"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, março 06, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 02/03/08

Três trilhões de dólares é o custo da guerra no Iraque, afirma Joseph Stiglitz


Quanto custa a guerra no Iraque? Caro, muito caro. E não apenas para a economia americana. É o que afirmam Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, e Linda Bilmes, professora em Harvard em livro lançado nos EUA. Segundo os autores, os custos da guerra já ultrapassam os 3 trilhões de dólares. Os autores atacam ainda o mito de que a guerra é boa para a economia americana. A reportagem é do Le Monde, 28-02-2008. A tradução é do Cepat.

Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, e Linda Bilmes, professora em Harvard, especialista em questões orçamentais, estimam que a guerra já custou 3 trilhões de dólares aos Estados Unidos em um livro intitulado The Three Trillion Dollar War : The True Cost of the Iraq Conflict (Os rês trilhões de dólares da guerra: o verdadeiro custo do conflito no Iraque). Uma comissão do Congresso ouvirá Joseph Stiglitz e se espera que ele repita o que escreveu no livro: Bush tem mentido sobre os custos da guerra no Iraque.

O custo das operações já ultrapassou o de doze anos de Guerra do Vietnã, e é o dobro do custo da guerra da Coréia. Os Estados Unidos gastam com a guerra US$ 16 bilhões por mês, o que equivale ao orçamento anual das Nações Unidas. Joseph Stiglitz e Linda Bilmes afirmam que os 3 trilhões de dólares poderiam financiar a construção de 8 milhões de casa, 15 milhões de professores, atendimento a 530 milhões de crianças, bolsas para 43 milhões de estudantes, oferecer uma cobertura social por cinqüenta para os norte-americanos. O Prêmio Nobel observa que os Estados Unidos desembolsa apenas US$ 5 milhões para assistência da Aid’s na África.

Os autores abordam o mito de que a guerra é sempre boa para a economia. Um dos objetivos da guerra seria o de garantir os suprimentos de petróleo. Em cinco anos, o barril passou de US$ 25 para US$ 100, destaca o Prêmio Nobel da Economia. "As pessoas não esperavam que a economia substituísse a guerra como tema nas eleições", diz Joseph Stiglitz no Guardian. Uma das lições do livro é mostrar que a guerra e a situação econômica dos Estados Unidos não são duas questões distintas, mas estão juntas.

Ainda mais. Os custos da ultrapassam a economia americana a atingem o sistema global. Como os Estados Unidos não tem poupança, a administração Bush teve que contrair empréstimos no exterior, como da China, por exemplo, observaram os autores. "O déficit na América é tal que ela não pode salvar os seus próprios bancos". Instituições como o Citigroup e Merrill Lynch, que eram o orgulho de Wall Street foram forçadas a mendigar fundos dos asiáticos e do meio-oriente para não afundar, correndo o risco de perder a sua independência.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/03/08

'Nós não temos uma definição exata nem da profundidade nem da extensão da crise'. Entrevista especial com Luiz Gonzaga Belluzzo

"A crise internacional, cujo gatilho é financeiro, é muito mais profunda do que se pode imaginar", avalia Luiz Gonzaga Belluzzo. Segundo ele, "é como se fosse uma bola de neve, os desequilíbrios globais estão ganhando mais dimensão e tomando um rumo desenfreado na última década. Isso se deve à chamada “fuga para frente”, alternativa adotada com bastante freqüência pelos Bancos Centrais, explica o economista e professor da Unicamp em entrevista, por telefone, concedida à IHU On-Line.

O economista explicou que, com a repetição de várias crises ao longo dos anos 1990, o mercado internacional acreditava que se podia “cometer qualquer insensatez que os Bancos Centrais seriam capazes de salvar”. Mesmo que o Fed interfira baixando as taxas de juros, ou o tesouro americano tome novas providências para aumentar o dinamismo econômico, não se “poderá sair rapidamente dessa situação e recompor o cenário anterior. Isso é uma ilusão"..

Belluzzo é graduado em Direito, pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Economia Industrial, pelo Instituto Latino-Americano de Planificação-Cepal, e doutor em Economia, pela Universidade de Campinas (Unicamp). Atualmente, atua como professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e editor da revista Carta Capital.

O pesquisador já participou de outras edições da IHU On-Line. A entrevista mais recente, intitulada “Nós fomos ultrapassados pelos outros, o que não quer dizer que isso seja um fenômeno insuperável”, foi publicada na edição 218, O Brasil está se desindustrializando? Um debate, de 07-05-2007.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor descreve o atual momento da economia mundial? Está ocorrendo uma crise de superprodução ou uma crise de especulação financeira?


Luiz Gonzaga Belluzzo – Essa é uma crise cujo gatilho é financeiro, existente por causa dos excessos cometidos na década de 1990, quando os Bancos Centrais conseguiram enfrentar a primeira crise de ações e das tecnologias da informação, dando a impressão de que poderiam superar qualquer adversidade.

Na época, o Fed (Federal Reserve), por exemplo, conseguiu enfrentar isso com eficiência. Ao baixar rapidamente as taxas de juros e conseguir conter a recessão, ele deu fôlego à continuidade da febre especulativa, agora concentrada nos imóveis.

Ambos os “abusos” incitam a especulação tanto com artigos reais quanto com perspectivas de ganhos com investimento na produção e no sistema financeiro. A base de tudo é o descontrole com a expansão do crédito, mas isso acontece sempre.

No caso da crise atual, o desequilíbrio se deu com grande velocidade com a criação de derivativos como, por exemplo, os que protegem ou tentam proteger a possibilidade da inadimplência por parte dos tomadores finais dos créditos. Essas inovações também se multiplicaram com a chamada securitização. Os bancos que fazem os empréstimos securitizavam esses créditos para veículos especiais que os vendiam para fundos de pensão. Essas ações originaram uma pirâmide de ativos, cuja base eram os empréstimos hipotecários feitos àqueles que pretendiam adquirir a sua casa própria.

Como era uma disputa feroz para poder ampliar esses créditos e, ao mesmo tempo, o foco estava, sobretudo, na quantidade e não na qualidade do crédito que se concedia, foram capturados devedores que não tinham condições de pagar. Eles foram fisgados mediante formas de pagamento que sustentavam esses créditos, que previam, por exemplo, o pagamento de juros favorecidos durante dois anos. Mas, quando essas condições mudaram e foi feita a revisão das taxas de juros, a inadimplência começou a se tornar incontrolável. Isso passou a afetar toda a cadeia alimentar da especulação, que termina agora com os problemas causados às seguradoras de crédito, que se propunham, mediante o ganho de uma comissão, a garantir o pagamento integral desses créditos.

Por isso, essa crise é muito mais profunda do que se pode imaginar. Digo isso, porque não só ela avançou muito nessas inovações perigosas, mas também porque ela se espalhou dos Estados Unidos para a Europa e provavelmente por alguns países da Ásia.

Projeções

Nós não temos uma definição exata nem da profundidade nem da extensão da crise. É claro que isso tem um efeito, porque irá afetar muito a situação econômica das famílias americanas que estão muito endividadas, não só por causa da aquisição dos imóveis, mas também porque elas se endividaram muito com compra de duráveis nos cartões de créditos. O que está se observando é que há uma desconfiança dos consumidores. Eles já estão começando a cortar gastos. O consumo tem um peso importante na formação do gasto e da renda nos Estados Unidos, e o nível de endividamento está muito alto, o que torna muito presente o risco de uma recessão mais profunda. Se isso acontecer, certamente a capacidade de pagamento das famílias irá diminuir e conseqüentemente aumentará a inadimplência, agravando a crise.

IHU On-Line – Como o senhor disse, em 2000, a bolha da tecnologia da informação não gerou uma crise maior devido às intervenções do Fed. Na conjuntura atual, o senhor acredita que o mercado imobiliário também será salvo pelo Estado? Se sim, a crise pode se prolongar a longo prazo e voltar sempre com mais força? A injeção de 150 bilhões de dólares liberados por Bush é uma boa medida para amenizar a crise ou evitar que a economia norte-americana enfrente uma recessão profunda?

Luiz Gonzaga Belluzzo – A história da segunda metade do século XX tem sido essa da fuga para frente. Depois que houve a repressão financeira, as crises começaram a se repetir. O ano de 1990 iniciou com a crise da serpente monetária européia. Depois, veio a crise com a libra, vieram as crises de 1994, a crise mexicana, no início de 1995, a crise asiática, a russa, o colapso da Argentina no começo do milênio, em 2001. Em 2002, o Brasil sofreu os efeitos da desconfiança dos mercados em relação à eleição do presidente. E, a partir de 2003, as coisas se acalmaram e os mercados começaram a funcionar com maior fluidez, já que todos os riscos caíram, as condições gerais melhoraram, a inflação estava baixa e as bolsas se recuperaram. Mas, nessa época, ocorreu um período de bonança que facilitou muito. Tivemos a impressão de que se podia cometer qualquer insensatez que os Bancos Centrais seriam capazes de salvar o cenário.

Hoje em dia, com essa crise, a dificuldade dos Bancos Centrais aumentou muito. Não sei se eles conseguirão reverter o quadro. É claro que ainda restam alguns instrumentos como, por exemplo, as ações de política fiscal, que podem ser combinadas com uma tentativa de se criar um espaço maior para a capacidade de pagamento dos devedores em situação mais grave. Esse espaço implicaria de certa forma numa moratória, ou seja, uma reestruturação da dívida concedida a esses devedores. Agora, não sabemos o quanto irá durar o crescimento abaixo do potencial dessas economias. Precisamos lembrar que, no caso do Japão, uma crise parecida com essa levou dez anos para ser digerida.

Intervenção ou prevenção?

Há, no mercado, uma percepção equivocada de que, se o Fed interferir baixando mais as taxas de juros ou se o tesouro americano tomar as providências para aumentar o dinamismo econômico, se poderá sair rapidamente dessa situação e recompor a situação anterior. Isso é uma ilusão. Há questões que devem ser resolvidas, como a colocação de limites para certas operações, a supervisão das autoridades em relação aos derivativos, a imposição de limites quantitativos à expansão de certas operações de créditos. Tudo isso está em questão, mas levará tempo para chegar ao consenso das medidas que precisam ser tomadas. Mas, de fato, sem essa intervenção ampla e abrangente do Estado, não será possível contornar a crise.

IHU On-Line - Levando em consideração os desequilíbrios econômicos internacionais ocorridos nos últimos anos, como o senhor percebe a atuação dos Bancos Centras? Eles estão mais preparados para administrar uma crise global? Qual o desafio em situações como essas?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Essa é uma discussão que envolve pontos de vista ideológicos diferentes. Há muitos que celebravam a gestão do Banco Central europeu como muito eficaz para combater a inflação. Os Bancos Centrais, particularmente o Fed, se recusaram a interferir na formação da bolha. Se pegarmos os discursos do Alan Greenspan (1), ao longo dos últimos anos em que ele permaneceu na presidência do Fed, ele dizia que a bolha deveria ser curada só depois que ocorresse o estouro e não antes. Eu diria que os críticos às vezes são muito lenientes no período de êxito e muito duros no período da derrocada. Então, o Greenspan de fato é um liberal no sentido econômico, pois ele achava que o mercado acabava se acomodando, o que não aconteceu. O fato é que ele preferiu não se utilizar de certos instrumentos que eram mais intervencionistas, como o aumento da margem requerida para as operações e a intervenção no mercado de derivativos, por exemplo. Essa leniência contribuiu muito para que a bolha se formasse na proporção que ela acabou assumindo. De fato, é claro que teremos uma discussão muito longa nos próximos anos a respeito da re-regulamentação. Muitos acham que é melhor não re-regulamentar, porque isso impediria que a economia tivesse o dinamismo que realmente teve.

IHU On-Line - Esses picos altos e baixos demonstram que a principal economia do mundo está enfraquecendo e perderá continuamente mais espaço para a China e o mercado asiático?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Nós ainda não temos elementos para fazer um julgamento mais preciso dos efeitos da recessão americana no mercado chinês e asiático. Eu diria que é um pouco otimista pensar que não vai haver impacto nenhum, até porque a China está enfrentando dois problemas simultaneamente: os efeitos da recessão americana e a inflação, que está em aceleração por conta do seu próprio papel como demandante de commodities, tanto metálicas quanto agrícolas. Os preços estão muito altos, e os chineses terão que tomar alguma providência para fazer com que a inflação caia.

Se a China tiver que enfrentar a inflação com medidas mais duras - eu não sei qual será a decisão e nem eles sabem -, nós poderemos passar rapidamente de uma estagflação para uma deflação. A concessão não concorda com o que eu digo. Eles acreditam que as commodities vão continuar por conta da demanda chinesa e, mesmo que ocorra uma desaceleração, que não irá haver uma queda tão acentuada no preço dessas mercadorias. Mas eu digo francamente que não sei, porque nós temos um componente especulativo no aumento dos preços das commodities. Quem está conseguindo se salvar da crise financeira está apostando nelas. E agora há um consenso de que as commodities são uma espécie de refúgio contra os riscos de perda, de baixa rentabilidade nos setores. Isso pode trazer, a médio prazo, conseqüências muito ruins.

IHU On-Line - O senhor disse que, na esfera financeira, o "ajustamento" dos preços dos ativos, em curso nos Estados Unidos, não irá poupar o Brasil. Sendo o mercado brasileiro dependente das exportações de commodities para os EUA, como a crise americana poderá afetar a nossa economia nacional?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Diante da gravidade dessa crise, o Brasil está numa situação bastante favorável. No entanto, não podemos nos descuidar. Eu fico muito preocupado com a possível ocorrência de uma transição muito rápida de um superávit comercial de 40 bilhões, por exemplo, para uma situação de déficit, sobretudo de déficit comercial.

Se a economia mundial entrar em recessão, o Brasil continuar crescendo e crescer acima da média mundial, com essa taxa de câmbio, que está sendo valorizada pela entrada de dólares para aproveitar o diferencial de taxas de juros ou para ser beneficiado do otimismo em relação às bolsas brasileiras, teremos uma esquizofrenia. Por um lado, a economia real sofrerá os efeitos da valorização do câmbio e da desaceleração da economia mundial, o que pode reduzir o déficit. Isso porque, se a economia brasileira começa a crescer acima da média mundial, é claro que nosso superávit cairá. E também porque nossas importações, mesmo com uma taxa de câmbio melhor, irão crescer acima das exportações, como já está acontecendo de uma maneira dramática. Quando o mercado se der conta disso, a situação pode se reverter rapidamente. E a pior maneira de impedir essa situação é fazer com que a taxa de crescimento caia muito drasticamente por conta de uma subida dos juros ou de um choque cambial.

IHU On-Line - O senhor disse, no artigo “As transformações da economia capitalista no pós-guerra e a origem dos desequilíbrios globais”, que, no início do século XXI, três movimentos interdependentes promoveram profundas transformações na economia global: a liberalização financeira e cambial; a mudança nos padrões de concorrência e a alteração das regras institucionais do comércio e do investimento. Esse arranjo ainda é pertinente? Esses movimentos também contribuíram para a crise norte-americana?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Levando em consideração os desequilíbrios globais que afetaram particularmente a economia americana e suas relações com a China, torna-se imprescindível discutir como se dará a reforma do sistema monetário e financeiro. Obviamente, um dos pontos que devem ser discutidos é a natureza da moeda internacional, que hoje é dólar. Keynes (2), em 1944, dizia que, se a função de moeda internacional continuasse sendo exercida por uma moeda nacional, isso levaria a desequilíbrios cumulativos e difíceis de serem resolvidos. Enquanto os Estados Unidos foram superavitários, não houve nenhum problema com o dólar. Mas, quando eles passaram a ser deficitários, sobretudo, depois de 1971, nos primeiros déficits da balança comercial americana, o seu governo fez a desvinculação do dólar em relação ao ouro, que passou a ser unilateral. Isso funcionou razoavelmente bem para os Estados Unidos, que conseguiram expandir seu endividamento externo sem grandes riscos, ao contrário de qualquer outro país.

Esse sistema já está começando a afetar o padrão de vida dos americanos, porque o déficit e a importação de produtos chineses estão deslocando emprego de melhor qualidade, jogando uma boa parte da população americana nos escalões mais baixos da distribuição de renda. Assim, esses desequilíbrios não são apenas econômicos, mas são também sociais, ou seja, afetam diretamente a vida das pessoas. Se a recessão for muito forte e a situação da classe média piorar, há um risco muito grande de ter uma escalada protecionista.

Esse arranjo, que eu mencionei no artigo publicado na Supremacia dos Mercados, está seriamente ameaçado. É muito difícil dizer qual será o encaminhamento disso, porque essa questão depende muito da política. Talvez a política externa e interna americana venham afetar muito esse arranjo.

IHU On-Line – Como o senhor avalia o final do governo Bush? Algum dos candidatos à presidência norte-americana tem condições de transformar o cenário da principal economia do mundo?

Luiz Gonzaga Belluzzo – O governo Bush termina de uma forma melancólica, com uma rejeição enorme por conta, sobretudo, dos fracassos da sua política externa. Aumentou muito a hostilidade em relação aos Estados Unidos. Ele termina seu governo com uma capacidade menor de intervenção, tanto que houve um recuo em relação ao Irã e à Coréia do Norte.

A política externa americana, desse modo, precisa ser recomposta. Houve fracasso também nas relações com a América Latina. O Brasil de fato se sobressaiu, porque foi capaz de fazer essa mediação entre americanos, Chávez e Morales.

Eu não tenho nenhuma certeza se Barack Obama ou Hilary Clinton podem realizar uma mudança expressiva e clara na orientação da crise. Não há dúvida que nós estamos às vésperas de uma mudança, e que ninguém irá repetir as gafes do Bush.

Em relação à economia, eu vejo muitas reticências no que Obama fará, porque ele apresenta um traço ideológico e doutrinário. Eu diria que, desse ponto de vista, Hilary me parece mais sólida. O Obama está tentando agradar as várias tendências da sociedade americana e por isso mesmo fica preso a certas opiniões bastante genéricas. De qualquer maneira, dentro da sociedade americana se faz uma corrente muito forte. Há muito tempo, eu não ouço falar tanto no New Deal , no Roosevelt , na conquista dos anos 1930 e 1940. Então, a sociedade se move, mas não necessariamente na mesma direção na política externa ou interna. Então, não podemos traçar um quadro do que será a nova administração dos Estados Unidos.

Notas:

(1) Alan Greenspan (1926): economista estadunidense. Entre 1987 e 2006 atuou como presidente do Fed (Federal Reserve) dos Estados Unidos.

(2) John Maynard Keynes (1883-1946): economista e financista britânico. Sua Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro (1936) é uma das obras mais importantes da economia. Esse livro transformou a teoria e a política econômicas, e ainda hoje serve de base à política econômica da maioria dos países não-comunistas. De Keynes, publicamos um artigo e uma entrevista na 139ª edição, de 2 de maio de 2005, outra entrevista na 144ª edição, de 6 de junho de 2005, dois artigos na 145ª edição, de 13 de junho de 2005, e um artigo nos Cadernos IHU Idéias número 37, de 2005, intitulado As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes, de autoria do Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/03/08

O que é pior: usar copo descartável ou gastar água e detergente para lavar o de vidro?

Consumir uma bebida em embalagem durável - caso do vidro - não gera resíduos sólidos nem usa combustíveis fósseis como matéria-prima, afirma Gil Anderio, 67, professor do departamento de engenharia química da Poli-USP. Mas a resposta a essa pergunta não é tão simples quanto parece. É preciso fazer uma avaliação do ciclo de vida dos materiais. "É a única ferramenta que permite saber realmente o que causa menos impacto", diz. Essa avaliação analisa o "custo" ambiental, da produção ao descarte do material, e torna possível fazer comparações. A reportagem é de Cyrus Afshar e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 01-03-2008.

Na ausência de uma avaliação do ciclo de vida nesse caso, Hélio Mattar, 61, presidente do Instituto Akatu, diz que o melhor é optar pelo vidro. "Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, temos que mudar da sociedade do descartável para a sociedade do durável", afirma. Ele lembra que os produtos descartáveis também precisam de água na sua produção. Além disso, têm custos ambientais extras, como de transporte, mesmo se forem reciclados. Segundo Mattar, em uma empresa são usados em média dez copos descartáveis por dia por pessoa.

Efraim Rodrigues, 42, professor de recursos naturais da UEL (Universidade Estadual de Londrina), concorda com Mattar. "Usar um copo de plástico é o cúmulo do desperdício. É uma embalagem fóssil, consumida em apenas alguns segundos", afirma. Para ele, deixar de usar o copo descartável é também uma questão simbólica.

Rodrigues admite, porém, que a embalagem descartável leva vantagem no quesito higiene. Ainda assim, ele defende que se busquem outras alternativas em grandes empresas, como o copo individual. Já sobre o uso de água e detergente para o copo reutilizável, o professor diz que "não se pode justificar o uso do copo de plástico pela falta de tratamento de água. O problema vai continuar, e ainda vai se criar outro", diz.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/03/08

O lixo. Um questão cada vez mais preocupante

"A questão dos resíduos vai assumindo proporções cada vez mais preocupantes no País", constata Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 01-03-2008.

Segundo ele, "não custa repetir dados do IBGE (2002), segundo o qual cerca de 230 mil toneladas só de lixo domiciliar e comercial são coletadas a cada dia no País - sem incluir a maior parte dos resíduos da construção, lixo industrial, de estabelecimentos de saúde, lixo perigoso e lixo rural. Dos 230 milhões de quilos diários coletados em 5.471 dos 5.507 municípios, diz o IBGE que pouco mais de 40% chegam a aterros sanitários, mesmo incluindo os que não atendem a todas as condições. A maior parte continua sendo despejada em lixões a céu aberto. E os índices de reciclagem em unidades mantidas pelo poder público é insignificante".

Washington Novaes escreve:

"Segundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), a situação só não é mais dramática porque as centenas de milhares de catadores de lixo no País respondem pela quase totalidade dos 95% de latas de alumínio encaminhadas para a reciclagem, assim como recolhem 33% do papel descartado, 46% dos vidros e 16,5% do plástico. Estudo feito na cidade de São Carlos mostrou que, sem os catadores, mais 39% do lixo iria para o aterro. A não reutilização ou reciclagem de materiais gera muitos problemas: apressa o fim da vida útil de aterros; impõe pesados custos de coleta e destinação dos resíduos às municipalidades; e deixa de gerar trabalho e renda principalmente para setores carentes, na coleta seletiva, separação e reciclagem do lixo".

Uma demonstração numérica da gravidade dessas questões está num trabalho há pouco publicado pelo Waste Management Research (http://sagepub.com), sobre pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em Sorocaba, pelo professor Sandro Donnini Mancini e por alunos do curso de Engenharia Ambiental. Ele mostra que nada menos de 91% do lixo depositado no aterro de Indaiatuba (135 toneladas diárias produzidas por 175 mil habitantes) poderia ser reutilizado ou reciclado. Pode-se, a partir daí, calcular o gasto improdutivo do poder público, financiado pela sociedade. Na média, cada tonelada de lixo pode custar até R$ 100 para ser coletada e ter destinação adequada em aterros, nas cidades médias e grandes. Se esses números forem válidos para o local da pesquisa, 135 toneladas diárias significarão um gasto de R$ 13.500 por dia ou R$ 4,05 milhões em 300 dias anuais. E 91% disso, passível de reutilização ou reciclagem, se traduz em R$ 3,68 milhões.

A pesquisa mostra ainda que os restos de comida são 40% do lixo (54 mil quilos), que se somam a quase 14% de restos de poda de jardins e canteiros e poderiam, juntos, destinar-se à compostagem e resultar em fertilizantes. Os 72,5 mil quilos diários desse lixo orgânico exigem 250 m³ para serem depositados no aterro, e representam 21,3% do volume total (não do peso). Papel e plásticos são outros itens que representam maior volume. Só o lixo de banheiro chega a 3,6% do peso e 5,1% do volume e precisa de 60 m³ diários para ser depositado. O alumínio, que vale muito para os catadores, significa apenas 0,5% do peso e 0,9% do volume. Também o vidro, valorizado, soma 1,9% do peso e 1% do volume. E, curiosamente, “sapatos”, muito descartados em áreas de baixa renda, significam 1,5% da massa e 1,1% do volume. Já as baterias, lixo perigoso (que deveria ter outra destinação), chegam a 100 quilos por dia.

Se, para efeito de cálculo, se transpuserem os números para o plano nacional, vai-se ver que boa parte dos recursos gastos a cada dia com a coleta e destinação do lixo poderia ser destinada a outras áreas. Duzentos e trinta mil toneladas diárias coletadas e destinadas, se pagas à média de R$ 100 por tonelada, significariam R$ 23 milhões diários. Mas a média pode ser inferior, por causa de preços em cidades menores, distâncias de transporte mais curtas. O custo da destinação também pode ser menor, já que apenas 40% do lixo vai para aterros. Mesmo, entretanto, presumindo um custo médio correspondente a 70% do que é pago nacionalmente para a coleta (que representa 80% do custo total), vai-se ter R$ 12,8 milhões diários ou R$ 3,86 bilhões para 300 dias do ano. E a um custo de R$ 15 por tonelada para a destinação em aterros, 52 mil toneladas/dia custarão R$ 780 mil, ou R$ 234 milhões no ano. Um total final próximo de R$ 4,1 bilhões anuais. É uma soma que deveria levar a sociedade e seus governantes a meditar mais sobre as políticas do lixo.

Já se disse aqui que não se conseguirá avançar significativamente, se uma política nacional de resíduos não estabelecer que os geradores de lixo, de qualquer espécie (domiciliar, comercial, industrial, resíduos de construção, embalagens, etc.), não respondam pelos seus custos, para que se possam implantar programas eficientes de coleta seletiva, reutilização e reciclagem. E para que cada gerador responda pelo custos proporcionalmente à sua responsabilidade. Se não for assim, continuaremos como agora: com os produtores de embalagem e os geradores das maiores parcelas do lixo transferindo para toda a sociedade os custos que a eles deveriam caber. Não é justo. Nem eficaz."

quarta-feira, março 05, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 28/02/08

Decrescimento. Latouche, a felicidade com menos. 'Melhor lixo é aquele não produzido...'

Atentos! Há uma nova palavra em órbita. Há somente seis anos, os mesmos da emergência do terrorismo. Foi lançada quase por acaso em março de 2002, num encontro da Unesco em Paris. Hoje voa bem alto e indica uma rota luminosa num caos de desastres, hiper-aquecimentos climáticos, emergentes imundícies, epidemias. Seu nome é “decrescimento”, e parece que tenha um grande efeito pedagógico e libertador. Movimenta, torna-se passe-partout, propicia o contato entre núcleos de resistência, constrói desafios. Seu objetivo é frear, oferecer alternativas criveis à tirania do desperdício. Seu slogan: viver com menos é fácil e até divertido. A reoortagem é de Paulo Rumiz e publicada pelo jornal La Repubblica, 24-02-2008.

De nome Serge, cognome Latouche, de nacionalidade francesa. O profeta do novo verbo global vive entre Paris e uma velha casa de pedra restaurada com suas mãos nos Pireneus Orientais, sob o Pico Canigou, o último “estacionamento de carros” antes do grande ancoradouro dos montes no Mediterrâneo. Desloca-se rigorosamente de trem e gasta muito do seu tempo em giro pela Europa, organizando as patrulhas dispersas do consumo virtuoso. Fascina, conta, escreve panfletos, fustiga a economia globalizada e a infeliz “teologia do Pib”. Insiste, sobretudo, no lado “convivial” de uma austeridade inteligente.

Já no trem, andando com ele, o dique se rompe. Tem como apoio um livro seu sobre a mesinha – intitulado ‘Como resistir ao desenvolvimento’ – e os vizinhos do vagão se aproximam, como que atraídos por uma calamidade. Passageiros de trinta anos, titulares de trabalho precário. Pedem para dar uma olhada, lêem avidamente. Dentro está escrito que o colapso é questão de trinta anos. Dez mil dias, coisa de conto ao inverso, de traz para diante. O petróleo se exaure, os oceanos se erguem, centenas de milhões de homens deverão deslocar-se, o clima enlouquece, o ar se envenena, a esterilidade masculina aumenta ano após ano. Tudo converge para a mesma “deadline”, 2030, ou talvez antes.

Os pendulares insistem, perguntam quem seja Latouche, querem saber dele, dão início a uma discussão. São muito poucas linhas daquele livro a desvelar o pavor submerso mais difuso dos italianos. “Mas que criminalidade”, dizem, “falam-nos de ciganos e romenos para não nos fazer refletir seriamente sobre estas coisas”. Engoliram a ficha, mas não se contentam com um megafone de protesto. Procuram um guia, alguém capaz de assegurá-los e retirá-los do ângulo cego. Pedem principalmente palavras de bom senso. É exatamente o que encontro, quando descubro o meu homem. Aquele que tenho na minha frente, junto a um prato de bacalhau e uma garrafa de Montepulciano de Abruzzo, é o exato oposto do eco-fanático pregoeiro de multidões. Latouche é um tipo simples, tranqüilo, enxuto, esbelto e robusto como um arpoador. Seu rosto é marcado por rugas, tem cabelos cinza-ferro e o olhar de uma aguiazinha. Chegou manquejando com um largo sorriso, apoiado no longo bastão que é seu emblema de viandante. “O que quer, caro amigo, tenho os joelhos calcificados e as plantas dos pés consumidas pelo demasiado caminhar. Mas, é precisamente assim..., não é nada justo deixar ao bom Deus um físico em perfeitas condições, não acha?

- Você pensa que ele tenha fórmulas a revelar: ao invés disso, ele explica que basta concentrar-se na qualidade de vida. Devemos libertar o imaginário, tornado escravo de um fetiche portador de desventuras: a palavra desenvolvimento. Basta dizer aos políticos que, renunciando à mística do crescimento, não perderão eleitores, pelo contrário. Fazer entender às pessoas que, escolhendo o decrescimento, não voltarão à idade da pedra, mas somente a quarenta anos atrás.

“Os poderes fortes nos chantageiam, mantêm como refém a nossa imaginação. Dizem-nos que com o decrescimento cairá sobre nós a tristeza de uma infinita quaresma. Nada disso é verdade. Inverter a corrida ao consumo é a coisa mais alegre que existe”. Este é, de resto, o tema de seu próximo livro que sairá na Itália na metade de março pela Boringhieri: intitula-se: Breve tratado sobre o sereno decrescimento. Latouche também contesta o terrorismo mental dos ecologistas anunciadores de penitência. Sorri sob a barba: “Ah, o masoquismo protestante, o senso do dever, os dez mandamentos... Mas não! A única regra é a alegria de viver”.

Há quarenta anos atrás se dizia: o desastre começa agora. É ali que se desencadeia a corrida ao desperdício. Em quarenta anos nosso impacto negativo sobre a biosfera triplicou e não para de crescer. Parece impossível, não é? No fundo, não comenos o triplo, não fazemos o triplo de viagens, não usamos o triplo de roupas... Como se explicam estes números apocalípticos?

É simples: em nossa vida fez irrupção o Usa e Joga fora, a obsolescência programada dos bens. Uma loucura. Os trinta por cento da carne dos supermercados vão diretamente ao lixo... Um automóvel é velho após três anos, um computador pior ainda... E se não o substituis, és “out”... Vivemos de águas minerais que vêm de longíssimo, em meio a desperdícios energéticos dementes, com a Andaluzia que come tomates holandeses e a Holanda que come tomates andaluzes...

E o que dizer dos bifes, que há quarenta anos tinham o sabor dos pastos. Hoje os animais são engordados com ração de soja, cultivada a milhares de quilômetros de distância, em campos conquistados pelos desmatamentos da Amazônia. “Uma vez eu era um devorador de carne. Hoje a como com conta-gotas. Mas não para negar-me algo. Faço-o para divertir-me descobrindo as novas fronteiras do alimento. Meu amigo Carlo Petrini diz que um gastrônomo não ecologista é um imbecil, e um ecologista não gastrônomo é uma pessoa triste. Pense nisso: é mais que verdade”.

Para o lixo a regra base do bem-estar não muda. “É inútil fazer como os alemães, para os quais a coleta diferenciada se tornou obsessão. Basta comprar de maneira diversa, vivendo de modo convival. Não há incinerador que dê conta... O melhor lixo é aquele não produzido... E atenção, digo-o aos amigos italianos, o assédio da imundície não é uma questão napolitana. É uma questão mundial, o livro de Saviano di-lo claramente. Os Estados Unidos mandam à Nigéria oitocentos navios por mês de rejeitos tóxicos não recicláveis”!

Enfrentemos com alegria o milho, o pão e o vinho e o discurso de Latouche é como uma ladainha franciscana que te obriga a soletrar sem medo o abc da renúncia. Os e-mails, por exemplo. “Escrevo com freqüência cartas a mão, mas não para voltar à vela e ao pergaminho. Faço-o pelo simples prazer de demonstrar a mim mesmo que posso caminhar sem as próteses artificiais impostas pelo sistema, de modo atóxico. Entendo o correio eletrônico e todo o resto. Meu modo de agir é uma forma de treinamento ao jejum da tecnologia. Um tecno-jejum”.

E depois a bicicleta. “Não a uso porque se deve pedalar, mas somente porque é belo. Se na minha casa na montanha pedalo quilômetros cada manhã para procurar-me os croissants para a colação, significa que isso me faz viver melhor, ponto final. Encontro pessoas, falo, aprendo, e o dia começa com o pé certo. Ivan Illich, grande fustigador do desperdício, dizia que este mundo de alto consumo de energia é, inevitavelmente, um mundo de baixa comunicação entre os homens. Eis, pois, a bici é o símbolo do contrário. Uma vida de baixa energia gera alta comunicação”.

Não falamos dos telefones. “Poderia dizer que fazem mal, que, para construí-los, se usa um mineral raríssimo e altamente tóxico, ou que detrás de cada celular está o sangue das guerras tribais fomentadas pelo Ocidente em lugares como o Congo. Digo, ao invés, o seguinte: sem telefones se vive melhor. A ânsia cala. A alegria aumenta. Não há mais o Grande Irmão que te vigia. A gente o entende até sem saber nada de economia e sem incomodar a geopolítica.”

Desenvolvimento: a confusão já está contida na própria palavra. Esconde o desfrutamento e a rapina, o desenraizamento em massa de indivíduos, a morte da diversidade, a evidência de uma humanidade apática, infeliz, obesa, precária, insegura e, observando bem, também pouco pobre. “A idéia de desenvolvimento resiste obstinadamente à evidência de sua falência. Por isso deixou a tempo de ser uma coisa científica. Tornou-se mística, mitologia, religião. Um fetiche enganador que anestesia suas vítimas. O verdadeiro ópio dos povos”.

Dizem-nos que para sair da crise econômica devemos trabalhar mais. Tornar-nos chineses. Que a China vá ao desastre e se afogue na poluição, são objeções irrelevantes. Vai-se em frente da mesma forma. “É desta cegueira que devemos libertar-nos”, diz o francês. Sim, mas então, qual é o modelo correto? “Anos atrás encontrei um cidadão laociano. Estava sentado à beira de um campo e não fazia nada. Perguntei-lhe: o que faz? Respondeu: escuto o arroz que cresce. ‘J’écoute le riz pousser’. Reencontramos o prazer da vida, antes da ânsia de fazer”.

É tão óbvio: uma sociedade que tem como único escopo o desenvolvimento econômico é como um indivíduo que quer apenas ser obeso. Além disso, as pessoas têm o mesmo medo de mudar, temem perder o bem-estar. “Aqui os alarmes das últimas décadas, coisas como Chernobyl ou a epidemia da vaca louca, foram utilíssimos. Colocaram questionamentos às pessoas. Fazem o jogo do partido do decrescimento. Por isso, mais que imaginar a Grande Catástrofe Final, prefiro construir uma pedagogia das pequenas catástrofes intermediárias. Não há nada melhor para fazer entender às pessoas o apocalipse que virá”. E a lentidão? “A guerra da Valsusa contra a linha ferroviária de alta velocidade é sacrossanta e foi uma pilastra na história do partido do decrescimento. É ali que os movimentos saíram da floresta e começaram a soldar-se entre eles. Aquele anti-Tav, aquele contra a megaponte de Messina ou a central de Civitavecchia”.

Latouche tem razão: os poderes fortes temem a opinião pública. Por isso nos mantêm na escuridão. Na União Européia bloquearam todos os referendos sobre as grandes obras e os ogm, porque sabem muito bem que as pessoas votariam contra, como sucedeu na Suíça. José Bové teve que fazer a greve da fome para que o governo francês, por temor de reações populares, mantivesse a prometida moratória sobre os organismos geneticamente modificados. “Se um político fosse à TV e dissesse: senhores, estamos viajando num trem sem condutor, a partir de amanhã devemos mudar de vida... Se aquele político desse novas regras de comportamento virtuoso à nação, não duvido que seria assassinado no giro de uma semana”.

É um sinal de temor. Por isso a economia global acelera, ao invés de reduzir. Por isso as imundícies se tornam montanhas, o fosso entre ricos e pobres se alarga, os subúrbios se incendeiam. Por isso a corrida aos últimos recursos se torna rapina, guerra, e o sistema entre no túnel do absurdo. “Absurdistã”, chamava-o Illich. E, já que pavor e consumo aumentam de modo paralelo, eis que a construção de um partido do decrescimento se torna um desafio de velocidade, uma corrida contra o tempo.

“Quarenta anos atrás fui trabalhar na África como expert de desenvolvimento. Queria redimir o continente do seu atraso. Mas, também estava fascinado pelos povos africanos. Estudava apaixonadamente aquelas mesmas culturas que com a economia contribuíam a destruir. Foi ali que a contradição me apareceu claramente. E foi ali que perdi a fé. Desde então combati, sentindo-me um pregador no deserto. Hoje, pela primeira vez, vejo que as coisas estão mudando. Os núcleos de economia sustentável se multiplicam. Nas cidades conheço muitos edifícios que se organizam de modo eco-sustentável. Sinto-o, chegaremos lá”.

Instituto Humanitas Unisinos - 28/02/08

Obama, Tocqueville e a ilusão americana. Artigo de Francisco de Oliveira

“O capitalismo, em sua fase globalitária, torna inútil a política e irrelevante a participação dos cidadãos” pois a política foi colonizada pela economia. O comentário é de Francisco de Oliveira, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 28-02-2008. Segundo ele, no Brasil “o PT e Lula transformaram-se em fiadores do capitalismo globalitário no Brasil”.

Eis o artigo.

Tocqueville está entre os mais reputados teóricos da democracia, e seu livro clássico sobre a democracia na América em nada se parece com os tratados enfadonhos e formais sobre a forma de governo inventada pelo gregos da época clássica. Trata-se de investigação sobre os fundamentos, eu diria, sociológicos, da democracia nos EUA; nosso Sérgio Buarque de Holanda fez, com o também clássico "Raízes do Brasil", a explicação de por que a forma democrática é quase inviável em Pindorama.

Mais de um século depois, o belicista Churchill cunhou outro paradoxo, plagiando Tocqueville: a democracia é o pior de todos os regimes, salvo todos os outros. O velho leão britânico somente aprenderia a não incentivar guerras coloniais -"remember" a Guerra dos Bôeres- depois que o nazismo ameaçou liquidar a velha Albion e submeter o mundo ocidental a uma nova idade das trevas.

Barack Obama, parece, será o indicado pelos democratas para a disputa da Casa Branca, desbancando a chata da Hillary, coisa que talvez se defina logo no próximo dia 4. Para os leitores de Tocqueville, talvez sua eleição à mansão sem estilo da avenida Pensilvânia pareça realizar os prognósticos do nobre francês. Mas aqui entra o famoso paradoxo de Tocqueville, segundo o qual a ampla democratização torna banal a participação dos cidadãos e desinteressante a democracia.

O forte absenteísmo dos próprios norte-americanos às suas eleições presidenciais confirmaria o pessimismo tocquevilleano. Em termos schmittianos, a democracia de massas é não-agônica, onde não se decide nada. Não falta ao paradoxo de Tocqueville, como é óbvio, um certo desdém aristocrático, que o autor francês disfarça todo o tempo.

Uma crítica de direita se alinharia apressadamente ao paradoxo, desqualificando imediatamente a eleição do primeiro negro à Presidência dos EUA. Uma crítica pela esquerda vê o problema de outro ângulo: o paradoxo de Tocqueville não decorre da banalização da democracia pelo predomínio das massas, mas é um produto da colonização da política pela economia. Em outras palavras, o capitalismo, em sua fase globalitária, torna inútil a política e irrelevante a participação dos cidadãos. Nos EUA, é certo que decisões como a invasão do Iraque foram até mesmo planejadas no Salão Oval, mas antes o celerado Bush filho teve que pedir permissão a Alan Greenspan, o ex-todo-poderoso presidente do Fed; aliás, esse senhor atravessou os dois mandatos de Clinton e entrou pelo mandato de Bush adentro, somente renunciando um ano e meio atrás, e os norte-americanos nunca votaram nele para coisa alguma. E o Senado norte-americano, que ratifica as indicações presidenciais, faz-lhe uma argüição que é tão contestadora quanto os programas de Silvio Santos. Isso é a colonização da política pela economia.

Entre nós, mesmo a própria democratização brasileira, de que o PT foi co-autor importante, é hoje irrelevante: em lugar da transformação prometida pelos longos anos da "invenção democrática", o PT e Lula transformaram-se em fiadores do capitalismo globalitário no Brasil. Vejam-se, como já se salientou aqui mesmo nesta Folha, os lucros do sistema bancário brasileiro e o tratamento do social: meros R$ 8 bilhões para o Bolsa Família, o ai-jesus de Lula e do lulo-petismo, e R$ 160 bilhões de juros da dívida pública interna. Ou em 2007, os R$ 20 bilhões do lucro dos quatro maiores bancos contra os R$ 21 bilhões de todo o Orçamento social de Lula (incluindo-se seguridade social, Bolsa Família et al).

Tomara que Obama desminta o paradoxo de Tocqueville; tomara que suspenda imediatamente o odioso embargo contra Cuba, aproveitando inclusive a oportunidade da retirada de Fidel da linha de frente do governo cubano; tomara que retire as tropas do Iraque, terminando de vez com esse desastre anunciado; tomara que retome a linha de um Jimmy Carter, não apoiando as ditaduras e o descarado intervencionismo gringo; tomara que inaugure uma linha próxima do New Deal rooseveltiano e detenha o empobrecimento das classes populares norteamericanas e a crescente desigualdade; tomara que um desastre como o Katrina não possa outra vez expor a olho nu a produção desapiedada da pobreza, escondida no charme da outrora francesa Nova Orleans. Tomara. Mas que é improvável, é. Ele é tão parecido com a Hillary, com seu terninho correto que faz par com o tailleur da ex-primeira-dama, quanto o PT com o PSDB. Tocqueville ri na tumba?

Instituto Humanitas Unisinos - 28/02/08

Brasil, credor internacional? 'Não exageremos na celebração', recomenda Paulo Nogueira Batista Jr.

Comentando o fato do Banco Central ter anunciado como um "fato inédito em nossa história econômica" que ,em janeiro, o país passou à condição de credor externo em termos líquidos, isto é, a soma das reservas internacionais e de outros ativos externos do país ultrapassou o valor da dívida externa, Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo no FMI, recomenda: “Não vamos exagerar na celebração”. O artigo foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-02-2008.

Citando as estimativas do Banco Central, o economista afirma que “em janeiro, a dívida externa (incluindo a dívida de curto prazo) alcançou US$ 196,2 bilhões. As reservas internacionais situavam-se em US$ 187,5 bilhões, os haveres de bancos comerciais, em US$ 12,9 bilhões, e os créditos brasileiros no exterior, em US$ 2,8 bilhões. Portanto, os ativos superavam a dívida em US$ 7 bilhões”.
E continua:

“Observe-se, além disso, que 70% da dívida é de médio e longo prazos (os 30% restantes correspondem a dívidas de curto prazo ou a dívidas de longo prazo com vencimentos de principal nos próximos 360 dias). Já os ativos são compostos basicamente de aplicações líquidas, imediata ou quase imediatamente disponíveis”.

O economista reconhece que trata-se de “um marco, não há dúvida. Para um país que nasceu endividado e experimentou ao longo dos séculos 19 e 20 diversas crises de endividamento, chegar à condição de credor não é pouca coisa”.

“Mas, continua Paulo Nogueira Batista Jr., não vamos exagerar na celebração. O valor da dívida não inclui empréstimos intercompanhias (US$ 48,6 bilhões em janeiro). Também não inclui títulos públicos emitidos no Brasil e adquiridos por não-residentes (o equivalente a mais de US$ 42 bilhões em janeiro, segundo a CVM).

Segundo ele, “a exclusão desses componentes não é arbitrária. Os empréstimos intercompanhias são operações entre matrizes e filiais de empresas estrangeiras. Podem ser vistos como uma forma de investimento direto. O segundo componente não é propriamente dívida externa, no sentido tradicional, pois corresponde a obrigações constituídas em território nacional. São classificadas como investimento de portfólio”.

E explica:

“Isso nos conduz a outra ressalva: a dívida externa "stricto sensu" é apenas parte do passivo externo total, pois este inclui, além da dívida, o estoque de investimentos diretos e de portfólio no país. Da mesma forma, o ativo externo total do país inclui não só as reservas e os outros dois componentes acima mencionados mas também os investimentos diretos e de portfólio e outras aplicações de brasileiros no exterior. Por esses conceitos mais amplos de passivo e ativo, o Brasil registrava um passivo externo líquido de US$ 463 bilhões em junho de 2007, segundo os dados mais recentes do BC.
Em resumo, a nossa condição de credor internacional ainda é embrionária. A posição externa do Brasil melhorou muito nos anos recentes”.

E o economista conclui:

“E os dados divulgados pelo BC na semana passada constituem mais um sinal dessa tendência. O importante, agora, é cuidar para que esse avanço não seja minado pela valorização do real e pela deterioração da balança comercial e do balanço de pagamentos em conta corrente”.