"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, maio 19, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 19/05/08

De quem é a Amazônia?, pergunta o NYT

“De quem é esta Floresta Amazônica, afinal?”, pergunta a reportagem do correspondente do jornal New York Times, no Rio, Alexei Barrionuevo. A notícia é do jornal O Globo, 19-05-2008.

O “NYT” afirma que “um coro de líderes internacionais declara mais abertamente a Amazônia como parte de um patrimônio maior do que apenas das nações que dividem seu território”. O jornal lembra que o ex-vice-presidente americano Al Gore, em 1989, disse que, “ao contrário do que os brasileiros acreditam, a Amazônia não é propriedade deles, pertence a todos nós”.

“Esses comentários não são bem aceitos no Brasil e reacenderam velhas atitudes de protecionismo territorial e observação de invasores estrangeiros escondidos”, diz o jornal. O “NYT” afirma que o governo Lula tenta aprovar lei para restringir o acesso à floresta, exigindo licenças para estrangeiros e brasileiros.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, 19-05-2008, o senador Jefferson Péres (PDT-AM) classificou como “bobagem” a sugestão feita por líderes globais de que a Amazônia é um patrimônio mais mundial do que brasileiro. “Esse tipo de discussão não nos preocupa porque não há grupos organizados defendendo essas idéias. São opiniões isoladas”, afirmou. Péres é suplente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.

Instituto Humanitas Unisinos - 19/05/08

Cartel de seis transnacionais controlam o mercado de alimentos no mundo

“O que está em pauta não é a escassez, mas, sim, a dificuldade de acesso da população pobre à produção de alimentos por falta de renda”, constata Antônio Thomaz Jr., geógrafo, da UNESP, em entrevista concedida à revista IHU On-Line desta semana.

Segundo ele, “se afinássemos nossas atenções para a cadeia alimentícia, notaríamos a existência de cartéis controlados por umas 10 empresas transnacionais, que estão aliadas formal ou informalmente a umas 40 empresas de tamanho médio, que compõem o cartel das seis transnacionais de grãos: Cargill, Continental CGC, Archer Danields Midland (ADM), Louis Dreyfus, André y Bunge and Born. Dominam praticamente os princiapis cereais/grãos (milho, trigo, soja, cevada etc.), passando para as carnes, os lácteos, óleos, vegetais, o açúcar e as frutas, mas também se ramificam por meio de outras empresas e holdings para o setor de agrocombustíveis/biocombustíveis”.

O geógrafo afirma que “em qualquer outra parte do planeta, a expansão dos agrocombustíveis anunciará a redução da área plantada e da produção propriamente dita de alimentos”.

E exemplifica:

“No Brasil, os estragos são evidentes, apesar de mascarados pelo próprio presidente da República, como os efeitos do expansionismo da cana-de-açúcar, particularmente em São Paulo. Nossos estudos estão sinalizando que a maior parte das terras férteis agricultáveis estão sob o controle dos empreendimentos do agronegócio, sendo que a cana-de-açúcar ocupa lugar de destaque, não só em São Paulo, mas nas porções do território objeto da expansão recente ou que se consolidam nesse circuito, tais como Mato Grosso do Sul, Triângulo Mineiro, Sul-Sudoeste de Goiás, Noroeste do Paraná, o que denominamos de quadrilátero do agronegócio no Brasil. Os efeitos podem ser sentidos na retração das áreas de produção de alimentos, a começar pelo feijão, pelo arroz e pela produção de leite, o que se não se constata também para o Pontal do Paranapanema, exceto para o feijão, devido à expectativa de continuidade da alta dos preços”.

“Penso que somente pela via da Reforma Agrária – reitera o professor da UNESP - substanciada sob os referenciais da Soberania Alimentar, podemos vislumbrar conquistas emancipatórias para os excluídos.”

Instituto Humanitas Unisinos - 18/05/08

Se um chinês comer um pouco mais por ano...

...haverá efeitos na inflação, na segurança alimentar dos países e na desigualdade mundial, dizem especialistas. A reportagem é de Fabiana Ribeiro e publicada pelo jornal O Globo, 18-05-2008.

O que aconteceria no mundo se cada chinês aumentasse em 25% seu consumo anual de frango e porco?

Um frango e oito quilos de suíno a mais na mesa de cada chinês por ano teriam efeitos nos preços da comida, na economia dos demais países, na segurança alimentar e na desigualdade mundial, alertam especialistas.

É um cenário possível em cinco ou seis anos — que poderia ter efeitos agravados em caso de problemas climáticos ou acidentes naturais.

Nos cálculos de Mauro Lopes, especialista em agricultura da Fundação Getulio Vargas (FGV), para cada frango a mais consumido por habitante na China, por ano, serão necessários 5,6 milhões de toneladas de milho e 2,4 milhões de toneladas de soja.

E cada oito quilos a mais de suínos na dieta anual dos chineses demandam 21,5 milhões de toneladas de milho e 7,8 milhões de toneladas de soja.

Mais proteínas e menos cereais na dieta Soja, na opinião de Lopes, não é o problema. A questão é o milho: a China teria de importar os 27,1 milhões de toneladas extras do grão. As exportações anuais dos Estados Unidos são de cerca de 60 milhões de toneladas. Isto é: um aumento de consumo dessas proporções da China acarretaria uma explosão de preços do milho ou privação para muitos consumidores em outros países. Ou os dois cenários, prevê o especialista.

— Se somarmos o que Brasil e Argentina exportam, isso ainda não atenderia à demanda extra da China. Se o consumo de alimentos na China continuar crescendo, não haverá produto para todo mundo. O efeito é nos preços, que poderiam triplicar. Por isso, a taxa de crescimento populacional da China tem que cair. E é preciso fazer ajustes internos para que o país cresça até 6% ao ano (atualmente são cerca de 11%) — disse Lopes.

Estaria, então, o futuro do mercado de alimentos — e da crise — na mesa dos chineses?

Para o professor da FGV, sim.

— A crise de alimentos está nas mãos da China, se ela não conseguir conter o desejo do povo de se alimentar mais e melhor. Aí não há cenário possível de se prever. As grandes movimentações populares na China partiram de escassez de alimentos. É uma questão política — explicou Lopes, frisando que petróleo e clima são fatores que contribuem para a crise.

— Estamos no limite, com estoques baixos, que não atingem hoje 12,5% do consumo mundial. Se houver problema de clima, como começou a ocorrer com atraso no plantio de milho em Missouri, Iowa, Mississipi há uma semana, uma importação extra de seis milhões de toneladas seria a gota d’água que desencadearia elevação insuportável de preços.

Mas a pergunta é: até que ponto os EUA suportarão a pressão mundial para que o país reveja a política de etanol? O aumento de renda da população chinesa — rural e urbana — explica parte da crise dos alimentos. E a urbanização fortalece a alta do consumo, embora ainda seja de 39%, equivalente à taxa do Reino Unido em 1850 e à dos Estados Unidos em 1911. Ao trocar o campo pela cidade, boa parte busca empregos na indústria, que pagam mais. No entanto, esses trabalhadores urbanos se tornam consumidores de algo que não produzem mais: alimentos. E querem comer melhor: mais proteína animal, menos cereais.

— Com melhores salários, não é qualquer elevação dos preços que conterá o consumo de alimentos na China. E se alguém come mais, outro come menos — explicou Chico Menezes, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Na avaliação de Menezes, um aumento abrupto do consumo na China teria força para espalhar fome nos quatro cantos do mundo: — Esse aumento de consumo pode tornar vulneráveis regiões que não cuidaram de seu autoabastecimento, como países da África, Honduras, El Salvador, Haiti e México. E, com isso, a questão da segurança alimentar está ameaçada especialmente nesses países: mais gente pode comer menos e pior. Menos comida, preços ainda mais altos.

Uma equação que levaria o mundo a aumentar a desigualdade.

Os especialistas se dividem, no entanto, na hora de refletir sobre as possíveis saídas para o problema. Segundo Menezes, não há soluções globais: — Frente a um consumo desse porte, os governos terão de resolver seus problemas de forma independente. Restrições como a da Argentina com o trigo (veto à exportação) podem se multiplicar.

Para Pierre Vilela, analista da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, o fim dos subsídios agrícolas especialmente em Europa e EUA, que mexem artificialmente nos preços, e um livre comércio é uma das saídas à crise dos alimentos e ao aumento de consumo na China — e ainda em Índia e Rússia.

Na China, oportunidade para o agronegócio brasileiro Ricardo da Cotta, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), pondera que um salto de 25% no consumo de frango e suínos não se dá de um ano para o outro. E que, por isso, o mundo tem como se preparar para abastecer a China. Os países terão que produzir mais e ter uma maior produtividade. Nesse contexto, o Brasil sai à frente — com terra, água e capacidade de aumentar a produção.

— A fome na China é uma excelente oportunidade para o agronegócio brasileiro.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/05/08

Um embrião humano geneticamente modificado foi criado nos Estados Unidos

O mundo dos transgênicos inclui hoje o milho, o tomate, a soja, o camundongo, a ovelha ou o porco, entre muitas outras plantas e animais. Recentemente, uma equipe de cientistas norte-americanos criou o que se pensa ser o primeiro embrião humano transgênico. Segue a íntegra da matéria de Jean-Yves Nau publicada no Le Monde, 14-05-2008. A tradução é do Cepat.

Depois dos vegetais e dos animais, será a vez de modificar geneticamente o patrimônio hereditário de organismos humanos? A partir de agora, mais nada impede de pensá-lo. Uma nova etapa nesse sentido acaba de ser superada, revelou o Sunday Times, 11 de maio. Segundo o jornal britânico, recentemente cientistas norte-americanos conseguiram criar um embrião humano geneticamente modificado. Este embrião transgênico, no entanto, não foi transplantado num útero e foi destruído no quinto dia de desenvolvimento in vitro. Experiências similares poderiam ser desenvolvidas proximamente no Reino Unido.

O trabalho dos norte-americanos foi apresentado em fevereiro, em um encontro científico, antes de ser publicado na revista especializada Fertility and Sterility. Apresentado na reunião da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, no ano passado, a experiência passou praticamente despercebida. Dirigida por Nikica Zaninovic, a equipe, que trabalham na Universidade Cornell de Nova York, recorreu às técnicas da terapia gênica. Desenvolvidas há muitas décadas, elas visam corrigir certas anomalias estruturais do genoma humano. Trata-se, esquematicamente, de implantar em células de uma pessoa doente, fragmentos de informação genética a fim de corrigir os efeitos patológicos de uma mutação na origem de uma afecção.

A equipe norte-americana desenvolveu seu método em camundongos antes de aplicá-lo a seres humanos, sem ter em vista qualquer objetivo terapêutico direto. Esta experiência foi realizada num embrião humano concebido inicialmente no âmbito de um programa de procriação assistida. Os pesquisadores norte-americanos anunciam ter conseguido integrar no genoma deste embrião humano, através de um vetor viral, um gene que dirige a síntese de uma proteína fluorescente.

O mesmo objetivo poderia ser atingido modificando artificialmente o genoma de células sexuais, masculino ou feminino, antes de realizar uma fecundação in vitro. Esse tipo de experimentação teve, por outro lado, sucesso nos Estados Unidos, diversas vezes seguidas, em 2007, em frangos.

Potenciais perigos

Os pesquisadores norte-americanos garantem que só esses protocolos experimentais podem fazer progredir a biologia humana fundamental e a compreensão das afecções de origem genética. Eles conseguiram obter linhas de células-tronco a partir de embriões de camundongos transgênicos.

Por outro lado, alguns observadores sublinham os potenciais perigos que haveria no caso de autorizar esse tipo de trabalho em embriões humanos. Eles destacam que as técnicas desenvolvidas permitirão não apenas corrigir anomalias genéticas mas também modificar, para fins não terapêuticos, performances de um organismo humano. De fato, nada proíbe imaginar que esses novos instrumentos moleculares permitem realmente melhorar algumas características físicas ou cognitivas dos seres humanos.

Na Grã-Bretanha, onde a criação de embriões híbridos (“homem-animal”) chamados de quimeras foi recentemente autorizada, a Autoridade para Fecundação e Embriologia Humanas se ocupa com esta nova questão negando-se, por enquanto, a autorizar a modificação genética das células sexuais humanas. Na França, a Agência de Biomedicina ainda não tomou nenhuma posição sobre essas delicadas questões éticas.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/05/08

Nitrogênio dos fertilizantes ameaça equilíbrio de ecossistemas, alerta estudo

Compostos de nitrogênio lançados no ambiente pela atividade humana causam poluição, estimulam o efeito estufa e ameaçam a biodiversidade, afirmam dois artigos publicados hoje pela revista Science. O planeta tem um ciclo natural do nitrogênio, que é essencial para a vida na Terra, mas o ciclo artificial, alimentado principalmente pelo uso de fertilizantes e pela queima de combustíveis fósseis, provoca desequilíbrios perigosos, dizem os cientistas. A reportagem é de Carlos Orsi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-05-2008.

“Um átomo de nitrogênio pode causar diversos efeitos em cascata, como smog (neblina poluente), chuva ácida, mortandade de peixes, efeito estufa e redução da camada de ozônio, tudo em seqüência”, explica o principal autor do artigo que trata do impacto global do nitrogênio, James Galloway, da Universidade de Virgínia, nos EUA. “Essa combinação do nitrogênio reativo se acumulando no ambiente e tendo um efeito em cascata, torna muito difícil administrar os efeitos.”

Galloway explica que o chamado “nitrogênio biologicamente reativo” é essencial para a produção de alimentos. Ao fabricar fertilizantes, a humanidade transforma o nitrogênio inerte do ar nessas formas reativas necessárias. “Mas, na produção de alimentos, muito se perde para o ambiente, porque a eficiência de pôr o nitrogênio na carne ou nos cereais é muito baixa.” Além disso, “é claro que a maior parte do nitrogênio que entra na boca humana também acaba no ambiente”.

O pesquisador brasileiro Luiz Antonio Martinelli, da Universidade de São Paulo, um dos co-autores do artigo com Galloway, explica que os impactos da poluição por nitrogênio variam de país para país e, no Brasil, de região para região. “Nas partes mais desenvolvidas do Brasil, o problema está principalmente ligado ao esgoto não tratado.” Quando o esgoto é lançado em rios e lagos, seu conteúdo de fósforo e nitrogênio estimula a multiplicação de algas, que alimentam microrganismos que, por sua vez, acabam esgotando o oxigênio disponível na água. “A mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas foi um caso”, afirma, referindo-se às toneladas de peixes mortos recolhidos na lagoa carioca anos atrás.

O artigo diz ainda que o problema ganha uma nova dimensão com a adoção dos biocombustíveis. Além de o uso do combustível gerar nitrogênio reativo, a lavoura que produz a matéria-prima consome fertilizantes. “No caso brasileiro, a queima da cana lança amônia (NH3), que causa vários problemas”, diz Martinelli. “Nos EUA, com o milho, o problema é maior, porque eles usam muito mais fertilizante.”

O segundo artigo na Science sobre o tema trata do impacto do excesso de nitrogênio reativo nos oceanos. Os pesquisadores concluem que, embora o nitrogênio estimule a vida marinha a remover CO2 do ar, o elemento acaba voltando à atmosfera sob a forma de N2O, que também é um gás do efeito estufa, o que anula dois terços do benefício obtido com a captura do carbono.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/05/08

Gaúchos em Roraima

Atraídos pela terra fértil e pela riqueza do subsolo, agricultores deixaram o Rio Grande do Sul na década de 70 e se fixaram em área hoje demarcada para os índios por decreto presidencial

Apontado nos anos 70 pelas autoridades federais como o novo eldorado mineral e de terras férteis para os colonizadores gaúchos, Roraima está virando um pesadelo para os plantadores de arroz irrigado sulistas. Os gaúchos estão no centro de uma disputa com grupos indígenas, entre eles os macuxis, pelas férteis várzeas da Terra Indígena Raposa do Sol, uma área de 1,7 milhão de hectares demarcada de maneira contínua, em 2005, pelo presidente Lula, na fronteira com a Guiana e a Venezuela. A reportagem é de Carlos Wagner e publicada pelo jornal Zero Hora, 16-05-2008.

Após a demarcação, os agricultores e outros moradores deveriam desocupar as terras em um ano, mas isso não aconteceu. Eles entraram com 33 ações na Justiça contestando a desapropriação. E, agora, aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) - ontem, o ministro Carlos Ayres Brito, relator das ações, informou que seu parecer deve ser apresentado no dia 15 ou 16 de junho.

Enquanto isso, a paz na região está sendo mantida por um efetivo de 500 agentes da Polícia Federal (PF) e de outras organizações policiais. O ambiente é de calma, descreveu ontem um delegado da PF que pediu para não ser identificado.

O conflito, que teve início há mais de 30 anos, está ligado à história econômica de Roraima. Na época, a União traçou um plano agrícola para o Estado e, por isso, incentivou a ida de migrantes agricultores e de estudantes do Projeto Rondon para aquela região.

O plano, no entanto, falhou devido à ausência de mercados para consumir os produtos. Mas não houve fuga de migrantes, porque logo foram descobertas jazidas de ouro, ciclo que durou até 1993, quando garimpeiros massacraram índios ianomâmis e o caso virou capa de jornais em todo o mundo.

Ao fim do ciclo dos minerais, surgiu a idéia do cultivo do arroz irrigado. Um dos defensores da implantação desse tipo de agricultura é Luiz Afonso Faccio, 65 anos, um dos gaúchos levados para Roraima pelo Projeto Rondon quando era estudante de Filosofia em Porto Alegre.

- O clima, a luminosidade e a abundância de água garantem três safras por ano. No Rio Grande do Sul, só é possível uma. Imagine o potencial de produção - disse ontem.

Em duas décadas, 22 agricultores - 80% gaúchos - plantaram 25 mil hectares de arroz irrigado, sendo 15 mil dentro da área disputada com os índios. A produtividade é considerada uma das melhores do mundo. O produto é vendido para Amapá, Amazonas, Venezuela e Guiana, segundo a empresária do setor arrozeiro Izabel Itikawa, da Associação dos Arrozeiros de Roraima. Outro grupo se dedica à criação de gado, à exploração de madeira e a outras lavouras.

Grupo é apontado como "destruidor da natureza"

O governo do Estado defende os agricultores. Prega que a demarcação da área indígena não seja de maneira contínua, como foi feita.

- Temos audiência com as autoridades em Brasília para mostrar que não é possível dar uma área de 1,7 milhão de hectares para 20 mil índios - disse ontem, em Brasília, Gustavo Abreu, secretário adjunto de Comunicação Social do governo de Roraima.

Os índios não concordam com a posição do governo do Estado. Muito menos com a dos agricultores, especialmente os gaúchos, apontados por eles como "destruidores da natureza".

- Os brancos chegaram e tomaram conta de nossas terras. Muitos de nós acabaram morrendo. A área é nossa. O governo já reconheceu isso. Não tem mais o que discutir - afirmou Jaci José Souza, 60 anos,

Instituto Humanitas Unisinos - 16/05/08

Almirante critica reserva em Roraima

Segundo cargo na hierarquia do Ministério da Defesa, o almirante Marcos Martins Torres endossou ontem as críticas à demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A reportagem é de Tânia Monteiro e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-05-2008.

Chefe do Estado-Maior de Defesa, Torres disse que o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Pereira, não está sozinho na sua preocupação de que a demarcação, em área de fronteira com a Venezuela, seja uma ameaça à soberania nacional. A declaração de Torres, mesmo cuidadosa, reverbera a apreensão do meio militar. Perguntado se o general Heleno era uma voz isolada na questão da Raposa Serra do Sol, Torres se limitou a responder que “não”.

Medindo as palavras para não ressuscitar a crise militar protagonizada por Heleno e preocupado em não afrontar o governo, o almirante disse que a questão está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). “No que diz respeito à Raposa, ninguém pode falar hoje sobre isso porque a decisão está no STF e o que o Supremo decidir será respeitado”, afirmou ele.

O general Heleno foi censurado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e silenciado pela Defesa depois de afirmar que a política indigenista brasileira era “lamentável, para não dizer caótica”.

Em entrevista à imprensa, depois do encerramento da 4ª Conferência de Defesa do Cone Sul, o almirante moderou suas declarações e entrou em sintonia com a orientação do Planalto. O governo defende a demarcação em área contínua da reserva.

Ao citar as ações das Forças Armadas, em atendimento à população da região amazônica, o almirante fez questão de destacar que “militar não é contra o índio”. Ele justificou que falou sobre isso para dar um exemplo, chamando a atenção para as operações que estão sendo realizadas na região. Ele respondia a uma pergunta sobre o tema da conferência, que era a discussão sobre um plano de contingência para o enfrentamento de pandemias. Depois, ao ser indagado sobre sua preocupação com os problemas que estão sendo enfrentados na região, o almirante Torres, cauteloso, repetiu o discurso do presidente Lula dizendo que, “ali, todo mundo é brasileiro”.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/05/08

Duas crises e o limite ecológico do mundo. Onde vamos parar? Entrevista especial com Paul Singer

É preciso criar, através de tributos e subsídios, um desestímulo ao consumo de carnes e derivados. É preciso torná-los mais caros ainda, fazer com que as pessoas voltem a se alimentar de vegetais. Não há outra saída.” Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista Paul Singer defendeu a esta idéia de desestimular o consumo da carne. Mas ele enfatiza que as crises alimentícia e energética são uma só, “porque o encarecimento do petróleo passa para os alimentos”. Ele defende também que precisamos rever a sistematização de distribuição de alimentos, colocando-se radicalmente contra a importação de produtos apenas por uma razão de preços. “Os navios que trazem esses alimentos poluem muito, são grandes consumidores de derivados de petróleo e fazem piorar as mudanças climáticas”, disse.

Paul Israel Singer é graduado em Economia e Administração, pela Universidade de São Paulo (USP), onde também doutorou-se em Sociologia e obteve o título de livre-docência. É professor da USP desde 1984, além de secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego e autor de inúmeros livros, entre os quais Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas (São Paulo: Contexto, 1998), O Brasil na crise: perigos e oportunidades (São Paulo: Contexto, 1999), Para entender o mundo financeiro (São Paulo: Contexto, 2000) e Economia socialista (São Paulo: Perseu Abramo, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a relação da produção e desenvolvimento dos biocombustiveis com a crise dos alimentos no mundo?

Paul Singer – Nós estamos diante de uma crise mundial basicamente ecológica, porque não estamos conseguindo mais atender às demandas economicamente solváveis. Hoje, existem milhões de pessoas, principalmente na China, na Índia e também no Brasil, que estão melhorando de vida e têm dinheiro para, ao invés de comer arroz, comer bife, eventualmente comprar carros. Isso significa o aumento de demanda por derivados de petróleo e por alimentos. No caso específico, alimentos animais exigem cereais. O vegetal que nós comeríamos, ou seja, o cereal, é dado como ração ao bicho, seja ele boi, galinha ou porco e nós, depois, comemos esse animal. Isso faz dobrar o gasto do trabalho humano, o uso da terra, a necessidade de água, enfim, se usa o dobro de recursos naturais para obter o mesmo efeito, que é a alimentação.

Nano, da Tata Motors. O carro mais barato do mundo.Em relação aos automóveis, temos uma situação conhecida por todo o mundo. Na Índia, inventaram até o carro mais barato do mundo, que também consome derivados do petróleo. Então, estamos numa situação em que há uma demanda crescente de derivados de petróleo, por causa do automobilismo, provavelmente a razão imediata do encarecimento do petróleo. Este nunca foi tão caro. O barril dele, agora, está custando U$ 126. Mas a crise também está relacionada ao encarecimento da carne, ao encarecimento dos laticínios e até dos cereais, porque eles estão sendo hoje disputados pelos animais, por nós e pelos produtores de etanol, ou seja, os biocombustíveis, que têm ligação com a crise climática.

Ao mesmo tempo, a crise é de alimentos e energética, porque o encarecimento do petróleo passa para os alimentos. Usa-se petróleo para mover os tratores, para mover as máquinas que processam o que é produzido. Então, na medida em que o petróleo e, portanto, os combustíveis aumentam bruscamente de preço, também os produtos que dele dependem aumentam de preço. São duas crises que são, no fundo, uma crise só, porque não conseguimos aumentar a produção de petróleo na medida em que estamos colocando automóveis em nossas cidades. Com isso, aumenta o efeito estufa. O preço do petróleo está desse tamanho porque, pela primeira vez na história, há demanda pelos seus derivados, não tendo produção suficiente. Então, uma parte dos que querem usar o petróleo agora já não pode pagar o preço. Isso é claro no mercado: quando você tem demanda, o preço dispara. Conseqüentemente, a parte mais pobre dos demandantes é colocada para fora. Você tem uma inflação de gasolina e outros derivados de petróleo e uma inflação de alimentos que também faz a mesma coisa, ou seja, coloca para fora do mercado os mais pobres, que estão, inclusive, sujeitos à fome. Pelo que averiguei, já em 37 países houve motins da fome, em que as pessoas se levantaram contra essa situação, porque não têm o que comer nem podem comprar alimentos básicos.

IHU On-Line – Por que não essa crise não foi controlada antes de chegarmos ao ponto atual?

Paul Singer – Boa pergunta! Em 1974, o Celso Furtado [1] escreveu um livro chamado O mito do desenvolvimento (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974), em que ele sustentava a tese de que era um mito imaginar que através do desenvolvimento econômico o mundo inteiro desfrutaria algum dia do padrão de consumo dos estadunidenses. Ele tinha certeza, assim como embasamento, para afirmar que tal fato não aconteceria nunca. E que, portanto, o desenvolvimento não se poderia gerar por falta de recursos naturais. Ele disse isso há 34 anos. Nessa época, eu li e achei que ele teve um ataque de malthusianismo [2]. Isso porque Malthus, há 200 anos, dizia que a Terra era finita, que os recursos naturais acabariam e que o aumento da população resultaria em fome etc., na medida em que estávamos indo para além da capacidade da Terra. A tese do Malthus foi várias vezes refutada porque houve diversos avanços científicos que permitiram a utilização de recursos naturais e que na época dele não existiam. Em 1974, nós acreditávamos que o Celso estava um pouco pessimista demais porque, na medida em que os recursos naturais se esgotavam, outros substitutos eram encontrados. Tipicamente, no lugar do petróleo que está acabando, nós desenvolveríamos biocombustíveis, energia eólica, energia solar, e assim por diante. Só que o Celso estava certo e nós errados, isto é, ele não estava sendo excessivamente pessimista. Chegou o momento em que a pressão da demanda está muito mais forte do que a capacidade do avanço científico de resolver, através de novas tecnologias, esses impasses.

IHU On-Line – O senhor afirma que as pessoas querem ter o padrão de vida das propagandas e que, se passarmos a consumir o que os estadunidenses consomem, vamos romper com os limites da natureza. O que podemos fazer, então, para conter essa crise?

Paul Singer – Quem está consumindo são os mais ricos. Os outros não estão podendo consumir. Se mais gente quiser comer derivados da carne, ela irá subir mais ainda e os que tiverem menos dinheiro irão ficar de fora. Não podemos cruzar os braços e ficar chorando. Em primeiro lugar, precisamos criar uma condição de usar, da melhor maneira possível, aquilo que temos. Existem alternativas para melhorar a produção agrícola. Nesse tempo todo, no entanto, não se investiu na agricultura da pequena propriedade, que é ecologicamente viável. Nós temos dois tipos de agricultura hoje no mundo: a industrial, aplicada pelas grandes empresas capitalistas, e a camponesa, que aplica uma tecnologia pré-industrial. A agricultura industrial é extremamente predatória com os recursos naturais, o que é um consenso científico. O uso intensivo de agrotóxicos envenena a terra, a atmosfera e a água dos lençóis freáticos e dos ricos. Enquanto isso, a agricultura camponesa é respeitosa, pois não estraga nada. Então, nós precisamos converter a agricultura numa agricultura camponesa, combinando os conhecimentos tradicionais dos camponeses com a ciência mais avançada. Nós precisamos aprender novamente a agricultura dos camponeses.

IHU On-Line – Então, a expansão da agricultura familiar pode ser uma forma de conter essa crise alimentícia?

Paul Singer – Exatamente.

IHU On-Line – A crise energética também?

Paul Singer – Não. Para a crise energética, teremos de encontrar outras soluções. Uma delas é reduzir drasticamente o número de automóveis em nossas cidades. Eles são poluentes, congestionantes e caóticos. Em São Paulo, houve um boom de automóveis. Estão vendendo, hoje, automóveis a prazo: você pode pagá-los em até oito anos. Obviamente, nenhum automóvel dura oito anos, pois, nesse meio tempo, ele desvaloriza. Enfim, é uma loucura. O fato concreto é que há uma crise de trânsito em São Paulo. A cidade não anda, tem congestionamentos o dia todo e até em lugares onde ninguém imagina existir. Há ainda a poluição que os automóveis causam, algo muito grave. Precisamos oferecer uma condução que seja mais racional e compatível com a natureza. Isso significa usar o metrô, a bicicleta.

Paris criou, por exemplo, ciclovias pela cidade inteira, tendo uma faixa exclusiva para bicicletas. Em muitas cidades da Europa, a municipalidade coloca bicicletas em pontos estratégicos, como nas estações de metrô. Então, você sai do metrô e aluga uma bicicleta por um preço muito barato e vai até onde precisa ir. Além de não ser poluente, do ponto de vista da saúde é muito bom também, pois é um exercício que as pessoas fazem. Para solucionar em parte a crise energética, precisamos reformular inteiramente o transporte urbano, tornando-o não poluente e não criando mais consumidores vorazes de combustíveis fósseis.

Por outro lado, é preciso criar, através de tributos e subsídios, um desestímulo ao consumo de carnes e derivados. É necessário torná-los mais caros ainda, e fazer com que as pessoas voltem a se alimentar de vegetais. Não há outra saída. Os governos precisam fazer isso para que os pobres possam comer. Não estou dizendo que devemos virar inteiramente vegetarianos – o que seria uma boa alternativa –, mas, pelo menos, não deveríamos comer carne todos os dias. Eu estou numa classe social em que como carne no jantar e no almoço. Isso não será mais possível. Acredito que, através de instrumentos tributários, junto com educação alimentar, a população possa ter uma dieta mais compatível com a disponibilidade de terra e sol que temos.

IHU On-Line – O senhor acredita que a população mundial que não sofre com a fome já tomou consciência da dimensão dessa crise e das conseqüências que ela nos trará?

Paul Singer – A população não precisa pensar. Se a carne estiver tão cara a ponto de a população não conseguir pagá-la, ela terá de achar um substituto e pode ser que a indústria encontre formas apetitosas de satisfazer a fome sem mais do que duplicar a produção de cereais. Segundo um estudo da ONU, para produzir um quilo de carne bovina, são usados sete quilos de cereais. Não dá para fazer mais. Nós precisamos reorganizar nosso consumo alimentar de maneira com que todos possam comer.

IHU On-Line – Alguns lugares estão sentindo o que é a crise dos alimentos pela elevação dos preços dos produtos. Mas o que fazer para conter a crise da fome?

Paul Singer – Eu gostaria que não houvesse fome para ninguém, o que é um direito fundamental. Deixar uma criança subnutrida é um crime. Para isso, o governo pode racionalizar os alimentos e distribuir de forma limitada para que todos, pelo menos, possam comer vegetais. E quem tiver dinheiro e quiser comer carne, tudo bem. Tudo isso precisa ser muito discutido, mas, de qualquer modo, a direção para qual devemos nos encaminhar é essa. Essa crise alimentar vem do fato de que os chineses comiam arroz e agora estão comendo manteiga, queijo, iogurte e carne. Só que eles são um terço da população. Pensemos nisso! Os hindus também passaram a comer carne, e os brasileiros aumentaram em 70% o seu consumo de carne. Há outros países implicados nisso também. É preciso que todos comam menos carne. No entanto, deve ser um gesto democrático. A ONU será o instrumento para sairmos dessa crise. Nós teremos de transformá-la num governo mundial.

IHU On-Line – Como a soberania alimentar pode contribuir para conter essa crise?

Paul Singer – A soberania alimentar é uma coisa boa no sentido de você não depender de preços internacionais e de alimentos que chegam do outro lado do mundo, mesmo porque isso é muito poluente. Hoje, o comércio internacional está exagerado, a globalização levou o comércio internacional a níveis desnecessários. Não tem sentido você importar da China brinquedos estofados e outras coisas. Os navios que trazem esses alimentos poluem muito, são grandes consumidores de derivados de petróleo e fazem piorar as mudanças climáticas. É preciso reduzir todo o comércio internacional e fazer apenas comércio internacional daquilo que não pode ser produzido localmente. Por razões de preço, importar montanhas de coisas é um absurdo. Isso, nesse mundo que está chegando ao limite ecológico, precisa ser feito. Os camponeses já perceberam isso há mais anos, o que já é uma reivindicação da economia solidária européia.

Notas:

[1] Celso Monteiro Furtado foi um importante economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. Suas idéias sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento divergiram das doutrinas econômicas dominantes em sua época e estimularam a adoção de políticas intervencionistas sobre o funcionamento da economia. Em 1946, ingressou no curso de doutoramento em economia da Universidade de Paris-Sorbonne, concluído em 1948, com uma tese sobre a economia brasileira no período colonial. Em 1949, mudou-se para Santiago do Chile, integrando a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão das Nações Unidas. Na década de 1950, Furtado presidiu o Grupo Misto CEPAL-BNDES, que elaborou um estudo sobre a economia brasileira que serviria de base para o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek. Participou da criação, em 1959, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Formação econômica do Brasil, a mais consagrada obra de Celso Furtado, foi escrita nesse ano. Em 1962, no governo João Goulart, foi nomeado o primeiro Ministro do Planejamento. Com o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Com a Anistia, em 1979, retornou ao Brasil. De 1986 a 1988, foi o ministro da Cultura do governo José Sarney.

[2] Conhece-se como malthusianismo a doutrina de Thomas Robert Malthus (1766-1834), um sociólogo e economista inglês, que fundamentalmente defendia a necessidade de impor um limite à reprodução do ser humano por motivos de ordem econômica e em defesa da própria humanidade.