"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, novembro 08, 2012

Em referendo, Porto Rico decide se tornar Estado americano



Por alfeu
Do Opera Mundi

Atualmente, a ilha é um território dos EUA e os habitantes são americanos, mas estão proibidos de votar nas eleições
Com uma pequena diferença de votos, a maioria dos cidadãos de Porto Rico decidiu em referendo que deseja mudar os laços com os Estados Unidos e se tornar o 51º Estado norte-americano. Para que a decisão se consolide, o Congresso dos EUA em Washington ainda precisa aprovar a decisão.
Atualmente, a ilha caribenha é um território dos EUA e os habitantes são cidadãos norte-americanos, mas são proibidos de votar nas eleições presidenciais. Na Câmara dos Representantes, Porto Rico também possui poder limitado. A votação é a quarta do tipo nos últimos 45 anos na ilha, que decidiu manter o status nas votações anteriores.
Dividido em duas partes, o referendo questionava se a ilha deveria alterar a relação de 114 anos com os EUA. Quase 54% ou 922.374 pessoas preferiram mudar as condições da parceria, já 46% ou 786.749 cidadãos optaram por manter a situação vigente. A apuração atingia 96% dos 1.643 distritos nesta quarta-feira (07/11).
A segunda questão dizia respeito ao modelo de parceria com os EUA. A opção de aceitar a soberania ianque como mais um Estado foi a mais votada com 61% dos votos. A associação de soberania livre, que permite uma autonomia maior, recebeu 33% das indicações e a independência, apenas 5%.
O presidente Barack Obama já havia manifestado apoio ao referendo e comprometeu-se a respeitar a vontade das pessoas caso houvesse uma clara maioria. Por outro lado, não está claro se o Congresso dos EUA vai debater os resultados do referendo ou se Obama irá considerar que os votos finais indicam uma maioria claramente suficiente.

Márcio Meira sugere que internautas militem em defesa dos Xavante de Marãiwatsédé

viomundo - publicado em 7 de novembro de 2012 às 20:00
Crianças Xavante de Marãiwatsédé (foto do Facebook)
por Luiz Carlos Azenha

O antropólogo Márcio Meira, ex-presidente da Funai, atribui à militância digital o fato de que um grande número de brasileiros ficou conhecendo mais de perto e passou a se preocupar com a situação dramática dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.
Porém, ele diz que uma situação tão dramática quanto a dos Guarani é a dos Xavante de Marãiwatsédé, em Mato Grosso, que vivem em terra homologada como indígena mas que foi invadida e desmatada por latifundiários.
Trechos:
A disputa por este território expõe a dificuldade do governo em controlar os conflitos fundiários na Amazônia. Os pequenos posseiros, tradicionais inimigos dos índios na região, deram lugares aos grandes ruralistas – que se negam a deixar o território. A pressão externa tem provocado divisões internas dos Xavantes, que colocam em risco a vida das principais lideranças. “Nós vamos conseguir, tenho certeza”, diz o advogado dos fazendeiros, Luiz Alfredo Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), uma das principais líderes dos agropecuaristas no Congresso Nacional. “Eu não tenho medo. Eu quero a terra. Eu morro pela terra”, rebate o cacique Damião Paridzané.
A diáspora de Marãiwatsédé é decorrente da expulsão dos índios da região em 1966, e um dos problemas mais constrangedores do indigenismo no Brasil. Os Xavante foram levados em aviões da FAB para um outro território Xavante localizado 400 quilômetros ao sul, um aldeamento organizado por uma missão católica. Nos primeiros quinze dias, uma epidemia de sarampo matou 150 índios, e os sobreviventes fugiram para outras áreas Xavante, vivendo em uma espécie de exílio interno no País.
Após ser adquirido por uma empresa colonizadora paulista, de Ariosto da Riva, o território Marãiwatsédé passou para as mãos do Grupo Ometto e se transformou no latifúndio Suiá-Missu, com 1,8 milhão de hectares. Depois foi adquirido pela Liquigás e, em seguida, passou para as mãos da empresa italiana Agip Petrolli.
Nessa sucessão jurídica de posse, o esbulho dos Xavante passou em silêncio. Foi na Eco-92 que a situação mudou. O encontro internacional serviu para dar visibilidade, e a Agip foi constrangida, na Itália, por seus atos contrários aos direitos indígenas no Brasil. A sede da empresa decidiu devolver as terras aos índios, mas, no Brasil, o latifúndio foi invadido. Os posseiros e os fazendeiros que hoje ocupam ilegalmente a área chegaram durante esse período.
Márcio Meira destaca os vários avanços realizados pelo Brasil no reconhecimento dos direitos dos indígenas desde a Constituição de 1988. Lembra que o país é reconhecido internacionalmente pela sua política de proteção dos indígenas isolados.
Destaca que o Brasil tem uma Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, criado pelo governo Dilma.
Não é, portanto, um pessimista. Cita o último Censo, que apontou novo aumento no número de indígenas brasileiros, cerca de 900 mil.
Isso tudo convive com situações dramáticas, como a dos Guarani em Mato Grosso do Sul e a dos Xavante em Mato Grosso.
Na entrevista, o ex-presidente da Funai também comentou um artigo e uma carta de leitor publicados no jornal O Estado de S. Paulo (segundo Márcio, representativos “da ultradireita”). No artigo, Insensatez, o autor se refere à decisão da Advocacia Geral da União de suspender os efeitos de uma portaria, a 303, considerada prejudicial aos indígenas.
“Forças conservadoras, especialmente ligadas ao agronegócio, não conseguem compreender que o Brasil não pode conviver com esse tipo de situação”, afirmou o ex-presidente da Funai quanto aos casos dos Guarani e dos Xavante e de outras violações dos direitos indígenas.
Num trecho de entrevista publicado anteriormente, Márcio tinha feito referência a uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre a percepção que a população em geral tem dos indígenas, que revelou alguns dados perturbadores, como este:
Uma visão mais extrema e exterminadora sobre os indígenas é observado em uma pequena parcela da população brasileira, 3% concorda totalmente que “índio bom é índio morto” e 2% concorda parcialmente com esta afirmação.
É opinião minoritária, mas a ignorância sobre a importância cultural dos indígenas talvez não seja.
Contei ao ex-presidente da Funai uma experiência que tive quando gravava um documentário numa escola da TI Raposa-Serra do Sol, em Roraima, em 2008, antes da decisão do STF que confirmou a demarcação em área contínua. Foi um dos momentos mais marcantes em meus 40 anos como repórter.
Era numa escola que recebia a visita de jovens estudantes de distintas etnias. Cada um falava seu próprio idioma. Tinham em comum o português ou improvisavam uma espécie de língua franca. Fiquei ouvindo a conversa dos adolescentes e achei aquilo lindo: além da música criada pelo som das palavras — só algumas das quais eu conseguia entender (quando encaixavam uma ou mais palavras em português) — caiu a ficha de forma concreta sobre a imensa riqueza cultural representada pela cena.
Márcio, depois de lembrar que existem 300 línguas indígenas no Brasil, muitas delas ameaçadas, concluiu: “Cada língua dessa aí há um conhecimento por trás dela. Do meio ambiente, da floresta, dos recursos naturais, da estética”.
E mais: “Essas pessoas que tem esse preconceito não conseguem se olhar no espelho. Se olhassem no espelho de verdade, com honestidade, iam ver os índios lá, no espelho, na sua cara, nos seus costumes”.
*****
O terceiro trecho da entrevista começa com a situação dramática dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul:



A questão indígena é bem instigante. Como em muitos casos, os conflitos de posse de terras indígenas, envolvem os posseiros. Essa figura, corresponde muitas vezes a camponeses sem terra que são expulsos para as áreas de fronteira agrícola. Nessa situação tomam posse da terra que ali está "sem uso". Quando é área indígena, surgem os conflitos, quando são terras devolutas, surgem os grileiros para lhes tomarem a terra e os forçarem a novas peregrinações. Então, que são os bandidos nessa questão? 

Requião quer mandato para ministro do STF


conversa afiada - Publicado em 08/11/2012

Ministro do Supremo tem mandato na Alemanha, na África do Sul, na França, na Itália, na Espanha e em Portugal. Não tem nos Estados Unidos, onde Ministro com Alzheimer vota até morrer.

O senador Roberto Requião, do PMDB/Paraná, não faz parte daquele enorme contingente de parlamentares acuados diante da provisória hegemonia do Supremo Tribunal Federal.

Não faz parte, também, daquele conjunto de pusilânimes parlamentares, a que se referiu o professor Wanderley Guilherme dos Santos, quando sugeriu que se divulgasse amplamente a Teoria Política do moderno Maquiavel, o Ministro Ayres de Brito, que, sabe-se lá como, recomendou que as coalizões políticas se encerrassem assim que houvesse a eleição.

A “pusilanimidade” a que se refere o professor Wanderley deve caber, por exemplo, aos parlamentares responsáveis pelo congelamento (provisório) da CPI da Privataria.

Ou por aqueles que, como Michel Temer, segundo reportagem de Leandro Fortes na Carta Capital, prometeram aos filhos do Roberto Marinho – eles não têm nome próprio – e ao Robert(o) Civita que ele, o Robert(o), e o Chumbeta ou Caneta, do Senador Collor,  serão beatificados na CPI.

Ali, por causa desses pusilânimes parlamentares, “jornalista bandido é Santo”, numa adaptação da máxima do delegado Protógenes.

O senador Requião é de outra estirpe.

Ele acaba de propor Emenda à Constituição que altera o Artigo 101 da Constituição Federal para estabelecer mandato de oito anos para Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Ministro do Supremo tem mandato na Alemanha, na África do Sul, na França, na Itália, na Espanha e em Portugal.

Não tem nos Estados Unidos, onde Ministro com Alzheimer vota até morrer.

O Ministro sem mandato de hoje, é uma das preciosidades que a Província extraiu do Estados Unidos, por obra e graça de luminares como Ruy Barbosa.

Faltou instituir o voto indireto.

Mas, ainda chegaremos lá.

Porque já temos aqui o que lá existe.

O Supremo decidir – ou tentar – eleição e escolher o Presidente da República.

Lá, os eternos Supremos ofertaram a Presidência ao Bush filho.

Aqui, ainda a concederão a um tucano.

Como no Paraguai.

A Elite sem voto copia os Estados Unidos para ficar igual ao Paraguai.

Clique aqui para ler “(Collor de) Mello, pune ! Agora tem que punir com o máximo rigor !”.


Paulo Henrique Amorim


Leia a proposta:


PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº    , DE 2012

Altera o art. 101 da Constituição Federal, para estabelecer mandato para Ministro do Supremo Tribunal Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O art. 101 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 1º Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República para mandato de oito anos, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, vedada a recondução em qualquer momento.

§ 2º No caso de vaga no decorrer do mandato, o Ministro que o substituir completará o mandato, independentemente do prazo transcorrido.

§ 3º Não se aplica aos Ministros do Supremo Tribunal Federal a compulsoriedede de aposentadoria estabelecida no art. 40, § 1º, II.

§ 4º O magistrado, membro do Ministério Público ou servidor público nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao encerrar o seu mandato, retornará ao cargo, independentemente de vaga, observado o disposto no art. 40, § 1º, II.” (NR)

Art. 2º É assegurado aos Ministros do Supremo Tribunal Federal em exercício na data da publicação desta Emenda Constitucional a preservação das normas referentes à permanência no cargo vigentes à época de sua nomeação, observado o disposto no art. 40, § 1º, II, da Constituição.

Art. 3º Observar-se-á o seguinte com relação às vagas dos Ministros do Supremo Tribunal Federal a que se refere o art. 2º surgidas a partir da publicação desta Emenda Constitucional:

I – na primeira, quarta, sétima e décima vagas, o sucessor terá mandato até 31 de junho de 2018, 2026, 2034 ou 2042, considerando-se a primeira data que ocorrer após vinte e quatro meses de sua posse;

II – na segunda, quinta, oitava e décima primeira vagas, o sucessor terá mandato até 31 de junho de 2022, 2030, 2038 ou 2046, considerando-se a primeira data que ocorrer após vinte e quatro meses de sua posse;

III – na terceira, sexta e nona vagas, o sucessor terá mandato até 31 de junho de 2026, 2034 ou 2042, considerando-se a primeira data que ocorrer após vinte e quatro meses de sua posse.

Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, como Corte Constitucional, tem uma posição diferenciada na estrutura do Poder Judiciário. Efetivamente, ainda que o órgão seja a mais alta instância judicial do País, trata-se de um colegiado que transcende essa característica e se impõe como órgão essencialmente político, na mais ampla acepção do termo.

Esse fato reflete na composição do tribunal que, diferentemente de todas as demais cortes judiciais do País, não tem elementos que o caracterizem como parte da carreira da magistratura.

Essa característica da nossa Corte Suprema impõe que avancemos ainda, estabelecendo mandato para os seus integrantes. Trata-se de procedimento adotado em boa parte dos países democráticos do mundo, tendo em vista, exatamente, a essência das Cortes Constitucionais.

Assim, podemos citar as Cortes Constitucionais da Federação Russa, da República Federal da Alemanha e da República da África do Sul, cujos membros são nomeados para mandato de oito anos, sem direito a recondução. Os juízes do Conselho Constitucional francês e do Tribunal Constitucional português servem por nove anos, também sem direito a recondução. A Itália, igualmente, fixa mandato de nove, sem direito a recondução imediata. O mesmo mandato é adotado na Espanha, sem, entretanto, limitar o direito a recondução.

Assim, propomos fixar mandato de oito anos para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, com renovação a cada quatro anos, de quatro, quatro e três de seus membros. Com essa sistemática, perde o sentido a fixação da aposentadoria compulsória para esses agentes públicos, enquanto permanecerem nessa qualidade.

Visando a evitar injustiças, é assegurado que o magistrado, membro do Ministério Público ou servidor público nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal ao encerrar o seu mandato retornará ao cargo, independentemente de vaga, observadas, no caso, as normas aplicáveis à aposentadoria compulsória.

Para organizar a transição, propõe-se, além, de, certamente, assegurar o direito dos atuais Ministros, o estabelecimento de regra para a fixação do mandato dos novos membros da Corte, até que a sua composição seja substituída pela nova sistemática.

Além de tornar a organização de nossa Corte Suprema mais consentânea com a sua função precípua, essa alteração ainda viabilizará distribuir a renovação de sua composição, de forma equitativa, por três mandatos presidenciais, dificultando a possibilidade de um Presidente da República alterar toda a composição do Tribunal.

Temos a certeza de que tal modificação significará a democratização da composição do Supremo Tribunal Federal e possibilitará sua renovação periódica, mantendo a identificação do Excelso Pretório com a sociedade brasileira.

Sala das Sessões,

Senador ROBERTO REQUIÃO
PMDB/PR

Apesar de Requião ser acusado de nepotismo e ter tido um embate com a imprensa devido seus dois salários (aposentadoria como Governador do Paraná - acima de R$ 20.000,00 e salário de Senador R$ 26.700.00), creio que se não for "tiro de festim" é uma boa medida. Esse negócio de vitaliciedade deveria ser abolida. Ninguém é obrigado a seguir carreira política, entrou porque quis, então após ser julgado incoveniente pelos eleitores que vá procurar emprego e ver como sobrevivem os assalariados do país. Por sinal, essa aposentadoria que Requião e demais politicos recebem também é imoral.

Conflito Inevitável

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 07 de novembro de 2012.

Euclides da Cunha na sua obra “Contrastes e Confrontos” denuncia as incursões peruanas que buscavam avidamente as ricas plagas onde a hevea abundava e caracteriza as hordas peruanas como uma “aglomeração irrequieta em que há todas as raças e não há um povo” que invade a floresta tumultuariamente dedicando-se mais à pilhagem do que a um trabalho produtivo. Uma massa humana que se liberta e rompe os Bastiões da Cordilheira em busca da terra exuberante e da hiléia magnífica já ocupada, sobretudo, pelos arrojados irmãos nordestinos.

²²²
²²
²

A salvação está no vingar e transpor a Cordilheira. Ali ao menos há a sugestão dominadora da civilização surpreendente dos Incas: a estrada de duas mil milhas distendida de Quito às extremas do Chile, lastrada pelas neves eternas, contorneando encostas abruptas em releixos (caminhos estreitos na borda de um abismo) de rocha viva, alcandorada (encarrapitada) em pontes pênseis sobre abismos, e estirando nas planuras as calçadas eternas de silhares (pedras lavradas em quadrado) unidos com cimento betuminoso; e os velhíssimos baluartes pré-incásicos feitos de montanhas inteiras arremessando-se nas alturas em sucessivos patamares ameados; e a ruinaria dos santuários do Sol com os seus aparelhos ciclópicos de blocos poligonais de pórfiro (rocha siliciosa muito dura) brunido (polido); e os longos aquedutos do monte Siva, em cujos canais subterrâneos, perfurando as serras, se espelham esforços de uma engenharia titânica...

Depois, descidas as vertentes Orientais da primeira cadeia dos Andes, transposta a “montaña” e a segunda Cordilheira — a terra exuberante é desmedida, prefigurando nas grandes matas a mesma hiléia amazonense.

Nesta região, tão outra, está — pela implantação do trabalhador e pelo equilíbrio da existência agrícola — a redenção daquelas gentes que possuem os melhores fatores para um elevado tirocínio histórico.

Mas, ao mesmo passo que lhes despontam estas esperanças, extingue-lhas a mesma Cordilheira com o seu largo tumultuar de píncaros e de pendores impraticáveis num talude vivo de muralha, que lhes trancam quase por completo as comunicações com o litoral.

De fato, o Pacífico, ainda que se rasgue o canal de Nicarágua, parece que pouco influirá no progresso do Peru. O seu verdadeiro Mar é o Atlântico; a sua saída obrigatória o Purus. Sabem-no há muito os seus melhores estadistas: a expansão para o Levante traduz-se-lhes como um dever elementar de luta pela vida. Revelam-no todos os insucessos de numerosas tentativas buscando libertá-lo das anomalias físicas que o deprimem. Revelou-as, desde 1879, C. Wiener:

Os peruanos aquilatam bem a importância enorme que teriam as estradas, ligando os afluentes navegáveis do Amazonas e do Ucaiali às cidades do litoral; fizeram todos os esforços para executá-las porque lhas impõem a lógica e o interesse; mas parece que a sua força de vontade é menor que a constituição física dos autóctones. (Wiener)

De feito, contemplando-se diante de um mapa a faixa costeira entre Pachacamas e Tumbez, nota-se um como diagrama daquelas tentativas desesperadas e perdidas. Foi a princípio, no Extremo Norte, a linha férrea de Paita a Piura, procurando os tributários Setentrionais do Solimões; depois, próxima e ao Sul, uma outra, de Lambayaque a Ferenafe: ambas estacionaram, trilhos imersos nos areais da costa. A terceira, lançada de Pascamayo à estação terminus de Cajamarca, e a quarta partindo de Salavery, pouco ao Sul de Trujillo — buscavam as linhas de derivação do Ucaiali: embateram ambas de encontro às fílades espessas e aos doleritos e quartzos duríssimos das Cordilheiras. A quinta, a admirável estrada de Oroya, dominou parte da serrania, mas ficou bem longe do seu objetivo essencial no transmontar as últimas cordas de serras, varar pelas planícies do Sacramento e alcançar o Purus.

Esta é expressiva: mostra como o traçado do grande tributário do Amazonas, em cujas margens contendem agora os flibusteiros, norteia de há muito a administração daquela República.

Por outro lado, desde 1859, com Faustino Maldonado e dez anos depois com o Coronel Latorre, sucessivas expedições se lançam para o Oriente impelidas por alguns abnegados caídos todos naqueles lugares remotos, numa extraordinária intuição dos interesses reais do seu país.

Estes antecedentes delatam nas perturbações que lavram em toda aquela zona um significado bem diverso do que lhe podem dar algumas correrias de seringueiros. A guerra iminente tem uma feição gravíssima.

Se contra o Paraguai, num Teatro de Operações, mais próximo e acessível, aliados às repúblicas platinas, levamos cinco anos para destruir os caprichos de um homem — certo não se podem individuar e prever os sacrifícios que nos imporá a luta com a expansão vigorosa de um povo. (CUNHA, 1975)

-  A Conquista do Alto-Purus e Alto-Juruá

Segundo Craveiro Costa em “A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental”:

Já em 1870, os brasileiros, no Juruá, se haviam aventurado, pouco a pouco, avançando bravamente na direção das cabeceiras do grande curso fluvial, à cata das héveas, chegando às margens do Amônea e do Tejo, e, anos depois, em 1891, levaram as explorações ao Rio Breu, por lá, muitos deles, se fixando. Por toda parte, no Alto-Juruá, não havia uma só propriedade peruana. Tudo aquilo era tido pela população como terra brasileira, pertencente ao município amazonense de São Felipe (Eirunepé).

No Purus a ocupação das margens do grande Rio, na sua parte mais alta, em demanda das nascentes, data de 1892, a que remontam os primeiros estabelecimentos do Rio Chandless, daí subindo sempre nos anos posteriores.

O Rio Béo, pouco acima do Breu, marcava, em 1891, o Limite Meridional da ocupação efetiva brasileira no Juruá, que nesse ano alguns compatriotas nossos, dirigidos por João Dourado e Balduino de Oliveira, exploraram até à Boca do Rio que chamavam Dourado e é o mesmo a que os peruanos, posteriormente, deram o nome de Uacapista ou Vacapista, mudando o primitivo nome para outro afluente próximo. O Santa Rosa, em Curinahá, ficara sendo, desde 1898, o limite da ocupação brasileira no Purus, já em 1861 explorado pelo nosso intrépido sertanejo Manoel Urbano da Encarnação, até perto de Curanja, e em 1867, com o auxílio do Governo brasileiro, por William Chandless, em companhia do mesmo Manoel Urbano, até pouco além da confluência do Cavaljane, isto e, até as vizinhanças da nascente principal.

Anteriormente a 1896, esses territórios estavam livres de peruanos. Nada por ali havia que atestasse a sua passagem e fosse um padrão de posse da nação peruana sobre aquelas águas e aquelas terras. Somente em 1896 começaram aparecer peruanos, devastando as florestas em busca do caucho. Eram negociantes endinheirados, à frente de numerosas hordas de “cholas” broncos, que percorriam os Rios navegáveis mais facilmente, introduzindo mercadorias contrabandeadas e espalhando soles (padrão monetário peruano) e libras. Demoravam-se em alguns pontos, vivendo à larga, o tempo em que os caucheiros, destruindo as castiloas (árvores do caucho) no seio da floresta, faziam o caucho, que os negociantes recebiam e logo abalavam. Os vestígios que deixavam ficavam na mata bruta, na destruição das árvores da borracha e nos barracões senhoriais, ou nas barracas humildes, de paxiúba e caranaí, nos soles de prata que os seringueiros, em permutas comerciais, recebiam e entesouravam no mealheiro. Aquilo era do Brasil. (COSTA)

Leandro Tocantins, no capítulo LXV de seu livro “Formação Histórica do Acre – Volume II” faz um pequeno histórico da penetração peruana do Alto-Purus e no Alto-Juruá, a partir de 1896.

Atribui-se a Vicente Mayna o primeiro estabelecimento peruano (1896) a fundar-se no Juruá. “Um arraial no local em que atualmente se encontra a Vila de Porto Walter, não com o fim de negociar e tão-somente de explorar os cauchais vizinhos”. Na pista de Vicente Mayna vieram outros caucheiros patrícios. A firma Hidalgo Ruiz montou casa a jusante do Rio Moa, no lugar Centro Brasileiro, nome substituído pelos chefes da empresa arrendatário do seringal para Centro Peruano.

O seringal foi arrendado pelo brasileiro Antonio Marques de Meneses. Hoje, nesse lugar, ergue-se a cidade de Cruzeiro do Sul.

Em apoio a essa Fundação Comercial que tinha um fundamento político, veio do Peru um Destacamento Militar pelo varadouro Ucaiali-Juruá-Mirim, não logrando alcançar o Juruá porque alguns brasileiros interceptaram-lhe o caminho.

No ano de 1897, um oficial da Marinha de Guerra do Peru, D. Henrique Espinar, procedente de Iquitos, chegou ao Juruá, no vapor Brasil, cuja denominação, evidentemente intencional, servia para ganhar simpatias dos ribeirinhos. Porque, em caráter secreto, Espinar tinha a missão de fazer um levantamento social e hidrográfico do Rio, o que realizou “desde a Foz até a boca do Tejo, a que dá a extensão de 1.505 milhas, retirando-se depois ao Ucaiali pelo varadouro que liga o Tamaia ao Amônea”.

É interessante destacar do relatório que o emissário peruano apresentou ao seu Governo a circunstância de estar o Juruá ocupado pelos brasileiros, até o alto curso. Apenas cinco habitações peruanas ele registrou, perdidas no meio de tantas “fincas” a cujos proprietários Espinar chama de estrangeiros. Entre os compatriotas de Espinar encontrava-se o famoso Carlos Sharff, no Rio Gregório (afluente da margem direita), com 360 caucheiros.

Toda essa gente vinha atraída pelos novos cauchais, nas cabeceiras do Juruá ou nos cursos altos de seus afluentes Meridionais. A riqueza vegetal atiçou a cobiça dos loretanos vizinhos que açodadamente “atiravam-se ao objeto de sua avidez”.

O primeiro estabelecimento administrativo do Peru, no Juruá, ocorreu em 1898. D. Justo Balarezo surgiu no Rio Amônea na qualidade de Governador-comissário, por nomeação do “Comisionado Especial del Supremo Gobierno en el Departamento (Loreto)”. Participando em circular, de 8 de julho de 1898, esse fato e a sua posse no cargo, Balarezo garantiu o propósito de emprestar todas as “facilidades necesarias al Comercio y a la Industria para un amplio desarrollo en la circumscrición de mi juridición”. E acrescentava: “siendo mi autoridad la primera que ha sido nombrada para esta región”. (Circular de 08.07.1898, dirigida a Urbano Müller - Arquivo Ramalho Junior)

Um mês depois, Justo Balarezo, da Boca do Amônea, onde assentara a sua Gobernación, dirigiu um ofício ao brasileiro Urbano Müller, nos seguintes termos:

Ha llegado a mi conocimiento que ha solicitado U. de autoridades brasileras la adjucación de diversos lotes de terrenos comprendidos entre el Río Gregorio y la Boca del Río Breo. Como dichas adjucaciones deben pedirse a nuestro Gobierno por medio de sus autoridades, pues es el único que tiene legitimo derecho a expedirlos, me encuentro en el deber de velar por los intereses del país como también por los de los particulares, sean peruanos ó extranjeros, que se encuentren bajo mi jurisdicción. Por lo tanto prohíbo a U. que continúe practicando tal irregularidad y desearía se acerque U. a esta Gobernación para hablar con mas extensión sobre el asunto. (Ofício de 13.08.1898 - Arquivo Ramalho Júnior)

Urbano Müller, em resposta, acusou a circular de comunicação de posse e o novo expediente de Balarezo, frisando que deixaria de parte qualquer contestação:

pois ao Governo de meu País compete oferecer ao vosso os direitos que tenha sobre este território.

Entretanto, era:

forçado a desconhecer a vossa autoridade, diante dos inúmeros atos oficiais emanados da Intendência de São Filipe e do Governo do Estado do Amazonas, os quais traduzem categoricamente a posse em que se acham da região em que atualmente nos achamos. Vou, portanto, levar ao conhecimento das referidas autoridades de meu País não só a circular como, também, o vosso ofício, para que seja tomado em consideração assunto tão grave. (Ofício de 13.08.1898 - Arquivo Ramalho Junior)

Na entrada do século, os peruanos possuíam centros de relativa atividade comercial no Juruá. Ricardo Hidalgo, na Boca do Moa, Asumpción Ruiz e Samuel Aspiasse, no Juruá-Mirim, Carlos Sharff, Menacho y Hermanos, Vigel & Co., Efrain Ruiz, Lecca y Hermanos, “negociantes e potentados”. Quase todos mantinham intercâmbio direto com o Peru, através dos varadouros do Ucaiali. O Governo do Amazonas, prevenido pelos funcionários da Intendência de São Filipe acerca dos planos do Peru e das atividades suspeitas de seus nacionais no Juruá, animou-se a criar uma Coletoria na Boca do Breu. Em fevereiro de 1902, a repartição foi instalada mais abaixo, entre os Rios Arara e Amônea, porém, logo nos três primeiros meses do ano seguinte o Executivo Estadual suprimiu-a, a pedido do Chanceler Olinto de Magalhães, por interferência do Ministro do Peru, sem que isso importasse em reconhecer o território como peruano, segundo a decisão da Chancelaria brasileira.

E haviam bem fundadas razões para o Amazonas tomar essa providência. Os peruanos, a princípio, querendo ganhar simpatia e confiança, submeteram-se as leis e as autoridades nacionais. Quando consideraram o seu comércio suficientemente forte, a atitude mudou. A sombra do interesse econômico ocultava-se o objetivo político, e este veio a tona em manifestações positivas de domínio na região, onde:

reside grande número de peruanos aos quais o nosso Governo cerca de ampla liberdade, de todas as garantias, sem que eles as reconheçam e correspondam. (Relatório apresentado pelo Comissário Raimundo Augusto Borges, da Intendência de São Filipe, ao Governo do Amazonas)

A Independência de São Filipe salientava ao Governo do Amazonas o “grande e ativo comércio” que o Juruá “entretêm com as praças do Pará e Manaus, fornecedoras de todos os gêneros nacionais e estrangeiros que recebem os produtos naturais desta Comarca” , comércio “exercido em alta escala por milhares de brasileiros disseminados nas frondosas margens dos Rios Juruá e seus afluentes”. Havia, porém, “a concorrência criminosa e vantajosamente exercida pelos cidadãos peruanos, contrabandistas, que povoam diversos Rios, devastam suas matas e sugam sua riqueza, sem concorrerem com um ceitil (moeda portuguesa criada no reinado de D. Afonso V) para o aumento das rendas do Município e do Estado”.

A esse tempo, lanchas e pequenos vapores peruanos, viajando com bandeira do Brasil, trafegavam pelo Juruá, o Tarauacá, o Envira, o Muru. Partiam de Iquitos, base principal das operações, num misto de comércio e de conquista política, e fonte de contrabando que também se fazia através dos varadouros do Ucaiali. Caucho e borracha escapavam-se por caminhos escusos, sem pagar nenhum imposto ao fisco brasileiro. Daí um dos motivos da criação da coletoria amazonense, retirada logo mais para atender as conveniências diplomáticas do Itamarati.

Ainda em 1902, utilizando a rota do varadouro Tamaia-Amônea, veio do Ucaiali o já conhecido Manuel Pablo Villanueva, aparentemente com o objetivo de negociar caucho. O Governo de Lima precisava completar os dados e observações que o Capitão Enrique Espinar coletara, em 1897, visando a emprestar maior ênfase na ocupação do território, mediante um plano melhor elaborado, que se basearia nos elementos a serem recolhidos por Villanueva.

No seu regresso a Lima, Manuel Pablo teve ocasião de pronunciar uma conferência na “Sociedad de Geografia”, durante a qual instou pela urgente necessidade de fomentar o desenvolvimento de Nuevo lquitos, um “pueblo de caucheros”, na Foz do Breu, que na realidade não passava de umas tantas palhoças onde vivia o intitulado Comissário Efrain Ruiz. O conferencista expôs, com alarme, a influência brasileira “exercida em danos aos peruanos, em quase todo o Rio”, e asseverava: “de fato, o Brasil estende sua autoridade nos territórios situados ao Sul do 7° grau de Latitude, como se formassem parte de sua nacionalidade”.

Manuel Pablo Villanueva, Fronteras de Loreto, apud Belarmino de Mendonça. As palhoças de Nuevo Iquitos foram abandonadas em 1902, ao retirar-se o seu fundador Efrain Ruiz.

Em seguida à viagem de Villanueva, ocupou a Foz do Amônea um destacamento composto de 20 praças e numerosos (40) caucheiros armados. Carlos Vasques Quadros, à frente deles, vinha exercer as funções de Comissário. As terras da Foz do Amônea pertenciam ao Seringal Minas Gerais, propriedade do brasileiro Luís Francisco de Melo.

Os exploradores brasileiros do Juruá chegaram à Foz do Amônea em 1890, chefiados pelo cearense Francisco Xavier Palhano. Nessa época só havia índios na região.

Os habitantes, à vista da arrogância dos estrangeiros, forçaram-lhes a retirada para o Alto-Amônea, onde se julgava estar a fronteira do Peru. Luís Francisco de Melo cometeu a imprudência de aconselhar aos seus compatriotas a não se oporem à invasão, porque, ele acreditava, ao Governo do Brasil caberia resolver o caso. Serenados os ânimos, Luís Francisco de Melo deu assentimento aos peruanos para que se instalassem na Foz do Amônea. A 15 de novembro (1902), Carlos Vasques Quadros e seu Troço estabeleceram-se no lugar, pondo logo em funcionamento uma repartição arrecadadora de impostos. O nome de Nuevo Iquitos das antigas palhoças de Efrain Ruiz, na Boca do Breu, passou a ser o do “Puesto” fundado, em 1898, por Justo Balarezo.

Dentro em pouco, a mediação insensata de Luís Francisco de Melo produzia os seus efeitos negativos. A “Comisaría do Amônea” iniciava a cobrança de taxas aos produtos brasileiros e aos navios de passagem pelo Rio. Comerciantes e proprietários eram atingidos por violências morais e até por depredações. Quadros baixou ato estabelecendo o imposto de dois décimos por estrada de seringa, “além do pagamento de 15% ‘ad valorem’ sobre a exportação da borracha”. (segundo José Moreira Brandão Castelo Branco).

Os habitantes do Alto-Juruá e do Rio Tejo endereçaram ao Governo do Amazonas um longo memorial explicativo das ocorrências provocadas pela “Comisaría do Amônea”. Pediam a atenção das autoridades para essa anomalia em território reconhecidamente brasileiro. Negavam-se a obedecer à nova ordem peruana, estando dispostos a repelir os alienígenas pela força das armas. Em desdobramento do plano de domínio político do Alto-Juruá (e também do Alto-Purus), o Governo de Lima deu instruções ao seu Consulado em Belém para que estabelecesse normas de despacho das mercadorias conduzidas pelos navios ao Alto-Juruá e Alto-Purus, onde, nos Portos do Amônea e do Chandless, deveriam apresentar documentação expedida por aquele Consulado.

Um aviso, a esse respeito, saiu nos jornais do Pará. O fato provocou um movimento de protesto dos comerciantes paraenses ao Governador Augusto Montenegro, a quem relataram a situação anômala surgida com a exigência do cônsul peruano. O Governador transmitiu as reclamações do comércio ao Ministro do Exterior, que veio esclarecer o ponto de vista do Governo Federal: o Brasil não reconhecia os Postos do Amônea e do Chandless, e, portanto, os carregadores de mercadorias que se destinassem ao Alto-Juruá e Alto-Purus nenhum dever tinham de legalizar papéis no Consulado do Peru. Embora o Chanceler Rio Branco estivesse, a essa época, absorvido nas conversações com os plenipotenciários da Bolívia, acompanhava, “pari passu”, as ocorrências políticas naqueles longínquos afluentes do Amazonas.

Nos volumes Recortes de Jornais, organizados por ordem de Rio Branco, encontra-se todo o noticiário da época a respeito dos sucessos no Alto Purus e no Alto-Juruá. De vez em vez o Barão anotava observações à margem desse documentário.

Respondendo ao Ministro do Peru, o qual lhe havia dirigido Nota sobre a ordem do Cônsul de seu país em Belém, Rio Branco disse que:

certamente o Peru tem o direito de criar em território que seja incontestavelmente seu as estações fluviais que lhe aprouver, mas não pode estabelecê-los, como ultimamente fez, em territórios sobre que o Brasil entende ter direito. Neste caso se acham os que formam as Bacias do Alto-Juruá e Alto-Purus, onde, ao contrário do que afirma o Sr. Ministro, por mal informado, o Governo do Peru nunca havia exercido atos de jurisdição, e cuja população, em sua quase totalidade, é notoriamente brasileira.

E termina, categórico:

Mantenho a declaração: o Governo Brasileiro não reconhece os Postos Aduaneiros peruanos do Amônea e do Chandless. Este último já não existe, o outro, no interesse das boas relações entre os dois países, deve ser retirado, como o foi, a pedido do Governo peruano, a Coletoria Amazonense que ali existia. (Nota de Rio Branco ao Ministro Amador del Solar, 24.12.1903 - Arquivo Histórico do Itamarati)

A situação no Juruá era tumultuosa. No exercício de práticas aduaneiras, a “Comisaría” coarctava (reduzia a limites mais estritos) a liberdade dos brasileiros, exigindo pela força o pagamento de tributos. Para causar efeito psicológico solenizavam, diariamente, o ato de içar e arriar a bandeira peruana, diante do pelotão em armas. Os navios tinham de trazer o pavilhão no Peru içado no mastro de popa. Assumira o comando do Destacamento Militar o Tenente Dagoberto Arriaran, após uma viagem aventurosa, desde Manaus, sob o disfarce de caixeiro-viajante.

O oficial, vindo de Iquitos, tomara o vapor na capital amazonense, mas durante a viagem foi reconhecido como agente peruano e quase é desembarcado num barranco qualquer, por instâncias dos passageiros. Salvou-o de tal sorte os seus rogos e protestos de inocência. O Tenente Arriaran tornou-se o responsável por uma série de coações praticadas na Foz do Amônea: os navios tinham de parar no Posto peruano, a fim de se submeter a cobrança fiscal, ao exame da carga, dos documentos, e muitas vezes os recalcitrantes eram chamados a fala com tiros de rifle.

A “Comisaría”, no intuito de alargar por todos os meios a tardia influência do Peru naqueles sítios, decretou novos tributos que incidiram no consumo, no trânsito fluvial, na exportação de produtos e na importação de gêneros e mercadorias. Aos moradores do Alto-Juruá o Comissário dirigiu circulares comunicando a obrigatoriedade de registro de nomes dos seringais, sob ameaça de penas severas caso as determinações da “Comisaría” não fossem cumpridas. Denúncias chegaram a Manaus de que aportariam ao Amônea, pelo varadouro do Ucaiali, mais duzentos homens do exército regular. Isto seria o preparo de uma ofensiva com maior raio de ação: a cidade de São Filipe.

As “Comisarías” peruanas no Alto-Juruá e no Alto-Purus foram criadas por lei, em setembro de 1901, segundo informou o Encarregado de Negócios do Brasil em Lima, Alfredo Carlos Alcoforado, quem primeiro transmitiu a Rio Branco a notícia de serem essas repartições instituídas pelo Prefeito de Iquitos, autorizado pelo Ministro do Exterior. Havia um projeto (continua o informe de Alcoforado) a ser submetido ao Congresso, legalizando-as como “Capitanías de Puerto y Comisarías fluviales en el Río Alto Yuruá y Purus, con residencia en Puerto Iquitos y Boca del Chandless (Ofício de 26.07.1903). Finalmente, Alcoforado comunicou a aprovação legislativa da medida, logo sancionada pelo Executivo (Ofício e telegrama de 11.09.1903 - Arquivo Histórico do Itamarati).

Reinava este estado de coisas no Alto-Juruá e no Alto-Purus, em fins de 1903, quando Rio Branco, após concluir o ajuste, de 17 de novembro, com a Bolívia, passou a tratar exclusivamente o caso do Peru. O Chanceler brasileiro iniciava a fase dinâmica das negociações para obter um arranjo que viesse pôr cobro (termo) aos desentendimentos entre os dois países. (TOCANTINS, 1989)

Fontes:

COSTA, Craveiro. A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental – Brasil – São Paulo – Companhia Editora Nacional, 1940.

CUNHA, Euclides. Contrastes e Confontos – Brasil – Rio de Janeiro – Editora Record, 1975.

TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre, Volume II – Brasil – Brasília – Conselho Federal de Cultura e Governo do Estado do Acre, 1989.

-  Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:



Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Augusto da Cunha Gomes - Parte II

Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 04 de novembro de 2012.

Reportamos, neste artigo, a segunda parte da Re-exploração do Rio Javari chefiada pelo Capitão-Tenente Augusto da Cunha Gomes, nomeado pelo Ministro das Relações Exteriores, General Dyonizio de Cerqueira, em 1898, com a finalidade de descobrir-lhe a verdadeira nascente.

A Viagem

Às duas horas da tarde do dia 10 de junho de 1897, embarcou a Comissão no cais em frente à Companhia Amazonas Limitada, sendo acompanhada até a bordo do aviso “Tocantins” por todas as autoridades civis e militares, que foram se despedir de seus membros e que aí se conservaram até as duas horas e vinte minutos, ocasião em que suspendeu o aviso e se dirigiu, rebocando a lancha “Taruman”, um batelão e seis canoas, em direção à Boca do Rio Negro. Às três horas passou-se pela Ilha Marapatá e às três horas e vinte minutos entrou-se no Furo Xiborema, por encurtar o caminho mais de dez milhas.

Às seis horas e quinze minutos entrou-se no Rio Solimões. Estava começada a nossa viagem e todos seguiam alegres e satisfeitos por poderem concorrer, cada um na altura de suas forças, para bem corresponder à confiança depositada.

Apesar dos reboques, que muito puxavam pela máquina e devido à fragilidade do mancal de escora, que não permitia andar a toda força, contudo o aviso “Tocantins” desenvolvia uma marcha média de sete milhas por hora. Foi este primeiro dia de viagem ocupado na distribuição do indispensável às praças, que compunham o destacamento que acompanhava a Comissão. Como houvesse urgência na viagem, afim de aproveitar-se a pouca água existente no Rio Javari, cuja vazante achava-se muito adiantada, combinei com o Sr. Capitão-Tenente Ferreira Vale, Comandante do aviso, somente nos demorarmos o tempo suficiente nos lugares onde tivéssemos de receber lenha e economizarmos o mais que pudéssemos o carvão que levávamos, porquanto, não sabíamos até que ponto do Rio Javari encontraríamos lenha, e por não convir sermos obrigados a fazê-la, o que muito nos atrasaria.

Tendo reconhecido que os dois práticos que levávamos, os quais nos foram mandados por intermédio do Sr. Capitão de Fragata, Comandante da flotilha e Capitão do Porto, a quem requisitei, em ofício sob n° 49, de 31 de maio, mostravam conhecer o Rio, e de combinação com o Sr. Comandante Vale, resolvi navegar também toda a noite, afim de com a máxima urgência chegarmos à Boca do Rio Javari. Passamos às três horas da manhã pela Boca do Rio Purus às cinco horas da tarde pela cidade de Codajás, situada à margem esquerda do Rio Solimões. Às oito horas da manhã do dia 14 parou-se na ponta da Ilha de Cutiá, afim de concertar-se a máquina do aviso “Tocantins”, e ao meio-dia continuou-se a viagem.

Às 14h do dia 16 passou-se pela boca do Rio Juruá, e às 9h15 do dia 17 parou-se para fazer um pequeno reparo na máquina do aviso, seguindo-se viagem às 11h20. Às 17h30 desse dia passou-se pela Boca do Rio Jutaí. Ao meio-dia do dia 18 passou-se pela Boca do Rio Tocantins (Tonantins) e ás 16h pela do Rio Içá ou Potumayo.

Finalmente, às 6h10 do dia 21 entrou-se na Boca do Rio Javari, amarrando-se em sua margem direita, afim de fazer-se observações. É este Rio afluente da margem direita do Rio Solimões e tem três Bocas, as quais são formadas pelas ilhas Petrópolis e Islândia. 7h30 fizemos observações para determinar as coordenadas astronômicas e achamos para:

— Latitude: 4°21’06”, Sul.

— Longitude: 69°57’30” Oeste Gw.

— Variação da agulha: 5°56’ NE.

— Altitude: 71,8 metros.

Às 8h saiu-se e às 13h20 chegou-se à Boca do Rio Itecuai afluente da margem direita do Rio Javari. Foi a distância compreendida entre as Bocas dos Rios Javari e Itecuai percorrida pelo aviso “Tocantins” com 80 libras de pressão e 184 rotações por minuto.

O Sr. engenheiro Lopo Netto foi encarregado do levantamento do Rio em seus menores detalhes, devendo mencionar além dos acidentes do Rio, todos os barracões e barracas de seringueiro, utilizando-se de uma bússola e um cronômetro, o que quer dizer ser o levantamento feito por abscissas e ordenadas.

Reconhecendo não poder o aviso subir mais o Rio Javari, porquanto no lugar denominado Cachoeira com dificuldade passavam lanchas cujos calados não fossem superiores a um metro, e necessitando de reparos urgentes o cilindro de baixa pressão da máquina do aviso resolvi deixá-lo aí e passar-me com todo o pessoal para a lancha Taruman, devendo o aviso fornecer-lhe maquinistas, foguistas e marinheiros suficientes para tripulá-la.

Na noite desse dia fizemos observações da passagem pelo Meridiano da Estrela α2 do Centauro e da ocultação do 4° satélite de Júpiter, cujo instante do fenômeno não pode ser bem apreciado por causa da excessiva umidade atmosférica.

No dia seguinte fizemos observações pela manhã, ao meio·dia e à noite, e determinamos a posição do lugar cuja média deu o seguinte resultado:

— Latitude: 4°21’09” Sul.
— Longitude: 70°12’56” Oeste Gw.
— Variação da agulha: 5°54’ NE.
— Altitude: 73,3 metros.

Foi o Rio Itecuai levantado até seis milhas distante de sua Foz e está todo habitado, bem como os seus tributários por cearenses e peruanos.

Suas águas são brancas e barrentas e não é sadio. Tem uma população superior a 1.500 pessoas, as quais se dedicam à industria extrativa da seringa e do caucho, notando-se que a deste é ¾ da produção do Rio.

Concluídos os preparativos, combinei com o Sr. Comandante Vale a saída para a manhã do dia 23. Desse lugar vos passei um telegrama no qual comunicava a chegada da Comissão à boca do Rio Itecuai e a saída para o Rio Galvez. Terminaram na Boca do Itecuai os serviços profissionais dos dois práticos que trouxeram o aviso, um dos quais mandei regressar para Manaus, conservando o outro para atender a qualquer necessidade urgente do navio, e contratei, para levar a lancha Taruman até a Boca do Rio Galvez e pelo Rio Jaquirana até onde permitisse a altura das águas, o Sr. Francisco Barbosa, único prático de carta deste trecho do Rio. Foi o Sr. engenheiro Lopo Netto encarregado da continuação do levantamento do Rio.

Às 8h do dia 23, estando pronta a máquina da lancha Taruman, seguiu a Expedição em demanda da Boca do Rio Galvez.

Levava a lancha Taruman amarrado ao seu costado de Boreste o batelão e do outro lado e pela popa as seis canoas. Ia sob o comando do Sr. Capitão-Tenente Vale, e como maquinistas e foguistas serviam os do aviso, o qual ficou fundeá-lo na Boca do Rio Itecuai, procedendo aos reparos indispensáveis e aguardando água, afim de subir até onde permitisse o seu calado. Gastamos doze dias nesta travessia, navegando de seis horas da manhã às seis da tarde, não só por causa do trabalho de levantamento, como também por causa do estado do Rio, que estava quase em sua maior vazante.



Muitos foram os obstáculos encontrados, dos quais nos desembaraçamos com sacrifício, é verdade, porém com rara felicidade, sendo o mais importante o encalhe da lancha “Taruman”, às 15h45 do dia 24, na praia do Lamarão, gastando-se seis horas de trabalho para safá-la e tendo-se necessidade de aliviá-la de quase toda a carga.

Assinalei no mapa a foz do Galvez onde o Rio Javari muda de nome para Jaquirana. Os mapas do IBGE erram ao nomear como Javari o trecho do Rio a montante da foz do dito Galvez e os mapas multimodais do DNIT, simplesmente omitem o nome do Rio Javari além de trocar o nome de Batã (ou Bathan) para Basã. (Hiram Reis)

Chegados que fomos ao Galvez, mandei o Destacamento abarracar em terra e tratei de preparar as canoas para continuar a viagem, já que o estado de vazante do Rio Jaquirana, não permitia a entrada da lancha. Deste lugar vos dirigi em oito de Julho, o seguinte ofício, dando-vos parte do ocorrido até esta data:

N° 18 A. — Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia.

Foz do Rio Jaquirana, 8 de julho de 1897.

Ao Sr. General Ministro das Relações Exteriores.

Em 21 de junho próximo passado cheguei à Boca do Rio Itecuai com toda a Expedição que faz a Re-exploração deste Rio, conforme vos comuniquei em telegrama de 22 do mesmo mês.

No dia 23 de junho partiu a Expedição para a Boca do Rio Jaquirana na lancha “Taruman”, rebocando um batelão e seis canoas visto as águas do Rio Javari terem baixado extraordinariamente, não permitindo subir o aviso “Tocantins” que a conduziu, bem assim o seu material, até a Foz do Rio Itecuai, onde fica esperando a cheia para subir em busca da Expedição que, espero, estará de volta nessa época.

Desde a Boca do Rio Javari tenho feito levantar uma Carta do Rio com toda a minuciosidade e detalhes. O Rio conserva até aqui a mesma diretriz, estando apenas alteradas as sua curvas, conservando, porém, as mesmas formas, abrindo umas e apertando outras. Há ilhas que desapareceram e curvas que foram cortadas, formando novas ilhas. Em geral o novo levantamento acompanha perfeitamente o feito pela Comissão de 1864. A viagem até aqui foi penosa em vista dos repetidos encalhes que sofreu a lancha “Taruman” devido à extraordinária baixa do Rio Javari, que está quase na sua maior vazante, aumentando por isso os trabalhos do pessoal, que foram algumas vezes, ao sacrifício.

Chegou a Expedição, no dia 5 do corrente mês, a este Porto (Boca do Galvez) gastando doze dias na subida. Imediatamente mandei preparar as canoas para subir o Jaquirana, que nesta época do ano não dá navegação à lancha a vapor, e, enquanto isso se fez ordenei o levantamento do Rio Galvez até algumas milhas de sua Foz. Efetivamente foi este Rio levantado até seis milhas da sua Foz com o Javari e bem assim foi medida a velocidade de sua correnteza e o volume de sua descarga d’água.

Tem o Galvez 197,443 m3 de volume de descarga d’água, por segundo, na sua Foz, e o Jaquirana 552,380 m3, também por segundo. Comparados estes resultados, vê-se que o Jaquirana, é incontestavelmente a continuação do Javari, porque, além do seu maior volume d’água, a sua cor é a mesma que a do Javari, sendo preta a cor das águas do Rio Galvez. Este Rio não é habitado até o ponto a que chegou o seu levantamento e daí em diante não há moradores, segundo informações aqui colhidas. É doentio e não possui seringa; houve porém em tempos, caucho nas suas terras altas, mas esse concluiu-se e os caucheiros retiraram-se para os Rios Jutaí e Juruá, onde hoje se explora essa indústria.

As observações astronômicas, para bem determinar as coordenadas deste ponto estão sendo feitas com o maior cuidado e por diversos métodos, pois elas servirão, na volta, para fechar o circuito das Longitudes e assim poder determinar o grau de exatidão das observações, bem como o estado dos cronômetros. Pouca é a diferença que tenho encontrado com a achada pela Comissão de 1864. Principalmente em relação à Latitude. Faço seguir hoje a lancha “Taruman” para a Boca do Rio Itecuai, onde esperará a cheia do Rio para subir conjuntamente com o aviso “Tocantins” até onde permitir o estado das águas, afim de transportar a Comissão para Manaus.

Concluídos que sejam os preparativos das canoas, espero subir o Rio Jaquirana no dia 10 do corrente mês, pela manhã, continuando o levantamento rigoroso do Rio até onde for possível navegando-se em canoas e daí em diante continuarei o trabalho por terra, margeando o Rio tanto quanto puder.

O estado sanitário é satisfatório; tem havido apenas alguns casos de febre palustre e perturbações gastrointestinais.

— Saúde e fraternidade.

(Assinado) Augusto da Cunha Gomes, Capitão-Tenente, 2° Comissário.

Demoramo-nos na Boca do Rio Galvez até o dia 10 de julho, sendo este tempo ocupado em observações do Sol, Lua e estrelas, afim de bem determinarmos a sua posição, e dos resultados obtidos tomamos a média seguinte:

— Latitude: 5°10’17,5” Sul.
— Longitude: 72°52’36” Oeste Gw.
— Variação da Agulha: 6°32’ NE.
— Altitude: 101,6 metros.

Também foi determinada a marcha das canoas em águas tranquilas, tendo assim uma base para bem poder avaliar o caminho feito por dia e comparar depois as posições astronômicas e estimada dos diversos pontos. Tendo verificado ser o Jaquirana a continuação do Rio Javari e retificados os estados absolutos e marchas diurnas dos cronômetros, saímos às 7h daquele dia nas seis canoas, tripuladas por cinco soldados cada uma, indo elas carregadas com as mercadorias necessárias para um rancho de 75 dias.

Em cada canoa seguia um membro da Comissão, armamento, um cunhete com 500 tiros e a tela de arame necessária para cobertura, caso tivéssemos de repelir algum ataque de índios, precaução essa necessária, porquanto íamos entrar em zona pouco conhecida.

Com doze dias de viagem, cortando muitos paus e fazendo de oito a 14 milhas por dia, alcançamos o Barracão Lontananza, situado à margem esquerda do Rio Jaquirana e pertencente ao peruano Dom José da Encarnação Rojas e aí nos demoramos um dia, não só para fazermos observações, como também dar um pouco de descanso ao pessoal, que achava-se bastante enfraquecido por não estar acostumado a serviços desta natureza.

Durante a noite fizemos observações da passagem meridiana do Antares (α do Escorpião) e altura de Júpiter, dando-nos o seguinte para as coordenada astronômicas:

— Latitude: 6°12’00” Sul.
— Longitude: 73°09’28,5” Oeste Gw.

Por onde verificamos ser este o ponto denominado na Carta da Comissão de 1864 — Barreira do Martins.

Às 9h50 do dia 22, depois de agradecermos a franca hospedagem, seguimos, em continuação de nossa viagem, já lutando com mais dificuldades materiais, sendo preciso cortar maior número de troncos de árvores e arrastar as canoas sobre bancos de areia, devido a pouca profundidade do Rio, que estava em sua maior vazante, até que, às 15h do dia 29, chegamos à Boca do Rio Batã ou Paissandu, afluente da margem direita.

É o Rio Jaquirana, no espaço compreendido entre a sua Boca e a do Rio Batã ou Paissandu, ainda bastante largo, porém muito sinuoso e correntozo, e em suas margens encontram-se grandes depósitos de turfa em perfeita formação e de grés de diversas cores, sobressaindo a vermelha, indícios estes que bem classificam a formação geológica desta zona. Durante esta travessia apareceram nas barrancas das margens e nas praias vestígios de índios que seguiam a Expedição, pelo que fomos obrigados a tomar sérias precauções, afim de evitarmos uma surpresa da parte deles.

Na boca do Rio Batã ou Paissandu, fizemos observações do Sol e da passagem pelo Meridiano da estrela Antares e achamos para as suas coordenadas o seguinte:

— Latitude: 6°32’04,5’ Sul.
— Longitude: 73°16’23,5” Oeste Gw.
— Variação da Agulha: 6°48’ NE.
— Altitude: 167,8 metros.

Foi o Rio Batã estudado e levantado até o Barracão do peruano D. Ramirez, situado à milha e meia de sua Boca, afim de determinar-se a sua diretriz e medir a velocidade e seu volume de descarga d’água.

Igual serviço foi feito no Rio Jaquirana.

No dia 31 de Julho, às 6h45, depois de distribuído o café e aguardente, seguimos Rio Jaquirana acima, em continuação de nossa viagem e em demanda de Seis-Solis, primeira barraca habitada depois da Boca do Rio Batã ou Paissandu.

O Rio diminui bastante de largura, aumentando, porém a sua velocidade e sendo a vegetação mais abundante.

As dificuldades de subida foram crescendo de dia a dia, porque a todo o momento era preciso cortar grandes troncos de árvores lançados no leito do Rio, arrancar outros do fundo e fazer canal em coroas de areia e cascalho, para dar passo às canoas, bem como passar por baixo de outros, sendo necessário retirar as coberturas de palha, serviço este muito moroso e por demais penoso para um pessoal bisonho e não acostumado a esta natureza de trabalho.

Finalmente, depois de oito dias de viagem, andando as canoas de 4 a 8 milhas diárias, chegamos, às 16h50 do dia 7 de Agosto, a Seis-Solis ou Nueva Estación, que é uma Barraca situada na margem direita do Rio Jaquirana, habitada apenas pelo peruano Moysés Lopes, que tem como companheiros três índios, dois pequenos e um velho, sendo dois da tribo dos Rhemus e um da dos Capanauas.

Verdadeira surpresa causou ao peruano a chegada da Expedição nesse lugar, porquanto, conhecedor do Rio Jaquirana, bem avaliou os enormes sacrifícios experimentados; sentimo-nos orgulhosos com as francas e espontâneas manifestações de admiração por ele feitas, o que de alguma forma veio suavizar o muito que tínhamos sofrido.

Seguidos constantemente por índios, chegando em alguns lugares a nos aproveitarmos, para descanso dos soldados, das suas barracas feitas nas praias; obrigados a andar constantemente molhados por causa das continuas avarias das canoas, motivadas pelos muitos obstáculos naturais encontrados no leito do Rio; sem comodidades de espécie alguma, porquanto, fastidiosa já era a nossa posição em canoas, cujas toldas de palha mal davam para nos abrigar dos horrores, do tempo; mal alimentados, não só pela má qualidade das mercadorias que já, começavam a sentir os efeitos da umidade excessiva, como também da quantidade, diminuída por força maior proveniente das alagações das canoas; são trabalhos que somente pode avaliar quem já experimentou, e eis por que nos sentimos satisfeitos com estas manifestações sinceras espontâneas.

Em Seis-Solis nos demoramos um dia, não só para fazermos observações e determinarmos as suas coordenadas astronômicas, como também consertarmos duas canoas que faziam muita água, por terem-se arrombado ao passar por cima de um tronco de árvore colocado no leito do Rio. Observamos o Sol e a passagem pelo Meridiano da estrela Antares e achamos o seguinte para as suas coordenadas:

— Latitude: 6°42’10” Sul.
— Longitude: 73°31’21” Oeste Gw.
— Variação da Agulha: 7°03’ NE.
— Altitude: 199,6 metros.

No dia seguinte, 8 de Agosto, às 15h05, continuamos a subida do Rio Jaquirana em direção ao Rayo, último ponto habitado. As dificuldades materiais aumentavam a medida que a Expedição subia o Rio, bem como diminuíam com elas as distâncias percorridas diariamente.

O Rio continuava baixando e com sacrifício passavam as canoas por cima dos bancos de areia e troncos de paus; eram mais carregadas do que remadas.

O pessoal seguia muito fatigado e extenuado pelo esforço constante que fazia em arrastá-las. Muitos foram os troncos de árvores encontrados no leito do Rio, gastando-se dias em cortá-los, para dar caminho à Expedição, como aconteceu com uma enorme Samaúma de 64 metros de tronco e 2,05 de diâmetro, cujo trabalho durou 18 horas de serviço contínuo, demorando-nos a passagem por 48 horas.

Foi ela fotografada afim de se poder bem avaliar do seu tamanho.

Finalmente, depois de 12 dias de viagem, andando diariamente de 2 a 7 milhas, conseguimos, às 10h do dia 21, chegar ao Rayo, último ponto habitado por caucheiros, em geral índios domesticados, pertencentes às raças peruanas, como sejam: Chamacocos, Pinas e Campas. O Rio estreita-se bastante, variando a sua largura de 8 a 12 metros; tem, porém, pouco fundo e continua muito correntozo.

O seu leito, em geral, está formado; encontram-se em suas margens grandes depósitos de argila e grés em franca formação.

É de uma exuberância notável a floresta sobre as margens do Rio, que já se apresenta sem barrancos, tocando-se pelas extremidades, formando túnel os ramos dessas árvores seculares, viajando-se horas inteiras em plena sombra. Difíceis são as passagens por estes lugares, tendo-se de abrir caminho a facão e a foice, porque muitos galhos de árvores se cruzam e entrelaçam, tornando-se em verdadeiros cerrados.

Encontrou-se com a Expedição o Sr. Dr. José Encarnación Rojas, proprietário do Barracão Lontananza, que andava em exploração do caucho e que nos cedeu alguns víveres em substituição de outros que se tinham inutilizado com as inúmeras alagações das canoas. É um perfeito cavalheiro este peruano e o seu concurso nos foi muito aproveitável porquanto entre os seus remadores achava-se um índio Capanaua, já domesticado, que muito bons serviços nos prestou, anunciando a presença de seus companheiros de tribo, e a ele devemos não sermos surpreendidos com algum ataque, por prevenirmo-nos com antecedência.

Exploradas minuciosamente foram as margens do Rio, sobretudo a direita, porquanto nos aproximávamos do ponto onde devia existir o Marco colocado, em 1874, pelo Sr. Barão de Tefé, não se encontrando, até o Rayo, vestígio algum de semelhante trabalho. Nesse lugar nos demoramos três dias e durante esse tempo fizemos observações de séries de alturas do Sol, passagem meridiana das estrelas Altaïr (α da Águia) e Vega (α da Lyra) e Circum-meridiana do Sol, e dos resultados obtidos tomamos a média:

— Latitude: 7°01’21” Sul.
— Longitude: 73°43’21”, Oeste Gw.
— Variação da agulha: 7°47’18” NE.
— Altitude: 250,7 metros.

Estávamos, portanto, no Paralelo onde pela Comissão de 1874 devia achar-se a nascente do Rio Javari, porquanto insignificante era a diferença de 3,5” encontrada para mais da Latitude achada por aquela Comissão, e, verificando pela medição feita, ser ainda de 4,08 metros quadrados a seção de vazante do Rio nesse lugar, a largura de 12,95 metros, uma descarga, de água de 145,5 metro cúbicos por minuto e velocidade média de correnteza de 35,36 metros também por minuto, e sendo impossível seguir em canoas, não só pela pouca profundidade encontrada, quantidade extraordinária de paus lançados em seu leito e frondosa vegetação da margem, que em alguns pontos o fechava completamente, resolvi continuar a exploração por terra, e por isto fiz descarregar as canoas e depositar as mercadorias na melhor barraca ali existente.

Mandei o Sargento, Comandante da Força, designar o pessoal que devia acompanhar a Comissão por terra e o que com ele ficaria guardando as canoas e os víveres que tinha de deixar em depósito. Compunha-se este pessoal de 30 praças sendo 10 soldados de linha, 19 de polícia e um marinheiro nacional dividido em quatro turmas uma para levar cronômetros e instrumentos de observação; outra para a pequena bagagem dos membros da Comissão e ambulância; outra para conduzir víveres e, finalmente, outra encarregada de abrir caminho na mata. Levava cada soldado a sua respectiva carabina e 50 cartuchos embalados.

Ficaram no Rayo o sargento e 5 praças, às quais recomendei toda a vigilância possível, encarregando-as de zelar pelos víveres, porquanto não podíamos esperar outros recursos a não ser esses que lhes confiávamos.

²²²
²²
²

Às 9h30 do dia 24 de agosto, mandei formar toda a Força, expliquei-lhe o que íamos tentar, quais o sacrifícios que devíamos suportar e, certo de que todos saberiam cumprir com os seus deveres, saí com estes bravos companheiros às 10h em demanda da verdadeira nascente do Rio Jaquirana, fim desta nossa Comissão tendo antes da partida tirado uma fotografia de todo o pessoal. Pouco foi o caminho percorrido neste primeiro dia, não só por não estar o pessoal acostumado a esse gênero de trabalho, como também por ter o Sr. Dr. Lopo Netto, ajudante da Comissão, sido acometido de uma síncope, motivada pela grande fadiga que todos havia muito suportavam e cujos efeitos era natural que se fizessem sentir.

Contudo, foi o caminho percorrido de 1.207 m, acampando em um pequeno galpão, que mandei construir sobre moirões, coberto de palha, junto à margem do Rio.

Estávamos em plena mata e éramos os primeiros homens civilizados que penetravam nesse lugar, e cedo começávamos a sentir os efeitos de tão árdua quão difícil jornada. Os índios continuavam a nos seguir, pelo que colocamos duas sentinelas no acampamento, revezando-se os membros da Comissão em observá-los, afim de que não fossemos surpreendidos por algum ataque. São estes índios pertencentes à grande tribo antropófaga dos Capanauas, a mais feroz que habita esta região.

Às 9h do dia seguinte, continuamos a viagem, depois do almoço, por não ser possível sairmos mais cedo, porquanto nestes lugares os raios solares não penetram e somente quando este astro se acha acima do horizonte é que se pode apreciar os objetos, e por não nos convir perder o leito do Rio cujas sinuosidades marginávamos. Continua este bastante correntozo, o que denota grande declive.

Às 13h30 parou-se por ter o Rio se dividido em dois e termos de medir o seu volume, afim de continuarmos pelo de mais pujança, tendo em vista a cor de suas águas. Este trabalho nos deu o seguinte resultado: Galho da esquerda: largura 9,60 metros; seção de vazante 4,2 m2; 99,96 m3 de descarga d’água por minuto e 23,8 m de velocidade de correnteza, também por minuto. Galho da direita: largura 8,4 metros; seção de vazante 2,04 m2; 43,512 m3 de descarga d’água por minuto e 22,8 m de velocidade de correnteza, também por minuto. Em vista deste resultado seguimos pelo galho da esquerda, que é a continuação do Javari, e denominamos ao outro galho Rio da Surpresa. Além disto a cor das águas deste Rio, conquanto claras, não se assemelham às do outro galho, que tem a mesma cor com que na parte já conhecida se apresenta.

Tem o Rio da Surpresa a diretriz, na sua Foz com o Jaquirana ou Alto-Javari, de SO magnético e entra na margem peruana.

Acampamos na bifurcação, em um galpão, tendo andado 3.298 m. A noite foi bastante chuvosa, o que muito nos fez sofrer, porquanto pouco descansou-se.

Os índios continuavam a nos seguir e mais se aproximavam do nosso acampamento o que devéras (na verdade,verdadeiramente) nos surpreendia, pois, não lhes tínhamos feito o menor sinal de desagrado, parecendo-nos que se preparavam para, nos atacar quando estivéssemos em lugar apropriado.

Aumentaram as precauções e fadiga, o que é muito natural, porquanto, de dia lutávamos com trabalhos extraordinários para não nos afastarmos do leito do Rio, sendo obrigados a subir e descer montanhas, algumas das quais bastante íngremes, e à noite, que contávamos descansar, éramos obrigados a passá-la em claro, por causa destes cruéis e valentes filhos desses lugares.

Saímos às 9h para continuarmos a viagem. Os espigões sucediam-se a todo o momento e o pessoal ia bem fatigado, porquanto subia e descia serras de grande altura com declives inacreditáveis. A alimentação estava bastante reduzida e nem nos era dado o auxílio da caça, por ser uma temeridade, cercados como estávamos de índios, destacar algum soldado para se entregar a isto, e assim somente tínhamos de nos conformar, contando que fossem coroados de bom êxito os nossos esforços.

Apesar de tudo isto, ninguém se queixava; pelo contrário, quanto mais difícil se tornava o caminho mais nos animava a vontade de chegar ao lugar de onde brota esse gigante que se chama o Javari. Foi o caminho percorrido de 4.011 m. Às 9h do dia 27 de Agosto, continuamos em demanda das cabeceiras do Rio Javari.

O caminho tornava-se difícil e mesmo perigoso, pois o Vale se aperta e os espigões da grande serra, que se apresenta ao longe, se multiplicam, formando igarapés entre si, que nascem de suas grotas, de um e outro lado do Rio.

Dez minutos depois da saída nos detivemos porque o Rio se divide em dois e fomos obrigados a medir os seus volumes de descarga de água. Tem o Jaquirana ou Alto-Javari ainda dez metros de largura, uma seção de vazante d 3,5 m2, uma descarga de água de 52,1 m3 por minuto, uma velocidade média de correnteza de 14,6 metros também por minuto e segue ao rumo SO magnético.

O outro Rio tem água preta, razão pela qual não pode incontestavelmente ser a continuação do Jaquirana, corre ao rumo SE magnético, tem oito metros de largura, uma seção de vazante de 1,04 m2, uma de carga de 12,69 m3 por minuto, e uma velocidade média de correnteza de 12,2 metros também por minuto.

Às 10h30 continuou-se a viagem. É o Rio Jaquirana já um pequeno córrego, e tanto assim que mandei um soldado seguir pelo leito do Rio enquanto o pessoal se aproximava o mais que podia de suas margens, medida essa útil e proveitosa, e cujos benéficos resultados mais de uma vez tivemos de apreciar.

Nas grotas as travessias eram feitas em cima de simples troncos de árvores lançados de uma à outra margem, tendo o pessoal necessidade de fazer prodígio de equilíbrio para passar carregando os seus fardos.

As cabeceiras do Rio Javari não podiam estar longe por causa da enorme correnteza do Rio, dos seus afluentes e dos inúmeros igarapés, que de ambas as margens entram nele.

Foi extraordinariamente fatigante a marcha nesse dia pelas repetidas subidas e descidas da serra.

Às duas horas da tarde acampou todo o pessoal na margem do Rio, em um galpão pequeno, construído de modo a abrigá-lo da chuva.

Os índios muito se aproximaram, sendo encontrado por um soldado um que, pelo modo por que foi visto, parecia vir observar o que fazíamos.

Foi esta a pior noite que passamos nesta viagem, porquanto ninguém dormiu e a toda hora esperávamos o encontro com os terríveis habitantes e senhores dos lugares. Foi de 4.489 m o caminho percorrido.

No dia seguinte, 29 de agosto, às 9 horas, levantamos acampamento. O Vale continua a apertar-se mais pela margem direita; pela esquerda afasta-se um pouco, formando um buritizal de pequena extensão; os dois contrafortes principiam a levantar-se diante de nós formando o Vale do Alto-Javari, dando apenas passo ao Rio, que já é uma torrente estreita e de violenta correnteza.

O pessoal ia extenuado porque caminhava por estradas ou simples picadas difíceis e perigosas, abertas a facão e foice margeando verdadeiros precipícios de centena de metros de altura, que diminuíam a já penosa marcha.Foi o caminho per corrido de 3.075 m.

Durante a noite mais se acentuaram o sinais dos índios, chegando até bem perto do acampamento seus gritos imitando jacamins, mutuns e outras aves, pelo que fomos, ainda mais uma vez, obrigados a aumentar, se é que era possível, a vigilância.

Temíveis são esses inimigos, que muito nos fatigam, porquanto escolhem a noite para se aproximarem, sem felizmente nada nos ter ainda sucedido. Desconfio ser a causa deste modo de proceder o de não termos lhes feito a menor demonstração de desagrado e conseguirmos o enorme sacrifício de passarmos pelo meio de suas roças de mandioca, batatas e banana, sem nos utilizarmos de nenhum desses frutos, o que é realmente para admirar, porquanto já sofríamos fome, por não mais podermos suportar as latas que trazíamos e que representavam o único alimento susceptível nestas travessias.

Às 9h do dia seguinte continuamos a viagem, sendo o caminho mais sobre a montanha do que no Vale. O Rio, conquanto demasiadamente sinuoso, já se apresenta em forma de corredeira, sem contudo fazer o ruído que lhe é peculiar sendo enorme a sua correnteza e pequena a profundidade.

O sacrifício era enorme para todos; mesmo assim, estavam de desejosos de ver a nascente do Rio, ideia que dominava todo o pessoal desta Expedição. Foi o caminho percorrido então de 4.843,5 metros. Abarracamos às 14 horas na margem do Rio e toda a noite fomos perseguidos pelos sinais dos índios que, embora nos cercando, ainda não nos tinham feito o menor sinal de desagrado. Às 9h dia seguinte partiu a Expedição seguindo por caminhos montanhosos e perigosos, passando grotas e espigões sobre simples troncos de árvores, lançados na ocasião de margem a margem.

Às 11h passamos por uma esplêndida queda d’água de 10,5 metros de altura, a qual foi denominada cachoeira da Esperança. Estávamos nas cabeceiras do Rio Javari, tais eram os indícios que se observavam. Às 14h40 acampou-se por causa de enorme tempestade.

Tudo tínhamos encontrado nesta mata e o que mais nos fazia sofrer era a chuva, porquanto não tínhamos onde nos abrigar e nem ao menos os raios solares para enxugar as nossas roupas, as quais eram secas ao calor do fogo, já que a pujança da vegetação não permitia a entrada do Sol, por caminharmos em grande túnel formado pelos ramos de colossais e seculares árvores. Foi o caminho percorrido durante esse dia de 4.125 m.

Às 9h do dia 31 de Agosto, seguimos em busca da nascente do Rio Javari, subindo logo enorme contraforte, que foi descido em seguida, e assim continuou-se cruzando grotas profundas, onde os igarapés se lançavam em precipitada torrente, formando algumas cachoeiras até que às 10h30, chegou a Expedição, com geral contentamento de todos, à nascente ou principais vertedouros do Rio Jaquirana ou Alto-Javari, que corre em leito arenoso e de pedra.

Nasce o Rio Jaquirana ou Alto-Javari, de dois olhos d’água ou vertedouros, no fundo de uma grande grota formada por dois altos contrafortes de uma grande serra, que suponho ser um dos contrafortes mais Orientais dos Andes. Aos 66 metros de distância, esses dois vertedouros se reúnem, formando pequeno regato, que cai em cachoeira de 4,5 metros de altura, deixando em sua base pequena Bacia.

Segue pela grota abaixo em córrego encachoeirado, recebendo, de um e outro lado filetes d’água, até a distância de 198 metros, onde se precipita formando uma queda d’água de 12 metros de altura. Continua em torrente encachoeirada e violenta por mais 5 metros, dividindo-se ai em duas fortes quedas d’água, tendo a da direita 27,8 metros de altura e a da esquerda 37,3 metros também de altura as quais formam em sua base uma bela Bacia, cavada em leito de pedra.

Da Bacia segue o Javari em regato encachoeirado, recebendo, de ambos os lados da grota, novos filetes d’água que vão engrossando o seu volume, até que entra, no Vale, aonde nos acampamos, tendo antes mandado derribar muitas árvores em um raio de 50 metros, afim de poder proceder as observações necessárias.

Estava terminada a nossa Expedição, cujo resultado a todos encheu de vivo contentamento, manifestado não só por termos, embora com sacrifícios, descoberto a nascente do Rio como também pelo majestoso panorama que se nos apresentava.

Nos demoramos neste lugar dois dias, os quais foram ocupados em observações do Sol, estrela Altaïr (α da Águia) e planeta Vênus, afim de assinalarmos a sua posição astronômica de cujos resultados tomamos a média seguinte:

— Latitude: 70°11’48,10” Sul.
— Longitude: 73°47’44,5” Oeste Gw.
— Variação da agulha: 7°51’44” NE.
— Altitude: 502,1 metros.

Concluído que foi este trabalho e o levantamento do Rio até a sua nascente, e desejando revestir de toda a solenidade um fato tão notável, fizemos a Ata do descobrimento da nascente do Rio Javari a qual foi assinada por todos o membros da Comissão, inferiores e praças do contingente, cujo original vos foi remetido de Manaus e lida pelo Sr. 2° Ajudante em frente ao destacamento, que se achava formado e de cabeça descoberta.

Finda essa leitura, mandei dar três descargas, e, depois de breve e significativa fala, dei — um viva ao Brasil —, o primeiro levantado nestas longínquas e virgens florestas, o qual foi por todos correspondido com entusiasmo.

Estava portanto, cumprido o determinado no despacho n° 1, de 8 de abril do ano passado, deixando somente de colocar um Marco na nascente do Rio Javari, porque, sendo esta uma grande serra, cujas coordenadas geográficas foram determinadas, ficava por isso mais que assinalada.

²²²
²²
²

Às 9h, do dia 2 de Setembro, deixamos o acampamento feito na nascente do Rio e regressamos para o Rayo. Andamos até às 14h, ocasião em que acampamos por causa de enorme tempestade que desabou.

Os índios, de cuja presença nos julgávamos livres por não se terem mostrado durante o tempo que nos conservamos na nascente do Rio, tornaram a aparecer e vieram até muito perto do nosso acampamento, imitando grito, de aves, tais como Mutuns, Jacamins etc.

Às 6h do dia seguinte partimos e às 18h do mesmo dia, chegamos ao Rayo. Foi uma viagem bastante penosa essa de regresso, não só por causa do tempo, que se conservou sempre nublado e de aguaceiros, transformando o caminho em verdadeiro lamaçal, como também pelo grande esforço feito em percorrer tantas milhas em tão pouco tempo.

No Rayo encontramos o Sargento e os Soldados, que ficaram tomando conta dos víveres sem novidade.

À meia-noite fomos despertados pelo Sargento, por ter este descoberto sombras de índios, que se moviam em direção ao nosso acampamento.

Estavam realizadas as nossas previsões e íamos ser obrigados a castigar a ousadia destes selvagens, que tanto nos têm perseguido. Não obstante a manifesta atitude por eles mostrada, contudo, quis ainda amedrontá-los. Mandei para isto dispor todo o destacamento em forma de semi-círculo, conservando pela retaguarda o Rio para no servir de retirada caso a isto fôssemos obrigados, e ordenei uma descarga para o ar. Como, não se atemorizassem e continuassem a se aproximar do nosso acampamento, recebeu então o destacamento ordem de fazer fogo na direção em que se achavam e somente depois de uns cinco minutos de fuzilaria é que se retiraram, dando gritos de ensurdecer. Vinham armados de tacapes e a isto devemos nada nos ter acontecido. Foi mais uma noite de vigília porquanto impossível foi conciliar o sono, ficando todo o destacamento alerta para repelir qualquer outro ataque, que felizmente não realizou-se.

No dia seguinte, depois de feitas as observações necessárias e preparadas todas as canoas procedeu-se à chamada de todas as praças que formavam o contingente e notou-se a ausência do soldado de polícia de nome João Ferreira. Foram dadas a ordens no sentido de ser ele procurado e, depois de três horas de trabalho, voltaram os seus companheiros sem o terem encontrado.

Das averiguações procedidas, consegui saber ter ele declarado não mais voltar a Manaus e que ficaria feito caucheiro, por tirar melhores vantagens, pecuniárias. Preferiu ficar esquecido a regressar com os seus camaradas! Entreguei ao Sargento a carabina e o capote que lhe pertenciam, afim de, em Manaus, serem remetidos para o respectivo quartel.

Às 11h30, saímos e chegamos, às 10h20 do dia 6 de setembro, a Seis-Solis ou Nueva Estación, onde nos demoramos até 13h35 do mesmo dia, ocasião em que saímos em direção à Boca do Rio Batã ou Paissandu, onde chegamos às 16h15 do dia 7 de Setembro. O Rio tomou um repiquete, de modo a ser mais rápida a nossa viagem, andando as canoas quatro milhas por hora.

É mais penosa a descida do que a subida. Qualquer descuido ou vacilação acarreta prejuízos e os cuidados aumentam por causa disto. Felizmente não mais apareceram vestígios de índios, parecendo-nos terem perdido algum chefe no encontro que conosco tiveram no Rayo. Ficamos finalmente livres de suas presenças. Apesar disto continuamos com a mesma vigilância, pois nada havia a esperar de tão pérfido inimigo.

No Rio Batã ou Paissandu nos demoramos até 13h50 do dia 8 para fazermos as observações necessárias e dar um pouco de descanso ao pessoal, que se achava bastante enfraquecido. Foi a distância entre esse Rio e o Barracão Lontananza percorrida em dois dias, de modo a chegarmos às 15h35 do dia 10 a este lugar.

Reconhecendo necessitar o pessoal de algum descanso, resolvi aceitar a hospedagem feita pelo seu proprietário D. José da Encarnação Rojas e ali me demorei até 13h do dia 12, ocasião em que saímos em demanda da Boca do Rio Galvez. Agradecemos a esse senhor as finezas dispensadas à Comissão e em sua mão compramos alguns víveres, que vieram substituir outros inutilizados, quer pela umidade, quer pela alagação das canoas.

Como o Rio continuasse a receber água, resolvi aproveitar a sua correnteza boas condições do pessoal e somente me demorei o tempo necessário para almoço e dormida, conseguindo, ás 17h30 do dia 15 de Setembro, chegar à Boca do Rio Galvez, onde encontrei fundeado o aviso Tocantins, que desde o dia 10 nos aguardava.

Estava terminada, depois de 67 dias de viagem em canoas, a parte mais importante e difícil de nossa Comissão e, conquanto o pessoal chegasse bastante enfraquecido, contudo não tivemos desastre algum a lamentar. Fomos recebidos pelo pessoal do aviso Tocantins com sinceras manifestações de contentamento, o que era de esperar, porquanto nem todos supunham regressar, em vista do que tinha acontecido às duas Comissões encarregadas em 1864 e 1874 de levar a efeito tão notável quão arriscada incumbência.

Na Boca do Rio Galvez nos demoramos até o dia 17, sendo este tempo empregado em preparativos de descida e em observações astronômicas, cujas diferenças nos cálculos encontrada, com as feitas de subida, foram insignificantes, o que muito nos alegrou, por podermos fazer ideia do estado dos cronômetros e assim apreciarmos o grau de exatidão dos cálculos efetuados.

Sendo difícil o transporte das canoas, em vista do seu estado, que não permitia irem a reboque e não possuindo o aviso espaço suficiente para levá-las dentro ou no costado, resolvi aceitar o oferecimento feito pelo Sr. Alfredo Soares da Fonseca, possuidor de um Seringal situado na busca do Rio Jaquirana, relativo à compra de cinco delas, a preço de 300$000 cada uma.

O Governo nada perdeu com esta venda, porquanto ao chegar a Expedição a Manaus, necessitariam de conserto quase igual ao seu custo, afora o indispensável para a sua conservação.

Às 6h do dia 17, suspendeu o aviso Tocantins, levando amarrado ao seu costado de Boreste o batelão, e, depois de fazer cabeça por Bombordo, seguiu em demanda da boca do Rio Itecuai.

Era enorme a alegria que todos manifestavam, quer por não termos perdido nenhum companheiro, apesar da fama de doentio de que goza este Rio, quer pela viagem, que já se fazia em melhores condições de passadio e comodidade.

É mais difícil a viagem de descida, principalmente em um navio rebocando; graças, porém, aos esforços do Sr. Comandante Vale e à perícia do Prático Barbosa, conseguimos, às 20h30 do dia 21 de Setembro, chegar à Boca do Rio Itecuai.

Durante esta travessia partiu-se o êmbolo do cilindro de baixa pressão da máquina do aviso e, reconhecendo acharem-se também partidas as molas que o comprimem, foi o êmbolo engachetado, trabalho bem feito e único possível, em vista dos recursos que possuíamos, e executado pelo maquinista Leonardo Paula de Farias e Casimiro José de Araujo, os quais são dignos de elogios pelo muito que fizeram, não só no aviso, como também na lancha Taruman.

Na Boca do Rio Itecuai terminaram os serviços profissionais do Prático Barbosa, a quem agradeci os serviços prestados, tendo sido satisfeito de seus honorários correspondentes ao tempo que serviu na Comissão e na importância de 600$000. Achando-se prontas as observações astronômicas feitas neste lugar e paga as contas das despesas feitas pelo aviso, combinei com o respectivo Comandante a saída para a madrugada de 23 de setembro.

Efetivamente às 3h desse dia suspendeu o aviso, levando amarrado ao costado de Boreste o batelão e ao de Bombordo, a lancha Taruman, e, depois de fazer cabeça por Boreste, seguiu em demanda da Boca do Rio Javari, onde chegamos e amarramo-nos em sua margem direita às 6h45 deste mesmo dia. Aí nos demoramos até 8h somente para fazermos observações continuando a viagem em direção ao Porto de Manaus. Estava terminada a nossa Comissão e satisfeito o determinado em vosso telegrama de 23 de maio.

Como possuíssemos um Prático e em vista do estado de vazante do Rio Solimões combinei com o Sr. Comandante do aviso navegarmos até o anoitecer, suspender pela madrugada e tão somente atracarmos nos pontos onde tivemos de receber lenha, já que o carvão que possuíamos não nos dava até Manaus. Foi a viagem até esta cidade feita nas melhores condições possíveis, desenvolvendo-se bem a máquina do aviso e imprimindo uma velocidade média de 10 milhas por hora. Muitos são os consertos de que já carece a máquina desse navio, os quais somente poderão ser feitos no Arsenal de Marinha do Pará ou nas oficinas particulares de Manaus.

Às 15h30 do dia 25 de setembro passamos pela Boca do Rio Jutaí e às 13h30 do dia seguinte pela do Rio Tefé, gastando-se 12 horas para chegarmos a Coari. Às 8h30 do dia 29 passou e pela cidade de Codajás e quatro horas e meia mais tarde pela Boca do Rio Purus. Às 7h do dia 30 de setembro passamos pela cidade de Manacapuru e ao meio-dia, felizmente, entrávamos no Rio Negro, passando às 13h10 pela Ilha de Marapatá e vinte minutos depois chegávamos à cidade de Manaus, amarrando-se o aviso em uma bóia em frente ao cais do desembarque.

O Destacamento desembarcou e recolheram-se aos seus respectivos quartéis as praças que o compunham. Foi realmente digno de elogios o procedimento desses valentes companheiros, os quais com resignação suportaram o sacrifício e privações inerentes aos trabalhos desta natureza pelo que, em ofício aos seus dignos Comandantes, pedi que, em Ordem do Dia, manifestassem os meus agradecimentos.

Desta cidade vos dirigi o ofício seguinte:

Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia.
Manaus, 30 de Setembro de 1897.
Ao Sr. General Ministro das Relações Exteriores.

Em aditamento ao meu ofício n° 18, de 8 de Julho do corrente ano, cumpre-me comunicar-vos que no dia 10 do mesmo mês segui pelo Rio Jaquirana ou Alto-Javari em busca das suas cabeceiras, continuando o levantamento do Rio o 2° Ajudante.

Antes porém, de partir mandei proceder a novas observações nos Rios Jaquirana, Galvez e Javari. Todos os dados já obtidos foram confirmados, tomando-se mais a temperatura das águas destes Rios. Assim é que a temperatura média das águas do Rio Galvez é de 26,5° centigrados, enquanto que as dos Rios Jaquirana e Javari são de 29° também centigrados. (...)

Oportunamente vos enviarei os relatórios e os respectivos desenhos.
Congratulando-me convosco pelo bom êxito da Comissão, felicito-vos.
Saúde e fraternidade.
Augusto da Cunha Gomes, Capitão-Tenente, 2° Comissário.

Se foi penosa, cheia de peripécias e lances perigosos a Re-exploração do Rio Javari, foi também grande de abnegação e patriotismo a dedicação com que os membros da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia cumpriram a porfia o seu dever, não poupando sacrifícios de qualquer natureza e suportando todas as vicissitudes de uma viagem em zona infestada de selvagens e doentia.

São esses bravos companheiros dignos do reconhecimento do Governo Federal pela leal dedicação com que serviram à Pátria, concorrendo para a verificação de um ponto geográfico até então contestado pelas sumidades geográficas do Brasil e do estrangeiro.

Ao terminar, haveis de me permitir que vos agradeça a confiança com que me honrastes, dando-me a direção de uma Comissão tão árdua quão importante.

Augusto Da Cunha Gomes,

Capitão-Tenente, 2.° Comissário.

²²²
²²
²

Fonte: GOMES, Augusto da Cunha. Comissão de Limites Entre o Brazil e a Bolivia – Re–Exploração do Rio Javari – Brasil – Rio de Janeiro – Typographia Leuzinger, 1899.

-  Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:



Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.