Graças à telefonia celular de última geração qualquer pessoa pode ser localizada por outra. Potencialmente todos se transformam em detetives. Do visor do celular ou da tela do computador se pode saber exatamente onde se encontra a sua mulher, os seus filhos quando saem de casa ou o trajeto de um familiar durante um passeio. A reportagem é do El País, 11-12-2007, sobre o serviço disponibilizado pela espanhola Movistar. A tradução é do Cepat.
Tudo pode estar sendo monitorado. A violência doméstica, enfermos de Alzheimer ou uma frota de veículos de uma empresa, até mesmo um mascote – tudo pode ser localizado. Poder ser localizado ou localizar, essa é a questão. Porque, se por um lado o Grande Irmão celular oferece serviços inócuos, por outro apresenta vantagens como acompanhar um enfermo de Alzheimer ou uma pessoa perdida.
O serviço Localize-me da Movistar é um sistema de localização, mas não é universal, explicam fontes da empresa, ou seja, localiza apenas quem permite ser localizado. Essa permissão é solicitada expressamente à pessoa cujo rastro pode ser seguido.
Mas a inscrição do serviço é automática desde o momento em que se realiza uma chamada do número a ser localizado, independente de quem se coloque em contato com a Movistar. A empresa não registra e nem identifica a pessoa que o ativa. Pode fazê-lo um noivo zeloso desde o celular de sua noiva; um cônjuge que suspeita de uma infidelidade ou um pai que anda desconfiado de sua filha ou filho. A empresa não pergunta o motivo do cadastro.
Nesse caso, o único conhecimento dado ao titular do celular será um SMS [mensagem] mensal da Movistar com a lista de celulares que podem ser seguidos. O dispositivo situa o celular – a pessoa – seguido num mapa que aparece no visor do celular controlador com uma margem de erro de 200 metros em uma cidade de 5 km numa área rural. Para maior salvaguarda da intimidade, insiste a companhia, o serviço pode ser desativado toda vez que se queira. Quando o celular está desligado também não funciona.
Maria utiliza o sistema de localização com seus filhos quando estes saem de passeio, assim diz ela, checa que “se estão onde dizem estar”. Teresa não deixa a sua filha de 15 anos sair de casa sem um celular com localizador A-GPS. “Me sinto mais tranqüila”, diz Teresa, “sobretudo quando a filha vai a alguma festa e retorna de madrugada”.
Os psicólogos consideram normal este comportamento na relação paterno-filial, inclusive na fase da adolescência que se caracteriza pela rebeldia e uma crescente autonomia. “Sempre de deve evitar excessos, mas os pais têm a obrigação de controlar os seus filhos, de velar por sua integridade e segurança e, podemos supor que o seu uso não será abusivo”, destaca Francisco Estupiñá, da Clinica Universitária de Psicologia de Madri.
Enrique García Huete, diretor da Quality Psicólogos, opina que “em mãos de pessoas com patologia de desconfiança, paranóia, zelo obsessivo, se torna um elemento a mais de controle. Antes se revistavam os bolsos ou a agenda ou ainda se interceptava a correspondência. Os celulares se somam a essa lógica, sem falar no e-mail e na Internet”.
O psicólogo alerta para o risco do controle do outro se tornar compulsivo. Destaca ainda que analiticamente falando é que para além de vigiar, “todos podemos ser vigiados”. García Huete afirma que “se abre um mundo de controle interpessoal em que não apenas se controla, mas em que também se é controlado”.
“A tecnologia é uma ferramenta, um meio”, tranqüiliza Ignácio Fernández Arias, da Unidade de Psicologia Clínica e de Saúde da Universidade Complutense de Madri. “Temos casos de pais e casais que utilizam o celular continuamente, chegando a um controle compulsivo. São pessoas com baixa tolerância à dúvida, mas o celular e o localizador não são em absoluto o núcleo do problema, mas sim uma ferramenta através da qual esta pode se manifestar. Estamos em uma sociedade tecnológica e também nos manifestamos através dela”, explica Fernández Arias. Ou seja, “a tecnologia não é determinante, pode influir, mas não é quem detona o problema das pessoas, a tecnologia apenas as colocam em contato com uma realidade que imaginam ou suspeitam”.
O alto custo dos sistemas mais avançados – 400 euros o Aryon ou 150 o Navento – dissuadem a muitos de o utilizarem. “Ainda é raro o acesso ao serviço individual, ainda que para muitos pais lhes resulte aceitável quando conhecem o seu funcionamento”, destaca Joaquín Gonzáles, diretor geral da Deimos Dat, empresa fabricante do Aryon, “entretanto, na área profissional os custos não são um empecilho”.
Quem utiliza o serviço é o Instituto de Idosos e Serviços Sociais (IMSERSO) que presta assistência aos casos de violência doméstica. Desde a sua implantação, em 2005, um total de 12 mil mulheres tem se servido dele, tanto do seu sinal de alarme – que mobiliza na hora as forças de segurança mais próxima -, como do modo de consulta dos psicólogos do Centro. Esta proteção custa ao Estado seis milhões de euros anuais.
Há testemunhos entusiastas do localizador. “Um dia perdi minha mochila em um vôo à Argentina que acabou na África do Sul. Depois perdi meu cachorro. Por isso me animei a utilizar o Navento. Hoje eu o levo no bolso, se me roubam ou perco, logo fico sabendo onde está. E quando viajo de avião com conexões, controlo desde o visor do celular onde está a mala através dos mapas do Google Earth”. “Saber a todo o momento onde estão as pessoas e as coisas que você gosta, é fenomenal”, diz Teresa. “O futuro de nossa vida cotidiana é o celular que já está generalizado, apenas nos falta instalar os sistemas de localização que melhoram sensivelmente a qualidade de vida”.
Os defensores do sistema argumentam utilizando o exemplo do caso Maddie que poderia ter salvado a sua vida caso pudesse ter sido encontrada depois de um acidente, uma vez que se demoraram horas para encontrá-la. E rebatem o fato de que um localizador seja intrinsecamente ruim, mas sem sombra de dúvidas, aquilo que impulsiona muitos a utilizarem, projeta-se também sobre uma intimidade cada vez mais vulnerável.