"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, novembro 08, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 06/11/07

História africana e afro-brasileira: 30 anos de transformações

Os negros sempre tiveram que lutar para sobreviver, trabalhar, estudar e principalmente, para serem reconhecidos como membros da sociedade. Esse cenário se modificou qualitativamente, afirma o Prof. Dr. Mário Maestri, docente no PPG em História da Universidade de Passo Fundo (UPF). Com mais de 30 anos dedicados a pesquisas sobre a história africana, Maestri avalia as modificações na historiografia ao longo desse período. Em entrevista à IHU On-Line desta semana, intitulada Rio dos Sinos, um ano depois da tragédia. Ainda é possível salvá-lo?, ele apontou alguns fatos que levaram a essas transformações.

Dois acontecimentos marcaram essas mudanças de paradigmas. O primeiro, aponta, iniciou com a mobilização pela anistia, em 1970, que seguiu com a “redemocratização e a rearticulação sindical, dirigida pelo operariado metalúrgico criavam excepcionais condições para leituras estruturais do passado, parte do esforço de desalienação social". O segundo, acrescenta, está ligado as transformações do mundo do trabalho, que permitiu que novos estudiosos encontrassem espaço nas universidades para desenvolver trabalhos sobre “dois eixos que movem o mundo social: o trabalho e a luta das classes”, incluindo aí a trajetória dos negros.

Escravismo sulino

No Rio Grande do Sul, as pesquisas sobre o escravismo sulino dominavam o imaginário rio-grandense, nos anos 1970, diz o professor. Na época, o Estado carecia de estudos sobre a escravidão na região, e os escritos sobre o tema limitavam-se ao culturalismo de Dante de Laytano. Trinta anos depois, as pesquisas na área começaram a crescer, tendo em vista que em 1980, apenas uma universidade do Estado trabalhava sistematicamente a questão. Hoje, já são no mínimo três.

Atualmente, o Rio Grande do Sul encontra-se como um dos estados menos racistas do Brasil. Isso, segundo o pesquisador, reflete diretamente nas academias da região. Para exemplificar, ele utiliza-se da problemática política das cotas em universidades. A facilidade com que as “cotas para estudantes com alguma ascendência africana tem sido aprovada nas universidades públicas sulinas apoiadas por professores e alunos brancos, registram essa realidade”, constata.

Fascinado pela história do escravismo colonial, Mário Maestri não perdeu o gosto pelas pesquisas, que adquiriu enquanto estudante do Centro de Estudos da África, da UCLU, na Bélgica. Verdadeiro mestre e conhecedor do tema, ele estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na próxima quarta-feira, 08-11-2007, narrando os 30 anos da história africana e afro-brasileira (1977-2007). O evento compõe a programação Formação étnica do Rio Grande do Sul na História e na Literatura, e está marcado para às 19h30min, na sala 1G119.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/11/07

Vazamento da Refap. Mais uma ameaça ao Rio dos Sinos

Uma equipe do Centro de Defesa Ambiental (CDA) da Petrobras para o Sul fez na tarde de domingo a troca de oito barreiras flutuantes que foram colocadas em toda a extensão do arroio Sapucaia, na divisa das cidades de Canoas e Esteio, na sexta-feira, dia 2, para conter o óleo que vazou da Alberto Pasqualini - Refap/S.A. no dia 1º. A mudança foi necessária, pois as bóias estavam repletas da substância. Também no domingo técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) fizeram novo sobrevôo no arroio e no Rio dos Sinos, para avaliar a situação dos locais. Nesta segunda, às 14 horas, haverá reunião entre a Refap, Fepam e prefeituras de Canoas e Esteio para tratar sobre o problema. É esperado para esta segunda-feira, ainda, o resultado do exame de amostra de água coletada no arroio. A reportagem é do jornal Vale dos Sinos, 5-11-2007.

Domingo à tarde, o cheiro de óleo ainda podia ser sentido nas margens do arroio Sapucaia, local onde ocorreu o vazamento. A água do arroio já desceu e a correnteza está mais forte, fazendo com que o produto fique menos perceptível. Além disso, as barreiras não estão conseguindo absorver todo o óleo que passa pelo arroio.

O químico do setor de Emergência Ambiental da Fepam, Mauro Gomes de Moura, avisa que os trabalhos manuais de contenção do óleo devem continuar por mais dois dias, mas as barreiras flutuantes permanecerão por algumas semanas. Elas serão mantidas para não permitir que resquícios do óleo cheguem ao Rio dos Sinos, uma das preocupações da Fundação. A respeito do sobrevôo, Moura garante que a "situação no Rio dos Sinos está controlada".

Atento ao acidente, o presidente da Colônia de Pescadores Z-5 Ernesto Alves, Vilmar Coelho, salientou que a entidade vai se manifestar sobre o caso nesta segunda. Ele explica que como o óleo chegou ao Rio dos Sinos, alguns peixes não poderão ser consumidos. "A Refap não pode fugir da responsabilidade. O meio ambiente é de todos. Daqui a pouco não vai ter água para a gente beber. As empresas fazem os acidentes e nada acontece, seria melhor ´fechar´ os rios de vez", desabafa.

A curiosidade levou a família do pintor Adroaldo da Fonseca Souza, 56 anos, de Esteio, a visitar o arroio Sapucaia e verificar o trabalho de contenção do óleo nas águas. "Pelo que vejo, a quantidade de óleo agora é pouca. Li reportagem no jornal e quis saber como estava a situação. Acho que as pessoas têm que se interessar pelo meio ambiente", salientou.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/11/07

Pesquisadores criam 'super camundongos'. O Super Homem à vista?

Pesquisadores americanos criaram em laboratório um “super-camundongo” que corre, come,vive mais e se mantém em melhor forma do que os roedores comuns, o que abriria expectativas para pesquisas sobre a melhora da condição humana.

Um dos membros da equipe, o guatemalteco Marco Cabrera, afirmou que no laboratório da Escola de Medicina da Universidade Case Western, em Cleveland (EUA), foram criados mais de 500 “ligeirinhos”. Eles “permanecem todo o tempo em que estão acordados em atividade”. Os resultados do estudo, coordenado por Parvin Hakimi, Jianqi Yang, Fátima Tolentino Silva e Richard Hanson, foram publicados nesta semana na revista Journal of Biology Chemistry. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 3-11-2007.

“Basicamente, o que ocorre é o seguinte: a enzima fosfoenolpiruvato carboxiquinase naturalmente produz glicose no fígado e no rim. Nesses ratos, a enzima expressou-se geneticamente nos músculos”, explicou Cabrera, engenheiro biomédico.

O resultado do experimento gerou ratos sete vezes mais ativos, que podem correr de cinco a seis quilômetros a uma velocidade de 20 metros por minuto sobre uma esteira por até seis horas sem parar.

ATLETAS

Os animais, denominados “PEPCK-Cmus” pelos cientistas do laboratório de Engenharia Biomédica, comem 60% a mais que os ratos comuns mas não aumentam de peso - têm 10% menos de gordura e uma capacidade aeróbica duas vezes maior que a dos ratos normais. Além disso, têm vidas mais longas. Algumas fêmeas também procriaram até os 2,5 anos de idade - a maioria dos demais ratos não se reproduz depois do primeiro ano de vida.

“Metabolicamente, esses ratos são similares a Lance Armstrong (um conhecido ciclista americano) pedalando pelos Pirineus. Eles usam principalmente ácidos graxos para obter energia e produzem muito pouco ácido láctico”, explicou Richard Hanson, autor principal do artigo.

“Eles funcionam de maneira similar aos atletas humanos de maratona”, disse Cabrera, especialista em fisiologia do exercício. Agora o principal desafio é poder aproveitar esses avanços no ser humano. “Encaramos atualmente uma verdadeira epidemia de obesidade entre as crianças e adolescentes, e sabemos que ela está ligada ao desenvolvimento do câncer”, explica.

Um dos próximos projetos do grupo é a comparação das probabilidades de câncer entre ratos atletas e ratos comuns com um regime de exercícios. Como parte do estudo, os pesquisadores determinaram o consumo de oxigênio, a produção de dióxido de carbono e as concentrações de lactato no sangue dos ratos “PEPCK-Cmus” e dos ratos em grupos de controle durante o exercício em uma esteira com inclinação de 25 graus.

A velocidade da esteira foi aumentada em dois metros por minuto a cada 60 segundos até que o rato parou de correr. Os imitadores do “Ligeirinho” correram uma média de 31,9 minutos comparados com 19 minutos nos animais do grupo de controle.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/11/07

Empresas brasileiras se transformam em corporações globais


O que as brasileiras Gerdau, Votorantim, Sabó, Vale do Rio Doce, Sadia, Marcopolo e Odebrecht têm em comum? Estão entre o crescente grupo das multinacionais brasileiras - empresas nacionais que ampliam a sua expansão para fora do território brasileiro. A reportagem é de Cristiane Mano para a revista Exame, nas bancas. A seguir um trecho da reportagem.

Fronteira é um conceito que não existe mais para um pequeno grupo de empresas brasileiras. A siderúrgica Gerdau gera mais da metade de suas receitas em operações nos Estados Unidos. A fabricante de alimentos Sadia prepara-se para lançar um inédito programa de trainees internacional e recrutar jovens recém-formados na Rússia, na Europa e no Oriente Médio. O grupo Votorantim acaba de criar uma espécie de manual de gestão, editado em três línguas - português, inglês e espanhol -, para padronizar seus processos em todos os cinco países em que atua.

A fabricante de autopeças paulista Sabó decidiu realizar a reunião de seu conselho de administração, marcada para novembro, nos Estados Unidos. A transformação dessas empresas brasileiras em corporações globais está mudando o mapa de investimentos do mundo. No final de outubro, um relatório publicado pela Unctad, braço da Organização das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico, mostrou que o volume de investimentos diretos do Brasil no exterior alcançou 28 bilhões de dólares em 2006. O país atingiu a 12a posição entre os maiores investidores no mundo, à frente de emergentes como Rússia e China.

Esse desempenho inverteu a lógica que imperou ao longo de toda a história do capitalismo brasileiro. Pela primeira vez, o volume de dinheiro daqui para fora ultrapassou o fluxo na via contrária, que ficou em 19 bilhões de dólares. Neste ano, as multinacionais brasileiras devem novamente superar de longe a média registrada na década de 90, quando os investimentos lá fora mal chegavam a 2 bilhões de dólares por ano.

A demonstração mais evidente de que a corrida está cada vez mais acelerada é a impetuosidade da gaúcha Gerdau. Em setembro, a siderúrgica investiu 4,2 bilhões de dólares - a maior aquisição de sua história - na compra da Chaparral Steel, segunda maior produtora americana de estruturas de aço. Um mês depois, a empresa anunciou a compra de 49% de participação na mexicana Aceros Corsa, por 100 milhões de dólares. "Não vamos parar para mastigar as aquisições, e sim seguir em frente com outros negócios", diz André Gerdau, presidente do grupo Gerdau.

Juntas, as cinco brasileiras mais internacionalizadas - um pelotão de elite composto de Vale do Rio Doce, Gerdau, Sabó, Marcopolo e Odebrecht, segundo a Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte - já faturam cerca de 20 bilhões de dólares por ano em suas operações internacionais. Apenas em 2007, essas cinco empresas deverão ter investido cerca de 9 bilhões de dólares no exterior.

A expansão internacional das companhias brasileiras acontece com quase um século de atraso em relação a empresas americanas e européias, que iniciaram o avanço estrangeiro logo após a Primeira Guerra Mundial, e cerca de duas décadas depois de indianos e chineses. O movimento de crescimento global no Brasil cresceu sobretudo nos últimos três anos, impulsionado em grande parte pela valorização do real.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/11/07

A violência como certeza

Uma década depois de La modernidad desbordada (FCE), e confirmando suas intuições, o indiano Arjun Appadurai (Bombaim, 1949) nos brinda com El rechazo de las minorías, um ensaio em que retoma e atualiza uma percepção recorrente na antropologia – em Mary Douglas, por exemplo – acerca da preocupação que todas as sociedades experimentam por manter na linha o seu principal inimigo, que não é tanto a desordem, mas a ambigüidade. Esse pavor diante do desbotamento dos perfis e dos limites é o que viria a apaziguar modalidades de agressão destinadas a castigar os suspeitos por terem vulnerado ou questionado as fronteiras simbólicas que protegem o grupo (qualquer grupo) dos perigos que o espreitam.

A matéria é de Manuela Delgado e foi publicada no El País, 27-10-2007. A tradução é do Cepat.

Aplicando tal premissa, Appadurai observa que as grandes dinâmicas globalizadoras não fizeram senão intensificar esse ingrediente estratégico do qual dependeram os Estados-nação, que foi, desde e para o seu nascimento, a homogeneidade cultural dos territórios e populações administradas. O estouro das certezas culturais compartilhadas que deram consistência às nações modernas – e perdão pelo pleonasmo – levou à generalização daquilo que o autor chama de “angústia do incompleto”, que está se traduzindo num crescente enfurecimento contra qualquer minoria, real ou inventada, que ameace suas supostas integridade e persistência idiossincráticas. Como se todo Estado-nação – formado ou em amadurecimento; aqui e em todas as partes – levasse em si, enrustido em seu narcisismo fundador, o germe do etnocídio ou, como aponta Appadurai, do ideocídio.

O fenômeno derivaria, como outros associados à violência como recurso contra a ansiedade coletiva, de uma proliferação de sistemas celulares, um tipo de organização molecular que está na base hiper-ativa e ao mesmo tempo hiper-dispersa tanto do terrorismo internacional como do novo intervencionismo imperialista, tanto do capitalismo financeiro como daqueles que se atrevem a encará-lo. Um mundo cada vez mais invertebrado e modular, regido mais por códigos desconhecidos, nos quais os Estados-nação aparecem cada vez mais marginalizados e – pior para eles – cada vez mais prescindíveis.

É frente a essa consciência de crise e insegurança que as maiorias estatais contemplam qualquer exceção procedente do exterior ou emergente em seu seio como um fator de risco e uma anomalia a ser neutralizada. Risco e anomalia não obstante indispensáveis, posto que é deles, ou melhor, contra eles, que os Estados constituídos obtêm a evidência paradoxal de uma existência própria que ninguém melhor para corroborar do que aqueles que a questionam.

Inquieta esse tópico que dá como certo que o que se chama de “exacerbamento dos nacionalismos” se combate viajando, aceitando o outro que chega e conhecendo o outro ao qual se chega, aumentando a dose de cosmopolitismo, etc.

O que Appadurai acaba de sustentar é exatamente o contrário. É a promiscuidade cultural, a proliferação de espaços abstratos como o cibernético, o fluxo de capitais e verdades, o aumento das inter-relações e das misturas o que leva a desvanecer-se toda ilusão de pureza e a buscar o contrapeso de tal frustração em autenticidades que, alheias ao mundo, já não podem ser senão ideológicas ou religiosas. Em casos extremos, somente a violência fanática poderá restabelecer a unidade perdida ou afastada. Diante da desordem e da fragilidade do real, só resta a estabilidade imutável das doutrinas mais ferozes, uma ordem atroz que será tanto mais severa quanto mais a experiência se empenhar em desmenti-la, e que não duvidará em afastar, enquanto for preciso, aquilo ou aqueles que se atreverem a lembrar-lhe que só pode existir como sonho para uns e pesadelo para outros.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/11/07

Consumo de carne e aquecimento global

Levando em conta a entrevista do dia realizada com o biólogo Sérgio Greif, o sítio do IHU reproduz uma reportagem produzida pelo Jornal do Bem Estar no mês de outubro. Sob o título "Uma outra verdade incoveniente", o jornal trata sobre o consumo de carne e sua relação com o aquecimento global. Confira, a seguir a reportagem intitulada "Alguns dados para você levar em conta" e entenda um pouco mais sobre esse grave problema.

Eis a reportagem.

ALGUNS DADOS PARA VOCÊ LEVAR EM CONTA

- 30% de todo o planeta habitável é pasto.

- 70% de todas as plantações (do mundo) são para a pecuária.

- A pecuária é responsável por 18% de toda emissão de gases nocivos de todo o planeta medida em CO2 equivalente. É o maior poluidor do mundo, superando o transporte.

- A pecuária é responsável por 37% do metado liberado na atmosfera. O metano é 23 vezes pior do que o CO2 em termos de aquecimento global.

- A pecuária é responsável por 65% de óxido nitroso na atmosfera. O óxido nitroso é 296 vezes pior do que o CO2 em termos de aquecimento global.

- A pecuária consome 8% de todos os recursos hídricos do planeta.

- A pecuária é responsável por 1/3 da poluilção das águas potáveis com nitrogênio e fósforo.

- A pecuária é responsável por 55% da erosão da terra, por 37% do uso de pesticidas e 50% de antibióticos (dados dos Estados Unidos).

- De acordo com o Conservation International, das 35 áreas onde a biodiversidade é ameaçada no mundo, 23 têm entre suas causas a pecuária.

- A produção mundial de carne deve ir de 229 milhões de toneladas em 2001 para 465 milhões em 2050.

- A produção mundial de leite deve ir de 580 milhões de litros em 2001 para mais de um bilhão em 2050.

- 64% da população mundial terá escassez de água em 2025.

- Com a água gasta para um quilo de bife, poderia se produzir 227 quilos de tomate.

- Com a terra ocupada para a produção de um quilo de bife, poderia se produzir 122 quilos de batata.

- Usa-se 20 quilos de grãos para cada quilo de bife.

- O rebanho bovino no mundo todo cresceu cinco vezes em 50 anos e hoje soma seis bilhões de cabeças. Há um boi para cada pessoa e todos serão abatidos um dia.

- A criação de gado é repsonsável pelo desmatamento de 93% da Mata Atlântica, 80% da caatinga, 50% do cerrado e 18% da Amazônia.

- Há 35 milhões de cabeças de gado na Amazônia, que tem 22 milhões habitantes. Os bois pastam hoje onde havia floresta.

- 70% das emissões de metano no Brasil são provocadas pelo processo digestivo dos ruminantes.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/11/07

Praga pode ser resistente a transgênico

Pesquisadores do México e dos Estados Unidos elucidaram um mecanismo pelo qual insetos podem se tornar resistentes às toxinas usadas em plantas transgênicas. A descoberta pode ter implicações importantes para o manejo de pragas em plantios de milho e algodão geneticamente modificados, que tiveram variedades recentemente aprovadas no Brasil. A reportagem é de Herton Escobar e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 2-11-2007.

Assim como na agricultura convencional, a evolução de pragas resistentes é uma das principais preocupações com relação aos transgênicos. Os cientistas mostraram como uma proteína chamada caderina é essencial para que as plantas geneticamente modificadas do tipo Bt tenham o efeito tóxico desejado nos insetos. Ela atua como uma molécula receptora, à qual a toxina Bt precisa se ligar para agir no intestino das pragas.

“Sem essa acoplagem, não há efeito tóxico”, explica o especialista Celso Omoto, do Departamento de Entomologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).

Para demonstrar isso, os cientistas produziram lagartas com o gene da caderina silenciado. Sem a proteína, os insetos deixaram de ser suscetíveis à toxina Bt.

Segundo Omoto, o trabalho é um alerta para que as regras de manejo de pragas sejam seguidas à risca a fim de se evitar a proliferação de insetos resistentes no campo. A resistência ocorre quando um animal naturalmente imune a uma toxina se multiplica na população, ocupando o lugar dos indivíduos não imunes que são mortos pela toxina. É o que ocorre nos cultivos tradicionais quando um mesmo pesticida é aplicado por muito tempo.

No caso dos transgênicos, o pesticida está dentro da planta. É um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), inserido no genoma do vegetal, que comanda a produção de uma toxina mortal para lagartas, mas totalmente inofensiva para outras espécies (e, especialmente, para o ser humano). Quando a lagarta come a planta transgênica, a toxina ingerida liga-se à caderina e causa perfurações no intestino do inseto, que acaba morrendo de infecção generalizada - o que dispensa o uso de inseticidas químicos sobre a lavoura.

No caso de uma praga resistente, a vantagem da tecnologia desapareceria. Insetos naturalmente imunes (com alguma mutação que interfira na síntese ou na estrutura da caderina) existem na natureza. O desafio é garantir que eles não se multipliquem.

Segundo Omoto, isso pode ser feito com técnicas de manejo que reduzem a pressão seletiva sobre indivíduos resistentes. No caso do algodão, por exemplo, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) exige que 20% da área plantada com transgênicos seja cultivada com variedades tradicionais (chamadas áreas de refúgio), com o uso de inseticidas, de modo que eventuais insetos resistentes sejam eliminados.

Isso é especialmente importante no Brasil, onde o plantio é feito o ano inteiro, segundo Omoto - diferentemente do que ocorre nos EUA, onde a agricultura pára no inverno. As variedades transgênicas de milho e algodão aprovadas no País até agora são do tipo Bt. “O manejo precisa ser seguido à risca ou a tecnologia pode perder efeito em um curto espaço de tempo”, avisa Omoto. Segundo ele, “não há nenhum caso de resistência a plantas transgênicas registrado no mundo até o momento.” Mais de 32 milhões de hectares já são cultivados com variedades Bt no mundo.

Caso o manejo falhe, o trabalho publicado hoje apresenta uma alternativa molecular: a possibilidade de produzir toxinas Bt modificadas, capazes de “enganar” a resistência do inseto. Foi o que eles fizeram. Lagartas resistentes alimentadas com toxinas alteradas morreram. A pesquisa foi chefiada por cientistas da Universidade Nacional Autônoma do México. Os resultados estão publicados na revista Science.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/11/07

Game para 'salvar' a Terra


No princípio parece um pouco estranho, mas depois acostuma-se. Desde ontem, se pode acessar um jogo na Internet no qual para se ganhar não é preciso matar ninguém, mas sim salvar o planeta. A notícia é do El País, 31-10-2007.

Chama-se guardiões do clima – www.guardianesdelclima.com – e para ganhar pontos é preciso recolher papel reciclado e utilizar produtos do comércio justo ou máquinas de lavar com a classificação A - de máxima eficiência. Dirige-se a crianças e adolescentes de 8 a 14 anos e foi desenvolvido pela União de Associações Familiares. Cada vez que se supera uma fase, os jogadores recebem informações (uma criança espanhola produz mais poluição do que 40 crianças de um país pobre; durante a fabricação de um celular se geram 75 Kg de lixo...), o que faz aumentar a consciência ambiental. Um último recado: usar um computador durante uma hora emite em média 750 gramas de CO2.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/11/07

‘O islamismo já é uma religião européia’. Entrevista com Tariq Ramadan

Admirado pelos jovens árabes que moram nos subúrbios de Paris, visto com desconfiança por funcionários e legisladores europeus, que o vêem como uma ameaça, Tariq Ramadan se converteu na voz mais audaz da intelectualidade muçulmana. Uma voz que adverte: a imigração árabe provocará “a renovação do islamismo” mas, antes, a “islamização da Europa”. O Velho Continente, escreveu, “deve aprender a compartilhar, por bem ou por mal”.

“Em 2003, a televisão francesa passou um debate (já mítico) sobre a questão da laicidade entre o então ministro do Interior, Nicolás Sarkozy, e um intelectual suíço de origem egípcia, considerado “o mais influente teórico do islamismo europeu”, Tariq Ramadan. O tema: podem ou não as crianças muçulmanas ir com véu à escola? O fascinante debate foi ganho de goleada pelo atual presidente da França: Sarkozy exibiu um verbo agressivo e uma inteligência feroz. Anos mais tarde, Ramadan explicou que lhe constava que naquela noite “Sarkozy havia prometido aos seus mais próximos que me esmagaria”. Quem é Ramadan, para que o presidente da França considere necessário esmagá-lo?

Nascido em Genebra, Ramadan pertence por direito próprio à aristocracia do pensamento islâmico: pode aspirar um tratamento de “emir” (“um privilégio ao qual prefere renunciar”, disse) e é doutor em filosofia, além de ulemá, quer dizer, doutor na lei muçulmana. O primeiro título obteve na Suíça com uma tese sobre a obra de Nietzsche e o segundo, na Universidade Islâmica de Al-Azhar, no Cairo. É também autor de numerosos livros sobre o islamismo e os cassetes com seus discursos são vendidos aos milhares entre os jovens árabes dos banlieues quentes de Paris, Genebra, Marselha ou Bruxelas.

A revista Time o colocou entre “os 100 homens mais influentes do mundo”. O filósofo francês Bernard-Henry Lévy o definiu como “um polemista temível”. Fez parte do “Conselho dos Sábios”, nomeado por Romano Prodi para “o diálogo de civilizações euro-mediterrâneo”, e Tony Blair o convidou para se unir a uma comissão para analisar causas e conseqüências dos atentados islamitas de Londres. Na Grã-Bretanha aceitou igualmente um posto no prestigiado Saint Anthony’s College de Oxford, onde dissertou sobre o “pensamento islâmico”.

Ramadan acredita que a imigração muçulmana na Europa provocará, com o passar do tempo, “a necessária renovação do islamismo” e, de passagem, a “islamização da Europa”, segundo seus (muito) numerosos detratores e inimigos declarados. A acusação mais habitual em relação a Ramadan é que seu pensamento tem duas caras: uma amável, democrática, racional e européia que esgrime em seus encontros com a imprensa ou os políticos; e outra, conservadora e intolerante, que oferece em árabe aos seus seguidores islâmicos dos subúrbios das capitais européias, afogados no fundamentalismo.

“Não tenho nenhum discurso duplo – se inflama Ramadan –, sustento as mesmas teses na mesquita e na rua”. Mas, pelo visto, a dúvida e a suspeita de seus vínculos com círculos fundamentalistas foram suficientes para que as autoridades dos Estados Unidos lhe negassem o visto para ensinar na Universidade de Notre-Dame, em Indiana. O Departamento de Segurança Interior (DHS) esgrimiu razões “de segurança pública”. Igualmente, a dúvida foi suficiente para que o presidente José Luis Zapatero se negasse a recebê-lo em Madri, quando Ramadan visitou a Espanha, no final de 2005 (“Algum conselheiro lhe teria dito que eu era uma espécie de terrorista e extremista”, disse, irônico.). Mais recentemente, Ramadan teve uma polêmica com os pensadores franceses (todos judeus) Alain Finkielkraut, Bernard-Henry Lévy, André Glucksmann e Bernard Kouchner, atual chanceler desse país.

Resultado de duas entrevistas realizadas em Genebra e Londres, Ramadan responde sobre esta e outras polêmicas.

Segue a íntegra da entrevista com Tariq Ramadan publicada no jornal argentino Clarín, 27-10-2007. A entrevista foi feita por Rodrigo Carrizo Couto, bem como a apresentação acima. A tradução é do Cepat.

Você disse que “reconhece o direito à existência do Estado de Israel” e que os judeus são seus “irmãos do livro”. Mantém essa afirmação?

Absolutamente. Israel é um fato. É inaceitável legitimar elementos anti-semitas no discurso muçulmano. É preciso diferenciar entre a crítica ao Estado de Israel, legítima como qualquer crítica política, e a manutenção de posturas racistas a partir da política israelense.

Repete essas idéias diante dos milhares de jovens magrebinos que o seguem nos subúrbios de Marselha, Genebra ou Londres?

Num dos meus discursos sobre o Corão digo claramente que é “inadmissível fazer uma amálgama entre os judeus e o Estado de Israel”. Mantenho isto em público e no privado; tanto na mesquita como fora dela.

Exatamente a acusação mais habitual em relação a você é: “mestre do discurso duplo”.

Deveriam apresentar provas desse discurso duplo; os jornalistas recolhem meu discurso e o reconstituem.

Declarou que se deve aplicar uma “moratória indefinida” a respeito do apedrejamento das adúlteras e dos castigos corporais. O que significa isso?

Eu disse que é preciso aplicar uma “moratória absoluta” da pena de morte, do apedrejamento e dos castigos corporais no mundo muçulmano. Os sábios muçulmanos dizem que, apesar destes castigos estarem contemplados no Corão, são muito raramente aplicáveis. Logo vi com meus próprios olhos a realidade. Dado que os doutores da lei não estão de acordo sobre a aplicação das penas, se deve beneficiar sempre a vítima. Mas, só podem funcionar os argumentos islâmicos contra as leis islâmicas. Não pode haver solução para isto se não sair do interior do mundo muçulmano.

As opiniões são mais críticas que favoráveis em relação a você e sua obra. Como define seu trabalho?

Sou um intelectual que tenta reler o islamismo à luz de nosso contexto contemporâneo, tanto do mundo ocidental como muçulmano. Quero, do interior da civilização muçulmana, assumir os desafios da sociedade contemporânea e poder ser um europeu muçulmano e viver na minha sociedade. Não apenas me integrando, mas também contribuindo. Desejo que o mundo muçulmano seja partícipe do concerto das nações dentro de um marco de pluralismo. A idéia de que não existe mais que “uma só civilização possível”, a ocidental, e que as demais culturas devem alinhar-se com ela, não é boa nem para o Ocidente nem para as outras civilizações. Estou a meio caminho entre dois universos de referência. Interpelo meu próprio marco muçulmano, do qual sou muito crítico. Na Europa, digo que o destino dos muçulmanos não é a assimilação; não estamos destinados a desaparecer. Vamos continuar sendo o que somos.

A França integrou russos, judeus, espanhóis, italianos. Por que os árabes parecem os únicos incapazes de se integrarem no modelo republicano?

Os espanhóis ou os italianos conseguiram integrar-se dado que passaram mais tempo na França. Não se pode julgar as pessoas sobre a base de duas gerações. Mas o que você diz é certo: não é só um problema da França, mas que também se deve culpar estas populações que durante longo tempo se marginalizaram, afastadas da sociedade. Inclusive a nível intelectual e psicológico. A “síndrome do colonizado” perdura. As responsabilidades estão compartilhadas. A França deve deixar de olhar o islamismo como uma religião estrangeira (toda a Europa deve dar-se conta: o islamismo já é uma religião européia). E os muçulmanos devem terminar com sua eterna auto-vitimização e marginalização intelectual. Toda crítica é percebida como contrária ao islamismo, mas não toda crítica é necessariamente “islamofóbica”. É preciso entender que no mundo muçulmano ninguém tem o direito de tocar as religiões e no Ocidente existe, inclusive, o direito de se rir da religião. O muçulmano deve compreender que na Europa mudou de universo.

Como vê a situação do Oriente? Fala-se em “primavera árabe”. Está de acordo?

Não. A suposta “primavera árabe” é a emergência de certos processos democráticos no mundo muçulmano, mas as ditaduras seguem sendo a regra. É hora de que os intelectuais árabes renovem seu discurso de que “tudo é culpa de Israel”. Israel não é responsável por nossa falta de consciência política.

Cabe esperar uma renovação do islamismo? Seria desejável?

O futuro do islamismo passa em grande parte pelo Ocidente, pois aqui está a democracia, ou seja, o espaço de liberdade. Devemos começar a pensar o islamismo em termos de direito a e não exclusivamente de obrigação de. A tradição muçulmana se baseia sobre a religião obriga, mas não desenvolvemos ainda um discurso sobre o islamismo como um espaço de direitos.

Acredita que é possível a convivência entre o islamismo praticante e a Europa laica e republicana?

Não há contradição entre os princípios e fundamentos do islamismo e a democracia, mas cada país deve encontrar seu próprio modelo. Há, na Europa, milhões de muçulmanos integrados no processo democrático e se deve deixar de vê-los como estrangeiros.

O islamismo é uma visão do mundo que abarca o espiritual e as realidades terrestres. Não há incompatibilidade de princípio com a democracia num sistema que mescla o político e o religioso?

Eu me oponho a esta intrusão da esfera privada dentro do público. A dimensão espiritual deve estar separada da terrena, mesmo que isso implique um divórcio radical de ambas. Aí não há nenhuma contradição com a tradição muçulmana.

Diz-se que sua estratégia passa por convidar os muçulmanos da Europa a participar da vida política de seus países a fim de “islamizar” as leis nacionais. Um Cavalo de Tróia islâmico.

Essa é a velha acusação de “entrismo”. Ontem, os muçulmanos estavam no gueto e eram acusados de se isolarem e de propugnarem o “comunitarismo”. São os que não podem considerar-me como suíço ou europeu. Aborreço-os, provoco medo neles. Sempre foi mais fácil identificar o inimigo através da alteridade do que quando o inimigo elimina sua diferença e se converte em mais um.

Você acredita que a comunidade muçulmana condena com suficiente firmeza os ataques terroristas? Nenhuma autoridade religiosa declarou uma “fatwa” a Bin Laden.

Diante dos atentados e do recrudescimento do terrorismo fundamentalista em escala mundial os muçulmanos deveriam colocar-se de pé. Denunciar essa violência. Todas as organizações muçulmanas do Reino Unido, ou quase todas, condenaram unanimemente os atentados de Londres. Mas, os meios de comunicação não estão interessados nas pessoas que tentam construir pontes, mas naquelas que procuram destruí-las.

Num editorial escreveu que “a Europa deve aprender a compartilhar, por bem ou por mal”. Isso soa como ameaça...

Os cidadãos muçulmanos devemos ter o direito de compartilhar tudo em nossos países, inclusive o poder real, mas os europeus querem isto? Temo que não, mas não terão outra solução a médio ou longo prazo. Sou um europeu de confissão muçulmana e, queiram ou não, somos o futuro. Eu não convido os muçulmanos a que “islamizem” a Europa, mas convido a Europa a que compreenda que o islamismo já está nela e que os muçulmanos são cidadãos de pleno direito. Os europeus estão preparados para aceitar que os muçulmanos têm algo a contribuir para esta sociedade? A Europa admite ter cidadãos de confissão muçulmana?

E se a resposta fosse “não”?

Ao menos os termos do debate estariam claros. A Europa tem medo e desconfia. Eu digo: abram os espaços de confiança. Não poderemos construir nada a partir da suspeita e do medo.

Qual é o mínimo que cabe esperar de uma pessoa para considerá-la integrante de sua sociedade? Basta um passaporte?

É cidadão aquele que detém um passaporte, respeita as leis do país e é ativo socialmente. Mas o certo é que não estou de acordo com a pergunta? Não creio que haja “mínimos exigíveis” de pertença. Ainda que seja preocupante ver que o discurso tradicional sobre a imigração da ultradireita se banalizou e que quase todos os partidos o esgrimem.

Pode pertencer à sociedade um homem que não fala o idioma do país de acolhida?

Não. Deve falar o idioma, conhecer as tradições, a história, as instituições e as leis do país em que vive.

O que pensa dos problemas gerados pelo véu islâmico?

Não podemos pedir a uma criança muçulmana que deixe de ir à escola por respeito ao véu. Mas, tampouco é bom que todas as crianças muçulmanas terminem realizando seus estudos em escolas corânicas. Entre o véu e a falta de escolarização, deve primar a educação. Isso é anterior ao respeito às tradições religiosas. O que necessitamos é a mescla social. Devemos ir radicalmente contra a tendência natural e compreensível dos imigrantes de se agruparem entre iguais. Em Londres, há escolas públicas com 99% de estudantes paquistaneses. Isso é intolerável.

O que acontece, na sua opinião, no caso de um muçulmano ter um filho homossexual?

A homossexualidade, segundo a tradição islâmica, “não faz parte do plano divino”, mas o respeito à dignidade do ser humano deveria estar acima das tradições religiosas.

A aids é um castigo de deus?

Não diria isso; mas todas as religiões associam a doença ao castigo divino.

Uma mulher muçulmana pode casar-se com um “infiel” e continuar sendo membro da “nação do islamismo”, ou da “Umma”?

Segundo a tradição, não. Mas nada na lei muçulmana diz que devemos expulsá-las da comunidade. Quando me consultam sobre o assunto digo que estejam conscientes das enormes dificuldades que essa escolha encerra.

O que é um “imame”?

É o homem que dirige as pregações na mesquita e faz o sermão. Sua escolha é democrática: é escolhido pelos próprios fiéis da comunidade.

Israel – disse – não é a causa do problema do mundo árabo-muçulmano, mas sua conseqüência direta. Qual seria o problema, então?

Não há um problema, mas muitos. Um é o eterno culpar de nossos dramas e carências aos sionistas, americanos ou europeus. Nós somos a causa de nossos problemas e misérias! Os intelectuais árabes não cumprem seu papel; carecemos de projeto social e político. Nos anos 60, Mohammed Iqbal, influente pensador do islamismo, disse algo que explica o tema: “os países árabes fomos colonizados porque éramos colonizáveis”.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/11/07

Argentina: a salvação pela soja

A província de Santa Fé, 400 km a nordeste de Buenos Aires, no coração do pampa rico, é a capital do agronegócio argentino. Favorecido por condições internacionais e internas, o setor vive espetacular momento, puxado principalmente pela soja transgênica e pelo leite. As divisas procedentes das exportações de cereais ajudam o governo central a fechar as contas no final do mês. No entanto, cabe perguntar: se a Argentina estiver sendo salva pela soja, quem a salvará dos problemas ambientais decorrentes? Segue a matéria de Christine Legrand, enviada especial a Rosário, publicada no Le Monde, 29-10-2007. A tradução é do Cepat.

Exatamente às 14 horas, elas avançam a passos inquietos. Tal qual estudantes educados, elas se colocam em fila perto de máquinas high-tech que permitem aos gaúchos ordenhá-las, duas vezes por dia, em poucos minutos. Uma das centenas de vacas preto e branco ostenta na orelha uma etiqueta com o nome de seu pai “Eddie”, um touro americano comprado a preço de ouro, há um ano, por Guillermo Veneranda. Esse veterinário, de cerca de 40 anos, está orgulhoso de apresentar a propriedade agrícola em que trabalha há cinco anos, após ter ficado muitos meses desempregado, durante a dramática crise financeira de 2002.

A 400 km a nordeste de Buenos Aires, no coração do pampa rico, na província de Santa Fé, a fazenda La Merced é uma das vedetes que testemunham a prosperidade do mundo agrícola, principal motor da espetacular retomada econômica. “Nós produzimos 60 mil litros de leite por dia, e a indústria leiteira, com a alta dos preços nos mercados internacionais, é tão rentável quanto a soja”, constata Veneranda.

A alguns quilômetros dali, na localidade de Clason, a usina de Santa Sylvina, ligada à fazenda La Merced, garante a produção de leite em pó destinada ao mercado local e à exportação para o Brasil, mas também para a Argélia e o Iraque. Com instalações ultramodernas, o estabelecimento fabrica também alimentos para o gado, principalmente à base de soja, “cuja demanda não pára de crescer, especialmente na Ásia”, se alegra Veneranda. A Argentina é o maior exportador mundial de óleo (desde 1996) e de farinha de soja (desde 1998).

Percorrendo as terras destinadas às pastagens para o gado no volante de seu 4 x 4, o veterinário aponta com o dedo os campos de soja que se estendem a perder de vista. O boom da soja a partir de 2002, acompanhado da desvalorização do peso, desordenou a vida da região mais fértil da Argentina com a chegada massiva de gente vinda das províncias vizinhas: há trabalho nos campos, nas usinas de produtos alimentícios e de material agrícola.

A febre da soja fez renascer um campo que agonizava nos anos 1990, com a paridade entre o peso e o dólar. Na época, uma colheitadeira importada dos Estados Unidos custava menos que uma comprada ali mesmo. Hoje, com um peso desvalorizado e uma elevação em dólares dos custos internacionais, a planta tornou-se o ouro verde da Argentina.

A soja transgênica representa 90% da produção nacional. As ONGs previnem contra uma monocultura que erode os solos e contra a utilização de produtos químicos poluentes. A soja é a principal cultura do país e ocupa mais de 50% das terras cultivadas: 15 milhões de hectares contra seis milhões há dez anos. A colheita, que foi de 45,5 milhões de toneladas em 2007, “poderá chegar a 60 milhões de toneladas”, se entusiasma o economista Rogelio Ponton. Ele lembra que a China é o maior cliente.

A soja vive dias promissores com o desenvolvimento dos biocarburantes, acrescenta Jorge Weskamp, presidente da Bolsa de Comércio de Rosário, principal cidade da província de Santa Fé e porto dinâmico de onde sai a maior parte das exportações agro-alimentares. Santa Fé é o maior centro oleoginoso do mundo com uma produção de 150 mil toneladas/dia de óleos vegetais. Ela garante 21% do total das exportações argentinas.

A Argentina, que era um dos maiores produtores de grãos do mundo no começo do século XX, retoma o oitavo lugar na produção mundial de alimentos. As colheitas de cereais atingem níveis recordes: 95 milhões de toneladas em 2007; 100 milhões de toneladas previstas para 2008. Com a alta contínua dos preços internacionais do trigo, do milho, da soja e do girassol, eles representaram 15 bilhões de dólares em 2007. Estima-se 20 bilhões de dólares em 2008.

O modelo agrícola competente atrai os investimentos estrangeiros. Perto de 90% das exportações agro-alimentares estão nas mãos de dez multinacionais, a maioria americanas.

Entretanto, os produtores se queixam das taxas impostas pelo governo peronista de Néstor Kirchner sobre as exportações: quase 30% por tonelada de cereais. “É verdade que, na atual conjuntura, os agricultores têm ganhos consideráveis”, admite Veneranda. O proprietário de La Merced, Federico Boglione, descendente de imigrantes italianos, possui três outras fazendas, que também exportam leite, cereais, carne, mas também touros destinados à reprodução.

A taxa sobre as exportações de cereais, que representou este ano em torno de quatro bilhões de dólares aos cofres do Estado, tornou-se indispensável para o governo fechar as contas no final do mês. O próximo governo poderia ser tentado a aumentá-la.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/11/07

R$ 10,00 para colher 680 kg de laranja por dia


O grupo móvel de fiscalização libertou 19 trabalhadores em condição de escravidão no distrito de Pederneiras, região de Bauru, interior do Estado de São Paulo. De acordo o Ministério Público do Trabalho, eles não tinham descanso semanal, dormiam amontoados em uma antiga oficina mecânica e não recebiam água potável. A alimentação e as ferramentas para o serviço eram descontadas do salário. O relato é de Leonardo Sakamoto, 31-10-2007, jornalista coordenador do sítio Agência Repórter Brasil especializado no acompanhamento sobre trabalho escravo.

Segundo o jornalista, citando o procurador Marcus Vinícius Gonçalves Gonçalves, “cada trabalhador recebia R$ 10 por dia, tendo que colher dois sacos de 680 kg de laranja. Com esse salário eles precisavam pagar alimentação, alojamento... Não sobrava nada”.

Devido à operação de fiscalização, os trabalhadores receberam os salários devidos, seus direitos trabalhistas e indenização por dano moral.

A fazenda havia contratado uma empresa terceirizada para a colheita que, por sua vez, contratou um gato para trazer mão-de-obra. A terceirizada está assumindo a responsabilidade trabalhista, mas caso não cumpra com as obrigações o dono da fazenda responderá pelo caso.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/11/07

Idéia de plebiscito assusta até petistas

A idéia de se realizar um plebiscito sobre um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está assombrando a oposição e tirando o sono até de alguns petistas, antes mesmo de a proposta ser formalmente apresentada pelos parlamentares da base aliada do Palácio do Planalto. A reportagem é de Christiane Samarco e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 1-11-2007.

A pergunta e a constatação que setores da oposição faziam ontem eram estas: se, no plebiscito, a população concordar com um terceiro mandato, quem é que, no Congresso, vai se opor à emenda para mudar a Constituição? E não será difícil a base aliada aprovar a convocação do plebiscito.

Bastou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) defender a tese de dar ao presidente da República o poder de convocar uma consulta popular sobre qualquer assunto, para que se instalasse a desconfiança entre os parlamentares. A despeito do conteúdo politicamente explosivo de uma consulta popular sobre o terceiro mandato, o fato é que basta garantir o voto favorável de 129 dos 513 deputados e de 22 dos 81 senadores para que um projeto de decreto legislativo neste sentido seja aprovado.

É claro que Lula só poderá passar 12 anos seguidos no Planalto se o Congresso mudar o texto constitucional, que permite apenas uma reeleição. Ninguém tem dúvidas de que é tarefa quase impossível, hoje, reunir votos de 308 deputados e 51 senadores neste sentido.

Mas o que alarma a oposição, em tempos de Congresso frágil diante da opinião pública e de um presidente com forte apoio popular, como Lula, é a suspeita de que o plebiscito seja uma tática dos lulistas para forçar o parlamento a aprovar o terceiro mandato.

O deputado Devanir nem sequer apresentou seu projeto. Mas isto não significa que ele tenha desistido da investida em favor do terceiro mandato. Ao contrário: ele marcou reunião para discutir este assunto com a bancada de senadores do PT, na semana que vem, e adianta que faz questão de abrir o mesmo debate com os petistas da Câmara, em seguida. “Minha idéia é dar ao presidente Lula e aos futuros presidentes uma ferramenta para que ele possa fazer suas consultas, como ocorre em outros países”, justifica Devanir.

Embora insista em que não tem a intenção de tirar poder do Legislativo, mas apenas de conferir um instrumento para que o presidente possa ouvir o povo, o deputado admite que a consulta popular pode ser usada pelo Executivo sempre que o Congresso estiver na contramão do governo.

Devanir afirma que não está sendo movido exclusivamente pelo desejo de um terceiro mandato. Segundo ele, a idéia do plebiscito pode ser aplicada a vários temas polêmicos que nunca são votados, como a descriminalização do aborto e a reforma política.

“Ele (o presidente) tendo o instrumento, pode usar para o que quiser, sem ficar à mercê do Legislativo para o que quer que seja”, explica o petista. “Quero discutir, ponderar e, se minha bancada me der guarida, vamos mexer. Se o presidente tem alta aprovação, com 80% de ótimo, bom e regular, por que não tenho o direito de consultar o povo sobre uma outra eleição? Temos que dar uma chance, uma oportunidade para que o presidente Lula ouça a população.”

Instituto Humanitas Unisinos - 01/11/07

Brasil se rearma. Não há corrida armamentista com Venezuela, afirma Jobim

O ministro Nelson Jobim (Defesa) disse ontem, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, que o Brasil não está em uma corrida armamentista com a Venezuela.

"Evidentemente que não podemos pautar nossa conduta pela Venezuela. Não entramos em corrida armamentista. O que a Venezuela compra é um assunto a ser discutido internamente. Como não admitiríamos que qualquer estrangeiro dissesse o que temos que fazer", disse, ao ser questionado sobre os investimentos feitos pelo vizinho na área militar. A reportagem é de Johanna Nublat e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo.

Nesta semana, o jornal argentino Clarín, em longa reportagem, noticiou que o governo Lula duplicará o orçamento militar em 2008.

Com o objetivo de estabelecer uma diplomacia militar com a região, Jobim pretende visitar todos os países da América do Sul no primeiro semestre de 2008.

Durante a audiência, o ministro defendeu investimentos para o reaparelhamento das Forças Armadas. Disse que espera contar com um orçamento de R$ 10 bilhões para investimento e custeio na área militar no ano que vem.

Jobim também afirmou que a compra dos novos equipamentos deve ser baseada em um plano previamente estabelecido e voltada para as tarefas consideradas prioritárias.

"Os equipamentos passam a ser uma conseqüência de uma definição de tarefas a serem desenvolvidas. Não é mera recomposição do status de armamento das forças armadas."

Durante a audiência, Jobim disse que pretende começar a negociação pelo aumento da remuneração de militares já na semana que vem, quando deve se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ministro disse esperar o reajuste ainda para este ano. Se for aprovada a proposta que está sendo analisada, o aumento representaria um impacto de R$ 1,7 bilhão neste ano, R$ 5,9 bilhões em 2008 e outros R$ 8,3 bilhões em 2009.

Hoje a folha de pagamento com os militares é de R$ 28,5 bilhões -distribuídos entre ativos, inativos e pensionistas.

O reajuste variaria de 27,6% a 37%, incidindo sobre o adicional militar e seria dividido em duas etapas. Neste ano, o aumento seria parcial -de 14,2% a 20,3%- e, no ano que vem, integral.

Jobim não disse se concorda com a proposta analisada -que foi feita na gestão passada da pasta. Disse, no entanto, como exemplo, que existe uma defasagem entre os vencimentos dos militares e de magistrados, que, em início de carreira, ganham o mesmo que militares que já trabalharam até 40 anos.