saída que evitaria a guerra.” Excertos em http://larouchepac.com/node/30136 (ing.), aqui traduzidos [NTs].(ing.)

[2]http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/03/10/readout-president-s-call-president-xi-china

[3]http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/03/10/readout-president-s-call-president-nazarbayev-kazakhstan

[4] BBC, http://www.bbc.com/news/world-us-canada-26473503?print=true (ing.)

[5]http://en.ria.ru/military_news/20140311/188317224/Russian-Paratroopers-Hold-Massive-Drills-as-Crimea-Vote-Nears.html

[6]http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/03/12/remarks-president-obama-and-ukraine-prime-minister-yatsenyuk-after-bilat

[7]http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/03/12/statement-g-7-leaders-ukraine

Ucrânia: Não ouçam o que eles dizem. Vejam o que eles fazem

Tlaxcala – 14 março 2014

 

The Saker El Saqr Балобан الصقر

Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Vudu

Não é fácil, mas tentem o seguinte experimento.
Imagine, só por um momento, que você é ser humano fundamentalmente decente e honesto, o qual, por uma virada irônica da história, foi posto no poder durante insurreição armada conduzida por bandidos neofascistas que não representam a maioria do povo do seu país. E, agora, eles chegam e dizem que querem participar do novo governo.
Claro que, sendo você um ser humano decente e honesto, está desconfortável na nova situação, mas, sendo as coisas como as coisas são, você tem de aceitar os fatos em campo e tomar uma decisão pragmática: ou incluir alguns deles no seu novo governo recém formado, ou ser derrubado por eles e entregar o governo a eles.
O que você faria? Suponho que você teria de dar alguns ministérios aos neofascistas. Que ministérios você daria? Entendo que a abordagem lógica seria dar a eles ministérios nos quais eles pudessem fazer serviço meio decente, com o que se reduziria o dano que aqueles alucinados poderiam causar ao seu país, certo? Pensando assim, eis o que eu faria:
1) Daria a eles o Ministério dos Esportes e da Juventude (nazistas e fascistas são bons nos esportes e em questões de saúde);
2) Daria a eles o Ministério dos Transportes (trens que obedeçam aos horários não fazem mal a ninguém);
3) Daria a eles o Ministério da Infraestrutura (Hitler construiu ótimas estradas);
4) Daria a eles o Ministério da Política Agrária e Alimentos (não houve desabastecimento nem na Berlin de 1945); e
5) Daria a eles o Ministério dos Assuntos de Meio Ambiente (os pagãos com frequência endeusam a natureza).
Seria de supor que Iatseniuk fizesse alguma coisa semelhante a isso, certo?
Pois NÃO FEZ. Vejam onde ele pôs os seus neofascistas:


Vice-Primeiro Ministro: Alexandr Sych (Partido Svoboda)

Ministro da Defesa: Almirante Igor Teniukh  (Partido Svoboda)
http://media.vocativ.com/photos/2014/02/Ukraine-Politician_033860361896.jpg
Ministro do Interior: Arsen Avakov (oficialmente, é membro do Partido da Pátria, mas, na realidade, é agente a serviço do Setor Direita)
http://static.gazeta.ua/img/cache/preview/539/539956_w_300.jpg
Presidente do Conselho de Defesa e Segurança Nacional: Andrei Parubii (do partido Nacional-Social da Ucrânia)
http://egotusum.files.wordpress.com/2014/03/dmitri-iaroch.jpg
Vice-chefe do Conselho de Defesa e Segurança Nacional: Dmitri Iarosh (Setor Direita).

Não é impressionante?! Os neofascistas foram postos em todas as posições de poder, as que em geral chamam-se posições das “estruturas do poder”.
Em vez de pô-los em postos onde só poderiam causar dano mínimo, Iatseniuk pôs os neofascistas em todas as posições nas quais ele podem causar dano máximo e são mais perigosos.
[De fato, é claro, eles – os neofascistas – é que puseram Iatseniuk no lugar onde hoje está, não o contrário; mas para quem queira continuar a crer no mito “democrático”, aí está um pensamento que, para nós, é proibido.]
Por tudo isso, o que pensarmos, nós, de Iatseniuk, Klichko e outros? Que são fascistas acovardados ou que, de fato, são cúmplices assumidos e ativos de um golpe neofascista?
Entendo que é absolutamente impossível negar os seguintes fatos:
1) o regime que está no poder em Kiev foi imposto lá por uma insurreição neofascista armada; e
2) o regime que está no poder em Kiev continua a ser integralmente controlado por neofascistas.
Esse é o governo que EUA e União Europeia estão apoiando: governo de completos, sinceros, convictos, violentos, odiosos neofascistas. E, outra vez, a Rússia levanta-se, sozinha, contra todos esses. Alguma novidade?

quinta-feira, março 13, 2014

Ucrânia ameaça o legado da política exterior de Obama

institutojoaogoulart - 05 março 2014


Absolutamente não tem importância alguma o quanto teria sido genuína, ou encenada como ‘resposta’ a pressões domésticas contra Obama, de que ele estaria sendo ‘fraco’ em suas políticas externas, a postura truculenta e ameaçadora que o Secretário de Estado dos EUA John Kerry assumiu na entrevista à rede CBN[1]sobre Moscou – e diretamente contra o presidente Putin. O que importa é que Kerry‘exigiu’ a virtual capitulação da Rússia ante a ameaça de retribuição norte-americana, e essa é atitude de desonestidade e de irrealismo. 

A história da atual crise na Ucrânia não começou com a autorização, pelo Parlamento russo, para que Putin use força militar na Ucrânia, se a entender necessária. Kerry pode facilmente confirmar isso, se perguntar à sua subordinada, a secretária-assistente Victoria Nuland, se ela realmente discutiu seu próprio mapa do caminho para uma ‘revolução colorida’ na Ucrânia, pelo telefone, com o embaixador dos EUA em Kiev Geoffrey Pyatt, na famosa conversação “Foda-se a União Europeia” há dois meses. 

De fato, aquela conversa aconteceu dia 11 de dezembro, e os eventos subsequentes na Ucrânia, inclusive a posse como primeiro-ministro de Arseniy“Yats” Yatsenyuk, seguiram precisamente o mapa do caminho de Nuland. Dado que Kerry não interpelou sua subalterna, ele também tem as próprias mãos também sujas de sangue. O mesmo vale para a conversa sobre a Carta da ONU, a lei internacional, as normas do comportamento entre estados no século 21 e blá-blá-bla. Kerry está sendo desonesto, quando faz pose de moralidade política. 

O ponto de partida para solução razoável para a crise é o governo Obama assumir, como pano de fundo de sua argumentação, que, sim, empreendeu tentativa deliberada para despertar o novo espírito de guerra fria na Europa, como artifício para reestabelecer a liderança transatlântica de Washington, em termos de uma estratégia para “conter” a Rússia. 

Por isso também, as ameaças de Kerry a Moscou são ridículas. Em primeiro lugar, porque os EUA já não têm a hegemonia global e já não conseguem comandar uma“coalizão de vontades” na política mundial. É o que se vê, evidente, nas ameaças ocas que Kerry fez.

Kerry ameaçou a Rússia de que os EUA e seus aliados boicotarão a reunião do G8 em Sochi em junho, e até puseram em dúvida a elegibilidade da Rússia como país-membro do G8. Grande coisa! Niall Ferguson escreveu postado ótimo, na Spectator,[2]em que mostra em que se converteu o G8. Sim, conforme os números do PIB do ano passado, os BRIC estão a um passo de tomarem a coroa de ases indomáveis, de EUA, Japão, Alemanha e Grã-Bretanha.

Portanto, Kerry delira, ao falar de G8. E a Rússia talvez cederia na sua determinação de resistir contra a estratégia de “contenção” dos EUA, só para não perder a posição de membro do G8?! Kerry só pode estar fazendo piada. 

O mesmo vale para as sanções econômicas que EUA ameaçaram impor à Rússia. Como seria possível conseguir que a Europa impusesse boicote econômico a Moscou, se a Europa depende criticamente do suprimento de energia russa? É verdade que os EUA não têm grandes negócios ou investimentos com a Rússia. Mas a Alemanha, com certeza, tem. E o Japão? O ministro Shinzo Abe engoliria essa estratégia, que o faria ‘desperdiçar’ a Rússia como contrapeso em seu confronto com a China – e tudo por causa da Ucrânia? 

Mas é verdade também que Kerry é político e diplomata experiente. Assim sendo, por que disse todas aquelas tolices na entrevista à CBS? Disse o que disse, parece-me, com olhos postos nas elites políticas russas. Há na Rússia um ativo e influente lobby de“ocidentalistas”, que tradicionalmente dominaram a política externa russa pós-soviética. E eles nunca engoliram o movimento de “pivô na direção da Ásia”,de Putin. 

Uma grande fatia das elites russas estacionam suas mal havidas fortunas em países ocidentais, e são afetadas pela ameaça de Kerry, de “congelar” seus bens. Em essência, Kerry deu-lhes uma cutucada, para que se mexam. 

É uma velha tese, persistente entre os especialistas norte-americanos em Rússia, como Nuland – que a estrutura de poder russa é eivada de facções e gangues sempre vulneráveis à manipulação pelos EUA, e que a autoridade de Putin pode ser minada por dentro. 

Mas Kerry vive na ilha-da-fantasia. Como Moscou algum dia cederia na questão de a Ucrânia ser empurrada na direção de União Europeia e OTAN, quando essa é questão existencial para a Rússia? 

O conhecido trabalho de Zbigniew Brzezinski sobre “O grande tabuleiro de xadrez”,[3] que tem influência profunda nas políticas para a Rússia de sucessivos governos dos EUA desde o final da Guerra Fria, é essencialmente construído sobre uma matriz política que prega que, sem a parceria com a Ucrânia, a Rússia enfraquece; e que aí está a via que levará à dominação pelos EUA, no século 21. 

Dito em termos simples, os EUA morderam mais do que podem mastigar, no caso da Ucrânia. É verdade que, como Nuland queria, “Yats” tornou-se primeiro-ministro. Mas, sem a aquiescência da Rússia, que absolutamente não tem nem obterá,[4]ainda faltam anos-luz para montar qualquer governo sucessor em Kiev que seja suficientemente estável e com autoridade sobre aquele grande país, com mais de 45 milhões de habitantes. 

O governo Obama enfrentará uma subida por encostas escorregadias, para persuadir os aliados europeus a continuarem a rolar as dívidas da economia ucraniana. É difícil cumprir a proposta de substituir com suprimentos norte-americanos ou europeus o gás russo fortemente subsidiado do qual sobrevive a economia da Ucrânia. A Ucrânia tem dívidas que chegam a dezenas de bilhões de dólares. 

O mais importante é que a Rússia resistirá, não importa a que custo, a qualquer movimento dos EUA para aproximar a Ucrânia da União Europeia ou da OTAN. E não há consenso dentro da Ucrânia a favor dessa cooptação para a órbita ocidental. A opinião pública está dividida ao meio – e hoje, ainda mais que antes. Se os agentes dos EUA que estão no poder em Kiev tentarem empurrar-lhes à força uma decisão, a região leste, que quer preservar laços milenares com a Rússia, se revoltará. 

Como a luta de sombras na Crimeia destaca, a Rússia, hoje, precisa fazer, de fato, bem pouco, para alavancar o que venha depois. Não precisa ‘invadir’ a Ucrânia. A Rússia tem apenas de impedir que procuradores norte-americanos em Kiev mostrem muitos músculos na Ucrânia do leste e na Crimeia. Na Crimeia, a revolta das lideranças políticas locais contra oputschinsuflado pelos EUA em Kiev não pode ser esmagada por meios militares.[5]Foi o que Moscou já assegurou, com um mínimo de esforço. 

A fragilidade fundamental da estratégia norte-americana é que a Ucrânia não é algo que a “Velha Europa” sinta no sangue e no coração. A estratégia dos EUA é orientada e cimentada pela obcessão com “isolar” a Rússia – que não é obcessão para a “Velha Europa”.

Por fim, se Kerry prosseguir e levar adiante suas ameaças, Moscou não esperará sentada. No mínimo, se Putin adotar a via Gandhiana da “não cooperação”, os EUA enfrentarão graves problemas em várias questões de política exterior. 

Se os EUA impuserem sanções contra a Rússia, Moscou, quase com certeza, atropelará as sanções de Washington contra o Irã, o que provocará tamanho buraco na tapeçaria da política externa de Obama, que ele ficará sem saber para que lado se mexe. De fato, um alto diplomata iraniano já está em Moscou[6] para consultas. 

Bem fará Obama se aferir com mais cuidado os limites do poder norte-americano. 

A coisa certa que cabe a Obama fazer é pôr no seu lugar o lobby neoconservador e meter sob rédea curta os poderosos ‘especialistas em Rússia’ do establishment da política exterior dos EUA, que hoje atropelaram o presidente e estão no comando das políticas externas dos EUA. 

Nuland é protegida de Madeline Albright; ela mesma é de origem moldoviana, e além disso, é casada com afamado ideólogo neoconservador, Robert Kagan. Que mistério inextrincável haveria aí, tão difícil de decifrar? Obama nem precisa procurar muito longe, para ver onde está o problema. O problema de Obama está dentro da casa dele. Obama não deveria continuar a ser presidente ausente, no que tenha a ver com a construção de políticas para a Rússia. ****


[2] “Foi em 2001 que meu bom amigo Jim O’Neill de Goldman Sachs cunhou a sigla BRIC – para Brasil, Rússia, Índia, China. Eram então os mercados emergentes, que logo ultrapassariam as economias desenvolvidas. Pois... aconteceu! OK, não completamente. Mas está quase lá. 

Gosto muito de uma boa sigla e sempre estranhei muito que não houvesse sigla também para as quatro maiores economias já estabelecidas (digamos) do mundo. Segundo o FMI, essas quatro são hoje EUA, Japão, Alemanha e Grã-Bretanha (segundo os números do PIB do ano passado). Então, proponho a sigla JAGUU. 

Ascensão dos BRIC e queda dos JAGUU tem ótima sonoridade. Segundo uma das medições do FMI – sempre as mais favoráveis aos mercados emergentes – os BRIC ainda não ultrapassaram os JAGUU, mas ultrapassarão, dentro de cinco anos. 

O fato de que as respectivas fatias de BRICs e JAGUUs na produção global já sejam hoje praticamente iguais (27% para BRICs, 31% para JAGUUs) fala por ele mesmo: há trinta anos, eram, respectivamente, 14% e 45%. (1/3/2014, Niall Ferguson, The Spectator (blog), Grã-Bretanha [excerto], em http://goo.gl/VsHQMN, aqui traduzido) [NTs].

quarta-feira, março 12, 2014

A promover o império da América: Golpe, pilhagem e duplicidade

resistir info – 13 março 2014

por James Petras

Cartoon de Latuff.O regime Obama, em coordenação com seus aliados serviçais, relançou uma virulenta campanha de âmbito mundial para destruir governos independentes, cercar e finalmente subverter competidores globais, e estabelecer uma nova ordem mundial centrada nos EUA-UE.
Prosseguiremos com a identificação dos "ciclos" recentes da construção do império estado-unidense; os avanços e recuos; os métodos e estratégias; os resultados e perspectivas. Nosso foco principal é na dinâmica imperial que conduz os EUA rumo a maiores confrontações militares, até e incluindo condições que podem levar a uma guerra mundial.
Ciclos imperiais recentes
A construção do império estado-unidense não tem sido um processo linear. As décadas recentes apresentaram amplas evidências de experiências contraditórias. Sumariamente podemos identificar várias fases nas quais a construção do império experimentou avanços amplos e recuos drásticos – com as devidas cautelas. Estamos a examinar processos globais, nos quais também há contra-tendências limitadas. Em meio a avanços imperiais em grande escala, regiões particulares, países ou movimentos resistiram com êxito ou mesmo reverteram a investida imperial. Em segundo lugar, a natureza cíclica da construção do império de modo algum põe em dúvida o carácter imperial do estado e da economia e seu implacável impulso para dominar, explorar e acumular. Em terceiro lugar, os métodos e estratégicas que dirigem cada avanço imperial diferem de acordo com mudanças nos países alvo.
Ao longo dos últimos trinta anos podemos identificar três fases na construção do império.
O avanço imperial da década de 1980 a 2000
No período aproximadamente de meados da década de 1980 ao ano 2000, a construção do império expandiu-se a uma escala global.
(A) Expansão imperial nas antigas regiões comunistas. Os EUA e a UE penetraram e hegemonizaram a Europa do Leste; desintegraram e pilharam a Rússia e a URSS; privatizaram e desnacionalizaram centenas de milhares de milhões de dólares do valor de empresas públicas, meios de comunicação social e bancos, incorporaram bases milhares por todas a Europa do Leste na NATO e estabeleceram regimes satélites como cúmplices voluntários em conquistas imperiais na África, Médio Oriente e Ásia.
(B) Expansão imperial na América Latina. A partir do princípio da década de 1980 até o fim do século, a construção do império avançou por toda a América Latina sob a fórmula de "mercados livre e eleições livres".
Desde o México até a Argentina, regime neoliberais, centrados no império, privatizaram desnacionalizaram mais de 5000 empresas públicas e bancos, beneficiando multinacionais dos EUA e da UE. Líderes políticos alinharam-se com os EUA em fóruns internacionais. Generais latino-americanos responderam favoravelmente a operações militares centradas nos EUA. Banqueiros extraíram milhares de milhões em pagamentos de dívida e lavaram muitos milhares de milhões mais de dinheiro ilícito. O "North American Free Trade Agreement", com a amplitude do continente e centrado nos EUA, pareceu avançar de acordo com o programa.
(C) Avanços imperiais na Ásia e na África. Regimes comunistas e nacionalistas deixaram cair suas políticas de esquerda e anti-imperialistas e abriram suas sociedades e economias à penetração capitalista. Em África, dois países "de esquerda", Angola e a África do Sul pós apartheid adoptaram "políticas de mercado livre".
Na Ásia, a China e Indochina moveram-se decisivamente em direcção a estratégias capitalistas de desenvolvimento; investimento estrangeiro, privatizações e exploração intensa do trabalho substituíram o igualitarismo colectivista e o anti-imperialismo. A Índia e outros estados capitalistas, como Coreia do Sul, Formosa e Japão, liberalizaram suas economias. Avanços imperiais foram acompanhados por maior volatilidade económica, um aguçamento da luta de classe e uma abertura do processo eleitoral para acomodar facções capitalistas competidoras.
A construção do império expandiu-se sob o slogan de "livres mercados e eleições justas" – mercados dominados por multinacionais gigantes e eleições, as quais asseguram os êxitos da elite.
Recuos e reveses imperiais: 2000-2008
Os custos brutais do avanço do império levaram a uma contra-tendência global, uma onda de levantamentos anti-neoliberais e de resistência militar a invasões dos EUA. Entre 2000 e 2008 a construção do império esteve sob sítio e em recuo.
Rússia e China desafiam o império
A construção do império estado-unidense cessou a sua expansão e conquista em duas regiões estratégicas: a Rússia e a Ásia. Sob a liderança do presidente Vladimir Putin, o estado russo foi reconstruído; a pilhagem e desintegração foram revertidas. A economia foi aparelhada para o desenvolvimento interno. Os militares foram integrados num sistema de defesa nacional e segurança. A Rússia mais uma vez tornou-se um grande actor na política regional e internacional.
A viragem da China rumo ao capitalismo foi acompanhada por uma presença dinâmica do estado e um papel directo na promoção do crescimento a dois dígitos durante duas décadas: a China tornou-se a segunda maior economia do mundo, deslocando os EUA como o grande parceiro comercial na Ásia e na América Latina. O império económico dos EUA estava em retirada.
América Latina: o fim do império neoliberal
O neoliberalismo e a integração centrada nos EUA levou à pilhagem, crises económicas e grandes levantamentos populares, provocando a ascensão de novos regimes de centro-esquerda e esquerda. Administrações "pós neoliberais" emergiram na Bolívia, Venezuela, Equador, Brasil, Argentina, América Central e Uruguai. Os construtores do império estado-unidense sofreram várias derrotas estratégicas.
Os esforços dos EUA para assegurar um acordo de livre comércio de âmbito continental foram deixados de lado e substituídos por organizações de integração regional que excluem os EUA e o Canadá. Em substituição, Washington assinou acordos bilaterais com o México, Colômbia, Chile, Panamá e Peru.
A América Latina diversificou seus mercados na Ásia e na Europa: a China substituiu os EUA como seu principal parceiro comercial. Estratégias de desenvolvimento extractivo e altos preços das commodities financiaram maior despesa social e independência política.
Nacionalizações selectivas, regulação estatal acrescida e renegociações de dívida enfraqueceram a alavancagem dos EUA sobre as economias latino-americanas. A Venezuela, sob o presidente Hugo Chavez, desafiou com êxito a hegemonia dos EUA no Caribe através de organizações regionais. Economias do Caribe alcançaram maior independência e viabilidade económica através da adesão à PETROCARIBE, um programa através do qual recebiam petróleo da Venezuela a preços subsidiados. Países da América Central e andino aumentaram a sua segurança e comércio através da organização regional ALBA. A Venezuela proporcionou um modelo de desenvolvimento alternativo à abordagem neoliberal centrada nos EUA, na qual os ganhos da economia extractiva financiaram programas sociais em grande escala.
Desde o fim da administração Clinton até o fim da administração Bush, o império económico estava em recuo. O império perdeu mercados asiáticos e latino-americanos para a China. A América Latina ganhou maior independência política. O Médio Oriente tornou-se "terreno contestado". Um estado russo revisto e mais forte opôs-se a novas intrusões nas suas fronteiras. A resistência militar e derrotas no Afeganistão, Somália, Iraque e Líbano desafiaram a dominância estado-unidense.
Ofensiva imperial: Avança o império de Obama
Todo o mandato do regime Obama tem sido dedicado a reverter o recuo da construção do império. Para este fim Obama desenvolveu primariamente uma estratégia militar de (1) confrontação e envolvimento da China e da Rússia, (2) minagem e derrube de governos independente na América Latina e re-imposição de regimes clientes neoliberais, e (3) lançamento encoberto e assaltos militares abertos a regimes independentes por toda a parte.
A ofensiva de construção do império do século XXI difere daquela da década anterior em vários aspectos cruciais: As doutrinas económicas neoliberais estão desacreditadas e os eleitorados não são tão facilmente convencidos dos benefícios de cair sob a hegemonia dos EUA. Por outras palavras, os construtores do império não podem confiar na diplomacia, em eleições e na propaganda do livre mercado para expandir o seu braço imperial como faziam na década de 1990.
Para reverter o recuo e avançar a construção do império no século XXI, Washington percebeu que tinha de confiar na força e na violência. O regime Obama destinou milhares de milhões de dólares para financiar armas para mercenários, salários para combatentes de ruas e despesas de clientes empenhados em desestabilizar campanhas eleitorais adversárias. Duplicidade diplomática e acordos rompidos substituíram ajustes negociados – numa grande escala.
Ao longo de todo o mandato de Obama nem um único avanço imperial foi assegurado através de eleições, acordos diplomáticos ou negociações políticas. A presidência Obama procurou e assegurou a massificação da rede de espionagem global (NSA) e os assassinatos quase diários de adversários políticos através de drones e por outros meios. Operações encobertas de assassínio das US Special Forces expandiram-se por todo o mundo. Obama assumiu prerrogativas ditatoriais, incluindo o poder de ordenar o assassinato arbitrário de cidadãos dos EUA.
O desdobramento do esforço global do regime Obama para deter o recuo imperial e relançar a construção do império foi montada quase exclusivamente sobre instrumentos militares: serviçais armados, assaltos aéreos, golpes e tomadas de poder putschistas. Brutamontes, populaça, terroristas islâmicos, militaristas sionistas e uma mixórdia de retrógrados assassinos separatistas foram as ferramentas do avanço do império. A escolha de serviçais imperiais variou conforme o momento e as circunstâncias políticas.
Confrontando e degradando a China:
Envolvimento militar e exclusão económica

Confrontado com a perda de mercados e os desafios da China como competidor global, Washington desenvolveu duas importantes linhas de ataque: 1. Uma estratégia económica destinada a aprofundar a integração de países asiáticos e latino-americanos num pacto de livre comércio que exclui a China (o Trans Pacific Trade Agreement); e 2. Um plano militar concebido pelo Pentágono de Batalha Ar-Mar, o qual tem a China continental como alvo com um assalto aéreo e com mísseis em plena escala se a actual estratégia de Washington de controlar o comércio marítimo vital da China falhar (FT, 10/Fev/14). Apesar de a estratégia de ofensiva militar ainda estar na mesa de desenho do Pentágono, o regime Obama está a acumular uma armada marítima a escassas milhas da costa chinesa, a expandir suas bases militares nas Filipinas, Austrália e Japão e a apertar o nó em torno das rotas marítimas estratégicas da China para importações vitais como petróleo, gás e matérias-primas.
Os EUA estão a promover activamente uma aliança militar indo-japonesa como parte da sua estratégia de envolvimento da China. Manobras militares conjuntas, coordenação militar em alto nível e reuniões entre oficiais militares japoneses e indianos são encaradas pelo Pentágono como avanços estratégicos no isolamento da China e reforço do controle dos EUA sobre rotas marítimas da China para o Médio Oriente, o Sudeste Asiático e mais além. A Índia, de acordo com um dos seus principais semanários, é encarada "como um parceiro júnior dos EUA. A Indian Navy está a tornar-se rapidamente o chefe de polícia do Oceano Índico e a dependência militar indiana do complexo militar-industrial dos EUA é crescente..." (Economic and Political Weekly (Mumbai), 15/Fev/14, p. 9. Os EUA também estão a escalar o seu apoio a movimentos separatistas violentos na China, nomeadamente os tibetanos, uighurs e outros islamistas. A reunião de Obama com o Dalai Lama foi emblemática dos esforços de Washington para fomentar inquietação interna.
A grosseira intervenção política do embaixador estado-unidense cessante, Gary Locke, na política interna chinesa é uma indicação de que a diplomacia não é o principal instrumento de política do regime Obama quando se trata da China. O embaixador Locke encontrou-se abertamente com separatistas uighurs e tibetanos e menosprezou publicamente os êxitos económicos e o sistema política da China enquanto encorajava abertamente a oposição política (FT, 28/Fev/14, p. 2).
A tentativa do regime Obama de promover o império na Ásia através da confrontação militar e de pactos militares, os quais excluem a China, levou este país a desenvolver sua capacidade militar para evitar o estrangulamento marítimo. A China responde à ameaça comercial dos EUA avançando sua capacidade produtiva, diversificando suas relações comerciais, aumentando seus laços com a Rússia e aprofundando seu mercado interno.
Até à data, a temerária militarização do Pacífico pelo regime Obama não levou a uma ruptura aberta nas relações com a China, mas o caminho militar para avançar o império a expensas da China ameaça uma catástrofe económica global ou pior, uma guerra mundial.
Avanço imperial: Isolando, cercando e degradando a Rússia
Com a vinda do presidente Vladimir Putin e a reconstituição do estado e da economia russa, os EUA perderam um cliente vassalo e uma fonte de pilhagem de riquezas. Os construtores do império de Washington continuaram a procurar a "cooperação e colaboração" russa minando estados independentes, isolando a China e prosseguindo suas guerras coloniais. O estado russo, sob Putin e Medvedev, procurou acomodar os construtores de império estado-unidenses através de acordos negociados, os quais promoveriam a posição da Rússia na Europa, reconheceriam fronteiras estratégicas russas e reconheceriam preocupações russas de segurança. Contudo, a diplomacia russa conseguiu poucos ganhos e transitórios ao passo que os EUA e a UE obtiveram grandes importantes ganhos com a cumplicidade e passividade russa.
A agenda não declarada de Washington, especialmente com o impulso de Obama para relançar uma nova onda de conquistas imperiais, era minar o ressurgimento da Rússia como um actor importante na política mundial. A ideia estratégica era isolar a Rússia, enfraquecer sua crescente presença internacional e retornar ao status de vassalo do período Yeltsin, se possível.
Desde a tomada da Europa do Leste pelos EUA-UE, dos estados dos Balcãs e Bálticos e sua transformação em bases militares da NATO e estado capitalistas vassalos no princípio da década de 1990, até a penetração e pilhagem da Rússia durante os anos Yeltsin, o primeiro objectivo da política ocidental tem sido estabelecer um império unipolar sob dominação estado-unidense.
A UE e os EUA actuaram para desmembrar a Jugoslávia em mini-estados subservientes. Eles então bombardearam a Sérvia a fim de tomar o Kosovo, destruindo um dos poucos países independentes ainda aliados à Rússia. Os EUA então avançaram a fomentar levantamentos na Geórgia, Ucrânia e Chechenia. Eles bombardearam, invadiram e posteriormente ocuparam o Iraque – um antigo aliado russo na região do Golfo.
A estratégia condutora da política estado-unidense era envolver e reduzir a Rússia ao status de potência fracas, marginal, e minar os esforços de Vladimir Putin para restaurar a posição da Rússia como uma potência regional. Em 2008 o regime fantoche de Washington na Geórgia testou a têmpera do estado russo ao lançar um assalto à Ossécia do Sul, matando pelo menos 10 russos das forças de manutenção da paz e ferindo centenas (para não mencionar milhares de civis). O então presidente russo, Medvedev, respondeu com o envio das forças armadas russas para repelir tropas georgianas e apoiar a independência da Abcazia e da Ossécia do Sul.
Os acordos diplomáticos dos EUA com a Rússia têm sido assimétricos – a Rússia devia concordar com a expansão ocidental em troca de "aceitação política". A duplicidade vencia a diplomacia aberta. Apesar de acordos em contrário, bases e instalações de mísseis dos EUA foram estabelecidas por toda a Europa do Leste, apontando à Rússia, sob o pretexto de que estavam "realmente a apontar ao Irão". Mesmo quando a Rússia protestos pela ruptura de acordos pós Guerra Fria, o império ignorou queixas de Moscovo e o envolvimento avançou.
Num novo desastre diplomático, a Rússia e a China assinaram no Conselho de Segurança das Nações Unidas um acordo de autoria estado-unidense para permitir à NATO efectuar "voos humanitários" na Líbia. A NATO imediatamente tomou isto como o "sinal verde" para atacar e converter a "intervenção humanitária" numa devastadora campanha de bombardeamento aéreo que levou ao derrube do governo legítimo da Líbia e à sua destruição como estado viável e independente na África do Norte. Ao assinar na ONU o acordo "humanitário", a Rússia e a China perderam um governo amigo e um parceiro comercial na África! Anteriormente, os russos haviam permitido aos EUA transportar armas e tropas através a Federação Russa para apoiar a invasão do estado-unidense do Afeganistão ... sem nenhum ganho recíproco (excepto talvez uma ainda maior inundação de heroína afegã).
Diplomatas russos concordaram com sanções económicas da ONU, contra de autoria de sionistas dos EUA, contra o não existente programa de armas nucleares do Irão ... minando um aliado político e um mercado lucrativo. Moscovo acreditou que ao apoiar sanções dos EUA contra o Irão e conceder rotas de transporte para o Afeganistão no fim de 2001 receberia algumas "garantias de segurança" dos americanos em relação a movimentos separatistas no Cáucaso. O governo americano "retribuiu" com novo apoio a líderes separatistas chechenos exilados nos EUA apesar das campanhas de terror em curso contra civis russos – até e mesmo depois da carnificina chechena de centenas de escolares e professores em Beslan em 2004...
Com os EUA sob Obama a avançarem no seu envolvimento da Rússia na Eurásia e no seu isolamento na África do Norte e Médio Oriente, Putin finalmente decidiu traçar uma linha com o apoio ao único aliado remanescente da Rússia no Médio Oriente, a Síria. Putin pretendeu assegurar um fim negociado à invasão mercenária de Damasco apoiada por monarquias pró ocidentais do Golfo. Com pouco proveito: Os EUA e a UE aumentaram carregamentos de armas, treinadores militares e financiamentos aos 30 mil mercenários islâmicos com base na Jordânia quando eles se empenhavam em ataques transfronteiriços para derrubar o governo sírio.
Washington e Bruxelas continuaram seu impulso imperial rumo ao centro da Rússia ao organizarem e financiarem uma violenta tomada de poder (putsch) na Ucrânia ocidental. O regime financiou uma coligação de combatentes de rua neo-nazis armados e políticos neoliberais, ao custo considerável de 5 mil milhões de dólares, para derrubar o regime eleito. Os putschistas quiseram acabar com a autonomia da Criméia e romper tratados com acordos militares de longo prazo com a Rússia. Sob enorme pressão do governo autónomo da Criméia e da vasta maioria da população e enfrentando a perda crítica das suas instalações navais e militares no Mar Negro, Putin, finalmente, vigorosamente deslocou tropas russas num modo defensivo na Criméia.
O regime Obama lançou uma série de movimentos agressivos contra a Rússia para isolá-la e escorar seu vacilante regime fantoche em Kiev: sanções económicas e expulsões estavam na ordem do dia ... a tomada da Ucrânia por Obama assinalou o começo de uma "nova Guerra Fria". A captura da Ucrânia faz parte da grande estratégia em curso de Obama de avanço do império.
O sequestro do poder na Ucrânia assinalou o maior desafio geopolítico para a existência contínua do estado russo. Obama procura estender e aprofundar a varredura imperial através da Europa até o Cáucaso: o violento golpe no regime e a subsequente defesa do regime fantoche em Kiev são elementos chaves na minagem de um adversário chave – a Rússia.
Depois de pretender "parceria" com a Rússia, enquanto talhava seus aliados nos Balcãs e no Médio Oriente durante as décadas anteriores, Obama fez o seu movimento mais audacioso e mais imprudente. Jogando fora todas as desculpas de coexistência pacífica e acomodação mútua, o regime Obama rompeu um acordo de poder partilhado com a Rússia sobre a governação da Ucrânia e apoiou o putsch neo-nazi.
O regime Obama assumiu que tendo assegurado anteriormente a anuência da Rússia face ao avanço do poder imperial no Afeganistão, Iraque, Líbia e região do Golfo, os construtores de império de Washington tomaram a fatídica decisão de testar a Rússia na sua mais estratégica região geopolítica, uma região que afecta directamente o povo russo e seus activos militares mais estratégicos. A Rússia reagiu na única linguagem entendida em Washington e Bruxelas: com uma importante mobilização militar. O avanço de Obama com "tácticas de construção de império via salame" e duplicidade diplomática está a aproximar-se do fim.
O avanço do império no Médio Oriente e América Latina
O avanço imperial da década de 1990 chegou ao fim nos meados a primeira década do novo milénio. Derrotas no Afeganistão, retirada do Iraque, a morte de regimes fantoches no Egipto e na Tunísia, perda de eleições na Ucrânia e a derrota e afundamento de regimes neoliberais pró EUA na América Latina foram exacerbadas por uma crise económica profunda nos centros imperiais da Europa e da Wall Street.
Obama tinha poucas opções económicas e políticas para avançar o império. Mas o seu regime estava determinado a acabar com o recuo e avançar o império; ele recorreu a tácticas e estratégias mais parecidas com as do século XIX colonial e de regimes totalitários do século XX.
Os métodos foram violentos – o militarismo foi o eixo a política. Mas numa época de exaustão imperial interna, novas tácticas militares substituíram forças invasoras em grande escala sobre o terreno. Mercenários armados por procuração ganhara o centro do palco no derrube dos regimes alvejados pelos EUA. Afinidades políticas e ideológicas foram subsumidas sob o eufemismo genérico de "rebeldes". Os mass media alternavam entre pressionar por maior escala militar e endossar o nível existente de guerra imperial. Todo o espectro político na Europa e nos EUA comutou para a direita – mesmo quando a maioria do eleitorado rejeitou novos compromissos militares, especialmente guerras no terreno.
Obama escalou tropas no Afeganistão, lançou uma guerra aérea que derrubou o presidente Kadafi e transformou a Líbia no estado arruinado e fracassado. Guerras por procuração tornaram-se a nova estratégia para o avanço imperial na construção do império. A Síria foi alvejado – dezenas de milhares de extremistas islâmicos foram recrutados e financiados por regimes imperiais e monarquias despóticas do Golfo. Milhões de refugiados fugiram, dezenas de milhares foram mortos.
Na América Latina, Obama apoiou o golpe militar em Honduras derrubando o governo liberal eleito do presidente Manuel Zelaya, no Paraguai reconheceu um golpe do Congresso que expulsou o governo eleito de centro-esquerda enquanto se recusou a reconhecer a vitória eleitoral do presidente Maduro na Venezuela. Face à vitória de Maduro na Venezuela, Washington apoiou durante vários meses de violência nas ruas numa tentativa de desestabilizar o país.
Na Ucrânia, Egipto, Venezuela e Tailândia, "a rua" substituiu eleições. Os objectivos estratégicos imperiais de Obama centraram-se na reconquista e pilhagem da Rússia e no seu retorno ao status de vassalo dos anos Boris Yeltsin, no retorno da América Latina aos regimes neoliberais da década de 1990 e na China à docilidade da década de 1980. A estratégia imperial tem sido "conquistar a partir de dentro" estabelecendo o cenário para a dominação a partir de fora.
A avançar o império: Israel e o desvio do Médio Oriente
Um dos grandes paradoxos históricos do recuo imperial dos EUA no século XXI foi o papel desempenhado pela influência de Israel e sua Quinta Coluna Sionista incorporada dentro da estrutura de poder político estado-unidense. As guerras de Washington e as sanções no Médio Oriente foram em grande medida sob as ordens de influentes "Israel Firsters" na Casa Branca, Pentágono, Tesouro, Conselho de Segurança Nacional e Congresso.
Foi em grande medida porque os EUA estavam empenhados em guerras no Iraque e no Afeganistão que Washington "deixou de lado" as crescentes proezas económicas da China. Ao concentrar-se nas "guerras por Israel" no Médio Oriente, os EUA não estavam em posição de desafiar a ascensão do nacionalismo e populismo na América Latina. As prolongadas "guerras por Israel" esgotaram a economia dos EUA e o entusiasmo do público americano por novas guerras terrestres alhures.
Ideólogos sionistas, alcunhados "neoconservadores", foram instrumentais em moldar a abordagem global militarista para a construção do império e em marginalizar a sua construção sob orientação do mercado, favorecida pelas multinacionais e pelos gigantes da indústria extractiva.
A tentativa de Obama de travar o recuo do império, inspirada pelo militarismo sionista, não frutificou. Seu esforço para cooptar sionistas e pressionar Israel a parar de fomentar novas guerras no Médio Oriente é um fracasso. O seu "eixo na Ásia" transformou-se numa estratégia cerco militar bruto da China. Suas aberturas ao Irão foram frustradas pelo bloco de poder sionista no Congresso pela imposição de termos de negociação ditados por Israel. Todo o "avanço do projecto de construção do império", o qual devia definir o legado de Obama, foi enfraquecido pelo enorme custo de atender aos conselhos e directivas dos lealistas a Israel dentro da sua administração. Israel, uma das mais brutais potências coloniais, paradoxalmente e não intencionalmente desempenhou um grande papel na minagem dos esforços de Obama para reverter o declínio do império e avançar as dimensões diplomáticas e económicas da construção do império.
Resultados e perspectivas: A avançar o império no período pós neoliberal
O temerário esforço de Obama para avançar o império na segunda década do século XXI é muito mais perigoso que o dos seus antecessores no fim do século XX. A Rússia recuperou-se. Já não é o estado em desintegração que Bush e Clinton desmembraram e pilharam. A China já não é mais uma economia de mercado em ascensão tão ansiosa para comerciar com os EUA enquanto fazia vista grossa a incursões americanas em águas territoriais chinesas. Hoje a China é uma grande potência económica, exercendo alavancagem económica na forma de US$3 milhões de milhões em bilhetes do Tesouro dos EUA. A China já não tolera interferência dos EUA na sua política interna – está desejosa de suprimir separatistas étnicos e terroristas apoiados pelos EUA.
A América Latina, incluindo a Venezuela, desenvolveu organizações regionais autónomas, diversificou seus mercados para a Ásia e estabeleceu um poderoso consenso pós neoliberal. A Venezuela transformou seu militares, outrora o instrumento favorito de golpes engendrados pelos EUA, numa fortaleza da ordem democrática existente.
O caminho eleitores para a construção do império estado-unidense foi fechado ou exige duro "supervisão" imperial para assegurar "resultados favoráveis". A nova política escolhida por Washington é a violência: recrutar a ralé para acções, extremistas mercenários, terroristas islamistas e uighures, neo-nazis e toda a escumalha do mundo para o seu serviço.
O balanço de seis anos de "avanço do império" sob Obama é duvidoso. O derrube violento do presidente Kadafi não levou a um regime cliente estável: a destruição total e o caos na Líbia solaparam a presença imperial. A Síria está sob ataque mas por islamistas fanáticos anti-ocidentais. A derrota de Assad não "avançará o império" na medida em que expandirá o poder do Islão radical (incluindo a Al Qaeda).
O regime fantoche na Ucrânia, de neoliberais e neo-nazis, está literalmente em bancarrota, dilacerado por conflitos internos e enfrentando profundas divisões regionais. A Rússia está ameaçada, mas seus líderes adoptaram acção militar decisiva para defender seus aliados da Criméia e suas bases militares estratégicas.
Obama provocou e ameaçou adversários mas não assegurou muito em termos de aliados válidos ou de clientes. Seus esforços para replicar os avanços imperiais da década de 1990 fracassaram porque mudaram as correlações de força entre a Europa e a Rússia, o Japão e a China, a Venezuela e a Colômbia. Mandatários, drones predadores e as US Special Forces não são capazes de reverter o recuo. A crise económica cortou demasiado profundamente; a exaustão interna com o império é demasiado generalizada. O custo de sustentar Israel é demasiado alto. Avançar o império nestas circunstâncias é um jogo perigoso: arrisca uma guerra nuclear maior para ultrapassar a adversidade e o recuo.

09/Março/2014

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/...

domingo, março 09, 2014

Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim

 

A Lagoa

Na chuva de cores da tarde que explode, a Lagoa brilha.

(Carlos Drummond de Andrade)

Eu não vi o Mar. Não sei se o Mar é bonito.

Não sei se ele é bravo.

O Mar não me importa.

Eu vi a Lagoa. A Lagoa, sim.

A Lagoa é grande e calma também.

A Lagoa se pinta de todas as cores.

Eu não vi o Mar. Eu vi a Lagoa...

A Lagoa Mirim localiza-se no Extremo Sul do Brasil entre os Paralelos 33°37’08”S e 32°08’48”S e Meridianos 52°35’05”O e 53°39’50”O. Suas margens Meridionais Ocidentais fazem fronteira com o Uruguai, desde a Foz do Jaguarão até a Embocadura do Arroio San Miguel. É o segundo maior manancial lacustre do Brasil e a nossa maior Lagoa com 175km de comprimento, uma largura média em torno dos 21,5km e máxima de 41km. A Lagoa Mirim interliga-se, através do Canal de São Gonçalo, com o maior corpo lagunar do país – a Laguna dos Patos.

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Figura 01 — Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim — Brasil/Uruguai (Fonte: Machado, G.)

As profundidades médias de suas águas Setentrionais variam de 1 a 2m, chegando a 4m na parte central e oscilando entre 5 e 6m na região Meridional, atingindo, ainda que muito pontualmente, até 12m. A Lagoa Mirim possui uma superfície da ordem de 3.750km2 sendo um terço deste total águas uruguaias constituindo-se, portanto, em um corpo hídrico fronteiriço onde prevalece o regime de águas compartilhadas. Os níveis mais baixos são observados no trimestre março-abril-maio, agravados consideravelmente pela irrigação intensiva. O período menos chuvoso é de outubro a dezembro e o de menores afluências entre dezembro e fevereiro.

Na Margem Ocidental da Lagoa concentram-se o maior número de afluentes e os de maior caudal enquanto na Oriental se localiza a mais recente restinga regional que margeia o Oceano Atlântico, onde se localizam a Lagoa Mangueira e o Banhado do Taim. A Bacia da Lagoa Mirim subdivide-se em oito Bacias Hidrográficas totalizando uma superfície de 58.500km² que somadas à superfície da Lagoa Mirim (3.750km²) resultam em 65.250km².

a) No Brasil (19.642km²):

1. Bacia do Canal São Gonçalo (9.147km²), cujo principal afluente é o Rio Piratini;

2. Bacia do Arroio Grande (4.080km²), formada pelo Arroio Grande e Chasqueiro;

3. Bacia do Litoral (6.415km²), onde estão localizados o Banhado do Taim e a Lagoa

Mangueira dentre outras de menor expressão.

b) No Uruguai (30.670km²):

4. Bacia do Tacuarí (5.143km²);

5. Bacia do Cebollatí (17.328km²);

6. Bacia do Sarandí (1.266km²);

7. Bacia do San Miguel (6.933km²), integrada pelo San Miguel e por outros rios

menores.

c) Fronteira Brasi/Uruguai (11.938km²):

8. Bacia do Rio Jaguarão, na divisa entre o Brasil e o Uruguai (8.188km²);

O exutório natural da Lagoa Mirim, o Canal São Gonçalo, que a liga à Lagoa dos Patos (próximo à Praia do Laranjal, Pelotas, RS), encontra-se, atualmente, controlado através de uma eclusa, cuja finalidade é impedir as intrusões de fluxos salinos de jusante.

Exutório: ponto de menor altitude de uma Bacia Hidrográfica, a Foz do Canal para

onde converge todo escoamento superficial gerado no interior da Bacia Hidrográfica

da Lagoa Mirim drenada pelo Canal de São Gonçalo. (Hiram Reis)

A Rede Hidrográfica da Lagoa Mirim é composta pelos seguintes cursos d’água:

Brasil:

  • Margem Ocidental da Lagoa Mirim (do Sul para o Norte): Rio Jaguarão (Foz 32°39’11”S / 53°10’54,1”O), Arroios Juncal (Foz 32°38’26,4”S / 53º 05’15,6”O), Arrombados (Foz 32°32’24,8”S / 52°59’57,9”O), Bretanhas (Foz 32°29’21,6”S / 52°58’08,6”O), Grande (Foz 32°20’43,3”S / 52°47’21,6”O), Canhada Grande (Foz 32°18’59,6”S / 52°48’29,7”O), Chasqueiro (Foz 32°16’05,3”S / 52°47’14,4”O), Palmas (Foz 32°10’15,3”S / 52°43’32,1”O).
  • Margem Esquerda do Canal S. Gonçalo (de Montante para Jusante): Arroio contrabandista (Foz 32°01’03”S / 52°25’15,3”O), Rio Piratini (Foz 32°00’57,1”S / 52°25’14,5”O), Arroio do Pavão (Foz 31°58’02”S / 52°25’10,3”O), Arroio Moreira ou Fragata (Foz 31°47’54,6”S / 52°22’16,4”O), Arroio Pelotas (Foz 31°46’23,4”S / 52°16’51”O).

  • Margem Oriental da Lagoa Mirim (do Sul para o Norte): Arroio dos Afogados (Foz 33°07’47”S / 53°22’29,7”O), Arroio Capão da Canoa (Foz 33°06’33,2”S / 53°16’33,6”O), Arroio Del Rey (Foz 32°52’09,7”S / 52°55’45”O), Arroio do Taim (Foz 32°33’35,2”S / 52°35’24,7”O), Arroio Gamela (Foz 32°15’09,5”S / 52°40’26”O), Arroio Sangradouro (32°08’48,7”S / 52°37’21,5”O).

Uruguai:

  • Margem Ocidental da Lagoa Mirim (do Sul para o Norte): Rio San Miguel (Foz 33°36’29,3”S / 53°31’56,7”O), Rio San Luis (Foz 33°31’40”S / 53°32’44,3”O), Arroio Costa de Pelotas (Foz 33°27’31”S / 53°35’29,5”O), Rio Cebollatí (Foz 33°09’12,2”S / 53°37’47,7”O), Rio Sarandi Grande (Foz 33°02’02,6”S / 53°34’04,5”O), Arroio Zapata (Foz 33°56’55,4”S / 53°29’51,1”O), Rio Tacuarí (Foz 32°46’17”S / 53°18’36,4”O).

- Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do Rio Grande do Sul

A Lagoa Mirim sofreu uma série de eventos paleogeográficos. Antes de assumir sua forma atual, ela foi sendo moldada lenta e progressivamente pelas “barreiras depositadas ao longo da faixa costeira, originadas de sedimentos trazidos por correntes de litoral e acumuladas pela dinâmica praial”. (VIEIRA e RANGEL).Conforme relata Albano Schwarzbold:

Há 230 mil anos o degelo elevou o nível do mar a 20m acima do atual, fazendo com que as águas entrassem continente a dentro. Essa extensa área submersa foi retrabalhada em condições praiais e marinhas rasas, tendo contribuição do material sólido erodido continental, configurando um perfil de fundo e iniciando a formação de uma Barra na direção Sul (a partir de Pelotas).

O Período Glacial seguinte criou as condições para a ocorrência de sequências de deposição de emersão. Posteriormente, o Interglacial Yarmouth, originou nova submersão continental, mas em menor intensidade que a anterior, sendo que a reinundação da região ocorreu através da Barra ao Sul. A ação erosiva sobre a barreira originou uma segunda deposição de águas rasas, originando uma segunda barreira e obstruindo a Barra ao Sul e isolando a Laguna Mirim do oceano.

Interglacial Yarmouth: a Penúltima interglaciação ocorrida a 435 mil anos. O termo Yarmouth é homônimo de uma região do estado norte americano de Yowa. (Hiram Reis)

Há 150 mil anos, o fundo da Laguna foi aplainado pelo assoreamento dos sedimentos marinhos. Há 80 mil anos, na última transgressão marinha pleistocênica, a elevação do nível do mar foi menos intensa (cerca de 8 metros acima do nível atual), não permitindo a ultrapassagem das barreiras formadas anteriormente. Neste evento, a Laguna Mirim permaneceu isolada do mar, sem a ocorrência de ingressão marinha.

Pleistocênica: a época Pleistocena sucede a época Pliocena e precede a época Holocena. Divide-se nas idades Pleistocena Inferior, Média e Superior da mais antiga para a mais recente. Nesse período aconteceram as variações de climáticas mais radicais. (Hiram Reis)

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Figura 02 — Antigo vertedor da então “Laguna” Mirim.

O Glacial Wiscosin, que ocorreu de 60 mil até há 16 mil anos, provocou um rebaixamento no nível do mar para – 100 metros. Neste evento houve o rompimento e erosão parcial da restinga, servindo de vertedor à Laguna Mirim, onde hoje se encontra o Banhado do Taim e as Lagoas Nicola e Jacaré.

Glacial Wiscosin ou Glacial Würm: última glaciação, ocorrida a 10.000 anos a.C. (Hiram Reis)

Já no Holoceno, onde as oscilações de nível do mar são restritas, a transgressão Flandriana atingiu seu máximo há seis mil anos, com o nível do mar elevando-se a 5m acima do atual e havendo intrusão na laguna Mirim através do Taim. Ocorreram amplas deposições na margem litorânea, apesar de baixas, construindo feixes de restinga sobrepostos aos depósitos pleistocênicos, em linhas paralelas à costa, na direção Sul.

Holoceno: o Holoceno inicia-se logo após a última era glacial principal – Idade do Gelo, há cerca de 11.500 anos e se estende até a atualidade (Hiram Reis).

Flandriana (Transgressão Flandriana): nesse período, ocorrido entre 4.000 a 5.000 anos AP. (antes do presente), o mar, num rápido avanço, em decorrência das mudanças climáticas ocorridas durante o Glacial Würm e o princípio do degelo das calotas polares, trabalhou a parte superficial dos sedimentos continentais antes depositados, resultando na formação de uma camada de areias litorâneas transgressivas. (Instituto Meridionalis)

Este processo foi repetido durante as três próximas transgressões holocênicas. O crescimento dos feixes de restinga, para o Sul, desviou o vertedor da Laguna Mirim, no Taim, originando um longo canal de escoamento semilagunar. A continuação desse processo culminou com o fechamento da ligação da Laguna com o mar, pelo Taim, originando a Lagoa Mirim, que permanece isolada até a atualidade. A Lagoa Mirim, auxiliada pelos fortes processos erosivos impostos pela Lagoa dos Patos aos terraços pleistocênicos, acabou por estabelecer um canal de interligação, atualmente denominado de São Gonçalo, e que constitui, hoje, o estuário da Lagoa Mirim para a Lagoa dos Patos. (SCHWARZBOLD)

A antiga Laguna Mirim tinha, portanto, uma embocadura com o Oceano Atlântico, entre o Norte da Lagoa Mangueira e o Taim, formando um ambiente estuarino. Estudos paleoambientais atestam a presença de ambiente mixohalino (águas com salinidade dominada por sais de cloreto de sódio), em condições lagunares de deposição, caracterizando uma Barra de maré de baixa energia entre os segmentos de ilhas de barreiras já formadas. (VIEIRA E RANGEL)

- Relatos Pretéritos ‒ Lagoa Mirim

Manoel Ayres de Cazal (1817)

A Lagoa Mirim que quer dizer pequena comparativamente àquela outra, sendo de 26 léguas de comprimento com 7 para 8 na maior largura, está também prolongada com a Costa, e deságua para a dos Patos por um Canal de 14 de comprido, largo, vistoso e navegável, que é o mencionado Rio de São Gonçalo.

O Rio Saboiati (Cebollati - Foz 33°09′10,4″S / 53°37′42.7″W), depois de ter recolhido outros muitos, deságua caudaloso perto da extremidade Meridional da Lagoa Mirim e dá navegação por muitas léguas.

Rio Cebollati: afluente da Margem Ocidental da Lagoa Mirim. Sua nascente é a Coxilha Grande, região Central do Uruguai, corta os Departamentos de Lavalleja, Treinta y Tres y Rocha. Seu comprimento total é de 235 km. (Hiram Reis)

O Rio Chuí, que não é considerável, desemboca quase no meio da mesma Lagoa: e mais ao Norte o Jaguarão, que principia perto da Lagoa Formosa, dão-lhe 25 léguas de curso e 5 ou 6 de navegação. (CASAL)

Arroio Chuí: nasce no Município de S. Vitória do Palmar e atravessa o Município do Chuí até desaguar no Oceano Atlântico junto à Praia da Barra do Chuí, balneário de S. Vitória do Palmar. O ponto Extremo Meridional do País é a Curva da Baleia (Figura 03) no Arroio Chuí (33°45’09”S / 53°23’22”O), há 2,76km de sua Foz (33°45’03”S / 53°23’48”O) que é o Extremo Sul do litoral brasileiro. (Hiram Reis)

Rio Jaguarão (em espanhol Yaguarón): é navegável por 32km, da Foz até o Município de Jaguarão, com 2,50m de profundidade. Nasce na Serra de Santa Tecla, na Coxilha das Tunas ou do Arbolito (Município de Hulha Negra). O Jaguarão divide os Municípios de Jaguarão, no Brasil, e Rio Branco, no Uruguai. (Hiram Reis)

Domingos de Araujo e Silva (1865)

Arroio Chasqueiro: nasce no Município de Piratini, e lança-se na Lagoa Mirim na Latitude Sul de 32°37’30”.

Arroio d’El-Rei: é formado pelas águas das Lagoas do Embira e Silveira, e deságua na Lagoa Mirim na Latitude Sul de 32°57’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 9°50’59”.

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Figura 03 — Arroio Chuí - Curva da baleia e Foz

Arroio das Palmas: afluente Ocidental da Lagoa Mirim.

Arroio do Juncal: nasce nos campos da margem do Rio Jaguarão, e deságua na Margem Ocidental da Lagoa Mirim na Latitude Sul de 32°22’45” e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 10°01’29”, e ao Norte da Foz do Rio Jaguarão.

Arroio Grande do Herval (hoje Arroio Grande): Nasce na Serra de São João do Herval, e faz Barra na Margem Ocidental da Lagoa Mirim ao pé da Ponta Alegre na Latitude Sul de 32°19’40”.

Espírito Santo de Jaguarão: sobre a margem esquerda do Rio do mesmo nome, 5 léguas acima de sua Foz e na Latitude Sul de 32°24’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 09°17’9”, demora a florescente cidade de Jaguarão, muito importante não só pelo comércio com o Estado Oriental do Uruguai o com o interior da Província, como por ser ponto fronteiro e nele permanecerem constantemente aquartelados um Regimento de Cavalaria e um Batalhão de Infantaria; fica em frente à Vila Oriental de Artigas e a 82 léguas da Capital.

A Cidade está colocada sobre um terreno docemente acidentado, é formada de muitas ruas que se cortam perpendicularmente, e tem de um e outro lado dois pequenos córregos que atravessam, o primeiro as Ruas dos Pescadores e da Trincheira, e o segundo as da Matriz, Boa vista, Portão e Flores; entre seus edifícios públicos notaremos como principais a Igreja Matriz na Praça do mesmo nome, a cadeia na esquina das Ruas da Ponte e Direita, a casa da Câmara na Rua das Praças, o mercado na Praça da Marinha e o Quartel em frente a Rua das Palmas.

Teve origem esta cidade nos postos avançados de artigos bélicos mandados construir em 1763 pelo Coronel Ignácio Eloy de Madureira, e pelo estabelecimento dos colonos vindos do Funchal para povoar a Província; foi elevada à categoria de Paróquia por Ato Régio de 31.01.1812, à de Vila por Decreto de 06.07.1832, e à de Cidade pela Lei Provincial n° 322 de 23.11.1855.

O seu Município, que é formado das Freguesias do Espírito Santo de Jaguarão, São João Baptista do Herval e Arroio Grande, e que é habitado por 13.648 almas, sendo a população da Cidade de cerca de 4.000, pertence à Comarca de Piratini e ao segundo Distrito eleitoral: existe em seu terreno, além de outros minerais, grande abundância de carvão de pedra e de mármores, argila refratária e xistosa, ferro carbonatado, grés carbonífero, grosseiro e vermelho, podingue (seixos rolados), xisto betuminoso, etc.

A instrução primária é dada por quatro escolas, sendo duas para o sexo masculino e duas para o feminino, as primeiras criadas pelas Leis Provinciais n° 44 de 12.05.1846 e n° 345 de 09.02.1857, e as segundas pela Lei primeiramente citada; são frequentadas por 124 alunas e 147 alunos.

O seu comércio não é tão próspero como era de esperar em razão do contrabando de sua fronteira e da Lagoa Mirim; sua exportação consta de produtos bovinos, e a importação de diversas mercadorias. Tem comunicação com as Cidades de Pelotas e do Rio Grande por meio de uma linha de vapores, e com o centro da Campanha por uma (linha) de diligências. Descansa a 28 léguas de Porto Alegre, 32 da Cidade do Rio Grande, 29 de Pelotas, 26 de Piratini, 33 de Bagé, 50 de Caçapava, 59 de S. Gabriel, 60 de Santana do Livramento, 87 de Alegrete, 109 da Uruguaiana, 114 de São Borja, 111 de Itaquí, 100 da Cruz Alta e 69 de Rio Pardo.

Ilha de Tacuarí: Ilhas da Lagoa Mirim, situadas 5 léguas abaixo da Foz do Rio Tacuarí entre 32°53’ e 32°55’ de Latitude Austral e 10°12’ e 10°25’29” de Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro; são em número, de oito, sendo três grandes e cinco pequenas, e todas pertencentes ao Império.

Lagoa da Mangueira: grande Lagoa situada entre o Oceano Atlântico e a Lagoa Mirim, e junto ao Albardão; deságua nesta Lagoa por um Sangradouro conhecido com o nome de Arroio Taim, tem 18 léguas de comprimento sobre 2 de largura, e era antigamente denominada Saquarumbu.

Lagoa de Cojubá: grande Lagoa situada entre a Lagoa Mirim e o Oceano, e ao Noroeste da Lagoa da Mangueira; tem cerca de duas léguas de comprimento.

Lagoa do Embira: pequena Lagoa situada sobre a costa da Lagoa Mirim na Latitude Sul de 33°02’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 10°51’29”.

Lagoa do Moreira: pequena Lagoa situada entre o Rio Santa Maria e o Arroio das Palmas, e perto da margem Ocidental da Lagoa Mirim.

Lagoa do Pinheiro: pequena Lagoa situada na Margem Oriental da Lagoa Mirim perto do Rincão do Baeta.

Ponta Alegre: Ponta da Lagoa Mirim situada na Latitude Sul de 32°24’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 09°43’29”.

Ponta de Santiago: Ponta da Lagoa Mirim, situada na Latitude Austral de 32°50’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 10°03’39”.

Ponta do Salso: Ponta da Lagoa Mirim, situada ao Norte do Taim, na Latitude Austral de 32°20’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 09°42’29”.

Ponta dos Latinos: ponta da Lagoa Mirim situada na Latitude Sul de 32°45’ e longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 09°56’29”; fica fronteira a uma pequena Ilha.

Rio da Canoa: tributário da Lagoa Mirim.

Rio de São Gonçalo (Canal de São Gonçalo): Sangradouro que comunica a Lagoa Mirim com a dos Patos, e cuja extensão é de 12 léguas; na sua margem Ocidental está assentada a cidade de Pelotas: é navegável em toda a sua extensão, e suas águas são sulcadas por grande número de embarcações. Foi sobre a margem esquerda deste Rio, que teve lugar o combate entre os cento e tantos bravos do valente Coronel Albano de Oliveira Bueno, e setecentos e tantos dissidentes, ficando prisioneiro o dito Coronel e o bravo Major Manoel Marques de Souza (hoje Barão de Porto Alegre); aquele foi covardemente assassinado junto ao Rio Camaquã pela escolta que o conduzia preso pra Porto Alegre, e que tinha recebido ordem para tão lamentável Ato, sendo seu único crime se ter batido por vontade, visto ser paisano; e este foi solto e perdoado por não ter crime, visto se ter batido por obrigação.

Santa Vitória do Palmar: Capela fundada na Freguesia do Taim, e elevada à Freguesia pela Lei n° 417 de 06.12.1858; faz parte do Município do Rio Grande e da Comarca deste nome.

Esta Freguesia tem por limites: ao Oriente a costa do Oceano; ao Sul o Arroio Chuí, desde a sua Foz até o Passo Geral deste mesmo Arroio, e daí por uma linha reta tirada quase na direção Este-Oeste e determinada pelos marcos do divisa com a República Oriental do Uruguai, que demoram (situam-se) desde o mesmo Passo Geral do Chuí até o Passo Geral do Arroio São Miguel: ao Ocidente o Arroio de São Miguel, desde o dito Passo Geral até à sua Foz, e daqui abrangendo todo o território e Costa Oriental da Lagoa Mirim e suas águas pertencentes ao Império, na forma dos respectivos Tratados celebrados com a referida República Oriental e Atas de Demarcação.

Existem nesta Freguesia duas escolas públicas de instrução primária, uma para cada sexo, e ambas criadas por Ato da presidência de 08.06.1861. (SILVA)

Mila Cauduru (2000)

Esta “faixa aloucada” tem início em Santa Vitória do Palmar, um Município de clima quase polar no inverno, uma comuna esquecida, uma população entregue aos trabalhos da terra, abandonada, órfã dos poderes públicos. A Rua principal, por onde mal se pode transitar, é toda ela, de um extremo ao outro, só areia.

A única via de comunicação que o Município utiliza, com relativa segurança, para pôr-se em contato com o Estado e com o país, é a Lagoa Mirim, onde não existe a bem dizer um porto de trapiche e os navios ficam ao largo, e cargas e passageiros só logram atingir a terra firme pelo transbordo em lanchas e canoas. O caminho por terra que poderia fazer esta ligação está interrompido no Taim há quase cem anos, em razão de um cataclismo que assoreou o Arroio por onde vazavam as águas da Lagoa das Flores para a Lagoa Mirim. Destruído o Arroio, pelo assoreamento, a região, numa área de muitos quilômetros quadrados foi tomada por um areal intransponível ‒ o famoso banhado do Taim. (CAUDURO)

Paulo Osório (2005)

Estávamos chegando ao Taim. A Estação Ecológica do Taim é área de suma importância para o ecossistema do Sul do Brasil e de todo nosso continente americano. O Taim consiste em estreita faixa de terra entre a Lagoa Mirim, a Lagoa Mangueira e o Oceano Atlântico, onde centenas de espécies de aves de várias partes do mundo se encontram para acasalamento e reprodução. Vivem ali também alguns mamíferos roedores nativos, como preás, pacas e capivaras. E mais peixes e répteis, como jacarés, cobras e outros pequenos animais característicos das áreas de banhados. Essa área esteve ameaçada pela exploração econômica com lavouras de arroz e criação de gado. São 33.000ha de proteção ambiental que estão sendo expandidos para 100.000ha se as autoridades nacionais pensarem primeiro na humanidade.

Desde a cidade de Rio Grande, a paisagem, ao longo da BR 471, é praticamente a mesma. São uns 200km até o Chuí, e à medida que se mergulha em direção ao Extremo Sul do país, os efeitos da presença do homem vão ficando mais e mais escassos. Vêem-se campos, banhados e Lagoas de ambos os lados da estrada, e raros capões de mata nativa. A fauna local é fantástica e ajuda a quebrar a monotonia da paisagem. Aves de todas as espécies e de todos os lugares do continente circulam por ali. Porém, estávamos em abril, e só a partir de agosto é que o cenário se torna riquíssimo.

A Estação Ecológica, em si, ocupa quase vinte quilômetros de reta sem nenhum socorro e com animais de toda espécie cruzando a pista. A distância é curta, mas parece que se demora uma eternidade para cruzá-la. É um Santuário e como tal tem que ser respeitado. Baixamos a velocidade e tentamos andar no limite de 80 km/h. Para quem se deslocava a 200 km/h, parecia que estávamos parados. Era impossível manter aquele ritmo, mas também não podíamos acelerar e correr o risco de matar algum animal. (OSÓRIO)

Fontes:

CAUDURO, Mila. Palavras do Tempo – Brasil – Porto Alegre, RS – AGE - Assessoria Gráfica e Editorial Ltda, 2000.

CAZAL, Manoel Ayres de. Corografia Brasílica: ou Relação Histórico-Geográfica do Reino do Brasil – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Impressão Régia, 1817.

OSÓRIO, Paulo. O Portal ‒ Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ Editora Age Ltda, 2005.

SCHWARZBOLD, Albano. Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do Rio Grande do Sul – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Amazoniana – Volume 9, 1984.

SILVA, Domingos de Araujo e. Dicionário Histórico e Geográfico da Província de São Pedro ou Rio Grande do Sul ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RS ‒ Casa dos Editores, 1865.

VIEIRA e RANGEL, Eurípedes F. e Suzana. Planície Costeira do Rio Grande do Sul: Geografia Física, Vegetação e Dinâmica Sócio-demográfica – Brasil – Porto Alegre – Sagra, 1988.

- Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false

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Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br