"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, março 14, 2007

Le Monde Diplomatique Brasil

Irã, hipocrisia e interesses

Por que a Casa Branca (e a mídia) querem transformar o Irã na “bola da vez”. Que medidas poderiam abrir caminho para um desarmamento nuclear completo


“Produza a matéria, que eu produzirei a guerra”, teria dito William Randolph Hearst, magnata da mídia norte-americana, a um repórter enviado por ele para “cobrir”, em 1897, o “conflito” (até então inexistente) que levaria à anexação de Cuba pelos EUA. Uma lógica semelhante parece orientar o bombardeio midiático lançado, nas últimas semanas, contra o Irã. Se a opinião pública for convencida de que o país está disposto a produzir armas atômicas, e ameaçar com elas o Ocidente, então será possível defender um ataque militar.

Menos de três anos se passaram desde que os conglomerados de comunicação com alcance mundial endossaram as mentiras sobre “armas de destruição em massa” difundidas pela Casa Branca a respeito do Iraque. Esta insistência em repetir sem crítica os argumentos do poder é um sinal do quanto falta para assegurar o direito à informação, e de como a mídia pode ser convertida em instrumento de anestesia social e ameaça à paz. Mas vale a pena ir além. Que interesses estariam movendo a nova campanha de Washington? Ou, igualmente importante: como satisfazer o desejo legítimo das sociedades por proteção contra as armas nucleares?

Alguns textos publicados por Le Monde Diplomatique nos últimos anos ajudam a aprofundar a informação e o debate sobre estes temas cruciais. Um deles é “Quando os Estados Unidos provocam um confronto”, redigido em janeiro de 2005 por Walid Charara, jornalista especializado em assuntos árabes. O autor vê o Irã como grande obstáculo a um dos objetivos estratégicos centrais dos EUA: assegurar o controle do Oriente Médio e suas riquezas naturais – se possível, promovendo a chamada “remodelagem” da região.

Por sua população numerosa (70 milhões), sua localização estratégica e seu poder econômico não-desprezível, explica Charara, o Irã é o que se chama de “potência regional média”. Isso o transforma em possível parceiro do que o próprio Pentágono qualifica como futuros “concorrentes de mesmo nível” — ou seja, adversários (China, União Européia, Rússia e Índia) com potencial para desafiar, a médio prazo, o poder unilateral dos EUA. Para compreender melhor os objetivos geopolíticos que Washington adotou sob Bush, vale a pena ler também “A nova doutrina militar norte-americana”, de Paul-Marie de la Gorce.

O oligopólio das potências atômicas

Um amplo exame do dispositivo de direito internacional agora usado contra o Irã (o Tratado de Não-Proliferação Nuclear-TNP) foi o tema central da edição de novembro de 2005 do Le Monde Diplomatique. Em Sessenta anos de armas nucleares, Georges Le Guelte aponta a desigualdade flagrante como causa essencial da debilidade do TNP. Firmado em 1968, a partir de iniciativa dos cinco países que então possuíam armas atômicas [1], o acordo estabelece um oligopólio de potências nucleares. Autoriza os então detentores de artefatos atômicos a mantê-las; e procura obrigar todos os outros países a não desenvolvê-las...

Na mesma edição, Cyrus Safdari (O direito à tecnologia) descreve em detalhes as negociações mantidas entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) antes do início da crise atual. Sua impressão é de que, a cada concessão do Irã, a AIEA apresentava novas exigências. Além disso, as acusações atuais a Teerã teriam um sentido quase kafkiano: o país estaria sendo intimado a demonstrar que não desenvolve tecnologia que ’poderia’ ser usada, no futuro, para produzir armas atômicas... A mesma AIEA, contudo, teria adotado atitude inteiramente diversa em relação ao Egito e Coréia do Sul – dois grandes aliados dos EUA. Suas experiências nucleares secretas, muito semelhantes às desenvolvidas pelo Irã, foram descobertas pela agência, que, no entanto, contentou-se com uma “pequena repreensão”.

É admissível que um assunto gravidade tão grande quanto a difusão de armas nucleares seja tratado em meio a hipocrisia e interesses menores? Há quem julgue que não. Desde 1980, está em atividade uma ONG internacional denominada Médicos do Mundo para a Prevenção das Guerras Nucleares (IPPNW). Fundada por dois renomados cardiologistas (Bernard Lown, dos EUA, e Evgueni Chazov, da então URSS) e agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 1985, ela defende a abolição incondicional de todas as armas atômicas. Reúne 200 mil membros, espalhados por mais de 60 países. Não se limita a lançar propostas de longo prazo e demorada execução. Em seu site, é possivel encontrar, por exemplo, uma alternativa muito concreta para a crise iraniana. Assinado pela IPPNW e por diversas organizações e personalidades internacionais, um manifesto pede que o secretário-geral das Nações Unidas, Koffi Annan, intervenha no debate. Sugere-se até detalhes: constituir, tão logo quanto possível, uma “comissão de mediação da ONU, composta de personalidades de internacionalmente conhecidas” e encarregada de “encontrar saídas pacíficas num prazo de seis meses”.

Última pergunta: o público que assiste aos noticiários da TV não teria o direito de conhecer fatos como este?

Nosso dossiê:

> No Le Monde Diplomatique

Quando os Estados Unidos provocam um confronto, Walid Charara, janeiro de 2005

A nova doutrina militar norte-americana, Paul-Marie de La Gorce, março de 2002

Sessenta anos de armas nucleares, Georges La Guelte, novembro de 2005

O direito à tecnologia, Cyrus Safdar, novembro de 2005

Le Monde Diplomatique Brasil

Aconteceu em Haditha

Como foi cometido (e acobertado...) o massacre que pode mudar o destino da guerra no Iraque. O que ele revela sobre a ocupação, os EUA, a democracia e o controle do imaginário


Nem a história da guerra do Iraque, nem a imagem que o mundo tem dos EUA (e eles, de si próprios) serão as mesmas, depois de Haditha. Na manhã de 19 de novembro de 2005, praticou-se um massacre, nesta pequena cidade cercada de palmeiras e debruçada às margens do Rio Eufrates. Depois de sofrerem uma baixa [1], causada por explosão de uma bomba, os soldados da Companhia Kilo, do US Marine Corps [2] decidiram vingar-se contra a população civil.

Vinte e quatro pessoas foram assassinadas a sangue-frio. Nenhuma delas esboçou qualquer gesto que pudesse representar ameaça aos marines. Entre as vítimas estão sete mulheres, três crianças, um bebê de um ano e um ancião cego e aleijado, em sua cadeira de rodas. A vingança prolongou-se por cinco horas, o que exclui a hipótese (igualmente brutal) de um acesso de cólera, provocado pela morte do colega de armas.

Ao invés de punirem a selvageria, os oficiais que comandavam os soldados a acobertaram. Dois relatórios militares criaram versões fantasiosas para os fatos. O primeiro, de autoria dos próprios autores do massacre, atribui as 24 mortes à explosão que matou o soldado (supostas 16 vítimas) e a fictícia “troca de tiros” com “insurgentes” (outras 8). O segundo é mais grave e perturbador. Foi produzido em fevereiro, após surgirem sinais de que os fatos haviam vazado. Um coronel de infantaria deslocou-se a Haditha e fez, durante uma semana, dezenas de entrevistas – inclusive com testemunhas oculares dos crimes. Embora desconstrua a primeira mentira, seu relatório esconde o essencial – os assassinatos. Trata as mortes como... “danos colaterais” da guerra. Ao invés de esclarecer, o documento lança uma terrível pergunta: quantos episódios semelhantes terão sido abafados, no Iraque, ao serem classificados com tal rótulo, cada vez mais freqüente no jargão das guerras “modernas”?

Quando o acobertamento é vazado

Duas tendências também contemporâneas – a câmera digital barata e as redes de ONGs – permitiram que, em Haditha, a história fosse diferente. Um dia depois da chacina, o estudante de jornalismo Taher Thabet filmou alguns dos corpos e as quatro casas onde foram mortas 19 das vítimas. Thabet mostrou paredes internas, tetos e pisos estourados por rombos de balas e salpicados por jatos de sangue. Teve o cuidado de filmar, também, as fachadas – intactas – das construções. Demonstrou que não houvera combate: os soldados entraram sem resistência e atiraram. As circunstâncias em que as vítimas foram mortas são tenebrosas. [3] .

O estudante de jornalismo enviou o vídeo ao Grupo Hamurabi de Direitos Humanos, que tem sede no Iraque e se articula com o Human Righs Watch, dos EUA. O documento chegou à revista Time. Os repórteres Tim McGirk e Aparisim Ghosh foram ao local dos fatos e investigaram durante oito semanas. Em 27 de março, a revista publicou One morning in Haditha, um texto que, embora em tom ainda inconclusivo, revela todos os fatos essenciais do massacre.

Tem início então uma sucessão de fatos contraditória e complexa, muito reveladora sobre a natureza do sistema político e o controle do imaginário, nos Estados Unidos. As instituições da política se movem. O departamento de Defesa abre dois novos inquéritos. O Congresso instala comissões que as acompanham. Os militares exasperam-se tentando responder aos questionamentos feitos por estas. A própria publicação da reportagem revela, aliás, que a liberdade de expressão ainda encontra brechas, no mundo das comunicações oligopolizadas.

Mas este jogo democrático não abala o controle que os grupos hegemônicos exercem sobre os símbolos que movem a sociedade. Não há uma comoção nacional comparável, por exemplo, à que se produz no Brasil, com o massacre de Eldorado de Carajás – para não falar nos shows midiáticos em que se transformam as CPIs. Durante nove semanas, tudo se desenrola a frio, em gabinetes. Os fatos não chegam às TVs, não repercutem em outras publicações, não são retomados sequer por Time. Na internet, chama atenção a ausência do filme de Thabet.

O momento em que a tensão se rompe

Num caso chocante como este, em algum momento a tensão entre democracia e controle sobre o imaginário terá de se resolver. O momento de desenlace foi aberto no final de maio. Aparentemente, a Casa Branca e as correntes que apóiam a guerra prepararam-se para reduzir ao máximo seus possíveis efeitos. Devido à gravidade dos fatos, não é, contudo, algo cujo desfecho esteja definido. A sorte começou a ser jogada no final de maio e ainda não está definida em 6 de junho, momento em que este texto foi revisado.

Em 26/5, o New York Times revelou que um dos novos inquéritos abertos pelo Pentágono após a reportagem de Time estava próximo ao fim. O coronel Gregory Watt, seu condutor, havia apurado que muitos dos mortos em Haditha morreram com tiros na cabeça e no peito, típicos de chacina. Também havia apontado o sargento Frank Wuterich como um dos protagonistas dos crimes. Em 31/5 – exatos 64 dias depois de os fatos se tornarem públicos... – o presidente George Bush foi inquirido pela primeira vez sobre o tema, numa entrevista coletiva. “Se as leis foram violadas, haverá punição”, limitou-se a responder. Em 1/6, numa medida típica de relações públicas (mas que teve enorme repercussão, em todo o mundo), o general George Casey, comandante-geral das tropas dos EUA no Iraque, anunciou (sem oferecer qualquer dado complementar) que os soldados norte-americanos seriam agora submetidos a “treinamento” sobre “valores essenciais". Três anos depois de mergulhados numa guerra sangrenta, eles teriam finalmente a oportunidade de “refletir sobre os valores que nos separam de nossos inimigos”...

A operação não foi suficiente para neutralizar o potencial explosivo dos fatos. Ao contrário: em 2/6, surgiram duas novas denúncias. Um outro massacre teria ocorrido, em Ishaqui (80 quilômetros a norte de Bagdá), em março – e, neste caso, parece haver imagens. Num terceiro episódio, sete marines e um oficial estariam sendo acusados de assassinato, seqüestro e conspiração, cometidos em abril. “Parece que o assassinato de civis iraquianos está se transformando num fenômeno diário", afirmou o presidente da Associação de Direitos Humanos do Iraque, Muayed al-Anbaki, após assistir ao novo vídeo. Dois dias mais tarde, um texto do Washington Post sustentava que Bush sabia dos fatos desde o início de março; e sugeria que uma das questões cruciais era investigar até onde tinha se estendido a rede de autoridades envolvidas no acobertamento do massacre, antes da publicação da reportagem do Time.

Dois pontos muito vulneráveis

No caso Haditha, além deste, há dois pontos vulneráveis ao extremo. O primeiro são duas séries de fotos feitas após os assassinatos. Com exceção de algumas (uma é a que ilustra esta matéria), as imagens permanecem sob censura, acessíveis apenas às comissões de inquérito do Pentágono. A primeira série retrata os corpos dos iraquianos já ensacados. A segunda teria sido feita pelos próprios soldados, momentos após cometerem a chacina. Mostraria, por exemplo, um pai de família atingido enquanto rezava, diante do Corão.

O segundo ponto vulnerável é a punição – e, pior, o julgamento – dos assassinos. Eles foram identificados, a crer no New York Times. Segundo as leis norte-americanas, pode-se aplicar, no caso de assassinato cometido em tempo de guerra, a própria pena de morte. Qual seria a repercussão midiática (e política) de um júri militar, no qual cidadãos norte-americanos podem ser executados por atos cometidos em uma guerra que o Estado quer levar adiante, mas a maioria já rejeita? E no exterior: como prosseguir com o julgamento de Saddam Hussein, que pode ser condenado à morte precisamente porque seus soldados teriam promovido a execução de civis inocentes?

Nosso dossiê:

No Le Monde Diplomatique:

O que estamos fazendo no Iraque, Howard Zinn, agosto de 2005

Bush II, Ignacio Ramonet, dezembro de 2004

Imagens e carrascos, Ignacio Ramonet, junho de 2004

Do sonho imperial ao lamaçal iraquiano, Philip S.Goloub, junho de 2004

Vitória certa, paz impossível, Pierre Consea, janeiro de 2004

[1] O soldado Miguel Terrazas, um texano de El Paso, morreu aos 20 anos, quando a bomba deflagrada por controle remoto explodiu ao lado do jipe militar humvee que dirigia. Dois outros soldados feriram-se levemente. O jipe era o último carro de um comboio de quatro, que participava de ofensiva norte-americana na província de Anbar, durante a qual contaram-se 90 vítimas civis.

[2] O United States Marine Corps é uma das cinco forças militares dos Estados Unidos (além de Exército, Marinha, Aeronáutica e Guarda Costeira). Foi fundada em 1775 (antes da independência). Seus 180 mil membros (os marines) são vistos como um grupo de elite.

[3] Os primeiros a morrer foram quatro passageiros e o motorista de um táxi que passava em frente ao comboio de jipes norte-americanos atingido pela bomba. Atendendo a uma ordem dos soldados, o condutor parou o veículo e os cinco desembarcaram. Foram metralhados na hora. Tinham entre 21 e 25 anos. Em seguida, os marines dirigiram-se para um grupo de três casas, distantes cerca de 150 metros do local do primeiro crime. Lá, cometeram 19 novos assassinatos. Uma das testemunhas, a menina Iman Walid, perdeu seis parentes – alguns mortos a bala (como o pai, que rezava diante do Corão), outros devido à explosão de granadas, atiradas na cozinha e banheiro. No corpo do avô de Iman, o ancião em cadeira de rodas, foram encontrados nove projéteis. Sobreviveram apenas a menina e um irmão, de 8 anos. Na casa ao lado, a porta foi aberta pelo chefe de família, Yunis Salim Khafif, que balbuciou, em inglês, aos soldados: “I am a friend. I am good” [“Sou amigo. Sou bom”]. Foi morto a tiros, assim como a esposa, cinco filhos (entre um e 14 anos) e uma oitava pessoa. Na terceira casa, os homens foram separados das mulheres, obrigados a entrar dentro de um armário e metralhados em seguida. Relatos mais detalhados (em inglês) podem ser lidos na Time ou no jornal britânico The Sunday Times, que também enviou repórteres ao Iraque.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/03/07

Países se unem em torno do Banco do Sul

Além do Bônus do Sul, de emissão conjunta, a Argentina e a Venezuela estão juntas na liderança do projeto para a criação do Banco do Sul, que seria um banco de desenvolvimento para os países da região. A idéia, para a qual já foram assinados acordos de intenção e conquistada a adesão da Bolívia, do Equador e, mais recentemente, do governo brasileiro, é somar parte das reservas de cada país para integralizar o capital do novo banco. A notícia é do jornal Valor, 14-03-2007.

Uma comissão criada formalmente na última visita oficial de Hugo Chávez a Buenos Aires, há duas semanas, foi encarregada de apresentar estudos sobre a viabilidade do Banco do Sul em 120 dias.

Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o Brasil prefere a reformulação e um reforço financeiro para as instituições já existentes na região como o Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e a Corporação Andina de Fomento (CAF), além do próprio Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas que aceitava participar das discussões.

Acordo fechado em fevereiro levou o governo venezuelano a liberar empréstimo de US$ 135 milhões para resgatar a SanCor, uma cooperativa leiteira que estava à beira da falência por dívidas bancárias e prestes a ser vendida para a Adecoagro, do investidor George Soros. O empréstimo permitiu à SanCor recusar a oferta de compra e seguir sob controle dos produtores argentinos, como queria o presidente Nestor Kirchner quando negociou a ajuda de Chávez. O pagamento será feito com venda de leite à Venezuela.


A cooperação entre os dois países tem se intensificado também nas áreas empresarial e de infraestrutura. Há uma agenda na área energética, cujo projeto mais ambicioso é o Gasoduto do Sul, que liga os dois países, passando pelo Brasil, um empreendimento avaliado em US$ 20 bilhões, mas que até agora não saiu do papel. Um dos principais reflexos da aproximação entre a Argentina e a Venezuela é a corrente de comércio entre os países: passou de menos de US$ 150 milhões em 2003 para mais de US$ 700 milhões em 2006. Também há cooperação nas áreas empresarial e de infra-estrutura.

Instituto Humanitas Unisinos - 13/03/09

OMC obriga País a aceitar importação de pneus usados da União Européia

A União Européia (UE) venceu ontem a disputa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e forçou a abertura do mercado nacional para pneus usados, considerados “lixo” pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A reportagem é dos jornais O Estado de S. Paulo e Valor, 13-03-2007.

Depois de vencer vários contenciosos comerciais importantes nos últimos anos, agora será a vez de o Brasil ter de modificar suas leis diante do resultado do tribunal internacional. Brasília, porém, deverá recorrer da decisão e levar o caso ao órgão de apelação da OMC, o que adiará uma decisão final por meses.

A disputa foi aberta em 2005 por causa de uma lei brasileira de 2000 que estabelecia que produtos usados não podem ser importados. Pela norma, portanto, os pneus usados estariam impedidos de ser vendidos por outros países ao mercado nacional.

Antes da lei que barrava o produto, a Europa era responsável por 95% das importações do País. No total, os europeus vendiam 7,8 mil toneladas de pneus usados ao Brasil, ocupando 25% do mercado.

Ainda assim, cerca de 8 milhões de unidades de carcaças conseguiram entrar no mercado nacional em 2005 graças a ações judiciais de importadores - o que agora não será mais necessário.

O principal argumento europeu era de que o Brasil proibia de forma discriminatória a importação de pneus usados. Isso porque os países do Mercosul, principalmente o Uruguai, podem exportar produtos similares ao Brasil. De fato, os uruguaios só passaram a exportar para o mercado nacional depois que também venceram uma disputa no órgão de arbitragem do Mercosul.

Segundo o laudo da entidade, que é mantido em sigilo e entregue apenas aos governos em disputa, o Brasil praticava atos discriminatórios no comércio e precisa agora tratar de forma igual seus parceiros comerciais. Na prática, o País não poderia autorizar a importação apenas do Mercosul e impedir o comércio com a Europa.

Um dos argumentos brasileiros é de que a barreira tem razões ambientais, já que esse tipo de produto significaria um risco. Mas os europeus argumentam que se esse fosse o motivo real da barreira, toda a venda de pneus desse tipo teria de ser proibida.

DEPÓSITO DE LIXO

Já sabendo da dificuldade em defender a lei nos tribunais da OMC, o Itamaraty chegou a apresentar uma proposta ao governo que poderia evitar a derrota. A sugestão era autorizar a importação do produto europeu, mas elevar as tarifas a um nível que, na prática, impossibilitaria o comércio. Essa, por exemplo, é a prática adotada pelos Estados Unidos.

A proposta, porém, não teria sido aceita pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que na reunião pediu que os aspectos ambientais fossem levados em conta. Marina Silva chegou a ir à OMC e acusou a Europa de estar despejando lixo no País, inclusive com risco para a saúde. Para o Ministério do Meio Ambiente (MMA), um dos problemas é que o País não tem a capacidade de reciclar a quantidade que seria vendida pelos europeus.

Segundo o MMA, o Brasil pode ser obrigado a absorver 80 milhões de pneus por ano caso a decisão da OMC permaneça.

Em Bruxelas, os produtores europeus comemoram o resultado do laudo da OMC. “Esses produtos não são lixo. São produtos legítimos e reciclados”, afirmou um representante da Associação de Produtores de Pneus Recauchutados da Europa. Segundo a entidade, cerca de seis empresas vão poder voltar a exportar com segurança para o Brasil. Os maiores interessados são os ingleses, espanhóis, portugueses e italianos.

O representante afirmou que algumas empresas na Europa faliram por causa da proibição brasileira.

Os produtores europeus ainda comemoram o fato de que a decisão da OMC poderá ser um precedente positivo para que o setor consiga derrubar outras barreiras pelo mundo. Hoje, cerca de 20 países contam com embargos aos pneus usados, entre eles Costa Rica, Venezuela, Argentina, Paraguai, Nigéria, Egito, Israel, Líbano e Argélia.

INTERPRETAÇÃO DIFERENTE

O diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, afirmou ontem de forma categórica que não há nada no relatório da OMC que obrigue o Brasil a iniciar a importação de pneus usados, como reivindica a UE.

Sob a justificativa de que o documento é confidencial, Azevedo não deu detalhes sobre a decisão. Afirmou apenas que a argumentação brasileira de que a importação de pneus usados traria riscos sanitários e ambientais foi em parte acatada pelos avaliadores do painel, o que, em sua interpretação, é o dado mais importante da disputa.

Ao aceitar argumentos brasileiros, a OMC estaria abrindo um caminho para eventuais “ajustes”, que continuariam a garantir ao País o direito de vetar a compra de pneus usados.

O ministro também deixou claro que este foi apenas o primeiro capítulo da disputa. “O contencioso não acabou”, afirmou. Mas Azevedo não quis nem mesmo definir se o Brasil saiu ou não vencedor deste primeiro round. “Não saberia dizer se vai ou não vai apelar da decisão. Normalmente não é o perdedor que apela?”

PREJUÍZOS

Para o diretor-geral da Associação Nacional da Indústria dos Pneumáticos (Anip), Vilien Soares, a decisão é danosa ao Brasil “porque tira mercado dos pneus nacionais, porque o pneu reformado tem metade da vida útil de um novo e porque o País já tem dificuldades para a correta destinação do que é produzido aqui”.

A Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip) também não ficou satisfeita com a decisão da OMC, que em sua avaliação atinge em cheio as empresas brasileiras que trabalham na remoldagem de pneus. Tais fábricas, por força de liminares obtidas na Justiça, conseguem importar da Europa pneus de segunda mão para recondicioná-los no Brasil. Se for mantida em última instância, a decisão da OMC faria o País importar os pneus europeus já remoldados. “Será uma situação esdrúxula: o Brasil estará obrigado a comprar do exterior pneus remoldados, mas nossas fábricas estarão proibidas de importar os pneus usados que servem de matéria-prima para a remoldagem”, disse Francisco Simeão, presidente da maior produtora de remoldados do Brasil, a BS Colway, e dirigente da Abip.

De acordo com Simeão, o Brasil perdeu o embate na OMC por ter baseado sua estratégia num argumento falso: o de que o pneu remoldado, por durar menos, representa uma ameaça ambiental maior do que o pneu novo. “O pneu remoldado tem a mesma durabilidade do novo”, afirmou Simeão.

Instituto Humanitas Unisinos - 13/03/07

Área de mangues cresce 40% no Nordeste. Dado preocupante

Alterações ambientais ocorridas globalmente e em nível local provocaram um aumento de cerca de 40% no tamanho de manguezais da região Nordeste nos últimos 26 anos, de acordo com estudo apresentado no 1º Simpósio Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais, que terminou ontem no Rio. A reportagem é do jornal O Estado de S. Paulo, 13-03-2007.

Análise realizada em manguezais dos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, em três diferentes épocas (1978, 1986-1992, 2001-2004), revelou um acréscimo de 158 km² na área total, sendo que os maiores aumentos foram registrados em Pernambuco (67%) e na Paraíba (40%).

Apesar de ser um ecossistema com enorme biodiversidade, o crescimento da área de mangue preocupa. “Isso causa apreensão por conta da salinização das águas e também por conta do aumento da concentração do mercúrio”, observa o biólogo Luiz Drude de Lacerda, professor-visitante da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O mercúrio, explica o pesquisador, é um elemento usado há muitos séculos, e tem se tornado cada vez mais comum, não só por causa da mineração e dos grandes eventos vulcânicos, como também resultado da atividade industrial. E acaba sendo retido, por exemplo, nos mangues. O terreno é um grande concentrador de contaminantes, principalmente do metal.

“Está em tudo quanto é lugar. Nós importamos muito mercúrio na época do apagão, quando adquirimos lâmpadas da China, que traziam não 2 miligramas (de mercúrio), mas 10 mg cada. Foi um absurdo o que aconteceu”, lembra Lacerda.

Segundo ele, peixes retirados de manguezais do Nordeste estão apresentando níveis de mercúrio na forma orgânica (metilmercúrio) tão elevados quanto os encontrados em espécies pescadas no Sudeste ou nas regiões ribeirinhas da Amazônia, onde atividades como o garimpo explicam a maior concentração da substância. Para Lacerda, o fato de lugares com características tão distintas apresentarem quantidades semelhantes pode ser explicada pelas mudanças causadas pelo aquecimento global.

“Provavelmente, parte do mercúrio que é detectado em um peixe pescado em um manguezal do Ceará é resultado de ações locais, seja da agricultura ou das fazendas de camarão, por exemplo, mas também de ações globais. Só que não temos como identificar, porque o peixe não vem com um carimbo”, brinca o pesquisador.

Lacerda avalia que a única maneira de tentar evitar que ocorra contaminação pelo pescado é formulando regras para o consumo. Ele sugere, por exemplo, que peixes acima de determinado peso não sejam comercializados pois teriam uma quantidade maior do metal.

Por ser muito solúvel, o metilmercúrio é assimilado por peixes e mariscos e pode causar intoxicações nos consumidores. Pelo menos por enquanto, porém, o teor de mercúrio encontrado em espécies analisadas por Lacerda está abaixo do valor considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,5 miligrama por kg de peixe.

Instituto Humanitas Unisinos - 09/03/07

Expansão de biocombustíveis põe ambientalistas em alerta

A expansão mundial da indústria de biocombustíveis criará oportunidades imperdíveis para o Brasil e outros países da América Latina nos próximos anos, mas um coro crescente de especialistas começa a se preocupar com o impacto que ela poderá ter sobre os preços dos alimentos e regiões do planeta em que a proteção ambiental é muito frágil, como a Amazônia. A reportagem é do jornal Valor, 9-03-2007.

O impacto sobre os preços dos alimentos se tornou visível nos últimos meses, quando o crescimento da indústria de etanol nos Estados Unidos fez disparar os preços do milho, principal matéria-prima usada na produção do combustível nos EUA. O fenômeno provocou protestos contra os preços das populares tortilhas no México e queixas de fazendeiros americanos contra o aumento dos preços das rações feitas de milho.

O economista Lester Brown, presidente do Instituto de Políticas para a Terra, acha que isso é apenas o começo. "A produção mundial de grãos tem sido menor do que o consumo nos últimos anos, o que tem provocado uma redução contínua e preocupante dos estoques", disse Brown. "Países que dependem de importações para suprir suas necessidades de grãos deverão sofrer com isso."

O aumento da produção de álcool no Brasil e em outros países da vizinhança, onde o combustível é feito a partir da cana-de-açúcar, não deverá ter o mesmo tipo de impacto sobre os preços dos alimentos. Mas Brown e outros especialistas temem que a expansão da cana empurre outras culturas para áreas frágeis como a Amazônia.

Essa pressão tende a ser amplificada pelas transformações que a agricultura americana está sofrendo. O etanol, que consome uma fatia crescente da produção de milho nos EUA, está fazendo o plantio do grão aumentar muito, reduzindo o espaço disponível principalmente para a soja. É uma grande notícia para os produtores de soja no Brasil, mas o movimento pode criar novos riscos para o ambiente.

O economista Bruce Babcock, do Centro para o Desenvolvimento Agrícola da Universidade de Iowa, calcula que a área dedicada ao plantio de soja terá uma expansão superior a 30% no Brasil e na Argentina na próxima década, como decorrência da diminuição da produção americana e da valorização dos preços do grão. Boa parte dessa expansão tende a ocorrer nas franjas da floresta Amazônica.

De passagem pelo Brasil nesta semana, o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, manifestou preocupação com o tema. "É uma questão de saber se a Amazônia está suficientemente protegida e se a expansão da produção de etanol ocorrerá em bases sustentáveis", disse Steiner, em entrevista à agência de notícias AP.

O clima e as condições do solo na região amazônica não se prestam para o plantio de cana-de-açúcar. E os usineiros brasileiros não se cansam de repetir que há terra suficiente para aumentar a produção de álcool no país sem criar complicações ambientais. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues calcula que seria possível ampliar em oito vezes o plantio de cana para a produção de etanol sem derrubar uma árvore, usando terras ocupadas por pastagens.

"O investimento em biocombustíveis poderá trazer muitos benefícios para o Brasil e os outros países da região, mas é importante que sejam acompanhados por boas práticas ambientais", disse Annie Dufey, pesquisadora do Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento (IIED, na sigla em inglês), um centro de pesquisas baseado em Londres.

Ela teme a multiplicação de problemas como os ocorridos na Malásia e na Indonésia, onde a expansão das plantações de palma para a produção de biodiesel provocou a derrubada de florestas tropicais e criou dificuldades para a indústria alimentícia. A Malásia recentemente suspendeu as licenças para novas usinas e os dois países decidiram limitar o uso de óleo de palma na produção de biodiesel a 40% da produção doméstica.

Instituto Humanitas Unisinos - 09/03/07

As razões da visita de Bush à América Latina

"Não há dúvidas de que os Estados Unidos estariam menos ansiosos sobre o que acontece na região se Chávez não existisse. Mas a administração Bush está agora consciente de que a única maneira de contrabalançar Chávez é reconstruir a relação com a América Latina. Qualquer confronto direto seria contraproducente. Para que Chávez perca influência os Estados Unidos devem envolver-se mais na região". A análise é de Peter Hakim, presidente do único think tank de Washington que se dedica às Américas, o Interamerican Dialogue, ou Diálogo Interamericano.

Seguem os principais trechos da análise feita para o comitê de relações exteriores do Congresso, na mesma audiência em que falou o subsecretário Tom Shannon, encarregado de Bush para a região, e recolhidos por Santiago O'Donnell para o jornal argentino Página/12, 4-03-2007. A tradução é do Cepat.

Nos últimos anos de seus mandados, os presidentes norte-americanos costumam empreender viagens a lugares exóticos, visitas quase protocolares para difundir a marca "USA" em terras estranhas, postergadas pelo axadresado calendário internacional até os dias em que o chefe de Estado perdeu a iniciativa política para converter-se numa mistura de embaixador de luxo, aguerrido treinador de futebol americano e Papai Noel. Viajam a países que a maioria dos norte-americanos não poderia nomear, como o Uruguai, ou que só conhecem por seus acidentes geográficos e festas populares, como o Brasil, ou por seus produtos regionais, como a Colômbia.

Nestes dias o presidente desaparece da mídia norte-americana, como se estivesse de férias. Salvo que alguma urgência doméstica obrigue os correspondentes a interromper aos gritos a foto-op com o mandatário terceiro-mundista de plantão, a cobertura ficará reduzida ao que trouxer o extravagante New York Times - publicou nesta semana uma análise prévia das eleições no Senegal - que seguramente dedicará algumas linhas em páginas perdidas a esta viagem.

Mas isso não quer dizer que giros como a que George W. Bush inicia pela América Latina nesta semana sejam irrelevantes. De modo geral perseguem objetivos geopolíticos importantes, sobretudo para os países que visitam, mas também para os Estados Unidos. Isso estava muito claro para o presidente, o Departamento de Estado e os membros da academia, a sociedade civil e a burocracia estatal que trabalham em temas vinculados com esses países. Nenhum presidente de plantão do país mais poderoso do mundo passa oito dias num avião se não lhe derem boas razões.

Acontece que a grande maioria dos norte-americanos não sabe nem lhe interessa saber o que acontece nesses lugares. Já estão muito ocupados com o Iraque, o Irã e o Oriente Médio; a Europa, China e Japão; curdos, sunitas e xiitas; drusos e menonitas, Rússia, Índia e Pyongyang. Por isso, para saber o que o bom George W. vem fazer em sua visita ao quintal não basta sintonizar na CNN. É preciso recorrer a especialistas.

"Claramente, o presidente e seus assessores entendem que o sentimento antiamericano cobre grande parte da região e se estende a percepção de que a presença dos Estados Unidos na região está se tornando irrelevante. Esta é a oportunidade para que o Presidente dos Estados Unidos demonstre que os Estados Unidos estão longe de serem irrelevantes. Têm interesses importantes e uma presença importante na região. Isto não é fácil de comunicar e uma viagem o faz, mesmo que não tenha muito impacto se ao retornar a Washington não há um prosseguimento dos temas. Mas o benefício imediato é que durante oito dias todos os países da região terão seu olhar posto no que os Estados Unidos dirão e no que fazem, com ênfase na relação entre os Estados Unidos e a região", explica por telefone o professor Peter Hakim, presidente do único think tank de Washington que se dedica às Américas, o Interamerican Dialogue, ou Diálogo Interamericano.

Além de sua experiência na região, Hakim conhece muito bem o pensamento dos funcionários e legisladores que impulsionaram o giro latino-americano. Na quarta-feira falou sobre as relações com a região para o comitê de relações exteriores do Congresso, na mesma audiência em que falou o subsecretário Tom Shannon, encarregado de Bush para a região. Aproveitando a circunstância, lhe perguntaram o que Bush busca em cada país que visitará.

México: "um país muito importante para os Estados Unidos. Não pode ficar fora de nenhum giro latino-americano. E Bush ainda não se reuniu com o novo presidente em exercício. Conhece Calderón, mas não se viram desde sua posse".

Brasil: "também um país muito importante e um modelo de relação que os Estados Unidos gostariam de ter na região. Lula e Bush têm mais pontos discordantes que coincidências, mas trabalham muito bem nos temas que os unem. É uma relação construtiva e civilizada, muito cômoda apesar das diferenças, e os Estados Unidos estão muito contentes porque o Brasil não se opõe ativamente. Serão assinados acordos de biocombustíveis, ambos os países trabalham no Haiti e os pontos discordantes são expressos de maneira civilizada, sem interromper os aspectos positivos da relação".

Colômbia: "é o principal aliado na região e está passando por momentos difíceis. Necessita garantias de que os Estados Unidos a continuará apoiando através da renovação do Plano Colômbia (de luta contra o narcotráfico)".

Guatemala: "não existem razões importantes, assim como no caso do Uruguai. Sempre é bom incluir um país centro-americano no giro. El Salvador é o único país da região com tropas no Iraque, mas Bush já foi duas vezes lá. Não vai à Nicarágua por causa de Ortega, e na Costa Rica há um clima ruim por conta das manifestações contra o tratado de livre comércio. Restam Guatemala e Honduras. Dos dois, a Guatemala é muito mais importante, o maior país da América Central. Além disso, há milhares de imigrantes guatemaltecos nas cidades norte-americanas e os Estados Unidos se apoiaram na candidatura da Guatemala para frear a chegada da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU".

Uruguai: "um país que buscou aproximar-se dos Estados Unidos, que quer um tratado comercial. Serve para equilibrar. Assim, na América do Sul visita dois governos liberais e dois de centro-esquerda".

Foi perguntado também sobre um país que não visitará, a Argentina: "A última visita que Bush fez ao país não foi boa".

Para a narrativa que sempre se tenta construir a partir deste tipo de viagem, ajuda que algum vilão ameace a segurança dos amigos de Washington na região que visita. Nesse papel, Hugo Chávez acaba de preencher o vazio deixado por Fidel Castro. "Para os Estados Unidos Chávez é uma parte importante da equação. Montou uma campanha para demonizar os Estados Unidos. Constrói alianças que excluem os Estados Unidos, compra armas e condiciona a democracia em seu país. Não há dúvidas de que os Estados Unidos estariam menos ansiosos sobre o que acontece na região se Chávez não existisse. Mas a administração Bush agora está consciente de que a única maneira de contrabalançar Chávez é reconstruir a relação com a América Latina. Qualquer confronto direto seria contraproducente. Para que Chávez perca influência os Estados Unidos devem envolver-se mais na região", sustenta Hakim.

Para o especialista, o êxito do giro dependerá de três temas centrais que Bush deverá encarar na sua volta.

Primeiro, a aprovação dos tratados de livre comércio com Peru, Panamá e Colômbia. Hakim acredita que os dois primeiros têm boas chances, enquanto que o terceiro fracassará pela quantidade de sindicalistas que foram vítimas da violência política na Colômbia, o que aviva a oposição ao pacto entre sindicalistas norte-americanos.

Segundo, a renovação das preferências tarifárias para o Peru e a Bolívia, "dois países frágeis, que poderiam cair sob a influência de Chávez".

Terceiro, a não construção do muro na fronteira com o México. "Muros se constroem para separar adversários: árabes e judeus, alemães comunistas e alemães não comunistas. Seu valor simbólico é imenso." Hakim acredita que Bush deixará que o tempo passe sem que o muro seja construído, e que a América Latina captará a mensagem. Falando de símbolos, Hakim acrescenta que qualquer gesto em relação a Cuba, por mínimo que seja, teria um impacto muito positivo.

"Também ajudaria que os Estados Unidos encontrem alguma maneira de apoiar a agenda social na região, que é a principal fonte de popularidade de Chávez. Seria um avanço se parte do dinheiro destinado à guerra contra as drogas fosse orientado para programas de criação de empregos ou à construção de estradas, por exemplo, já que os programas antidroga na região fracassaram", arguiuHakim.

Mas, claro, não é preciso ter muitas ilusões. Afinal, estamos falando de Bush e de um país em guerra. "Nenhum destes temas faz parte da agenda nem será tema de campanha, salvo a imigração, mas nesse assunto tampouco interessa a perspectiva latino-americana", reconhece Hakim. Nessas condições não será simples restabelecer o Diálogo Interamericano, apesar dos esforços do mesmo.