resistir info – 07 abr 2013
– Cinco mitos sobre a trajetória recente e as perspectivas do trabalho doméstico no Brasil
por Henrique Júdice Magalhães [*]
O Congresso Nacional promulgou, em 2 de abril de 2013, a mais importante reforma social verificada no Brasil desde 1988: a Emenda Constitucional 72, que altera o regime normativo do serviço doméstico e, embora sem nivelá-lo ao padrão geral, estende a quem o exerce garantias tão elementares quanto os limites de duração do trabalho e a proteção contra acidentes.
A maioria dessas conquistas – casos do FGTS, do seguro acidentário, do adicional noturno e do seguro-desemprego, entre outras – não terá consequências práticas antes da edição de uma lei regulamentadora. Na maioria dos casos, nem depois, já que mais de 70% das potenciais beneficiárias trabalham sem registro (PNAD 2011). Ainda assim, a elevação do status constitucional dessas trabalhadoras (usa-se aqui o feminino como plural porque as mulheres são mais de 90% da categoria), às quais antes se reconheciam somente nove dos 34 direitos trabalhistas declarados na própria Constituição brasileira como fundamentais e que agora passam a ser detentoras de 25, tem um significado social que só não é maior porque faltou ao parlamento e ao governo coragem para impulsionar a equiparação plena. A dimensão do que se conquistou – ou, melhor dizendo, do que se começou a conquistar – mede-se, assim como a do que falta, pelo contingente humano envolvido: segundo dados oficiais provavelmente subdimensionados (PNAD 2011), o Brasil tem 6,6 milhões de trabalhadoras domésticas, número só inferior, em termos absolutos, ao da Índia, cuja população é seis vezes maior [1] . Em termos relativos, não há país no mundo com tamanho peso dessa atividade sobre o conjunto da população ocupada: elas são, segundo o mesmo indicador, nada menos que um sexto (15,5%) das brasileiras que trabalham.
A EC 72 teve, ainda durante sua tramitação, o efeito de despertar o interesse da imprensa e de algumas agências oficiais pela situação das trabalhadoras de casas particulares. São exemplos disso sucessivas publicações da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), único órgão do governo a bater-se pela ampliação desses direitos; alguns releases da presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e o Comunicado 90 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, intitulado Situação atual das trabalhadoras domésticas no país . A conjugação entre a precariedade dos indicadores disponíveis sobre o assunto - diretamente proporcional à desatenção que ele recebeu do Estado e da intelligentsia durante séculos, não obstante sua importância quantitativa e qualitativa - e certos interesses partidários produziu, contudo, uma série de inferências equivocadas que vão sendo repetidas sem maior exame e que terminam por prejudicar o efetivo enfrentamento do problema. Essas suposições – analisadas a seguir – partem do mesmo ponto a que chegam: a crença em que existe, no Brasil, um progresso social que as evidências, se não desmentem de todo, reduzem à devida dimensão.
Este artigo destina-se portanto a três fins: problematizar essas afirmativas, desfazendo equívocos; oferecer um balanço das conquistas advindas da Emenda 72 e das lacunas remanescentes; e dizer algo sobre a estrutura social brasileira, que tem no peso e no tratamento legal e fático do serviço doméstico um dos mais precisos e negligenciados indicadores de seu caráter.
Passemos, pois, à análise dos mitos propagados sobre o serviço doméstico profissional.
1. A quantidade de empregadas domésticas está em queda livre, contínua e irreversível.
Essa afirmativa baseia-se unicamente na comparação entre as pesquisas nacionais por amostra de domicíio (PNADs) de 2009 e 2011 [2] . Uma anáise de um intervalo maior não permite concluir isso e muito menos que o emprego doméstico tende à extinção, como vão dizendo alguns afoitos ( www.ihu.unisinos.br/... ). O que de fato há é uma oscilação do número de trabalhadoras domésticas ocupadas, perceptível quando se comparam os últimos cinco ou dez anos.
Esses dados mostram que 2009 foi um ano atípico, com um crescimento sem paralelo nem explicação aparente do total de pessoas ocupadas no setor. O resultado de 2011 representa uma queda significativa apenas em comparação com esse ponto fora da curva, sendo, porém, superior aos de 2002 a 2004 e situando-se no mesmo patamar verificado em 2003 e entre 2005 e 2008.
2. O peso relativo do serviço doméstico também despencou. Pela primeira vez, ele deixa de ser a principal ocupação das brasileiras que trabalham, caindo para a terceira posição.
Nos 20 anos que vão de 1992 a 2011, a proporção de trabalhadoras de casas particulares sobre o total da população feminina ocupada oscilou entre os 15,6% (2011) e 18% (2001). Mas também aqui não há uma redução constante, muito menos linear, e sim um sobe-e-desce. Tampouco é verdadeiro que, antes de 2011, o serviço doméstico tenha sempre ocupado a primeira posição entre os grupos ocupacionais da PNAD, como afirma a SPM em um recente comunicado institucional ( www.mulheres.gov.br/... ). E, principalmente, é falso que ele tenha deixado de ser a atividade que mais trabalhadoras ocupa.
Fonte: PNAD. Elaboração própia.
Nas 17 edições da PNAD abrangidas na tabela acima, o serviço doméstico ocupou sete vezes a primeira posição, sete a segunda e três a terceira. Descontada a anomalia de 2009, só esteve em primeiro lugar entre os grupos em que o IBGE divide a população trabalhadora de 2001 a 2006 – ou seja, logo após um processo de supressão contínua de postos de trabalho em outros setores, propiciado pela ação prolongada do coquetel de abertura comercial, juros altos e dólar baixo do governo FHC em combinação com os efeitos da crise de 1999. Até o advento desta última, a atividade que mais mulheres ocupava era a agricultura; a partir de 2007, e com exceção de 2009, os primeiros lugares passaram a caber às atividades de "comércio e reparação” e "educação, saúde e serviços sociais" – nessa ordem em 2007 e 2011, na inversa em 2008.
O peso do trabalho doméstico sobre a ocupação feminina mantém, nesses 20 anos, uma relativa estabilidade. Não é o caso de ignorar que, em 2008 e 2011, ele atinge seu vale histórico. Porém, a oscilação ainda é pequena se comparada à da agricultura, cuja participação despencou [3] , ou à do setor de comércio e reparação, que cresceu significativamente. Basta notar que, conforme a mesma PNAD, uma em cada seis brasileiras que trabalham ainda o fazem em casas de terceiros.
É certo, no entanto, que a proporção real de pessoas – sobretudo mulheres – empregadas nessa atividade é um tanto maior que a retratada na tabela. Afinal, quando se trata de uma ocupação com um predomínio avassalador do trabalho sem registro [4] , a margem de imprecisão dos dados oficiais, mesmo baseados na autodeclaração, como a PNAD, aumenta notavelmente. Sem ir muito longe, basta lembrar o costume, bastante difundido entre os estratos médios e altos da sociedade brasileira, de tirar meninas de suas famílias – sobretudo em áreas rurais – e levá-las para a cidade onde, a troco de comida e vestimenta, passam a lavar, passar, varrer, cozinhar, etc. para seus captores. Até 2008, isso era autorizado pelo art. 248 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) [5] ; com a expedição do Decreto 6.481, que regulamenta a Convenção 182 da OIT [6] , proibiu-se o trabalho de menores em casa alheia. Antes de 2008, não seria de se esperar que o(a)s chefes desses domicílios declarassem ao IBGE tal modalidade de exploração porque o próprio ECA atribuía a ela caráter familiar, e não trabalhista, conferindo ao apropriador a guarda da adolescente subraída [7] e, consequentemente, a pátria potestade sobre ela (!!!). Menos ainda é de se supor que o façam agora que isso passou a ser catalogado oficialmente como o que de fato é: crimes de subtração de incapaz e redução a condição análoga à de escravo.
Por fim, "comércio e reparação" engloba, como é fácil perceber, atividades distintas. O mesmo vale, em muito maior medida, para "educação, saúde e serviços sociais", que, claramente, não é uma categoria profissional ou ramo de atividade, mas a soma de três, todas majoritariamente femininas. Que esse grupo tenha superado o serviço doméstico em número de mulheres ocupadas significa apenas que a soma de todas as professoras, pedagogas, enfermeiras, auxiliares e técnicas de enfermagem, médicas, dentistas, psicólogas, fonoaudiólogas, fisioterapeutas e assistentes sociais do país mais as secretárias, telefonistas, recepcionistas e restante pessoal administrativo feminino das respectivas empresas ou instituições [8] supera ligeiramente o número de trabalhadoras em casa alheia detectadas na PNAD.
O serviço doméstico continua sendo, portanto, como desde 2001, a atividade que, de longe, mais força de trabalho feminina absorve.
3. Por causa da escassez de mão-de-obra, decorrente da alta oferta de emprego em outras atividades, a remuneração do trabalho doméstico disparou.
A remuneração das trabalhadoras domésticas de fato cresceu, na última década, bem mais que a do restante dos assalariados. Nunca esquecendo que os salários no Brasil são muito baixos (o salário mínimo, R$ 678 [NR 1] , é pouco maior que a metade do argentino e ligeiramente inferior aos da fase de esgotamento da ditadura de 64 [9] ), essa elevação é um dado positivo cujas causas importariam pouco ou nada diante do fato em si, não fosse por radicarem numa iniquidade que gera uma ilusão de ótica, fazendo a melhoria parecer maior do que realmente é.
As trabalhadoras domésticas registradas ganham, quase sempre, salário mínimo ou algo próximo a ele; as não registradas, como demonstrado na PNAD, bem menos. Ao dizer que "em 2009, as trabalhadoras formalizadas apresentavam renda [NR 2] média de R$ 568,00, isto é, mais de 100 reais acima do salário mínimo nacional", o IPEA incorre no erro metodológico de tomar como referência a renda quando nem toda ela advém do trabalho [10] oudesse trabalho. Em sua composição, entram todos os ganhos que alguém aufere: pensões alimentícias, prestações previdenciárias, benefícios assistenciais, remuneração de bicos, aluguéis, etc. Se o que se deseja medir são os rendimentos do trabalho doméstico, é preciso tomar por base os salários – e, para o mesmo ano de 2009 [11] , o Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) fornece uma cifra média de R$ 501 [12] , valor que superava em R$ 36, e não em "mais de 100 reais", o salário mínimo nacional de então (R$ 465). Essa diferença positiva de R$ 36 explica-se, em grande medida, por outro fator ignorado pelo IPEA: os pisos salariais (isto é, salários mínimos) estipulados naquele ano para o serviço doméstico pelos estados de São Paulo (R$ 505), Paraná (R$ 610), Rio Grande do Sul (R$ 511) e Rio de Janeiro (R$ 512), que concentram, 55% dos contribuintes do INSS [13] . Como falamos de trabalhadoras registradas – que, por essa condição, não ganham menos que o mínimo legal – , um valor médio tão próximo do piso constitui uma evidência cabal de que a remuneração da grande maioria delas é igual a este. Como os salários mínimos subiram, nos últimos anos, bem mais do que o salário médio, está aí a explicação da diferença percentual entre o incremento remuneratório das empregadas domésticas e o dos demais assalariados.
E daí? Qual o problema se essa elevação decorre mais do aumento do salário mínimo que de uma relação favoráel de oferta e demanda, como sustentado pelo IBGE ( www1.folha.uol.com.br/... )? Nenhum, se as empregadas domésticas não fossem as únicas assalariadas do país a receber só o mínimo. Qualquer outro empregado que ganhe menos de R$ 971,78 recebe também, se tiver filhos com menos de 14 anos ou inváidos, o salário-famíia, cujo valor real, usando como deflator o INPC, esteve congelado entre 2004 e 2011 e caiu 30% em 2012 [14] . Tomando como exemplo um empregado comum (celetista) [NR 3] ) e uma domética, ambos integrantes de famílias-tipo brasileiras (com dois filhos) e remuneração igual ao piso nacional, os ganhos auferidos pelo primeiro em razão de seu trabalho (salário mínimo + salário famíia) aumentaram 61,5% de 2003 a 2013; os da segunda, 70,5%.
Isso acontece porque, embora os dois recebam o mesmo salário, a remuneração efetiva do celetista tem em sua composição uma parcela que não aumenta e inclusive diminui (salário-família). Como as trabalhadoras domésticas recebem apenas a parcela que aumenta, seus acréscimos percentuais são maiores. A ilusão de ótica reside no fato de que, não obstante isso, a massa monetária incorporada a suas remunerações foi e é sempre menor que a dos trabalhadores regidos pela CLT. Em 2013, ano em que o salário-família atingiu o menor peso relativo de sua história face ao salário mínimo, uma empregada doméstica com dois filhos remunerada pelo piso ganha, por mês R$ 46,72 (R$ 560,64 no ano) menos que um celetista em iguais condições – uma diferença proporcional de 6,9% (15,4% em 2004).
É importante assinalar esses aspectos não apenas para que se tenha a real dimensão do incremento de ganhos verificado na última década, mas também como anteparo à mistura de má-fé e analfabetismo matemático que campeia na imprensa monopolista brasileira. Não será nada surpreendente se Veja, a Folha de São Paulo ou as organizações Globo "noticiarem", daqui a dois ou três anos, a redução desse incremento, insinuando alguma conexão entre ela e a ampliação de direitos de modo a fazer crer que está terá tido efeito negativo. Isso porque uma vez efetivada a PEC 478, as trabalhadoras de casas particulares passarão a receber o salário-família. Se este permanecer congelado, os aumentos percentuais da remuneração delas, com exceção do primeiro ano (no qual se verificará um salto face à situação atual) cairão, e muito. Medidos, porém, em quantidade de moeda, que é o que importa, eles serão maiores do que hoje.
4. A Emenda 72 iguala os direitos das domésticas aos dos demais trabalhadores.
Consta na ementada EC 72 que ela "altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais". Esse era, de fato, o intuito inicial do autor da proposta, o deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT). Sua proposta original (PEC 478 de 2010) ia à raiz da diferenciação nefasta contra a categoria, suprimindo o dispositivo constitucional que a faz possível: o parágrafo único do art. 7º. Com auxílio ou sob pressão de alguns juízes do Trabalho, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), relatora da comissão parlamentar formada para discutir a proposta, esvaziou parcialmente o projeto, frustrando a equiparação.
Na reunião de 23 de maio de 2012 da referida comissão, os juízes Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto e Solange Barbosa de Castro Coura sustentaram que alguns dos direitos trabalhistas estatuídos como fundamentais no art. 7º da Constituição são incompatíveis com o serviço doméstico e que a revogação de seu parágrafo único seria entendida pela ramificação trabalhista do Poder Judiciário (isto é, por eles e por seus colegas) não como equiparação do status constitucional das trabalhadoras em casa alheia ao dos demais assalariados, mas como supressão dos poucos direitos ali assegurados até então a elas. Essa posição foi reafirmada pelo então presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen.
Em vez de denunciá-los à opinião pública, ao CNJ ou de resolver o problema usando a fórmula da deputada Gorete Pereira (PR-CE), que alterava a parte inicial do art. 7º para explicitar que as 34 garantias fundamentais ali estabelecidas caberiam aos trabalhadores "urbanos e rurais, inclusive os domésticos" [15] , Benedita apresentou, entre junho e dezembro de 2012, três substitutivos que apenas alteravam o parágrafo único do artigo em questão sem revogá-lo e ampliavam o rol de garantias das trabalhadoras de casas particulares sem igualá-lo ao dos outros trabalhadores.
O primeiro estendia-lhes 17 dos 25 direitos faltantes sem condicionar nenhum à regulamentação. Entre os oito que ficaram de fora, havia apenas um que realmente não faria sentido estender ao trabalho doméstico: a promoção da contratação de mulheres, uma vez que elas já são mais de 90% da categoria e não há razão para incentivar que continuem a fazer esse tipo de serviço, ainda mais considerando que seu estatuto legal é ainda inferior à CLT. A suposta incompatibilidade, todavia, serviu de pretexto para que se continuassem a negar a essas trabalhadoras também os pisos salariais por categoria (prejudicando, v.g., as profissionais de enfermagem que cuidam de doentes a domicílio, contratadas por eles ou por suas famílias); a jornada reduzida para o trabalho em revezamento de horários; os adicionais de periculosidade e insalubridade (em prejuízo das que trabalham expostas a substâncias nocivas à saúde, ou seja, quase todas [16] ); a proibição de trato discriminatório em razão da natureza da atividade exercida; a participação nos lucros (que, embora não existam, por definição, no serviço doméstico, existem nas atividades de empresas cujos sócios contratam, por meio e em nome delas, empregadas para suas casas particulares) e a proteção contra a automação (aqui entendida não como proibição desta, mas como garantia de compensações e medidas de recolocação para os que venham a perder seus postos de trabalho em razão dela).
No segundo substitutivo, excluiu-se também a igualdade de direitos entre empregadas e avulsas, impedindo a extensão às diaristas do que se passava a reconhecer às trabalhadoras com registro em carteira. De todas as modificações impostas ao projeto original, essa foi a mais grave pois, das afirmativas atualmente formuladas com tanta ligeireza em âmbitos oficiais sobre o serviço doméstico no Brasil, a única que não é uma lenda completa é justamente a de que existe uma tendência – por certo menor do que o alardeado – à substituição de trabalhadoras mensalistas por diaristas: o Comunicado 90 do IPEA, embora baseado numa aproximação sujeita a enome margem de erro [17] , mostra um expressivo crescimento, entre 1999 e 2009, desse regime de contratação – que correspondia, ao fim desse último ano, a quase um terço dos empregos domésticos. Além disso, foram condicionados à regulamentação, sem que se estabelecesse prazo ou norma transitória para vigorar enquanto ela não for elaborada, direitos como FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, salário-família e seguro contra acidentes de trabalho.
As condições dessa futura e incerta regulamentação ficaram estabelecidas no terceiro substitutivo, datado de dezembro, que foi o que a Câmara aprovou e enviou ao Senado; ali, passou a constar que ela deve assegurar facilidades tributárias aos empregadores. Essa determinação lembra as indenizações a proprietários de escravos previstas nas leis de 1871 (ventre livre) e 1885 (sexagenários) e embute, assim como elas, um problema a um só tempo moral e econômico: por que o Estado brasileiro deveria subsidiar a contratação de trabalhadoras para exercer abaixo do padrão geral de direitos e garantias praticado no país e em exclusivo benefício do conforto pessoal dos empregadores, já que o serviço doméstico nem sequer gera riqueza? Esse problema acaba relativizado por outra iniquidade: afinal, se o que esse mesmo Estado mais faz há cinco anos é conceder favores fiscais injustificáveis a monopólios, renunciando a mais de R$ 60 mil milhões em contribuições previdenciárias, passa a não soar tão absurdo que os empregadores domésticos recebam alguma regalia; ao menos, sua contrapartida (uma elevação substancial das garantias da maior e mais desprotegida das categorias profissionais do país) é mais palpável que a do rebaixamento geral da arrecadação do INSS, chegando até a parecer um preço aceitável.
Ocorre, no entanto, que pelo menos em relação a dois dos mais importantes entre os direitos básicos agora estendidos às trabalhadoras de casa alheia, esse condicionamento não faz o menor sentido, e isso pela singela razão de que o salário-família e o seguro-desemprego não são pagos pelo empregador, mas pela Seguridade Social. O mesmo vale para a licença-maternidade, que as trabalhadoras domésticas já têm e Benedita pretendia relegar também a esse limbo. Essa garantia foi salva no Senado, na última hora, pela intervenção de Paulo Bauer (PSDB-SC).
5. O aumento do custo da força de trabalho, consequência da ampliação de direitos, levará à diminuição da quantidade de vagas no serviço doméstico e/ou à substituição de trabalhadoras mensalistas por diaristas.
Ainda que todos os direitos agora estendidos às trabalhadoras domésticas passassem a vigorar de imediato e sem nenhuma compensação econômica ao empregador, o aumento do custo de manutenção do emprego não passaria de 10%, (8% correspondentes ao depósito mensal do FGTS, se é que não se adotará um percentual menor que o dos celetistas, mais 1 ou 2% ao seguro de acidentes [18] ). O preço da demissão aumentaria um pouco mais, já que ela enseja uma multa rescisória de 40% do valor devido ao FGTS no curso da relação de trabalho – que, diluída ao longo desta, faria o acréscimo de despesa subir de 9 para 12,2 ou 13,2%, aos quais podem-se somar o custo de equipamentos como luvas e calçados de proteção. Ante o dado de que a grande maioria das trabalhadoras em questão ganha salário mínimo ou algo próximo a ele, isso seria muito pouco para ensejar a mudança de perfil que vem sendo anunciada. No entanto, nem esse aumento ocorrerá, pois o acesso das empregadas de casas particulares aos direitos em questão virá acompanhado por facilidades fiscais aos empregadores.
O acréscimo de despesa destes últimos é menor que o incremento de garantias constitucionais das empregadas porque algumas delas (salário-família, seguro-desemprego) são pagas, como mencionado anteriormente, pela Seguridade Social. Outras (proibição explícita do trabalho infantil e da discriminação por sexo, idade ou cor da pele) só chegariam a ter alguma consequência econômica, e mesmo assim depois de anos, se infringidas. E outras tantas (teto de jornada, adicional noturno, adicional de horas extras) até teriam impacto, mas apenas se configurado seu fato gerador. Para não pagar horas extras, basta não usufruir do trabalho alheio por mais de 44 horas semanais, lembrando que a Constituição brasileira admite a compensação horária dentro da semana e que oito horas diárias de trabalho podem significar dez entre os horários de entrada e saída, já que se desconta o intervalo para refeição no cômputo da jornada. E para não arcar com o adicional noturno, basta não exigir que a empregada trabalhe após as 22h nem antes das 5h, se é que o parâmetro a ser adotado para as trabalhadoras domésticas não será pior que o dos celetistas. Para aqueles empregadores que necessitem ou creiam necessitar dos serviços de uma empregada doméstica por tal quantidade de tempo e em tais horários, a substituição de mensalistas por diaristas não é uma solução viável, pois a remuneração destas últimas é, em proporção ao tempo de trabalho, sabidamente maior [19] .
Isto posto, e embora faltem dados quantitativos consistentes, existe, de fato, uma tendência empiricamente perceptível à substituição de empregadas mensalistas por diaristas, que decorre de uma transformação cultural: embora ainda longe de aceitar a ideia de cuidar da própria casa, as gerações mais jovens dos estratos médios têm uma noção de privacidade algo distinta da de seus pais e avós e não se sentem confortáveis com a presença de pessoas externas a seu núcleo em suas casas durante a totalidade do dia ou da semana, chegando mesmo a ter algum escrúpulo (ou medo) de recorrer à apropriação clandestina de menores. Isso é igual a dizer que a sociedade brasileira transita, hoje, de forma ainda incipiente, da família expandida – à qual, durante centenas de anos, as trabalhadoras domésticas integraram-se na condição servil de agregadas – à nuclear. Isso, e não o aumento do custo da força de trabalho, pode levar a um acréscimo do número de trabalhadoras contratadas por dia em detrimento da contratação por mês.
Seja como for, a constatação dessa tendência – ainda que sobredimensionada – deveria dar azo à equiparação das garantias das diaristas às das trabalhadoras remuneradas em base mensal, e não ao manejo da possibilidade de usá-las para elidir obrigações trabalhistas. No embalo da EC 72, a intempérie trabalhista e previdenciária a que encontram-se relegadas as trabalhadoras domésticas remuneradas por dia deveria começar a ser encarada como o que é: uma infâmia perpetrada sem qualquer suporte conceitual ou normativo pelo braço judicial do Estado brasileiro.
A relação de assalariamento é concebida na legislação brasileira nos mesmos termos em que o é no mundo dos fatos: considera-se empregado quem, a troco de dinheiro ou remuneração in natura, trabalha com regularidade em condições de subordinação, não importando se a remuneração se dá em base mensal, semanal, diária ou atrelada ao desempenho. Mesmo quando ausente o segundo desses elementos (regularidade), a Constituição brasileira, como já visto, assegura aos trabalhadores que preencham os outros dois a mesma cobertura trabalhista e previdenciária dos assalariados em sentido estrito. Exemplos conhecidos são os portuários e alguns trabalhadores rurais contratados em época de safra: a inexistência de vínculo permanente com um empregador determinado não significa, para essas pessoas, ausência de subordinação, já que não se traduz no poder de determinar as condições de tempo, local e modo em que carregarão e descarregarão navios ou colherão cacau. Isso é que diferencia o status laboral/legal desses trabalhadores – chamados de avulsos – face ao dos profissionais liberais ou autônomos.
No caso das trabalhadoras de casas alheias, nada disso é tido em conta. As que prestam serviços esporádicos a contratantes diversos não estão cobertas pela legislação trabalhista e previdenciária porque a Constituição deixa e deixará, por obra e graça da senhora Benedita, de assegurar-lhes a igualdade de direitos face às trabalhadoras com vínculo empregatício. Mas mesmo as que trabalham em caráter regular para uma mesma pessoa ou família não têm, muitas vezes, nenhum direito reconhecido, ainda que sejam, a toda evidência, empregadas.
Isso acontece porque enquanto a CLT determina que é empregado, com todas as garantias daí decorrentes, quem trabalha sob a direção alheia mediante remuneração em caráter não-eventual , a Lei 5.859, que rege o trabalho em casas particulares, dispõe que é empregada doméstica quem trabalha sob a direção alheia mediante remuneração em caráter contínuo . Apegando-se a essa diferença meramente vocabular, a justiça do Trabalho considera que só existe continuidade – e, portanto, relação de emprego doméstico – quando a trabalhadora presta serviços a seu patrão em todos os dias da semana ou, pelo menos, em dias consecutivos, isentando de qualquer obrigação trabalhista ou fiscal quem contrate uma trabalhadora para prestar serviços domésticos três vezes por semana, não importa quantos anos ou décadas dure esse liame. A consequência dessa cretinice hermenêutica é manter alguns milhões de brasileiras sem qualquer dos direitos elementares inscritos na Constituição, quer se trate dos agora estendidos à categoria ou dos que ela já detinha. A correção disso é algo tão premente quanto foi durante anos, e continua sendo, a equiparação das trabalhadoras de casas particulares ao restante dos assalariados.
Algumas conclusões
Longe de se encontrar em extinção, o trabalho em casa alheia é, e não está num horizonte visível que deixe de ser, um elemento fundante da estrutura social brasileira – o que revela, de forma incontrastável, o caráter profunda e basalmente arcaico e desigual dessa estrutura, tanto pelo lado da oferta de trabalho (já que se trata de uma ocupação intrinsecamente precária) quanto pelo da demanda (que implica que alguns milhões de brasileiros são animicamente incapazes de limpar a própria casa, passar a própria roupa, fazer a própria comida ou cuidar dos próprios filhos).
A tentativa de fazer crer que isso esteja em vias de deixar de ser assim é uma manifestação oficial e coletiva do que Freud chamou de negação – um mecanismo de defesa do ego que consiste na "tentativa de não aceitar na consciência algum fato que perturba" e "na tendência de fantasiar que certos acontecimentos não são, de fato, do jeito que são, ou que na verdade nunca aconteceram" [20] . Com efeito, é difícil para um governo e uma sociedade autocomplacentes, triunfalistas e dependentes da opinião externa como se tornou o Brasil na última década explicar ao mundo o fato de que existe aqui um contingente de trabalhadoras com status constitucional de subcidadãs comparável ao da Índia. É certo, por outro lado, que o próprio fato de que isso cause desconforto já é um progresso numa sociedade que convivia de forma naturalizada com a semiescravidão doméstica havia centenas de anos. O aforismo implicado aqui é o de que a hipocrisia é, como dizia o duque La Rochefoucauld, uma homenagem que o vício presta évirtude.
Falar em trabalho escravo ou semiescravo não éuma licença retórica. A própria ministra-chefe da SPM, Eleonora Menicucci, recorreu a esse termo quando declarou a O Globo que "estamos definitivamente retirando as mulheres trabalhadoras domésticas do sistema de escravidão no nosso país" [21] . Que alguém com sua posição reconheça publicamente a existência e a gravidade desse quadro é algo meritório e provavelmente inédito na história do Brasil. E é, principalmente, uma elogiável mudança de postura face ao veto de Lula em 2006, por sugestão dos Ministérios da Previdência e do Trabalho e Emprego, à extensão do salário-família, FGTS, multa por demissão e seguro-desemprego às trabalhadoras domésticas, que o Congresso aprovara já naquele ano [22] .
O diagnóstico de Menicucci só não é ainda mais exato e valioso porque ela deixa-se contaminar pelo triunfalismo e cede à tentação de sobredimensionar os méritos do governo que integra ao usar a palavra "definitivamente" quando, como demonstrado, para isso ainda falta muito, a começar pela efetivação das disposições da Emenda 72 pendentes de regulamentação. O que se aprovou esta semana está para a situação das trabalhadoras domésticas como algumas leis anteriores à Abolição (ventre livre, sexagenários, Eusébio de Queirós) estão para ela: importantes, embora contraditórias e pouco efetivas; positivas, mas insuficientes.
É difícil entender porque não se chegou à equiparação plena entre as garantias das trabalhadoras domésticas e as do restante dos trabalhadores. Afinal, não houve contra ela mais que uma resistência difusa, no mais das vezes envergonhada, de alguns estratos médios reacionários. A oposição parlamentar e a imprensa monopolista – que, como se diz na Argentina, não comem vidro – , mostraram-se, ao menos em público, simpáticas ou neutras. Até a revista Veja, que assumiu desde a eleição de Lula o papel de porta-voz dos setores fascistas das classes médias, deixou de lado o habitual discurso raivoso e, embora permitindo-se alguma conjectura sobre os efeitos da ampliação de garantias sobre o nível de emprego, saudou-a como um progresso civilizatório.
O recuo verificado face ao teor inicial da proposta tampouco pode ser explicado pela heterogeneidade ideológica do bloco parlamentar oficialista. Muito ao contrário, tanto o projeto inicial de equiparação plena quanto a redação alternativa que a preservaria face ao obstáculo imposto por setores do Judiciário partiram de integrantes da ala direita desse bloco (PMDB e PR). O parcial esvaziamento da iniciativa original foi obra da relatora do projeto, Benedita da Silva, ex-empregada doméstica e figura emblemática do PT. Mesmo a entidade corporativa dos juízes do Trabalho (Anamatra) já defendeu, em mais de uma ocasião, a equiparação plena. O fato de a EC 72 ter sido aprovada por unanimidade no Senado e por 347 votos contra 2 na Câmara também indica que não era necessário qualquer recuo: o Congresso teria votado, sem maiores resistências, a equiparação. Que ela não tenha sido conquistada, é algo que, portanto, deve-se debitar principalmente à pusilanimidade do governo e do PT.
Não é útil, porém, à compreensão do problema restringir o foco da anáise ao PT. A postura adotada pela oposição parlamentar e extraparlamentar de direita e de esquerda torna facilmente compreensível que o mesmo governo que, por covardia atávica, frustrou parcialmente o que seria uma conquista de dimensões incalculáveis para a classe trabalhadora colha todos os benefícios políticos da extensão limitada de garantias que se acabou por aprovar.
À parte a atuação do senador Paulo Bauer em defesa da licença-maternidade, o PSDB não teve, durante a tramitação do projeto que resultou na EC 72, idéia melhor do que tentar impor à reivindicação judicial dos direitos das trabalhadoras domésticas um prazo curto de prescrição – proposta rejeitada e que, a rigor, pouco ou nada mudaria, posto que o Judiciário já o aplica mesmo sem respaldo na lei [23] . Após a aprovação da emenda, já anuncia que procurará, na regulamentação, isentar os empregadores domésticos da multa rescisória calculada sobre o saldo do FGTS [24] . Considerando, em todo caso, a índole e a vida pregressa da oposição de direita, já é bastante que ela não tenha se oposto pura e simplesmente à ampliação de garantias.
Muito pior que isso é constatar que, durante toda a fase de discussão do que veio a se tornar a Emenda 72, os esforços da bancada do Partido do Socialismo e da Liberdade (PSoL), única organização não-oficialista de esquerda com representação parlamentar, estavam postos, de forma excludente, no reparte das presidências das comissões temáticas da Câmara. Nem seu senador, nem seus três deputados levantaram em qualquer momento a voz contra as alterações emplacadas por Benedita e pelos demais membros da comissão especial. Da parte do PSTU e outras seitas autorreferentes menores que propõem-se fazer passar por oposição de esquerda ao governo petista, o assunto tampouco recebeu – como por ocasião dos vetos de 2006 – maior atenção, embora envolvesse questões de interesse da maior das categorias profissionais existentes no Brasil. Como cereja do bolo, um dos melhores intelectuais dessa esquerda (Ricardo Antunes) escreve em O Estado de São Paulo , quatro dias antes da aprovação da emenda, um artigo em que, a par de repetir com certo toque de erudição algumas simplificações oficialistas ora problematizadas (equiparação plena, "primeira abolição", tendência à substituição de empregadas mensalistas por diaristas), ainda aponta para as potenciais consequências negativas do suposto fim do trabalho doméstico (ao menos em sua configuração mais arcaica) sobre a divisão sexual do trabalho nos estratos médios da sociedade brasileira [25] .
A EC 72, portanto, merece ser saudada como a mais importante reforma social verificada no Brasil desde o advento da Constituição de 1988. Mas deve ser posta, ao mesmo tempo, sob exame crítico e, sobretudo, sob observação atenta no que toca à sua regulamentação e, o que não é menos importante, ao tratamento judicial que receberá. Sua existência é talvez, o primeiro sinal seguro de que o Brasil vive algum progresso sócio-cultural. Suas falhas, a história de sua tramitação e a postura dos diversos setores do espectro políico perante ela indicam, entretanto, o caráter ainda incipiente desse progresso.
Notas
[1] Comparação entre a PNAD 2011 e o Report on Employment & Unemployment Survey 2009-10.
[2] Em 2010, a PNAD não foi realizada por ser ano de censo.
[3] A causa principal disso, é bom que se diga, não é a urbanização: a comparação entre as PNADs de 1992 e 2001 aponta uma queda de 34% no peso da atividade agrícola sobre o total da ocupação feminina (de 24,7 para 16,2%), sendo que os censos dos anos imediatamente anteriores (1991 e 2000) indicam redução de apenas 23% na relação entre a população do campo e o total de habitantes do país. (de 24,5% para 18,7%). Já a comparação entre os censos de 2000 e 2010 mostra uma queda de 16,6% na relação entre a população rural e o total de pessoas que vivem no território brasileiro (de 18,7 para 15,6%), enquanto a redução do peso da atividade agrícola sobre a ocupação feminina no mesmo período (PNADs de 2001 e 2011) foi de 30,8% (de 16,2 para 11,2%).
[4] Segundo a PNAD 2011, 71% das trabalhadoras domésticas não estão registradas.
[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm . Tal artigo tipificava como simples infração, punível com multa administrativa, "deixar de apresentar à autoridade judiciária de seu domicílio, no prazo de cinco dias, com o fim de regularizar a guarda, adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico".
[6] A Convenção 182 versa sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil e obriga os Estados aderentes a elaborar uma relação de atividades tidas como particularmente nocivas para crianças e adolescentes e a comprometer-se com sua abolição em caráter prioritário.
[7] Nos termos do ECA, "a guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais" (art. 33) e "destina-se a regularizar a posse de fato", isto é, o rapto (§ 1º). Em termos práticos, sua concessão a pessoas estranhas à família de origem do menor diferencia-se da adoção por apenas um elemento: o direito à herança, que existe para a criança ou adolescente adotado, mas não para aquela que está apenas sob a guarda de terceiro. Que isso se mescle com uma relação de trabalho, é um típico exemplo da presença de elementos feudais na estrutura sócio-econômica brasileira.
[8] Os grupos ocupacionais da PNAD são estabelecidos com base na Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), que toma por base a atividade-fim do empregador, e não na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), referenciada ao trabalho efetivamente exercido pelo trabalhador. Assim, quem exerce tarefas burocrático-administrativas numa escola ou num hospital é computado como trabalhador em educação ou em saúde.
[9] Segundo a Nota Técnica 118 ( www.dieese.org.br/notatecnica/2012/notaTec118salarioMinimo2013.pdf ) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), o salário mínimo brasileiro atingiu, em 2013, seu maior valor desde 1984; em 1983, em plena crise econômica internacional deflagrada no ano anterior (1982), após dois choques petrolíferos sucessivos (1973 e 1979) e ao fim de duas décadas de queda livre iniciadas com o golpe de 64, ele equivalia a R$ 689.
[10] Informação mais detalhada sobre os componentes do cálculo da renda encontra-se nas notas técnicas da PNAD.
[11] 2009, por ser um ano atípico para o emprego doméstico, pode não ser o melhor paradigma, somente sendo mencionado aqui porque os dados da PNAD que se discutem neste tópico são relativos a esse ano. Seja como for, em 2011 o salário médio das empregadas domésticas foi, segundo o AEPS, de R$ 616. Embora o salário mínimo nacional fosse de R$ 545, cabe aqui a mesma ponderação sobre os pisos regionais, que eram de R$ 736 (Paraná), R$ 639 (Rio de Janeiro), R$ 610 (Rio Grande do Sul) e R$ 600 (São Paulo).
[12] Não se ignora que o AEPS, por basear-se em informações repassadas pelos empregadores ao INSS quando do recolhimento de contribuições, pode apresentar distorções para baixo em virtude do costume que têm alguns empregadores de declarar, para fim de pagamentos ao fisco previdenciário, um salário menor que aquele com que efetivamente remuneram seus empregados. Ainda assim, parece ser, quando se trata de empregados com registro, uma fonte mais confiável para fins de aferição de seus salários que as informações da PNAD sobre renda, ou mesmo sobre rendimentos do trabalho, baseadas em autodeclaração.
[13] Desafortunadamente, o AEPS não traz a desagregação desse dado entre as categorias de segurados da Previdência. Porém, é difícil que a proporção de empregadas domésticas concentradas nesses estados seja menor que a de segurados em geral.
[14] O valor do salário-família é definido pela remuneração bruta do empregado. Em tese, há duas faixas de valor mas, em 2011, o limite máximo da menor delas (à qual corresponderia um salário-família mais alto) foi superado pelo salário mínimo, o que fez com que os trabalhadores até então nela situados passassem todos à faixa seguinte, com a consequente redução do valor auferido.
[15] Embora trabalhem obrigatoriamente em zona urbana ou rural, os trabalhadores domésticos são considerados, na sistemática consagrada entre os profissionais do direito no Brasil, uma categoria à parte, nem urbana e nem rural para fins de direitos e garantias.
[16] O produto de limpeza residencial mais utilizado no Brasil é a chamada água sanitária, que vem a ser nada menos que cloro em estado puro.
[17] Conforme referido no próprio Comunicado 90, seus autores usaram como critério de aferição do número de diaristas a informação sobre a quantidade de empregos prestada pelas entrevistadas. Aquelas que declararam trabalhar para mais de um empregador foram classificadas como diaristas; as que informaram ter um só empregador, como mensalistas.
[18] As alíquotas de contribuição ao seguro de acidentes de trabalho são de 1, 2 ou 3% conforme o grau de risco da atividade. É improvável que o governo venha a considerar o serviço doméstico como atividade de risco alto (alíquota de 3%) ou mesmo médio (2%).
[19] A renda das trabalhadoras computadas como diaristas pelo critério do Comunicado 90 do IPEA é superior, em todas as edições da PNAD, à das classificadas como mensalistas; mesmo tendo presente a crítica formulada aqui ao uso da renda, e não do salário, como parâmetro, não há porque pensar que essa diferença não corresponda, ao menos em parte, à remuneração pelo trabalho. A isto acresça-se que as diaristas, frequentemente, são contratadas para limpeza ou para lidar com roupas, não estando obrigadas, por exemplo, a cozinhar.
[20] www.psiqweb.med.br/...
[21] g1.globo.com/...
[22] www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Msg/Vep/VEP-577-06.htm .
[23] legis.senado.gov.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/123669.pdf .
[24] www1.folha.uol.com.br/...
[25] www.estadao.com.br/...
[NR 1] €259
{NR 2] No Brasil chamam de renda aos rendimentos de actividades não rentistas, como os salariais.
[NR 2] Celetista: o trabalhador regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a lei trabalhista geral brasileira. Além dos contratos temporários, o Brasil tem três regimes trabalhistas: o da CLT, o do serviço doméstico e o dos funcionários públicos.
[*] Pesquisador em temas de Trabalho e Seguriança Social. Atuou como consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério do Desenvolvimento Social do Brasil (MDS) contratado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Foi também pesquisador-bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no âmbito do Programa Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento (PNPD).