"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, março 17, 2016

'Quem disser saber o que se passará no Brasil nos próximos meses está mentindo', diz autora de livro sobre PT


BBC Brasil - 16 março 2016



O cenário do país após a nomeação de Lula para a Casa Civil está ainda mais imprevisível, e é difícil saber se a entrada do ex-presidente no governo vai salvar ou afundar de vez o mandato de Dilma Rousseff, dizem analistas estrangeiros ouvidos pela BBC Brasil.
A nomeação ocorre um dia depois da homologação da delação premiada do senador Delcídio do Amaral, o qual afirmou que Dilma "tinha pleno conhecimento" sobre o processo da compra da refinaria de Pasadena, nos EUA – que depois causou prejuízos à Petrobras –, e que Lula teria tentado "comprar o silêncio" de Marcos Valério durante o mensalão. Ambos negam as acusações.
Acuada pelas notícias negativas, a petista tenta, com a nomeação do ex-presidente para o cargo mais importante de seu gabinete, salvar seu mandato de um processo de impedimento que parece cada vez mais iminente.
No entanto, para Jan Rocha, jornalista britânica radicada no país e coautora de Brazil Under the Workers' Party: From Euphoria to Despair (Brasil sob o PT: da Euforia ao Desespero, em tradução livre), a aposta da presidente é arriscada.
"Se as coisas derem errado – e não há razões para simplesmente presumir que elas darão certo -, isso também poderá afetar as chances de Lula de disputar as eleições de 2018", diz a jornalista.
Ela também afirma que não vê como Lula, chamado de "animal político" por seu poder de articulação, poderia a "evitar a debandada do PMDB". "O que ele pode negociar? A pessoa que disser saber o que se passará no Brasil nos próximos meses está mentindo."

Sobrevivência

A habilidade do ex-presidente de convencer o partido é, para Jimena Blanco, analista-chefe para as Américas da empresa de análise Verisk Maplecroft, o que vai determinar a sobrevivência (ou não) de Dilma.
A expectativa é de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), destrave novamente o trâmite do impeachment com o anúncio, até o fim desta semana, da formação da Comissão Especial que emitirá um parecer a favor ou contra a abertura do procedimento.
"Mas a estratégia é de risco e pode sair pela culatra. A decisão do PMDB vai depender muito da reação popular à nomeação de Lula. Se ela fortalecer o movimento pró-impeachment, isso poderá fazer o PMDB oscilar para o lado da ruptura com o governo", afirma Blanco.
Ela acrescenta que a entrada do ex-presidente aponta para mudanças no governo: a possibilidade de Dilma oferecer proteção a Lula, que ganha foro privilegiado e não será julgado por Sérgio Moro, sugeriria que ela não está tão comprometida com a política de faxina prometida em 2010.
Teria contribuído para Lula aceitar o convite o fato de a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, ter transferido a Moro a decisão sobre o pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público paulista contra o petista, sob a justificativa de que Moro teria mais competência para decidir a questão.
Em coletiva nesta quarta-feira, Dilma disse que "(a mudança de foro) não significa que uma pessoa não é investigada, só (muda) por quem ela é investigada. A verdade é que a vinda de Lula fortalece o meu governo, e muita gente não quer ele fortalecido."
Ao mesmo tempo, para Blanco, a nomeação dá margem para especulações sobre alterações na política econômica do governo, da qual o ex-presidente é crítico. A crise econômica é um dos motivos do forte desgaste da presidente – a economia brasileira recuou 3,8% em 2015, segundo o IBGE, e caminha para tombo semelhante neste ano, segundo economistas.
E o economista do Peterson Institute for International Economics William Cline diz que as acusações contra Lula, aliadas à possibilidade de ele usar a indicação ministerial "para prorrogar sua eventual prisão", aumentam a incerteza política e têm reflexo na economia.
"Não acredito que os mercados financeiros vão reagir positivamente, apesar do excelente desempenho da economia brasileira quando Lula foi presidente. Por causa da queda no preço das commodities, a má gestão da política econômica e o adiamento das decisões como consequência do escândalo da Petrobras, o cenário para o Brasil já era de recessão neste ano e de quase zero crescimento no ano que vem."

Vantagens e desvantagens

Diante de tantas ponderações, a entrada oficial de Lula tem potencial para causar impactos positivos e negativos para o governo.
De um lado, o ex-presidente agrega ao governo sua enorme capacidade de articulação política e de se comunicar com as classes mais pobres e os movimentos sociais – habilidades úteis para enfrentar a crise política, que faltariam em Dilma.
De outro, abre espaço para críticas de que o líder petista esteja buscando proteção contra eventuais decisões do juiz Sergio Moro – responsável por julgar ações da operação Lava Jato na primeira instância. Ao virar ministro, Lula passa a ter foto privilegiado e a ser as acusações contra si avaliadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Grampos, Lula, Dilma e Moro: entenda o novo caos político

Carta Capital -  publicado 16/03/2016 23h12, última modificação 16/03/2016 23h17

Política

Operação Lava Jato

 

Protesto contra Dilma e Lula
Em frente ao Palácio do Planalto, manifestantes protestam contra a nomeação de Lula como ministro e pedem a renúncia de Dilma, na noite desta quarta-feira 16

O Brasil chegou nesta quarta-feira, 16 de março, ao que parece ser o ponto mais sensível da crise política que se arrasta desde as eleições de outubro de 2014. No dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi anunciado como novo ministro-chefe da Casa Civil, uma série de áudios coletados pela força-tarefa da Operação Lava Jato incendiou o ambiente político e ensejou novas manifestações contra o governo da presidenta Dilma Rousseff, algumas das quais registraram episódios de violência.
O que são os grampos envolvendo Lula e Dilma?
Os áudios são uma série de gravações feitas pela Polícia Federal, tornadas públicas na noite desta quarta-feira 16 pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos inquéritos da Lava Jato em primeira instância.
Quando as gravações foram feitas?
As gravações foram feitas entre 17 de fevereiro e 16 de março.
Essas gravações são legais?
Sim e não. As gravações foram autorizadas por Moro uma vez que Lula é investigado na Operação Lava Jato, mas o grampo que tem causado mais celeuma, que captou diálogo entre Lula e Dilma, foi feito às 13h32 desta quarta-feira 16, depois de o próprio Sergio Moro ter determinado o fim das escutas contra o ex-presidente, como mostraram reportagens do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL
O que há nas gravações entre Dilma e Lula?
Há pelo menos dois áudios entre Lula e Dilma. Em um deles, com cerca de seis minutos, feito logo após a condução coercitiva de Lula, em 4 de março, o ex-presidente se queixa com a sucessora a respeito da "República de Curitiba", uma referência a Moro, e diz que o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Congresso estão "acovardados". "Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar."
Um segundo áudio, feita na tarde desta quarta-feira 16, mostra diálogo entre Dilma e Lula a respeito do "termo de posse", documento que confirma sua nomeação para a Casa Civil. A um Lula monossilábico, Dilma afirma: "Seguinte, eu tô mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!"
O que mais há nos áudios?
Há gravações entre Lula e figuras importantes do primeiro escalão do governo. Em uma das que chama atenção, feita também logo após a condução coercitiva de Lula, o ex-presidente conversa com o então ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, e diz que gostaria de "antecipar" uma ação que estava no STF sob os cuidados da ministra Rosa Weber. "Eu queria que você visse agora, falar com ela [Dilma, aparentemente] já que ela está aí, falar com ela o negócio da Rosa Weber. Está na mão dela para decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram"
Trata-se, provavelmente, do pedido feito pela defesa de Lula para esclarecer quem deveria investigá-lo – o Ministério Público de São Paulo ou o Ministério Público Federal do Paraná, responsável pela Lava Jato. Rosa Weber decidiu que as duas investigações deveriam correr em paralelo, mas nesta semana a Justiça estadual paulista remeteu o caso envolvendo Lula a Sergio Moro.
O que o MPF diz sobre os áudios?
Sem fazer referências a áudios específicos, os procuradores do MPF-PR afirmam que os áudios mostram "conversas que denotam estratégias para turbar as investigações envolvendo Luiz Inácio". Os procuradores citam a delação premiada do senador Delcídio do Amaral e dizem existir "diálogos que envolvem ministros de Estado, e em que os interlocutores aduzem ser possível a interferência na presente investigação".
O que diz Sergio Moro sobre os áudios?
No despacho em que retira o sigilo das gravações, Moro afirma que, aparentemente, há gravações em que se fala "em tentar influenciar ou obter auxílio de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura em favor do ex-presidente". Moro ressalta, no entanto, que não há nenhum indício nas conversas, ou fora delas, de que as pessoas citadas teriam, de fato, agido "de forma inapropriada". "Em alguns casos, sequer há informação se a intenção em influenciar ou obter intervenção chegou a ser efetivada", observa o juiz.
Ainda de acordo com Moro, “pelo teor dos diálogos degravados, constata-se que o ex-presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos”.
O Palácio do Planalto se manifestou?
Sim. Em nota oficial, o Planalto afirma que o termo de posse foi encaminhado a Lula pois o novo ministro "não sabia ainda se compareceria à cerimônia de posse" e diz que o documento "só seria utilizado caso confirmada a ausência do ministro. O Planalto afirma que a conversa tem "teor republicano" e "repudia com veemência sua divulgação que afronta direitos e garantias da Presidência da República".
Ainda segundo a nota, Sergio Moro violou leis e a Constituição de forma flagrante e será alvo de "todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis".
O que diz a defesa de Lula?
O advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin, classificou de "arbitrária" a divulgação dos grampos, disse que, com a decisão, o juiz Sérgio Moro não tinha mais competência sobre o caso e buscou estimular uma "convulsão social". “Este grampo envolvendo a presidenta da República ser divulgado hoje, quando já não existe competência da Vara de Curitiba, revela uma finalidade que não é processual, revela uma finalidade que busca causar uma convulsão social, que eu repito, que não é o papel do Poder Judiciário”, disse o advogado.
Qual foi a reação da oposição?
Panelaços e buzinaços ocorrem à noite em várias cidades brasileiras contra a nomeação de Lula. A divulgação dos áudios acirrou ainda mais os ânimos e estimulou protestos contra os petistas. 
Em Brasília, de acordo com a Polícia Militar, eram cerca de 5 mil pessoas em frente ao Palácio do Planalto. Elas foram motivados por parlamentares oposicionistas e convocações nas redes sociais. Um homem, até aqui não identificado, jogou uma bomba caseira na rampa do Planalto e foi preso. 
A PM reforçou a segurança na rua que dá acesso ao Palácio da Alvorada, residência oficial de Dilma, e usou bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e spray de pimenta para dispersar os manifestantes da frente do Congresso Nacional. 
Em São Paulo, onde um protesto fechou a Avenida Paulista, manifestantes pró-impeachment agrediram dois jovens, como mostra o vídeo feito pela rádio CBN: