Instituto Humanitas Unisinos - 20/11/08
Em meio às comemorações de hoje pelo Dia da Consciência Negra, os números mostram que a Justiça ainda caminha em descompasso com a legislação anti-racista no Brasil. O avanço do arcabouço legal, estimulado pela Constituição de 1988, não é capaz de garantir a punição para a maior parte dos infratores, segundo levantamento inédito do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser). Análise feita entre 1o. de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2006 mostra que as vítimas venceram 32,9% dos processos, enquanto os réus saíram vitoriosos em 57,7% dos casos, nos julgamentos em segunda instância que tratam de racismo.
A reportagem é de Maiá Menezes e publicada pelo jornal O Globo, 20-11-2008.
— Advogados, juízes, todos são brasileiros, absorveram valores da sociedade, que lida mal com o racismo. Precisamos de mais profissionais preparados para encaminhar os casos. É preciso haver mais julgamentos com base na lei do que com base na opinião pessoal. Os operadores do Direito tendem a minimizar o problema. Classificam injúria racial e crime contra a honra e não racismo propriamente dito, o que é uma figura penal menos grave e facilita a vida do acusado. Manipulam o texto da lei para não aplicála — afirma o advogado Hédio Silva Junior, ex-secretário de Justiça de São Paulo.
Há interpretações conservadoras, diz professor
A análise do Laeser foi feita em torno de 85 ações, distribuídas em 13 estados. Do total analisado, 69,4% ocorreram no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais.
Na primeira instância, 40% dos processos julgados foram considerados improcedentes, enquanto 49,4% dos casos foram considerados procedentes.
As decisões em segunda instância podem ainda ser reformadas pelos tribunais superiores.
— Cobrimos todos os casos identificados, o que nos revelou indícios de uma interpretação mais conservadora dos tribunais.
Sinaliza um comportamento mais conservador — afirma o economista Marcelo Paixão, coordenador do levantamento.
Desde a Constituição de 1988, o racismo é considerado crime inafiançável. Alterações em 1989 e em 1997 à chamada Lei Caó, em homenagem ao autor do texto, o então deputado federal Carlos Alberto Caó, tornaram as punições mais rígidas: as penalidades passaram de um a seis meses para um a cinco anos de reclusão.
O advogado Hédio Silva Junior, que está concluindo pesquisa mostrando que aumentaram também as ações penas motivadas por questões raciais, argumenta que um ponto precisa ser equacionado na legislação: a discriminação racial deveria se tornar agravante para outros crimes, como o homicídio.
— Há homicídios motivados por questão racial. Pelo fato de o cidadão ser negro, desvalorizase a vida. Esse tipo de crime com componente racial não é punido pela legislação, porque o racismo não tem previsão de ser agravante — afirma o advogado.
O levantamento do Laeser mostrou a síntese de indicadores que revelam a evolução da desigualdade racial no país. Ao analisar o número absoluto de homicídios, constata-se que, 2005, atingiu 15,2 mil brancos e 27,5 mil pretos e pardos. O índice de cobertura de jovens de 15 a 17 anos nas escolas era, em 2008, de 85,1% entre os brancos e de 79,6% entre os negros. Entre os trabalhadores com carteira assinada, 36,8% eram brancos e 28,5%, negros.