"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, outubro 19, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 17/10/07

ONU afirma que governos foram 'generosos demais' com investidores

A ONU reconhece o avanço na tendência de maior intervenção estatal na economia sul-americana e sugere que os governos da região adotem acordos de taxação progressiva com os investidores, além de uma estratégia clara de como vão utilizar os recursos. Segundo o relatório de investimentos das Nações Unidas, a época de acordos de concessão deve ser superada por “acordos de parceria”, com direitos e deveres tanto para os governos como para multinacionais. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 17-10-2007.

O documento promete causar polêmica, já que insinua um apoio às políticas adotadas nos últimos anos pela Venezuela, Bolívia e mais recentemente pelo Equador de revisão dos contratos com petroleiras e outras empresas multinacionais.

Para a ONU, os contratos assinados por multinacionais nos anos 1990 em alguns países podem ter sido “generosos demais” para os investidores. “Não estamos endossando ou rejeitando o que ocorre na região. Mas, se lemos o relatório entre as linhas, o que estamos dizendo é que essas medidas são legítimas e lógicas. Alguns governos não foram inteligentes ou agressivos o suficiente ao negociar os acordos com as multinacionais nos anos 90. Hoje, as medidas de rever os contratos assustam. Mas há uma lógica”, disse Karlotay Kalman, um dos autores do documento.

Segundo o relatório, a América Latina é região que mais medidas negativas tomou contra os interesse dos investidores em 2006. A tendência de nacionalização que começou no setor de energia estaria agora se espalhando para telecomunicações e eletricidade. No caso de Caracas e La Paz, as medidas podem ser uma reação a acordos dos anos 1990 que a própria ONU admite que poderiam estar desequilibrados a favor das multinacionais.

A ONU alerta também que determinados países podem precisar do capital e da tecnologia trazida pelas multinacionais. Por isso, a estratégia deve envolver uma transparência nos lucros, tanto de governos como de empresas, além de uma cooperação.

Já os países ricos devem promover uma ação responsável de suas multinacionais e pensar sobre as conseqüências de investir em países onde existem governos autoritários. Questões ambientais e sociais também devem ser avaliadas pelas multinacionais. O impacto final, portanto, vai depender de como a renda que é gerada pela multinacional será distribuída, inclusive pelo governo. Por isso, a ONU defende a criação de fundos para que o dinheiro seja usado no futuro em programas sociais.

PROJEÇÃO

A ONU prevê que os investimentos na América Latina devem crescer “moderadamente” este ano. O crescimento econômico da região, a alta nos preços de commodities e investimentos em manufaturas parecem ser a explicação para o desempenho. Do total de empresas pesquisadas, 47% pretendem aumentar investimentos na região até 2009.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/10/07

Múltis lucram mais e investem menos

As remessas de lucros das multinacionais instaladas na América do Sul superaram, pela primeira vez, os investimentos na região em 2006, segundo o relatório da ONU sobre investimentos. A região recebeu US$ 45 bilhões e as empresas enviaram de volta US$ 59 bilhões. O valor é 49% superior ao de 2005. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 17-10-2007.

O relatório mostra que as empresas instaladas no Brasil receberam US$ 19 bilhões e enviaram para as matrizes US$ 14 bilhões. Para a ONU, pelo tamanho do seu Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil ainda está abaixo do potencial de atração de investimentos. A entidade considera que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pode ajudar a promover esses investimentos ao reduzir impostos no valor de US$ 4 bilhões.

A explosão das remessas das multinacionais vem ocorrendo desde 2003, mas neste ano atingiu níveis recordes desde as privatizações na região, nos anos 90. Em 2000, por exemplo, os investimentos recebidos foram de US$ 60 bilhões, ante remessa de lucros de US$ 12 bilhões.

“Isso mostra que as empresas estão lucrando muito na região, mas também estão preferindo enviar esses recursos para o exterior, em vez de reinvestir nesses países”, disse Kalotay Kalman, um dos autores do documento da ONU.

Além do Brasil, outro destaque é o Chile, que teve as remessas calculadas em US$ 20 bilhões. Sem contar a remessa de lucros, as empresas da América Latina investiram US$ 43 bilhões em 2006 no exterior, uma alta de 125%.

O estudo aponta que o Brasil se tornou o local preferido, entre os mercados emergentes, para as multinacionais do setor financeiro. Quase 400 delas estariam atuando no Brasil. O País supera Hong Kong e o México.

No ano passado, o Brasil ocupou a 19ª colocação entre os maiores receptores de investimentos externos, perdendo apenas para Espanha, Rússia e China.

terça-feira, outubro 16, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 16/10/07

Madeira atrai nova onda migratória a Rondônia

A construção das usinas do rio Madeira vai gerar uma massa salarial de R$ 1 bilhão e atrair cerca de 80 mil pessoas. Marcada por uma história de fortes ondas migratórias, seguidas por esvaziamento econômico e mazelas sociais, Rondônia está apreensiva com os efeitos do novo ciclo de prosperidade em gestação. As duas hidrelétricas estão orçadas em R$ 20 bilhões - o dobro do PIB estadual, de R$ 9,74 bilhões. A reportagem é de Mauro Zanatta e publicada pelo jornal Valor, 16-10-2007.

Empresários e governos estadual e municipais já buscam formas para integrar a população que virá, cientes de que apenas uma parte dela será absorvida pelos 23,5 mil empregos diretos que serão gerados - 20 mil na construção das usinas Santo Antônio e Jirau, e 3,5 mil em fornecedores de equipamentos do complexo hidrelétrico.

O governo do Estado quer negociar a antecipação dos royalties das usinas, estimados em R$ 50 milhões anuais, e conta com R$ 200 milhões de um percentual obrigatório sobre o valor das obras para mitigar os impactos negativos, sobretudo na capital e em seus 13 distritos, um território maior que os Estados de Alagoas ou Sergipe. Outros R$ 645 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) devem ser investidos especialmente em saneamento - hoje, Porto Velho tem apenas 1,8% de ligações de esgoto, não tratado, e somente 45% das casas com água encanada.

Para além das demandas imediatas, os empresários reivindicam ações capazes de estruturar a economia local. A principal delas é a construção de um ramal de 550 quilômetros do gasoduto Urucu-Manaus (AM) até Porto Velho, para alimentar um pólo petroquímico produtor de tintas, polímeros e fertilizantes, o que poderia dobrar os empregos na indústria para 40 mil postos em dez anos e absorver o excedente de mão-de-obra gerado pelo "esfriamento" das usinas.

Em Porto Velho, há 30 edifícios para classe média em construção, mas já falta mão-de-obra - pedreiros, eletricistas e engenheiros - e alguns materiais são disputados na cidade. Atraídas pelo movimento, empresas de grande porte como Alstom, Accor Hotels, Carrefour e Votorantim Cimentos estudam o mercado, planejam investimentos ou já começam a chegar. Dois shoppings centers, com 160 lojas cada um, também estão em construção.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/10/07

Brasil importa pneu usado da Europa a US$ 1

O Brasil está importando pneus usados da Europa a US$ 1 e o governo desconfia de que se trata de uma maneira de os exportadores despejarem lixo no País. Os dados fazem parte do processo que está chamando a atenção da comunidade internacional na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Nossas suspeitas são de que seria mais fácil para eles (europeus) exportarem ao Brasil, mesmo que seja de graça, que tratar do problema localmente”, disse um funcionário de alto escalão do Itamaraty. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-10-2007.

Na Europa, um pneu novo custa em média US$ 60. Mas o fabricante precisa de pelo menos US$ 40 para pagar por sua destruição por exigências ambientais da União Européia (UE).

Ontem, delegados europeus afirmaram aos juízes da OMC em audiência que o Brasil estava adotando medidas protecionistas ao banir pneus recauchutados que não tinham qualquer relação com a proteção ao ambiente. O Brasil adotou medidas para impedir a entrada de pneus recauchutados da Europa, mas continuou permitindo a importação do Mercosul.

Bruxelas queixou-se na OMC e os árbitros concluíram que o Brasil teria duas opções: ou implementava completamente o embargo aos pneus (e fechava seu mercado) ou não poderia manter as discriminações que praticava. A opção do País foi começar a adotar medidas para embargar completamente a entrada do produto.

A decisão levou os europeus a pedir um novo julgamento. Dessa vez, alegam que as medidas brasileiras não se justificam como forma de evitar doenças ou degradação ambiental, como alega o Itamaraty. O governo brasileiro insiste que, ao evitar a entrada dos produtos, estaria lutando contra a dengue e o lixo ambiental.

“As medidas brasileiras são protecionistas e apenas usam os argumentos ambientais para justificar uma decisão industrial”, acusou um negociador europeu, alegando que os pneus recauchutados não são lixo. O representante afirma que a UE espera uma decisão da OMC para o início de 2008.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/10/07

Empresas triplicam remessa de lucros no governo Lula

Embora o governo aposte na chance de o Brasil receber recorde de investimentos estrangeiros neste ano, dados do Banco Central mostram que a remessa de lucros e dividendos para as matrizes das multinacionais nos quatro primeiros anos do governo Lula foi o triplo da registrada entre 1999 e 2002, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A reportagem é de Ney Hayashi da Cruz e Fernando Nakagawa e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-10-2007.

Entre 2003 e 2006, no primeiro mandato de Lula, a cada US$ 10 que entraram no Brasil, outros US$ 6 foram enviados ao exterior como ganho às sedes. Nos quatro últimos anos da gestão FHC foram remetidos US$ 2 para cada US$ 10 que entraram no país - valor pouco acima dos US$ 2,5 remetidos durante o primeiro mandato do tucano, entre 1995 e 1998.

O ingresso de investimentos estrangeiros entre 2003 e 2006 somou US$ 62,1 bilhões, enquanto as remessas foram de US$ 37,8 bilhões, conforme os números do BC. Com o aumento desse envio de lucros, parte do efeito positivo que a entrada desse capital tem sobre as contas externas é reduzido.

Para alguns analistas, as remessas de lucros feitas na primeira metade do governo Lula refletem o que aconteceu no segundo governo FHC, quando, puxados pelas privatizações, os investimentos estrangeiros totalizaram US$ 100 bilhões. Ou seja, agora que esses investimentos bilionários estão dando retorno, o envio de lucros para fora do país aumenta.

"As remessas cresceram porque o estoque de investimentos estrangeiros também está aumentando. Além disso, a rentabilidade das empresas cresceu muito nos últimos anos, porque a economia voltou a crescer", afirma o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.

Segundo ele, o volume de recursos enviado por multinacionais não chega a preocupar no curto prazo, porque por enquanto "a balança comercial compensa". Para o futuro, o economista defende a adoção de políticas que atraiam investimentos para setores mais avançados e dinâmicos da economia. Assim, as remessas de lucros seriam um preço justo a se pagar pela criação de empregos e pelo aumento de produtividade da economia.

O BC não possui dados históricos sobre os setores que mais enviam lucros para fora do país, mas os números de 2006 ajudam a ilustrar um pouco esse quadro. No ano passado, os bancos foram os que mais remeteram recursos para seus sócios estrangeiros: US$ 1,404 bilhão, o que representou 10,11% dos US$ 13,883 bilhões remetidos ao exterior. Foram seguidos de perto pelas empresas de energia e gás (US$ 1,378 bilhão) e pelas montadoras de automóveis (US$ 1,318 bilhão).

São três setores que vivem um bom momento em suas operações no Brasil. "De modo algum é um movimento de saída dos investimentos. Pelo contrário, o que vemos é a consolidação dos empreendimentos no Brasil", avalia o diretor-executivo da Amcham-SP (Câmara Americana de Comércio), Arthur Vasconcellos.

Ele também cita a possibilidade de o bom resultado das subsidiárias nacionais ser usado para cobrir prejuízos das matrizes. "Como as unidades brasileiras têm apresentado bons resultados, com geração de caixa forte, o dinheiro pode sair para equilibrar as contas dessas companhias."

Lucratividade à parte, a queda do dólar é outro fator que tem impulsionado o envio de lucros para o exterior. Para o presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização), Luis Afonso Lima, o aumento das remessas mostra uma "janela de oportunidade cambial". "Há uma sensação de que o real vai passar por um processo gradual de desvalorização. Mandar os recursos agora, portanto, é mais vantajoso em dólar", diz.

Ou seja, com a valorização do câmbio, um mesmo lucro em reais pode ser convertido para um volume maior de dólares, tornando mais vantajoso o envio de recursos a outros países.

Até agosto deste ano, US$ 11,3 bilhões já deixaram o Brasil dessa forma, 31% a mais do que no mesmo período de 2006. Por outro lado, esse movimento foi compensado pela recuperação mais forte dos investimentos: no período, o ingresso de capital externo chegou a US$ 26,5 bilhões, alta de 161%.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/10/07

Concentração de riqueza e desigualdade crescem nos EUA

A fatia da riqueza dos Estados Unidos nas mãos dos americanos mais ricos chegou ao ponto mais alto desde a Segunda Guerra e ultrapassou o pico atingido no auge da bolha de tecnologia dos anos 90 - em mais um sinal da divergência dos destinos econômicos que estaria alimentando a ira da classe trabalhadora no país. A reportagem é do jornal Valor, 15-10-2007.

O 1% de americanos mais ricos ganhou 21,2% de toda a renda nacional em 2005, segundo novos dados do Internal Revenue Service, a Receita Federal dos EUA. É uma alta considerável em relação aos 19% de 2004 e supera o recorde anterior de 20,8% estabelecido em 2000. A metade de baixo da pirâmide ficou com 12,8% da renda, tendo ganhado 13,4% em 2004 e 13% em 2000.

Os dados do IRS referem-se à "renda bruta ajustada" - o que exclui certas deduções como pensão alimentícia e contribuições para certos fundos de aposentadoria - com base numa grande amostragem de declarações de imposto de renda. Embora antiga, muitos acadêmicos preferem essa informação a dados mais recentes de outras agências, porque os dados do IRS segmentam mais os muito ricos - por exemplo, o 0,1% mais rico ou o 1% mais rico, não apenas os 10% - e incluem ganhos de capital, uma fonte importante, embora volátil, de renda para os afluentes.

Acadêmicos atribuem o crescimento da desigualdade a vários fatores, como mudanças tecnológicas que favorecem quem tem mais habilidades, a globalização, e avanços nas telecomunicações que ampliaram os prêmios para quem tem desempenho muito acima da média, seja no mundo dos negócios ou em esportes e entretenimento.

"Tivemos uma tendência de 30 anos de aumento da desigualdade", disse Jason Furman, um acadêmico do Instituto Brookings e conselheiro de políticos do Partido Democrata. "Houve uma redução artificial nessa tendência depois do estouro da bolha das bolsas em 2000."

Os dados do IRS não identificam a fonte do aumento da renda para os ricos, mas o boom recente das bolsas provavelmente contribuiu, assim como o fez nos anos 90. Até meados deste ano, ações em alta e um forte mercado de crédito havia produzido rendimentos espetaculares para administradores de fundos de hedge e de "private equity" e para banqueiros de investimento.

Um estudo de Steven Kaplan e Joshua Rauh, ambos da Universidade de Chicago, conclui que em 2004 o número de profissionais do mercado financeiro entre o 0,5% de maior renda era o dobro do número de executivos de companhias não-financeiras. Rauh disse que "é difícil evitar a idéia" de que a fatia crescente da renda que vai para os mais ricos é, em parte, "uma história ligada a Wall Street, à indústria financeira".

O estudo mostra que o administrador de fundo de hedge mais bem pago ganhou em 2005 o dobro do que o mais bem pago ganhou em 2003, e os 25 administradores de fundo de hedge mais bem-sucedidos ganharam mais do que os presidentes executivos de todas as empresas no índice de 500 ações da Standard & Poor´s juntos. Ele também mostra que os lucros por sócio nas 100 maiores firmas de advocacia dobrou entre 1994 e 2004, para mais de US$ 1 milhão em valores de 2004.

Os dados do IRS mostram que a renda do contribuinte na mediana - metade das pessoas ganha menos que a mediana, metade ganha mais - caiu 2% entre 2000 e 2005 em termos reais, para US$ 30.881. Ao mesmo tempo, a renda do contribuinte que se encaixa no 1% mais rico subiu 3%, para US$ 364.657.

Os dados destacam que o corte de impostos ocorridos na gestão do presidente George W. Bush foi uma faca de dois gumes. Por um lado, os cortes isentaram milhares de famílias de baixa renda, especialmente através de créditos fiscais maiores para dependentes. As famílias pertencentes aos 50% mais pobres tiveram uma queda de cerca de um terço de sua alíquota, de 4,6% em 2000 para 3% em 2005. O 1% mais rico pagou 39% de todo o imposto de renda em 2005, ante 37% em 2000.

Por outro lado, os impostos diminuíram muito mais para os 1% mais rico quando considerados como uma proporção da renda: a alíquota média paga por esse grupo caiu de 27% em 2000 para 23% em 2005.

Alan Viard, um especialista em tributação do American Enterprise Institute, disse que os cortes nos impostos, embora tenham reduzido os impostos pagos pelos menos afluentes, também ampliaram a desigualdade da renda depois do imposto. Viard disse que já que uma fatia tão grande dos impostos é paga pelos mais ricos, os EUA estão ficando sem espaço para impulsionar a renda dos cidadãos de classe média e baixa com cortes nos impostos. "Está claro que chegamos a um ponto, especialmente para os contribuintes com filhos (...) em que os cortes nos impostos, feitos de maneira convencional, não vão adiantar nada. Temos de analisar a possibilidade de transferências" ou de créditos tributários que possam ser restituídos.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/10/07

América Latina é o principal comprador da produção brasileira

As exportações de manufaturados do Brasil crescem acima da média para Europa, América Latina, África e Oriente Médio. De janeiro a setembro deste ano, as vendas desses produtos caíram 6,3% para os EUA, mas aumentaram 14% para o mercado latino-americano, 19% para o Oriente Médio, 26% para os africanos e 29% para os europeus. As exportações totais de manufaturados do Brasil subiram 12%. A notícia é do jornal Valor, 15-10-2007.

A América Latina é a região do mundo que mais consome produtos industrializados do Brasil. Nos primeiros nove meses do ano, os vizinhos compraram US$ 22,6 bilhões em manufaturados brasileiros. O mercado mais importante é a Argentina, parceira no Mercosul, para onde as indústrias brasileiras venderam US$ 9,6 bilhões, alta de 21% comparado a janeiro-setembro de 2006.

De acordo com o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Ricardo Carneiro, a exportação de manufaturados do Brasil para a América Latina é beneficiada pelo crescimento das economias da região. Ricos em commodities minerais, esses países aproveitam o aumento do preço desses produtos e importam mais. É o caso da Venezuela, produtora de petróleo, e do Peru, que é rico em cobre, ouro, entre outros.

Levantamento da MCM Consultores, com base em dados internacionais, aponta que o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina deve crescer 7,5% este ano. A alta deve ficar em 7,5% no Peru e pode chegar a 8% na Venezuela. "A falta de competitividade, provocada pela valorização cambial, só vai aparecer quando os preços das commodities caírem", diz Carneiro.

A Venezuela também alcançou posição importante entre os compradores de produtos brasileiros. No período, o Brasil exportou US$ 2,7 bilhões em manufaturados para o país, com alta de 25%. Em outros mercados menos expressivos, o desempenho também é bom. As vendas de manufaturados cresceram 24% para o Peru, para US$ 929 milhões, 22% para a Colômbia, para US$ 1,6 bilhão e 35% para o Uruguai, para US$ 852 milhões, de janeiro a setembro deste ano em relação a igual período de 2006.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/10/07

O consenso da economia de livre mercado acabou

Enquanto o céu era de brigadeiro, poucas vozes dissonantes ousaram questionar o catecismo filosófico do laissez-faire em terras de George W. Bush. Mas o aumento da desigualdade social, a explosão da bolha do mercado de crédito imobiliário, a redução do número de postos de emprego e a ameaça de uma recessão têm levado parcela significativa de economistas de prestigiosas universidades do país a questionar de forma mais incisiva a ortodoxia dos apóstolos mais ferrenhos da não-interferência governamental na maior economia do planeta. Para Robert B. Reich, da Universidade de Berkeley, o consenso da economia de livre mercado "simplesmente acabou". Paul Krugman, estrela do New York Times e da Universidade de Princeton, reza por um novo "New Deal", e até mesmo os laureados Lawrence Summers, ex-presidente da Universidade de Harvard, e George Akerlof, Nobel de Economia em 2001, vêm tratando das falhas do modelo neoclássico (o "maistream" ortodoxo) em seus artigos. A reportagem especial é do jornalista Eduardo Graça para o jornal Valor, 11-10-2007.

"Durante décadas, a economia neoclássica recebeu críticas de um número muito pequeno de pensadores. Hoje, economistas sérios questionam certos princípios porque estes simplesmente não parecem de acordo com o mundo em que vivemos", diz Reich. Secretário do Trabalho na administração Bill Clinton, o professor de políticas públicas na faculdade de economia de Berkeley argumenta que fatores como a transferência de empregos para países com mão-de-obra barata, como Índia e China, possibilitada pela globalização, e as mais recentes revoluções tecnológicas, destruíram o esboço da sociedade de livre-comércio estabelecido nos anos 1970.

O professor Thomas McCraw, de Harvard, autor de uma festejada biografia de Joseph Schumpeter, disse que o predomínio "asfixiante" do não-intervencionismo do Estado na economia americana foi fundamental para o crescimento da desigualdade social nas últimas duas décadas. "McCraw está correto. Para diminuir a diferença cada vez maior entre o rendimento de ricos e pobres no país, por exemplo, é necessário criar um imposto de renda progressivo (quem ganha mais, paga mais), combinado com um subsídio governamental dado para trabalhadores com renda mais baixa. Os primeiros US$ 15 mil seriam isentos de taxas da previdência social, mais a partir daí o imposto seria cobrado de forma crescente. Outro passo fundamental é a garantia de um sistema educacional que de fato beneficie toda a sociedade", diz Reich.

Mas ainda há terreno para um namoro aberto com o Estado do bem-estar social europeu nos EUA do século XXI? O que parecia ser um delírio depois de sete anos de domínio do neoconservadorismo ganha algum fôlego com a impopularidade do governo Bush, a dinâmica corrida eleitoral para a Presidência em 2008 e um ineditismo histórico: a totalidade dos candidatos democratas - incluindo os três mais fortes, Hillary Clinton, Barack Obama e John Edwards - defendem uma reforma radical no sistema de saúde, com o aumento do poder decisório do Estado. Paul Krugman lembra que é justamente na hora de se ter acesso aos melhores hospitais e médicos dos EUA que se detecta com mais exatidão o crescimento da disparidade entre ricos e pobres e o achatamento da classe média.

Krugman é um crítico severo do pacote de redução de impostos enviado ao Congresso pelo presidente republicano, "o mais elitista já visto em Washington". De fato, o Tax Policy Center, uma organização não-vinculada a partidos políticos, informou este ano que mais da metade das reduções de impostos aprovadas no governo Bush beneficiaram exclusivamente os que embolsam mais de US$ 1 milhão por ano. "Boa parte dos economistas ainda defende a tese de que, ao diminuir os impostos dos mais ricos, aumenta-se imediatamente o poder de crescimento da economia nacional, beneficiando toda a população.

De fato, desde 2003, surgiram 8 milhões de novos postos de trabalho, mas boa parte é uma recuperação dos que desapareceram nos primeiros anos do governo Bush. E não se comparam aos 21 milhões que surgiram logo após Bill Clinton enveredar pelo caminho oposto, ou seja, aumentar os impostos dos ricos. A matemática é simples: quando você diminui impostos dos ricos, eles pagam menos. Quando você aumenta os impostos, eles pagam mais. Fim da história", escreve Krugman, em meio ao que considera ser o fim do "boom" econômico de Bush.

Os críticos da ortodoxia neoclássica encaram os últimos quatro anos de pujança econômica como um desastre sem tamanho comparável na história do país, um período de crescimento incapaz de produzir qualquer ganho real para o trabalhador comum. "Nem na Gilded Age, nem nos anos Reagan havíamos experimentado tal contradição. Precisamos urgentemente de um novo New Deal. Crescimento econômico não pode ser um esporte feito apenas para espectadores passivos", ataca Krugman.

O debate sobre essas questões ganha importância na medida em que a economia volta, depois de quatro anos, ao centro da agenda política nos Estados Unidos, até então dominada com exclusividade pela atrapalhada ocupação do Iraque. A contaminação da economia como um todo, infectada pela crise do mercado de crédito imobiliário, trouxe de volta à vitrine economistas dispostos a advogar a necessidade de o governo intervir de forma incisiva para evitar a recessão e ajudar os milhares de cidadãos encalacrados com o aumento dos juros no pesadelo que se tornou a conquista da casa própria.

As vozes mais críticas já perceberam que nunca foi tão pouco popular o discurso de corte de impostos e diminuição de gastos com projetos sociais bancados pelo Estado. Uma das estrelas do grupo de economistas heterodoxos, termo cunhado para identificar os dissidentes da economia neo-clássica, é o professor Frederic S. Lee, da Universidade do Missouri-Kansas City, editor da popular publicação eletrônica "Heterodox Economics".

"A perspectiva heterodoxa desconhece, por exemplo, a desregulamentação de preços. Para nós, os preços são sempre regulados, seja pelas corporações, por cartéis ou pelo Estado. Ao contrário dos ortodoxos, modelos, para nós, não são mais importantes do que fatos. Temos uma percepção, grosso modo, mais plural quando pensamos na aplicação dos conceitos econômicos", diz Lee. Para ele, são as grandes corporações, não o mercado, que determinam, em última instância, por exemplo, o preço do petróleo.

Nada mais distante do que pensa o professor Philip J. Reny, chairman do departamento de economia da Universidade de Chicago, catedral dos neoclássicos. "Não há um economista sério disposto a negar o fato de que o livre-comércio pode ser custoso para os que se encontram no furacão que chamarei aqui de período de transição. Por exemplo, empresários que precisam lidar com o fato de que seus produtos são mais caros do que os similares produzidos no exterior serão prejudicados seriamente se não receberem algum subsídio. E na maioria das vezes eles não recebem mesmo ajuda alguma. Mas os benefícios a longo prazo para a economia do país são substanciais. Aliás, se mais atenção fosse dada à diminuição das perdas dos que sofrem com o processo, haveria muito menos interesse neste debate. E tudo isso é perfeitamente consistente com uma perspectiva neoclássica", garante.

Reny também redimensiona a crítica centrada nos resultados desastrosos da aplicação de preceitos neoclássicos quando se trata do aumento da desigualdade social nos Estados Unidos. "É preciso levar em conta outros aspectos, como a renda média no país como um todo e a renda média dos 25% mais pobres, que vêm crescendo em termos reais. Não sou um especialista no tema, mas aposto que, se um estudo fosse feito, se chegaria à conclusão de que tanto a renda média dos cidadãos como um todo quanto as dos 25% mais pobres crescem mais na economia de livre mercado". Lee até concorda com a primeira parte da argumentação de Reny, desde que "se considere que a economia-padrão ensinada nas escolas americanas tem alguma relação com o mundo real". Mas o professor da Universidade do Missouri-Kansas City diz que os benefícios do laissez-faire "não chegam às classes e indivíduos com os quais me preocupo".

Apesar de contar com mais de dois mil economistas heterodoxos dos quatro cantos do globo colaborando em sua newsletter (entre eles, muitos pós-keynesianos e um punhado de marxistas), Lee reconhece que ainda é complicado bater de frente com o status quo, lembrando que "a maioria das universidades americanas não conta com professores heterodoxos".

O professor Alan S. Blinder, de Princeton, a segunda voz no Federal Reserve Board na primeira metade dos anos 1990, disse recentemente que passou a ser tratado como um apóstata por seus colegas ao criticar o livre mercado globalizado, que, em seus cálculos, pode levar a uma diminuição de até 40 milhões de postos de trabalho nos Estados Unidos, nos próximos anos, e ao defender temas-tabu como a instituição de um salário mínimo nacional (há estados no Sul que não adotam nem um valor mínimo local), a instituição de uma política industrial transparente e um ajuste mínimo de preços. Em entrevista recente ao New York Times, Blinder sintetizou a crise na academia afirmando que, hoje, "as ciências econômicas são freqüentemente um triunfo da teoria sobre os fatos".

Outra voz dissidente, o professor David Card, também de Berkeley, reconhecido por seus estudos sobre os efeitos no mercado do estabelecimento do salário mínimo (ele defende a tese de que, ao contrário do que prega a economia neoclássica, a oferta de emprego aumenta quando se estabelece um piso salarial) foi ainda mais específico ao dizer que, no mundo acadêmico americano, "você perde sua posição como um economista sério se não concordar que qualquer tipo de regulação de preços é maléfica e que o livre comércio é sempre benéfico". "Blinder e Card estão corretíssimos. Tem sido mesmo difícil discutir estes preceitos econômicos básicos. Mas os tempos estão mudando", acredita Reich.

O professor de Berkeley enfatiza, por exemplo, que, ao contrário do que defende o comandante da faculdade de economia da Universidade de Chicago, quem precisa de ajuda neste período de transição da economia americana não são os empresários, e sim "os trabalhadores, forçados a deixar a velha realidade pré-globalizada". Reich vai além: diz que não percebe qualquer interesse dos economistas neoclássicos em se aprofundar neste ponto. "Eles se preocupam muito em ser eficientes, mas não estão interessados em apresentar uma análise balanceada, justa", diz. Ele também aponta o revival da chamada economia comportamental como uma bem-vinda reação à ditadura neoclássica, que teria vivido seu auge com Milton Friedman e durante os anos mais felizes do governo Reagan.

Os economistas comportamentais não se afastam do pensamento "mainstream" como os heterodoxos, mas levam em conta as complexas reações psicológicas do indivíduo a eventos como uma queda brusca na bolsa de valores ou uma crise de liquidez como a enfrentada neste momento nos Estados Unidos. "Eles entenderam que os seres humanos não são, necessariamente, racionais em suas escolhas. Ao contrário, muitas vezes são mais o resultado da emoção do que da razão, e, dependendo das circunstâncias, as pessoas podem agir com mais ou menos empatia e generosidade. É um rompimento importante com o modelo neoclássico ortodoxo, racional e egoísta", diz Reich.

Para Reny, ainda é cedo para avaliar as contribuições que economistas comportamentais, como seu colega Richard Thaler, da Universidade de Chicago, podem oferecer para uma melhor compreensão do mundo contemporâneo. "Parece improvável, por exemplo, que a economia comportamental vá nos ajudar a entender algo significativo sobre os grandes investidores institucionais, que se preocupam acima de tudo com sua margem de lucro e que usam modelos matemáticos sofisticados para conduzir seus negócios. Mas, no fim, teremos de ver para crer", diz. A discussão, afinal, está apenas começando.

Instituto Humanitas Unisinos - 13/10/07

Os efeitos devastadores da embalagem pet para o meio ambiente. Um artigo de Washington Novaes

O jornalista e ambientalista Washington Novaes no artigo ‘Bebendo, comendo e gerando problemas’ para o jornal O Estado de S. Paulo, 12-10-2007, comenta os efeitos devastadores para o meio ambiente da utilização crescente das embalagens pet.

Eis o artigo.

Na semana passada, o Ministério Público Federal em São Paulo recomendou ao Conselho Estadual do Meio Ambiente que suspenda a realização de audiência pública sobre o novo aterro de resíduos, destinado a substituir os Aterros São João e Bandeirantes, já esgotados, para os quais se destinavam mais de 10 mil toneladas diárias de lixo da capital. Porque os cidadãos têm dificuldade para acessar as mil páginas do estudo de impacto ambiental das novas instalações. E enquanto ele é não é licenciado, que se fará com o lixo paulistano?

É um tema para o qual a atenção dos quase 11 milhões de habitantes da cidade deveria estar voltada prioritariamente. Mas não está, como em geral não está para as questões do lixo em geral.

Por exemplo:

Quem sabe que cada pessoa produz a cada ano em média dez vezes o peso de seu corpo?

Quem sabe que esta semana se esgotou o prazo para participar da consulta pública que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) promoveu para definir critérios na reciclagem de embalagens e equipamentos de pet (polietileno tereftalato)?

Quem sabe que são de pet 80,5% dos cerca de 10 bilhões de embalagens de refrigerantes (fora as de alimentos e outras) que circulam a cada ano no País e que pouco menos de 50% delas são recicladas - o restante vai para aterros, entupir as redes urbanas de drenagem ou o leito dos cursos d’água (como mostrou Elisangela Roxo neste jornal, em 8/9)?

Quem sabe que a produção de cerveja (9,06 bilhões de litros anuais), hoje majoritariamente engarrafada em vidro (70%), alumínio (27%) e garrafas long neck (3%), pode, por questões de custos, transferir-se para o pet, gerando, nesse caso, 11 bilhões de embalagens desse tipo por ano - e impactando o recolhimento em aterros?

O tema gerou discussões importantes num fórum sobre os impactos do pet no meio ambiente, promovido há poucos dias em São Paulo pela Ecomarapendi e pela Águas Limpas Parati, com a participação de vários especialistas em resíduos e políticas urbanas. Por ali circulou muita informação que pode ajudar a criar uma consciência social sobre o tema e a necessidade de políticas e legislação na área.

Na média, o pet já responde por uns 5% do lixo urbano no País. Mas poderá ser muito mais se a cerveja deixar de ser engarrafada em vidro, principalmente, como é hoje, já que a embalagem de vidro pode ser reutilizada até 30 vezes, enquanto a de pet ou tem de ser reciclada a cada uso ou aumenta o lixo nos aterros.

Mas entram também nas contas os custos de transporte de retorno, lavagem e outros, que favorecem o pet, que dispensa isso. Essas e outras razões fizeram o uso de garrafas pet para alimentos e bebidas aumentar 450% entre 1994 e 2005, segundo o professor Sabetai Calderoni, da USP. Porque ele tem crescido sem regulamentação. Há projetos no Congresso, como o do deputado Jovair Arantes, que proíbe o uso de garrafas desse tipo. Mas está parado.

Enquanto nada acontece, elas vão sendo levadas para aterros (na melhor das hipóteses), onde podem levar um século para se degradar, segundo as estimativas mencionadas pelo especialista Cícero Bley Jr. Que lembrou certa resistência dos cerca de 500 mil catadores em atividade no Brasil para trabalhar com o pet, porque, com maior volume, ele tem menor peso e menor preço (entre 80 centavos e um real por quilo) que o papelão, por exemplo.

Mesmo na reciclagem, são muitos os problemas: é preciso retirar a tampa e o gargalo; as tintas dos rótulos, que não são biodegradáveis nem removidas pelas lagoas de sedimentação, tendem a espalhar metais pesados que vão para os cursos d’água; e a cola dos rótulos confere ao pet reciclado uma coloração que dificulta seu aproveitamento. Não é por acaso, assim, que uma parcela considerável dessas embalagens acabe entupindo as drenagens urbanas (90 mil por dia numa cidade como Brasília, lembrou a professora Maria do Carmo Lima Bezerra, da UnB) ou indo diretamente para os rios.

Diante de tantas questões, seria indispensável haver uma política para destinação final desses resíduos, que impedisse que os custos continuem a ser atribuídos a toda a sociedade, e não aos produtores das embalagens e/ou consumidores dos produtos. Poderia ser como em alguns países europeus, onde se criou uma taxa para os produtores (no caso da Alemanha, o fundo criado com a arrecadação da taxa, que cuida da coleta e da destinação do lixo seco, levou à redução de 15% na geração dos resíduos).

Ou a criação de um fundo para financiar a coleta seletiva de pet, como propõe o movimento nacional dos catadores de lixo. Mas o recente projeto de uma política nacional de resíduos, enviado pelo governo federal ao Congresso, não responsabiliza nem esses nem outros geradores de lixo pelos custos da coleta e da destinação.

Seria possível recorrer aos artigos 225 (direito ao meio ambiente equilibrado) e 170 (sobre a função social da propriedade) da Constituição do País, como lembrou no fórum o procurador da República Arlindo Daibert. Por esse caminho, outro procurador, Jefferson Aparecido, de Marília (SP), conseguiu liminar numa ação civil pública para exigir estudo prévio de impacto ambiental para indústrias de cerveja que pretendam usar pet em embalagens.

Como lembrou o secretário do Fórum de Mudanças Climáticas de São Paulo, Fábio Feldman, é preciso definir em lei a chamada “responsabilidade pós-consumo”, assim como é preciso incluir o tema numa política nacional de resíduos. Objeções graves à própria reciclagem do pet - que chegam mesmo a sugerir a proibição desse caminho - foram apresentas por especialistas na consulta da Anvisa.

É preciso ter urgência. As questões da insustentabilidade dos padrões de produção e consumo, emissão de gases nos aterros (influenciando mudanças do clima) e necessidade de justiça social assim o exigem.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Instituto Humanitas Unisinos- 11/10/07

Cidades entre ruínas de utopias. Um artigo de Rem Koolhaas

As melancólicas derivas do urbanismo contemporâneo na era da globalização. Um texto inédito do arquiteto Rem Koolhaas que projetou a célebre Maison di Bordeuax. Há um tempo, o espaço público era terreno de confronto. Hoje, com o deslizamento do público ao privado, não toleramos mais o vazio. E o resultado que daí deriva é uma oprimente confusão. O artigo foi publicado pelo jornal Il Manifesto, 3-10-2007.

Eis o artigo.

Gostaria de compartilhar convosco algumas reflexões sobre a evolução da cidade, um problema no qual nós, arquitetos, estamos interessados e que apresenta uma série de questões tremendamente complexas, às quais me é difícil dar respostas.

A civilização grega construía os seus monumentos para uma comunidade que se sentia fortemente responsável pela coisa pública e reconhecia com clareza a diferença entre o público e o privado. Esta civilização produziu, tanto na arquitetura quanto na urbanística, o modelo que consideramos dominante, no sentido de que ainda hoje, em termos de público e privado, se pensa praticamente do mesmo modo. Nos últimos quinze anos se verificou, todavia, um fenômeno de extrema relevância: a formação daquilo que, unindo os símbolos do iene, do euro e do dólar, poderíamos definir como o regime do YES, em cujo interior o poder do público está em declínio, enquanto aumenta aquele do privado.

Explosões e contradições

Vivemos hoje num período de intensa negociação entre o público e o privado e um dos principais setores no qual tem lugar esta negociação é a arquitetura, em sua relação com a cidade. Antes que se desenvolvesse esta fase final de globalização e privatização, um edifício como aquele de Frank Gehry, em Bilbao, não teria sido construído.

Se, há um tempo, os edifícios de fato encontravam razão para existir em sua neutralidade e dignidade, como no caso do Partenon, hoje a simples pressão comercial que está por trás de qualquer edifício obriga também o arquiteto mais sério a toda sorte de excentricidades. Outro fenômeno importante que repercute sobre o desenvolvimento das cidades é devido à não homogeneidade da globalização, que se intensifica em diferentes zonas das cidades, gerando duas condições completamente diversas: a cidade que explode e a cidade que se contrai, com quase nada no meio.

Houve um período no qual ninguém sabia exatamente o que fazer: em muitos manifestos escrevemos declarando aquilo que queríamos realizar e alguns de nós conseguiram concretizar, pelo menos em parte, aquelas declarações de intenções. Em seguimento às mudanças culturais ocorridas nos últimos quinze anos e por causa dos nossos próprios erros, no entanto, a confiança naqueles manifestos e nas nossas certezas desmoronou. Hoje não se escrevem manifestos. Quando muito, descrevem-se cidades particulares, não tanto na esperança de desenvolver uma teoria sobre o que convém fazer, quanto de entender como funcionam as cidades. Em outras palavras, aquelas convicções desapareceram e será necessário muito tempo para que algo semelhante possa retornar. Muitas pessoas na Inglaterra – e conheço bem as tendências anti-utopistas daquele país desde quando ali estudava, em 1968 – diriam “que libertação!”, mas, a ausência de um espírito utópico talvez seja tão problemática quanto uma sua dose excessiva.

Neste dilema, permanece em suspenso uma questão: se confrontamos o andamento econômico da América e da Europa – andamento que sofreu um rápido declínio a partir dos anos 1970 – com o andamento da produção de manifestos arquitetônicos nestes países, vemos que o ponto de estagnação foi atingido precisamente no instante em que deixamos de pensar. Este momento coincide com aquele em que a economia asiática começou a crescer muito mais rapidamente de quanto jamais tivéssemos visto até então: uma situação trágica, a meu ver, porque significa a apoteose final da metrópole. Todos nós sabemos pelas estatísticas que a cidade se tornou o principal ambiente no qual o povo vive. No momento do seu triunfo, o nosso pensamento estacionou e a participação do setor público na definição da cidade se reduziu progressivamente.

Entre arranha-céus e campos de arroz

Não surpreende constatar que esta simultânea ausência de regras e velocidade da construção gere, como no caso da China, uma cidade completamente nova, na qual, por exemplo, o cruzamento viário mais importante se encontra a menos de quatrocentos metros dos campos de arroz. Em outras palavras, a metrópole e a não-metrópole encontram-se numa relação de proximidade que não tem precedentes. Do vasto repertório de tipologias permanecem apenas o arranha-céu e a barraca, acomodados no interior de uma base urbana aparentemente caótica.

Em Dubai, o deserto foi transformado em cidade. Normalmente, o nascimento de uma cidade é associado à exigência de que um vasto número de pessoas terá de viver no mesmo lugar. Não é assim em Dubai, onde a redução das entradas devidas à extração do petróleo é compensada pelo incremento do desenvolvimento de assentamentos. Voltamos a assistir aqui a uma situação na qual as motivações para o crescimento da cidade são de todo novas e não mensuráveis com os padrões tradicionais.

Em 1990, os residentes que habitavam na cidade eram demasiado poucos e assim foi encorajado o afluxo de estrangeiros. Dubai consiste substancialmente de mar, deserto e desenvolvimento urbano – desenvolvimento urbano que foi projetado sempre mais em direção ao mar, favorecendo uma linguagem mais ornamental e direcionada ao prazer que respondesse às exigências da cidade, coisa que representou uma mudança de pressupostos e de idéias.

A cidade que observamos hoje já não é mais constituída pela substância necessária à nossa sobrevivência, mas de conteúdos realmente supérfluos, para os quais podem ser aplicadas novas metáforas. Não surpreende que no primeiro plano de um centro direcional seja utilizada a linguagem do resort (o lugar de veraneio) – que atualmente dá forma ao espaço público – antes do que aquele da troca de idéias. Para mim, a palavra resort é muito importante, porque o nosso modelo de vida na cidade está conceitualmente se deslocando do trabalho ao ócio e conseqüentemente, a estética da cidade se transfere de iniciativas mais sérias às condições do resort. Um resort não é um lugar onde se vive, mas onde a principal atividade é a diversão. O paradoxo da intercambiabilidade entre cidade e resort é evidente em localidades marítimas como a da Flórida, onde a própria cidade é a metáfora para o resort. Seria interessante entender se a vida das pessoas no interior destas instalações seja melhor do que a dos habitantes de Nova York de trinta anos atrás. Há um tempo, a cidade era considerada um grande mecanismo e o espaço público era seu terreno de confronto, de troca e talvez também de compromisso. Agora, com o deslizamento do público ao privado não existe mais aquela base e se espera que o confronto se ativasse alhures. Da mesma forma, não podemos mais tolerar o vazio e a neutralidade na cidade, e assim, cada centímetro da cidade é regulamentado e constitui por si mesmo um cenário, sendo o resultado a oprimente confusão que governa as cidades. Singapura, por exemplo, tem uma estética de resort combinada com a realidade de uma cidade.

Isto ocorre não só em escala urbana, mas em cada nível. Para quem se interessa por política, Berchtesgaden na Alemanha, conhecida pelo refúgio-bunker que Hitler ali fez construir e que agora é um resort, demonstra como as ruínas do passado vêm sendo sistematicamente eliminadas em nome da história e da memória e substituídas por mais agradáveis dispositivos para recordar, de modo que o sofrimento desapareça, deixando atrás de si somente vagas referências. De um lado, a arte se expande por toda parte, de outro, perde sua eficácia. E o protesto, naturalmente, encontra uma total contenção.

O paradigma de Las Vegas

Quanto mais polido é o espaço público e mais alto seu grau de perfeição, mais é provável que nas margens se manifestem o sofrimento e a pressão entre o público e o privado. Fazem-se hoje verbal e retoricamente inumeráveis reivindicações, que costumavam expressar-se através da arquitetura. Transformamos a cidade numa superfície na qual cada centímetro quadrado pertence a certo cenário, a certa visão. Num contexto como este, não é admitido que a gente se comporte mal, que se possa morrer, pedir esmola, ultrapassar os limites, ficar embriagado. Quanto às cidades antigas, estávamos em condições de nelas conviver e habitar, sem que isto tivesse conseqüências negativas para nós. Agora, ao invés, a cidade é o oposto de uma massa crítica e está centrada no divertimento. Este enxugamento da cidade e de sua linfa vital não é, talvez, tão evidente como em Las Vegas, onde a simulação de Veneza primeiro, e a de Nova York depois, deu enfim lugar à desnaturação da cidade no momento em que um dos temas de Las Vegas se tornou a própria cidade. Em Las Vegas há uma secção da metrópole na qual toda a imprevisibilidade urbana foi não tanto domesticada quanto removida. Nesta idéia idílica, na qual cada um de nós sabe com projetar uma cidade e, em nossa incônscia idolatria e simultânea confiança no progresso, antes do que na utopia, somos hoje postos ante numerosos regimes de controle; não sozinhos, mas junto àquele povo silencioso e por vezes invisível que não participa deste idílio, como as imagens da catástrofe de Nova Orléans o demonstraram.