"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, dezembro 19, 2006

Instituto Humanitas Unisinos - 19/12/06

Não faça as suas compras de Natal no Wal-Mart

"Como mãe, avó e agora também bisavó tenho que fazer muitas compras neste natal. Trata-se de uma época do ano bastante agitada e gosto de fazer compras. Porém, como muitas outras mulheres não tenho dinheiro suficiente para comprar tudo o que gostaria, assim devo pensar muito antes de comprar".
O depoimento é de Thalia Syracopoulos, do comitê de defesa das mulheres em Seattle (EUA), em artigo para o sítio www.seattlepi.nwsource.com, 06-12-06. A tradução é da revista eletrônica sinpermisso - www.sinpermiso.info/ 17-12-06

Continua o seu depoimento:

"Devo pensar o que comprar, onde comprar, na qualidade e num preço razoável. São fatores importantes que levo em conta, mas não são os únicos. Quero também que a minha escolha seja para o bem da minha família, da minha comunidade e das mulheres são uma parte muito importante de minha comunidade.
Assim foi que apesar dos atrativos preços baixos do Wal-Mart, me uni a outras mulheres de Seattle para dizer aos consumidores que pensem bem antes de comprar nesse hipermercado. Eu não comprarei no Wal-Mart porque esta empresa é na verdade prejudicial para as mulheres.
É bastante possível que a discriminação contra as mulheres seja algo comum em muitas empresas nos Estados Unidos e não posso dar garantias em cada localidade de onde se respeitam as mulheres e onde se deve comprar. Mas o Wal-Mart, a empresa que mais emprega pessoas em todo o mundo, é uma das piores no tratamento às mulheres.
Não se trata apenas de que o Wal-Mart não paga um salário digno, se trata de que o que paga às mulheres é bem menos do que paga aos homens nos mesmos postos de trabalho. As mulheres constituem mais de 70% dos funcionários com contrato de trabalho por hora, mas são menos de 1/3 dos seus funcionários com contrato de trabalho integral. Apenas um de seus vinte principais diretores é mulher. E no ano de 2001, as poucas mulheres que chegaram a cargos de responsabilidade ganharam 14.500 dólares a menos do que os homens. As trabalhadoras que recebem por hora ganharam 1.100 dólares a menos que os homens.
Mas as coisas não param por aí. Em 2001, o Wal-Mart instituiu um teto salarial a seus empregados de forma que não podem ganhar mais do que este limite. Agora o Wal-Mart utiliza mais trabalhadores em meio expediente. Se se trabalha menos de 34 horas por semana deve-se esperar um ano para ter o direito ao seguro de saúde extensivo aos filhos. Os trabalhadores a tempo integral devem esperar 180 dias para dispor dos benefícios de saúde. Ou seja, deve esperar seis meses para que um trabalhador e o seu filho possam ir ao médico, inclusive em caso de emergência. Se por acaso uma mulher já possuir um plano de saúde, o Wal-Mart se descompromete em assegurá-la, inclusive durante o período de gestação.
Nós mulheres somos quem compramos nesse país. Particularmente, somos nós que compramos os produtos básicos como a comida, a roupa, os sapatos, o material escolar... É isso que o Wal-Mart vende. Se eu escolho gastar dinheiro em algum produto fazendo as compras no Wal-Mart onde a mulher que me atende não se pode permitir à guarda de sua criança, nem a assistência à saúde, inclusive no acesso aos contraceptivos, o que poderá aumentar a sua família para além do que ela pode se permitir, eu estou prejudicando a ela e a muitas outras mulheres. E isso não é bom para mim, minha família ou minha comunidade.
Sei que muitas mulheres que trabalham no Wal-Mart estão gratas porque têm um emprego, ainda que seja um emprego ruim porque lhes paga pouco e não as respeita. Mas isso não é uma razão suficiente para cruzar os braços e permitir que o abuso continue. Juntas podemos mudar o Wal-Mart. Por favor pense bem antes de fazer a sua compra".

Instituto Humanitas Unisinos - 19/12/06

Gastos do INSS e aumento do salário mínimo é o principal problema da economia brasileira?

"É cada vez mais raro saber de um grupo de economistas que não recite o mantra de que o principal problema da economia brasileira é fiscal, que o príncipe do rolo fiscal é o INSS e que o princípio da solução é uma política que contenha gastos do INSS e, por tabela, aumentos do salário mínimo", escreve Vinicius Torres Freire em artigo publicado hoje no jornal Folha de S. Paulo, 19-12-2006. Mas, segundo ele, "a diretoria de estudos sociais do Ipea acaba de publicar um debate interno sobre políticas sociais com firme e inusual intenção polêmica".

Eis o artigo.

"É cada vez mais raro saber de um grupo de economistas que não recite o mantra de que o principal problema da economia brasileira é fiscal, que o príncipe do rolo fiscal é o INSS e que o princípio da solução é uma política que contenha gastos do INSS e, por tabela, aumentos do salário mínimo.
Mesmo entre estudiosos de centros de pesquisa como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, tal diagnóstico é cada vez mais comum, embora a diversidade de idéias no Ipea seja muito maior que entre economistas de mercado ou de consultorias.
Mas a diretoria de estudos sociais do Ipea acaba de publicar um debate interno sobre políticas sociais com firme e inusual intenção polêmica ("Texto para Discussão 1248", no site do Ipea, www.ipea.gov.br, menu "Publicações", opção "Textos para Discussão"). O documento, muito crítico dos críticos do INSS e do salário mínimo, deve servir de subsídio para o Plano Plurianual do governo para 2008-2011.
Assinados por vários técnicos do instituto, os textos em geral apóiam políticas do governo Lula.
Criticam os meios de comunicação por condescenderem com os argumentos de quem deplora o aumento de gastos sociais. "O confronto entre despesas não-financeiras e as destinadas ao serviço da dívida torna-se objeto de ampla cobertura da mídia, repercutindo as posições dos credores", escreve Ronaldo Garcia. Garcia lembra também que, em 15 anos, o setor público transferiu fundos equivalentes a 1,5 vez o PIB para os credores do Estado (instituições financeiras, fundos e gestores de fundos da classe média e rica).
Os documentos politizam um debate que em geral se apresenta como uma discussão apenas técnica entre "especialistas". Lembram informações em geral obliteradas na discussão típica, "mainstream", de políticas sociais. Recordam que a parcela da população economicamente ativa que contribui para a Previdência era de 55,6% em 1980, caindo para 40,6% em 2004, o que reduz a arrecadação do INSS e aumenta seu déficit, texto de Guilherme Delgado, para quem a proposta típica de reforma da Previdência significa a "desconstrução completa" da seguridade social do país.
José Carlos Jr. e Roberto Gonzalez observam que não há estudos empíricos conclusivos sobre efeitos negativos dos aumentos do salário mínimo sobre a formalização do trabalho -pelo contrário, pois têm havido aumentos do salário mínimo e de formalização, nos últimos anos.
Todos concordam que o debate típico sobre programas sociais é unilateral, dominado pelo "fiscalismo" (por quem olha só a contabilidade do gasto e não vê efeitos positivos, civilizatórios e econômicos, da despesa social). Dizem que, com minirreformas pontuais, o INSS é sustentável. Que, em ambiente de expectativas econômicas positivas, aumentos do mínimo e do gasto social, desde que mais planejados, não prejudicam contas de governo e empresas.
Falta no texto um exame mais detido de temas como o efeito do aumento do gasto sobre a carga tributária e dessa sobre a informalidade. Mas os técnicos do Ipea propõem pesquisas para elucidar melhor seus argumentos. Estamos à espera. "

Instituto Humanitas Unisinos - 18/12/06

A política industrial brasileira.
Entrevista especial com Mariano Laplane

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Hebraica de Jerusalém e doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas, Mariano Laplane, junto com o economista Fernando Sarti, escreveu recentemente o artigo “Prometeu acorrentado: o Brasil na indústria mundial no início do século XXI” no livro “A supremacia dos mercados e a política econômica do governo Lula” (Editora Unesp / 2006). No artigo, ele faz uma reflexão acerca da conjuntura econômica nacional, além de analisar as políticas industriais adotadas pelo Brasil nas últimas décadas, focando principalmente no primeiro mandato de Lula. Em entrevista à IHU On-Line, Laplane falou sobre a representatividade da indústria brasileira no mundo, a política econômica e industrial adotada no primeiro mandato do governo Lula e sobre o desempenho industrial brasileiro quando comparado com países asiáticos.
Mariano Laplane também organizou, junto com Luciano Galvão Coutinho e Célio Hiratuka, o livro “Internacionalização e Desenvolvimento da Indústria no Brasil” (Editora Unesp / 2003), além de ter publicado inúmeros artigos e capítulos de livro. Há pouco, orientou o economista Fernando Henrique Lemos Rodrigues em sua tese de mestrado sobre a trajetória e a influência que o Cepal teve sobre os governos latino-americanos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que relação que o senhor e Fernando Sarti encontram entre a peça de Ésquilo e o desenvolvimento industrial brasileiro que vocês fazem no título do artigo?
Mariano Laplane – Há um livro clássico de David Landes que trata da segunda revolução industrial do mundo e o título do livro dele é exatamente “Prometeu desacorrentado” (Editora Nova Fronteira / 1994) onde ele queria mostrar como a revolução industrial significou uma transformação profunda da capacidade de produção do tipo de consumo no estilo de vida das sociedades ocidentais. A idéia toda do livro era a indústria como instrumento de transformação econômica e social. O fato de termos escolhido um título para o artigo totalmente ao contrário, “Prometeu acorrentado”, era uma tentativa nossa de dizer que a indústria tem essa capacidade, que ainda poderia fazer muito para promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil, mas que, infelizmente, nos últimos 20 anos, não tem conseguido realizar o seu potencial, ou seja, Prometeu aqui está acorrentado ainda.
IHU On-Line - Qual a representatividade que o Brasil possui na indústria mundial neste último século?
Mariano Laplane – O Brasil é um dos poucos países desse movimento que tem uma estrutura industrial diversificada e bastante complexa, mas com uma participação relativamente pequena. Outros países desse movimento, somados, têm uma parcela de aproximadamente 20% do valor adicionado na indústria da manufatura mundial. Metade desses 20% corresponde, aproximadamente, à China. Então, se vê que o Brasil tem uma participação aproximadamente de uma quarta parte da indústria chinesa na capacidade de geração de valor.

IHU On-Line – No artigo que o senhor escreveu junto com o economista Fernando Sarti, é citada a Política Industrial criada a partir da crise de 1999, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Também descreve a nova prática industrial do governo Lula e do seu regime de política econômica próxima a praticada no governo FHC. Quais são os resultados dessa nova política industrial sob um regime econômico neoliberal?
Mariano Laplane – Ela tem dado resultados dentro dos objetivos a que se propôs. Durante o segundo governo de FHC, não houve uma política exatamente industrial. O que houve foram algumas medidas emergenciais. A mudança em relação à política industrial na gestão de Lula teve uma formulação bastante abrangente, com objetivos bem definidos. E, se compararmos com os objetivos, teve resultados. A política industrial de Lula escolheu alguns setores que seriam objetos de atenção pela importância que tiveram no conjunto da indústria e no conjunto da economia. Então, em relação a esses setores, houve essa iniciativa. Houve, também, outras iniciativas, mas nada capaz de provocar uma expansão rápida, intensa, sustentada pela atividade industrial. Mas esse também não era o objetivo da política, que era aumentar as exportações e apoiar a atividade inovadora.

IHU On-Line - Qual a avaliação que o senhor faz do desempenho da indústria no primeiro mandato de Lula?
Mariano Laplane – A indústria teve um desempenho muito pequeno nesse primeiro mandato de Lula e começou muito mal, porque se lembrarmos, no começo, houve um choque muito grande de juros que, como sempre, retrai a demanda agregada, provoca reduções nos níveis de produção, de emprego, de investimento. No entanto, tem o lado bom. Logo no início do governo Lula houve uma depreciação muito grande do dólar, que permitiu que alguns setores da indústria encontrassem relações mais favoráveis para enfrentar esse choque de juros. Já os outros setores, voltados principalmente para o mercado interno, tiveram que absorver perdas muito grandes. O quadro em 2004 e 2005 melhorou um pouco na medida em que a taxa de juros foi caindo, as exportações continuaram crescendo e a demanda doméstica se recuperou um pouco. Mas neste ano, o desempenho foi muito ruim, porque a demanda doméstica continua muito fraca para a grande maioria dos setores, com algumas exceções, como a indústria automobilística, e as exportações, que nos últimos 18 meses vêm sofrendo muito por conta da apreciação cambial. Isso explica a virtual estagnação da atividade industrial no Brasil nesses últimos quatro anos.

IHU On-Line – O senhor cita no artigo que “o Brasil possui uma estrutura industrial complexa e sofisticada com capacidade de sobrevivência em contextos de regimes macroeconômicos adversos”. Assim, como foi que o Brasil atingiu resultados no desempenho industrial menor do que países como a Índia e Vietnã?
Mariano Laplane – É um paradoxo, porque nós tínhamos, no início dos anos 1980, uma estrutura industrial bastante complexa, bastante sofisticada, mas com uma vocação muito para dentro da economia nacional, uma economia muito fechada. E foi feita a abertura da economia com intenção de eliminar a ineficiência dessas indústrias, para aumentar sua competitividade, o que de fato aconteceu, pois a indústria brasileira tem tido aumentos fantásticos, pode importar peças que antigamente não podia importar, as empresas ficaram mais enxutas, as empresas brasileiras hoje empregam menos gente do que naquela época, temos acesso a canais de importação e exportação.

IHU On-Line – Porque esse aumento de eficiência não se traduz em crescimento?
Mariano Laplane – Não basta você conseguir ser mais eficiente, também é importante ver qual foi o caminho escolhido para aumentar a eficiência e no caso do Brasil, o caminho que boa parte das empresas tem escolhido é de enxugamento, e se todo mundo fizer isso não vai haver crescimento, que é feito através da expansão, do investimento. As empresas brasileiras se defendem da macroeconomia, do Banco Central, dos juros, do câmbio. São poucas que conseguem tomar atitudes ofensivas e infelizmente nesses últimos 18 meses as que têm feito movimentos ofensivos os fazem no exterior, procurando mercados onde não serão atingidas pela mesma violência que a política econômica brasileira impõe. Então, as empresas crescem, o que não crescem são as suas atividades no país.