"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, dezembro 08, 2006

O Estado de São Paulo - 08/12/06

Colômbia recebe hoje lote de 5 Supertucanos
Caças servem também a ações antiguerrilha, o que levou as Farc a denunciarem 'intromissão inaceitável'
Roberto Godoy

A aviação militar da Colômbia recebe hoje da Embraer cinco aviões de ataque Supertucano, numa cerimônia na fábrica de Gavião Peixoto (SP). O esquadrão é o primeiro de um lote de 25 aeronaves antiguerrilha compradas da empresa brasileira por US$ 235 milhões.
Os caças, que servem também para treinamento avançado, foram equipados com sistemas de bordo fornecidos pelo grupo Elbit, de Israel. Com isso, podem disparar mísseis de longo alcance, bombas inteligentes guiadas por laser ou GPS e, em condições especiais, também um novo tipo de torpedo ar-mar de pequeno porte.
Os Supertucanos da Força Aérea Colombiana (FAC) seguem para a base aérea de Apiay, na região de Bogotá, logo depois da festa de recebimento. Um grupo de pilotos está no Brasil há cerca de um mês recebendo instruções para operar o equipamento.
A venda das 25 aeronaves foi considerada por Raúl Reyes, porta-voz da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), 'uma intromissão inaceitável na luta revolucionária'. Falando por meio de um telefone via satélite 'desde as montanhas' e interrompendo a ligação a cada 30 segundos para dificultar o rastreamento da chamada, Reyes considerou 'algo decepcionante' as negociações bilaterais envolvendo equipamentos de defesa.
O governo da Colômbia considera as aquisições 'necessárias e corretas', segundo nota do gabinete do presidente Álvaro Uribe, divulgada na assinatura do contrato de compra. O Ministério da Defesa sustenta que os turboélices serão 'prioritariamente empregados no preparo de comandantes'.
O Supertucano serve às duas funções. O sistema eletrônico digital é o mesmo encontrado nos grandes caças supersônicos. Ele voa a 600 km por hora. Leva 1.550 quilos de bombas, mísseis e foguetes, além de duas metralhadoras orgânicas ponto 50, com a possibilidade de dois canhões de 20mm. Permanece até sete horas em patrulha, sem reabastecimento no ar.
O vice-presidente da Embraer para o mercado de defesa e governo, Luis Carlos Siqueira Aguiar, considera haver espaço para negócios no valor de US$ 1,65 bilhão em aviões militares da classe produzida no Brasil, até 2011, apenas na América Latina. 'Só na área de transporte governamental há na região uma frota de 240 aeronaves, 80% das quais com mais de 20 anos de uso', analisa. O Supertucano é a principal aposta da companhia no setor. O avião fez demonstrações no Oriente Médio, na África e na América Latina, 'abrindo possibilidades sólidas', segundo a empresa.
Aguiar acredita que o sucesso do avião de ataque vai atrair compradores para os modelos de inteligência - alerta avançado, vigilância de superfície e esclarecimento marítimo -, versões militares do jato Emb-145, de passageiros, preparadas para atuar em regime de integração sob conflito. Ninguém fala de preço, mas a média, no mercado mundial, está na faixa de US$ 70 milhões.

O Globo - 08/12/06

STF nega férias coletivas a juízes
Tribunal derruba, por unanimidade, decisão do Conselho Nacional de Justiça

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que havia permitido a juízes de primeira e segunda instância tirarem férias coletivas. A prática, abolida em dezembro de 2004 pela reforma do Judiciário, fora permitida novamente por uma resolução do CNJ de outubro deste ano. O conselho, que faz o controle externo do Judiciário, decidira descumprir a reforma e dar aos tribunais autonomia para conceder ou não férias coletivas aos magistrados.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, foi o autor da ação que pediu a revogação da resolução do CNJ que permitia as férias coletivas. Para o procurador, deve valer o que ficou decidido na reforma do Judiciário: os juízes não podem mais tirar férias coletivas em janeiro e julho, como era a prática anterior. Os dois meses de descanso da magistratura, garantidos por lei, devem ocorrer em meses diferentes, para que a prestação de serviço do Judiciário não seja interrompida.
Dez dos 11 ministros do STF compareceram à sessão, e todos votaram contra a decisão do CNJ. Só a ministra Ellen Gracie Northfleet, que preside o STF e o conselho, não estava presente. A assessoria da ministra informou que ela não comentaria o resultado do julgamento e que não participou porque estava em outras audiências.

Ministros atacam atuação do conselho
Vários ministros aproveitaram para atacar a atuação do conselho, que, segundo eles, estaria extrapolando suas funções. Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, relatora da ação, chamou a decisão do CNJ de afronta à Constituição.
- Não há conveniência administrativa que possa prevalecer sobre a Constituição - declarou a ministra.
Marco Aurélio de Mello também considerou que o conselho estava desrespeitando a Constituição. Ele chamou de "babel" a confusão criada pelo colegiado:
- É preciso repor as coisas no seu devido lugar para que não reine a babel. Por melhor que seja a intenção, e o mundo está cheio de pessoas bem intencionadas, não cabe a esse órgão simplesmente driblar a norma maior para chegar ao resultado visado.
O ministro lembrou que, quando foi criado o CNJ, ele mesmo previu que o colegiado seria um "super-órgão". Agora, caberia ao STF limitar a atuação do conselho.
- Não sou bruxo, mas quando se discutiu a criação do CNJ apontei que estaríamos diante da previsão de criação de um super-órgão. Me mostrei estarrecido.
O ministro Carlos Ayres Britto disse que o julgamento da ação contra as férias coletivas foi "emblemática" para analisar o papel do CNJ. Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, o CNJ tem natureza eminentemente administrativa, e não legislativa ou judiciária. Por isso, não poderia jamais inovar em matéria legislativa. Na opinião dele, o CNJ deveria ter atuação parecida com o Tribunal de Contas da União (TCU), um órgão auxiliar fiscalizador.
- Não é possível que num estado democrático de direito, um órgão administrativo se expresse com força de lei. Ele não pode expedir regulamentação e nem pode cercear atos e garantias individuais dos cidadãos - afirmou Lewandowski em seu voto.
A ação proposta pelo Ministério Público foi também contra a medida do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que manteve as férias coletivas. A decisão de ontem se estende a todos os tribunais de segunda instância e juízes da primeira. O procurador-geral da República argumentou que os atos do CNJ e do Tribunal de Justiça, ambos de 2006, são inconstitucionais. O tribunal já havia até marcado férias de seus magistrados para janeiro e julho. Agora, terá de alterar a programação

Instituto Humanitas Unisinos - 08/12/06

Mendigos são "invisíveis", segundo especialistas

Milícias armadas de segurança ilegal, em geral formadas por integrantes e ex-integrantes das forças policiais do estado, podem estar envolvidas nos recentes ataques a moradores de rua na cidade do Rio de Janeiro, apontam especialistas. Na semana passada, quatro mendigos foram queimados na região central da cidade; dois deles morreram. Na noite desta quarta-feira (6), outros três moradores de rua foram baleados no interior do Túnel Velho, em Copacabana, Zona Sul do Rio. A reportagem é do portal G1, 7-12-2006.
“Pode ser que grupos de segurança informal, que exploram de maneira oportunista o medo da população, estejam agindo. É importante que se investigue essa possibilidade”, diz o professor do Departamento de Ciências Sociais da Uerj Dario de Souza e Silva, especialista em populações de rua.
“É uma possibilidade que eu exploraria com cuidado se estivesse na polícia”, reforça Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança. “Esse caso de Copacabana pode mostrar o deslocamento dessa nova barbárie fluminense para a área do asfalto”, acrescenta.
Segundo Dario, os moradores de rua são alvos de uma visão equivocada da população em geral, que imediatamente os associa à criminalidade. Ele lembra que muitos deles estão nas ruas porque foram alijados de outras formas de convívio social, como a família e o trabalho.
“O imaginário coletivo identifica o morador de rua com o crime. Quem está na rua não é interpretado tendo em vista sua biografia, inserção social e no mercado de trabalho. Ele simplesmente ‘apareceu’ na rua. Os ciganos já viveram esse estigma, assim como outros grupos sociais sem residência fixa. Isso os desumaniza frente à população em geral e assim o valor da vida de um morador de rua pode ser negligenciado”, avalia.

Chacina da Candelária
Tanto Soares quanto Dario vêem nos recentes ataques a continuação de um processo que tem como um de seus principais símbolos a chamada Chacina da Candelária, em que oito menores de um grupo de mais de 50 que dormia nas proximidades da igreja no Centro do Rio foram mortos por policiais militares na madrugada de 23 de julho de 1993. “A relação (com o caso da Candelária) é clara. Até o procedimento é bem parecido. A Chacina da Candelária é um caso significativo que sintetiza esse problema de uma ‘limpeza’ fascista que por vezes nossa sociedade é capaz de fazer”, aponta Soares em referência ao ataque de Copacabana.
“Não são episódios isolados, vem se consolidando um padrão. Houve casos no passado recente em que não se investigou e não houve punição. Isso leva a uma sensação de impunidade que pode disseminar a prática. Mas, por outro lado, a indignação popular também tem o poder de interromper esse processo”, considera Dario.

Polícia inoperante
Assim, a inoperância da polícia e o descaso do governo com a apuração desses episódios são outra face do problema, dizem os especialistas. Com relação aos recentes ataques, a Polícia Civil se limita a informar que investigações estão em curso nas delegacias responsáveis pelas áreas das ocorrências, a 1ª DP (Praça Mauá) e a 12ª DP (Copacabana).
“Os moradores de rua não têm biografia, não votam, não têm documentos nem presença estatística. Assim, eles também não têm representação política, diferentemente de outros grupos sociais. A pobreza material é homóloga à invisibilidade política”, avalia Dario.
Soares acrescenta que, devido às dificuldades materiais e de pessoal da polícia, é raro uma investigação ser bem-sucedida. “Infelizmente a regra é essa. No estado, há mais de 114 mil solicitações de laudos periciais não atendidos e, sem perícia, a investigação é limitada. Apenas algumas investigações, de casos com grande repercussão, vão em frente. Nesses ataques, como as vítimas são pobres, é que elas não andam mesmo”, diz.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/12/06

O Pantanal e a grande sombra do gado.
Artigo de Washington Novaes

"Carnes ocupam um lugar destacado na economia brasileira, principalmente na exportação. Que se pensa fazer? 'O custo ambiental por unidade de produção tem que cair para metade, só para impedir que a situação piore', diz o relatório da FAO. Quem ouvirá?", pergunta Washington Novaes no artigo publicado hoje, 8-12-2006, no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título "A ONU está gritando. Quem vai ouvir?"

Eis o artigo.

"Noticiam os jornais que uma comissão de representantes de sete ministérios, coordenada pela Casa Civil da Presidência, está definindo 'ações emergenciais' para recuperação da bacia do Rio Taquari, em Mato Grosso do Sul.
A memória dá um salto de 20 anos, para um seminário na cidade de Campo Grande, em 1986, no qual se discutia exatamente esse tema. Com o desmatamento na área das cabeceiras do Taquari, fora do Pantanal, para plantio de soja e criação de pastos, o rio vinha recebendo uma quantidade enorme de sedimentos gerados pela erosão. E ele, que fora a principal via de navegação até o Rio Paraguai, já podia ser atravessado com água pelas canelas. Pior, abria 'bocas' ao longo do trajeto, pelas quais a água invadia no Pantanal pastagens naturais e as inviabilizava. Recomendava-se, então, replantar matas ciliares, exigir a manutenção de reservas legais nas propriedades que se dedicavam ao plantio da soja e à pecuária bovina, dragar o leito do rio para retirar sedimentos.
Mas o autor destas linhas não se esqueceu ainda da brilhante intervenção do professor Aziz Ab'Saber, da Universidade de São Paulo. É preciso, de fato, replantar matas, exigir manutenção de reservas legais, dizia ele. 'Mas vocês podem dragar o rio durante séculos que não vão evitar um processo natural de assoreamento; porque essa região do Pantanal é de formação mais recente e está sobre um cone invertido de dejecção de areia de baixo para cima, que tem uns 60 mil quilômetros quadrados na superfície. Um processo ainda ativo.'
Quase ninguém se lembra da advertência de Ab'Saber. Continuam em discussão o replantio de matas, a exigência de reservas e outras ações emergenciais, quando as 'bocas' já inviabilizaram 11 mil km2 de pastagens. E quando, na verdade, todo o Pantanal - Sul e Norte - está ameaçado, nos seus 165 mil km2. Não apenas pelo assoreamento do Taquari e de outros rios. Mas pelo desmatamento em várias áreas (45% da superfície da bacia do Alto Paraguai, por exemplo, segundo a Conservação Internacional, que aponta um desmatamento total de 17% em todo o ecossistema, que poderá estar totalmente comprometido em 45 anos). Pela ameaça permanente do vinhoto das usinas de cana, pela mineração desordenada e outras atividades na região de Corumbá. Foi preciso até que um ambientalista, Francisco Anselmo de Barros, ateasse fogo às vestes e morresse para impedir as novas usinas desejadas pelo próprio governador de Mato Grosso do Sul.
Muita coisa aconteceu ao longo das duas décadas. Inclusive o não-cumprimento, pelo Brasil, de um convênio assinado com o BID, que destinaria US$ 165 milhões aos trabalhos no Pantanal. Como a União e os Estados de Mato Grosso e Mato grosso do Sul não entraram com os 50% de recursos que lhes cabia, o convênio morreu e até mereceu um editorial indignado deste jornal (15/11/2005). E tudo isso num ecossistema que o Brasil se comprometeu a preservar, na Convenção de Ramsar (de proteção de áreas úmidas), e que é um sonho do turismo mundial.
No Pantanal, como em toda parte, continuamos presos a um pensamento perverso. Sabemos, todos, que a situação é muito grave e exige mudanças fortes no nosso comportamento, para enfrentar questões como mudanças climáticas e produção e consumo insustentáveis. Mas, atados a lógicas financeiras, seguimos pelos mesmos caminhos. E até boa parte dos que se incomodam com o panorama se habituaram a pensar que só haverá uma reversão 'quando acontecer alguma grande catástrofe'. Como se as tragédias não estivessem já bem diante dos olhos.
Neste momento mesmo, mais de 1 milhão de pessoas estão desabrigadas no Quênia - onde acaba de se realizar uma reunião da Convenção do Clima - por inundações terríveis. Também o Sudeste da Ásia está às voltas com o clima. Tufão nas Filipinas mata centenas de pessoas. No Brasil mesmo, níveis de chuva inéditos há décadas voltam a matar e a desabrigar em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, em Minas e muitos outros lugares. Relatórios científicos assustadores chegam todos os dias. O pensamento dominante, entretanto, só parece preocupado com o crescimento físico da produção, com a ocupação de novas áreas pela agropecuária.
Nessa hora, dá conta este jornal (30/11) de novo relatório da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), das Nações Unidas - A Grande Sombra do Gado. Que aponta a insustentabilidade, nos formatos e padrões atuais, das criações para produção de carnes e leites. Esse setor, diz o relatório, responde por mais emissões que contribuem para mudanças climáticas do que o próprio setor de transportes. São 18% das emissões totais no mundo, aí incluídos 65% do óxido nitroso emitido por ações humanas (e ele tem um potencial de aquecimento global 296 vezes mais forte que o do dióxido de carbono), 37% de todo o metano (23 vezes mais prejudicial que o CO2) e 64% da amônia, que contribui para a formação de chuva ácida. A pecuária, que ocupa 30% da superfície terrestre fora das áreas geladas e responde pela subsistência de 1,3 bilhão de pessoas, já tem uma produção mundial de 229 milhões de toneladas de carnes e 580 milhões de toneladas de leite. A projeção é de que dobrará até 2050 - mas isso não é sustentável, diz a ONU, porque contribui para o desmatamento de florestas tropicais (70% do total), degradação de recursos hídricos, contaminação das águas. Principalmente na América Latina. E no Pantanal.
Carnes ocupam um lugar destacado na economia brasileira, principalmente na exportação. Que se pensa fazer? 'O custo ambiental por unidade de produção tem que cair para metade, só para impedir que a situação piore', diz o relatório da FAO. Quem ouvirá?"

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Instituto Humanitas Unisinos - 07/12/06

As questões antagônicas de Raízes do Brasil.
Entrevista com Sílvia Helena Zanirato e Edilaine Custódio Ferreira

Na edição 205 da IHU On-Line, o livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda foi discutido por muitos acadêmicos brasileiros. Voltando ao assunto e aos 70 anos de lançamento da primeira edição do livro, conversamos com a doutora em História e professora de Teorias da História na Universidade Estadual de Maringá, Sílvia Helena Zanirato e sua orientanda, mestre em História, Edilaine Custódio Ferreira. Ambas apresentam antagonismos da obra de Sérgio Buarque e explicam cada um deles.

Confira a entrevista:

IHU On-Line - Quais as questões antagônicas existentes na obra Raízes do Brasil?
Sílvia Helena Zanirato e Edilaine Ferreira - Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda parte do mapeamento dos pares antagônicos (trabalho e aventura, método e capricho, rural e urbano, norma impessoal e impulso afetivo, burocracia e caudilhismo, dentre outros) para pensar a sociedade brasileira. O pares antagônicos estruturados por ele são fundamentais para que se possa entender toda extensão de sua obra. Contudo, é de grande relevância ressaltar, como afirma o próprio autor de Raízes, em estado puro, “esses tipos não têm real existência, restringem-se apenas ao quadro das idéias”. Cada um desses tipos tem sua ética própria e “nos ajudam a melhor ordenar nosso conhecimento dos homens e dos conjuntos sociais” (HOLANDA, 1998, p. 45).

Os pares antagônicos mais destacados são:

1. Trabalho e Aventura
O trabalhador e o aventureiro funcionam como princípios que “regulam as atividades dos homens, são tipos que se manifestam na vida coletiva”. Segundo Holanda, “o aventureiro ignora fronteiras, vive de espaços limitados, dos projetos vastos e de horizontes distantes. O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer” (Hollanda:1998:44). O trabalhador valoriza as ações e as atividades que deverá cumprir, mesmo que estas exijam trabalho lento, e os resultados venham a ser demorados, já o aventureiro almeja lucro de maneira que possa vir a alcançá-lo o mais rápido possível e sem esforço. Portanto, esses dois tipos participam do mesmo conjunto social, estão inseridos na mesma esfera.

2. Rural e Urbano
De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, o português instaurou no Brasil uma civilização de raízes rurais, marcada pelo predomínio da fazenda em detrimento das cidades. Para ele, ao final do século XIX o Brasil sofreu uma intensificação da economia urbana com o desenvolvimento da indústria, a expansão do crédito bancário e iniciou uma economia relativamente moderna. Contudo, salienta o autor, “nos resta e nos restará por longo tempo as heranças rurais. Nosso ruralismo extremo não foi superado”.
Assim, o mundo rural permaneceu por muito tempo influenciando a vida nas cidades, e estas mantinham uma relação de dependência com a vida rural, pois até mesmo a administração urbana continha elementos do sistema senhorial, de modo que “as funções mais elevadas cabiam aos senhores de terras” (Holanda,1998,89). Por isso a afirmativa dele de que “a mentalidade da casa-grande invadiu as cidades e conquistou todas as profissões” (Holanda,1998,87).
O autor estabelece comparações entre os centros urbanos, ainda em formação e o espaço rural, para mostrar que o meio citadino encontrava-se em posição bastante desigual e desfavorável. Segundo ele, houve um poderio dos domínios rurais em detrimento das cidades e “o predomínio esmagador do ruralismo foi, antes, um fenômeno típico do esforço de nossos colonizadores, do que uma imposição do meio” ( Holanda,1995,92). A paisagem natural e social ficou marcada pelo domínio da fazenda em relação às cidades.

3. Norma Impessoal e Impulso Afetivo
É importante ressaltar o trecho em que Holanda analisa o Estado para percebermos a maneira como ele trata esse tema. Diz ele:
Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável, e responsável ante as leis da cidade. Há neste fato um triunfo geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do abstrato sobre o corpóreo, e não uma depuração sucessiva das formas mais naturais e rudimentares (Holanda,1998,141).
Para ele, em nossa forma de Estado houve o predomínio do particular sobre o geral. O Estado no Brasil foi formado por relações particulares, com isso o predomínio do privado sobre o público. Prevaleceram as vontades particulares que caracterizavam na verdade a supremacia do rural. As grandes fazendas rurais fechavam-se em si mesmas, procurando manter cada vez menos contato com o mundo exterior. Assim, como acontece em geral em organizações familiares, nas grandes famílias patriarcais prevaleceram as relações pessoais e a emotividade. No entanto, foram as relações impessoais que caracterizaram a organização do espaço público. Onde deveria prevalecer a vontade coletiva, prevaleceu a vontade individual. O doméstico e o afetivo não abriram espaço ao público. Assim, não houve uma tentativa concreta de distinção entre público e privado.
É nesse meio que se insere o homem cordial. A expressão cordialidade não pressupõe bondade, mas predomínio do particular, recusando as relações inter-pessoais. A cordialidade não se restringiria ao campo político, mas abrangia também os negócios e a vida religiosa. Assim, tratávamos da mesma maneira a religião, sem rigor, sem obrigações. Desta forma, o que deveria ser representação do público, foi na verdade o predomínio dos interesses particulares. A vontade pessoal subordinava as pessoas, a tradição, as leis, as regras. O sentimento sobrepunha-se ao racional.

IHU On-Line - Quais interlocuções existentes entre Georg Simmel, Max Weber e Sérgio Buarque de Holanda?
Sílvia Helena Zanirato e Edilaine Ferreira - Responder a essa questão implica primeiramente em se saber quais seriam as semelhanças entre Georg Simmel e Max Weber. A produção de Simmel é anterior à produção weberiana. É possível averiguar que muitos dos conceitos usados por Weber foram herdados de Simmel. Em Weber esses conceitos assumem algumas especificidades, como é o caso da concepção weberiana de ação social, que se assemelha com o que Simmel chama de interação social, mas Weber não condiciona a ação a uma reação (COSTA, 1999) .
Sabemos que Max Weber sofreu influências teóricas de Windebland e Rickert e, no que diz respeito ao modo de depuração das formas para se construir tipos ideais, a referência direta é Georg Simmel. Isso se constata no método de abstração com que Simmel analisa o processo de interação entre os indivíduos. Esse procedimento é partilhado por Max Weber ao construir sua teoria dos “tipos ideais”, isolando as formas de seus conteúdos para definir os tipos sociais
Segundo Gabriel Cohn (1958), na teoria simmeliana “a passagem da idéia de forma para a de tipo não é completamente realizada”. Isso ocorre porque Simmel coloca-se entre os caminhos empírico e idealista. Weber também partilha desta posição, todavia há um ponto que distingue Weber de Simmel no que se refere à metodologia. Para Weber, o modo como Simmel trabalha com a análise da forma faz com que a prática tipológica mergulhe numa série de vícios, pois o pesquisador primeiramente identifica cada forma expressa na realidade concreta e, só então, inicia o processo de depuração da mesma. Eu acredito que a influência mais marcante da obra de Simmel sobre o trabalho de Sérgio Buarque de Holanda está ligada ao procedimento metodológico, pois ele elabora a tipologia dos pares antagônicos com fundamentação tanto na teoria weberiana como na simmeliana. Tal como Simmel e Weber, Sérgio Buarque de Holanda também interpreta os valores culturais por meio das ações dos indivíduos. É deste modo que ele analisa a ética do aventureiro, na qual é o valor cultural que da sentido e orienta a ação colonizadora. Tanto em Simmel quanto em Weber o conhecimento é sempre parcial. O cientista pode formular hipóteses e não construir verdades absolutas. A construção do “tipo ideal” assume caráter transitório, pois de acordo com Weber, as disciplinas históricas estão sempre formulando novas hipóteses e abrindo espaço para se debater questões que giram em torno da cultura e do social. Além disso, criam sempre novas problemáticas renovando assim o conhecimento sobre a realidade concreta.
Diante do exposto, fica evidente a possibilidade de interlocução entre Max Weber, Georg Simmel e Sérgio Buarque de Holanda, o que permite uma compreensão dos argumentos expostos pelo autor de Raízes do Brasil na construção de uma interpretação da sociedade brasileira.
Para concluir penso que cabe mencionar a influência metodológica. Weber adota o método comparativo, “captando as características comuns que os tipos apresentam” (Costa). É por esse caminho que Weber elabora a teoria sobre as religiões mundiais e sobre a tipologia do capitalismo.
Sérgio Buarque também adota o método comparativo, é o que se pode perceber em toda a extensão de sua obra, a começar pelo capítulo I “Fronteiras da Europa”, no qual o autor compara a colonização espanhola e a portuguesa acreditando que essas partiriam de um processo de unidade para desembocar na multiplicidade. Verifica-se que Sérgio Buarque mostra em seu livro as diferenças culturais não apenas entre Espanha e Portugal, mas entre os povos e culturas inseridos em tal contexto.
Sérgio Buarque utiliza os conceitos weberianos para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão. Segundo Weber, o Estado moderno caracteriza-se pelas relações impessoais, nas quais predominam o coletivo sobre o particular, o público sobre o privado. Entende Weber que o Estado seja “um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio” (WEBER,1982,p.76).

IHU On-Line - Como Sérgio Buarque de Holanda procurar entender a sociedade brasileira?
Sílvia Helena Zanirato e Edilaine Ferreira - Na obra Raízes do Brasil, o autor procurou explicar a sociedade brasileira por meio da análise dos antagonismos que formariam a nossa sociedade. Assim, falar em pares antagônicos em Raízes do Brasil significa abordar diretamente a história de nossos colonizadores. Mas, os antagonismos não se restringem a ela, porque as nossas raízes teriam sido formadas pela diversidade das culturas inseridas neste processo. Nossa realidade é assim refletida a partir da pluralidade dessas culturas, nas quais portugueses, africanos, espanhóis e índios assumem uma relação dialética. Desta forma, Holanda busca identificar na história brasileira os traços característicos de uma identidade própria, aquilo que lhe seria peculiar. Segundo ele, a pluralidade das culturas inseridas neste espaço teria desenvolvido uma cultura única.
IHU On-Line - Existe uma forma adequada de analisar o livro Raízes do Brasil? Existe uma leitura ideal que podemos fazer do autor e do livro?
Sílvia Helena Zanirato e Edilaine Ferreira - Não há formas adequadas ou inadequadas para se analisar nem o autor nem sua obra, há sim uma pluralidade de leituras possíveis. Se por um lado não há como negar a grande influência weberiana em Raízes do Brasil, por outro, não se pode negar a influência do historicismo alemão na obra de Holanda, como defende Maria Odila Leite da Silva Dias. Também não se pode ignorar a presença de Hegel sobre o escrito buarquiano como mencionou Antonio Cândido em seus estudos sobre Sérgio Buarque de Holanda e Raízes do Brasil. O que sugiro é a possibilidade de se fazer uma leitura da obra centrada na discussão desses dois clássicos da sociologia alemã. Mas esse é apenas um dos caminhos a seguir. Cabe agora destacar que, ainda que pesem as influências dos pesquisadores alemães sobre Holanda, isso não quer dizer que o autor transporte teorias sociológicas prontas e acabadas para pensar nossa realidade, ante, ele parte de alguns elementos teóricos (e aí a influência tanto de Max Weber quanto de Georg Simmel), para compreender nossa formação social de um modo bastante peculiar.

Instituto Humanitas Unisinos - 07/12/06

Monocultura do eucalipto tomará quase 3% do território do RS

O Ministério Público do Rio Grande do Sul pediu explicações para a empresa finlandesa Stora Enso, que já teria adquirido, direta ou indiretamente, mais de 100 mil hectares de dezenas de médios proprietários no Estado. Assim, a Stora Enso teria concentrado, em um só ano, mais terras do que todas as desapropriações que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fez no RS, nos últimos vinte anos. A reportagem é de Marco Aurélio Weissheimer e publicada pela Agência Carta Maior, 6-12-2006.
As áreas adquiridas pela empresa são destinadas à ampliação da monocultura do eucalipto para a produção de celulose. O MP está preocupado com os possíveis impactos ambientais dessa ampliação, uma vez que não existe licenciamento por parte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para esse projeto de ampliação. A maior parte das áreas adquiridas pela Stora Enso estão localizadas em uma faixa de 50 quilômetros, próxima à fronteira com Uruguai e Argentina.
Segundo a legislação brasileira, empresas estrangeiras não podem ter propriedades nesta faixa de fronteira. As empresas produtoras de eucalipto defendem a redução desta faixa de segurança para uma margem de apenas 10 quilômetros. A Stora Enso desembarcou no RS em setembro de 2005, quando anunciou a intenção de implementar um ambicioso projeto de monocultura de eucalipto em 100 mil hectares na região sul do Estado, e de instalação de uma fábrica de celulose, totalizando investimentos da ordem de US$ 1,2 bilhão. Segundo o projeto original, 50 mil hectares pertenceriam à empresa.
Somando-se aos projetos da Aracruz e da Votorantim, cerca de 300 mil hectares serão tomados pela monocultura do eucalipto no Estado, valor que corresponde a quase 3% de todo o território do RS. Em junho deste ano, foi a vez da Aracruz anunciar investimentos da ordem de US$ 1,2 bilhão para a produção de eucalipto e celulose.

Previsões ambiciosas
Segundo estimativa da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), as exportações brasileiras de celulose devem crescer 10% em 2007, em comparação ao volume exportado em 2006. Dados preliminares da entidade apontam uma produção de 11 milhões de toneladas de celulose em 2006, volume 6,3% superior ao verificado no ano passado. A Bracelpa avalia que a previsão de investimentos de US$ 14,4 bilhões, no período entre 2003 e 2012, deve ser superada.
A Votorantim e a Stora Enso estariam com seus investimentos atrasados no RS em virtude da resistência de organizações não-governamentais na área ambiental e do ritmo dos processos de licenciamento ambiental. Nas últimas semanas, dirigentes da Stora Enso manifestaram seu descontentamento com a série de obstáculos que estariam sendo colocados para a implementação de seus projetos de expansão e chegaram a falar sobre a possibilidade de mudança de planos.

A luta por corações e mentes
As indústrias de celulose estão investindo pesado na conquista de corações e mentes no Rio Grande do Sul. O mais recente capítulo dessa ofensiva foi o convite feito pela Stora Enso a um grupo de jornalistas do Estado para visitar a sede da empresa na Finlândia. Integram a comitiva, entre outros e outras: José Barrionuevo, Políbio Braga, Diego Casagrande, Rogério Mendelski, Ana Amélia Lemos, Lucia Ritzel e Afonso Ritter. A maioria dos jornalistas que integraram a comitiva produziu relatos positivos sobre as atividades da empresa.
Um dos mais entusiasmados com o trabalho das empresas de celulose, o jornalista Diego Casagrande escreveu em seu blog: “Os investimentos, que mudarão a face econômica da empobrecida metade sul, tem sido bombardeados por ONGs e pela esquerda em geral, que falam a torto e a direito na criação de desertos verdes. São mentiras e bobagens que repetidas, podem virar verdade na cabeça de muita gente”.
Na campanha eleitoral, as empresas de celulose também ajudaram a financiar campanhas de dezenas de deputados. Ao todo, Aracruz, Stora Enso e Votorantim doaram cerca de R$ 1,360 milhão para 75 candidatos a deputado e governador na última eleição. Segundo informações da Tribunal Superior Eleitoral, a Aracruz lidera a lista de doações. Foram mais de R$ 900 mil doados a campanhas de deputados estaduais e federais.
Entre os candidatos que receberam dinheiro da Aracruz, 21 elegeram-se deputados estaduais (do PP, PMDB, PSDB, PPS, PT e PDT) e 14 deputados federais (do PSB, PFL, PDT, PMDB, PSDB e PP). A Votorantim destinou R$ 348 mil para campanhas eleitorais no RS e a Stora Enso, R$ 103 mil. Uma das campeãs de doações em todo o país, a Aracruz divulgou nota oficial afirmando que as doações são uma “contribuição ao amadurecimento do processo democrático”.

Instituto Humanitas Unisinos - 07/12/06

“Dois Méxicos”. Artigo de Pedro Carrano

"Existem dois Méxicos hoje: o de cima e o de baixo, para usar uma expressão zapatista que está refletida nas palavras da gente comum no dia-a-dia da capital e nos artigos dos jornais, especificamente do La Jornada, o único que segue com credibilidade entre as pessoas conscientes e os movimentos sociais. Pois a mídia, assim como o poder institucional no país, estão bastante desgastados, ainda mais depois da operação de fraude eleitoral em junho deste ano", escreve o jornalista Pedro Carrano que se encontra no México enviado espeical do jornal Brasil de Fato – edição 05 a 12 de dezembro 2006.

Eis o artigo.

Entre o México de cima, assistimos as vaias, a troca de tapas no parlamento entre os deputados do PRD e os do PAN e o cerco policial que marcou a posse do presidente Felipe Calderón (PAN) - ele falou aos deputados por apenas cinco minutos e saiu pela porta dos fundos -, o que apenas confirma a decadência e a falta de legitimidade do poder institucional neste país. Neste ano apenas 35,3 por cento dos eleitores compareceram as urnas para exercer uma democracia que já não encontra lugar. Na capital, milhares (as vezes milhões) de pessoas acodem desde o ano passado as manifestações convocadas por Lopez Obrador (PRD), contra a perseguição promovida pelos dois outros partidos, agora considerados ultra-direitistas: o PRI e o PAN.
Abaixo está, por assim dizer, “la mera gente”. Está o México profundo que se organiza nos estados do sul em assembléias populares e na busca pela autonomia. Estão as pessoas que foram redescobertas pela Outra Campanha, nos rincões do país, que deu atenção para as suas experiências anticapitalistas. Terminado o primeiro recorrido da Outra Campanha, houve um encontro na capital, realizado no dia 02, e o subcomandante Marcos falou de algumas metas da Outra Campanha depois do contato com os corações esquecidos da pátria. E o que fica claro é que para este México de baixo não existe um modelo pronto de luta, tudo esta para ser feito. O “Sub” falou em aprender desde a autogestão dos grupos anarquistas, passando pela luta junto aos eletricistas pela diminuição das tarifas de energia, ate a sabotagem as grandes redes de comércio em apoio aos pequenos comerciantes.
O México de baixo
O México de baixo renova a linguagem da luta social. Troca os jargões desgastados da velha esquerda pela poesia oral dos indígenas. Valoriza a memória e a palavra. Conversar com um indígena é ouvir uma luta de muitos anos como se tivesse acontecido ontem. Conversar com estudantes é fazer um reconto de algunsmomentos históricos como a revolução de 1910, a independência, e, antes de tudo, a luta indígena contra os espanhóis, que segue a mesma base: a luta pelo território. Fico pensando como a memória ira guardar os seis meses das barricadas de Oaxaca. Sim, se trata de algo renovado, se pensamos que o exército zapatista (que desencadeou o processo atual) teve sua gênese nos anos 80, quando os olhos do ocidente estavam voltados para a experiência dos sandinistas, na Nicarágua e da Frente Farabundo Marti, em El Salvador. Mas, ante o recuo da esquerda naqueles paises, o movimento mexicano teve que criar uma outra coisa, a partir de modelos não fixos, respondendo a sociedade, reinventando a luta constantemente, “ser como a água”, já dizia o indígena maia zapatista, Velho Antonio.
A equação do México de baixo realmente é simples e agrega as várias formas de luta: as pessoas simplesmente falam em igualdade. Igualdade para estes rostos morenos e cabelos escuros que não posam nas revistas. A clara divisão no país e os privilégios das elites permitiu uma radicalidade para a qual, como disse um amigo, “não há volta atrás”. Ainda que seja um dado muito subjetivo, vemos que a dignidade indígena presta um papel muito importante na luta, pois foi ela que criou a Outra Campanha, que, contra qualquer analise de conjuntura ou possibilidade de acordos estratégicos, colocou-se contra os partidos, inclusive o PRD. É a dignidade das barricadas de Oaxaca, que se organizavam instantaneamente, puxadas pelas próprias pessoas, pelas mulheres, mesmo quando os dirigentes da APPO apontam um outro caminho.

Tensão
A classe política, ou seja, os de cima, colaboram para o tensionamento da luta de classes no México. Os seis anos de governo Fox apenas demonstraram isso. O aumento da exploração veio seguido do papel que cabe ao estado hoje: o de braço repressor do capital. Fox havia prometido, ainda em 2000, resolver o conflito de Chiapas em “15 minutos”, nas suas palavras, quando na verdade não reconheceu a demanda dos povos negociada nos acordos de San Andres e seguiu promovendo a guerra de baixa intensidade no estado de Chiapas, o mais militarizado do país, onde tanques passam o dia inteiro e fazem pressão psicológica sobre as famílias maias zapatistas.
No final de governo, assistimos ao enfrentamento de questões sociais simplesmente com o envio de tropas. Foi assim em San Salvador Atenco, em maio deste ano, e agora está sendo assim na guerra suja e na repressão contra o movimento da APPO no estado de Oaxaca. Neste momento, Fox passa o governo para Felipe Calderón - que certamente vai aprofundar a sua política - com um legado de mais de 600 presos políticos de consciência e desfilando no ranking de segundo pais mais perigoso no mundo para a atividade jornalística. O primeiro seria o Iraque.
As coisas estão conectadas e a repressão tem o seu contexto econômico. Os preços estão altos no país e o partido de Fox e de Calderón tem um projeto para taxar um imposto (chamado IVA) sobre os alimentos e remédios. Uma senhora, numa banquinha de jornal, reclama do preço do leite e dos combustíveis que estão para subir com o novo governo. A economia mexicana, segundo o jornal La Jornada, segue toda ela monopolizada por uma elite nacional ou pelas transnacionais, ao mesmo tempo quando a indústria estatal esta desmantelada. Ninguém menos que o Banco Mundial informou que o TLCAN, tratado de livre comercio na América do Norte, deve ser revisado, pois não melhorou a economia mexicana. De cada sete trabalhadores, hoje um deles esta deixando o pais, talvez esse o melhor sintoma.
No México de cima, o neoliberalismo de Fox evitou relações com os paises da América Latina, inclusive rompendo com Venezuela e Cuba. Só que, mesmo voltado ao grande irmão do norte, o que o governo Fox obteve foi a construção de um muro separando os dois paises. Ademais, Fox iniciou sua gestão, seis anos atrás, com a expectativa de ser o governo da mudança passados 71 anos de mando do PRI. Porem, tal qual uma tabelinha PFL/PSDB, os dois governaram juntos e sua política permitiu o aumento do numero de miseráveis em dez milhões de pessoas, passando para 50 milhões de pessoas ao total. São os de baixo, muitos aqueles que, não fossem vender sua mão de obra nas fabricas maquiladores, ainda podem ficar sem nada, pois reportagem recente mostra que muitas fabricas estão migrando instantaneamente para a China, devido ao “mercado competitivo” daquele pais.

Na multidão
Estou o tempo todo entre um mar de gente, seja nas ruas do centro, ou lutando por um espaço no metro antes que a porta se feche, ainda que sejam necessárias perder uns dois ou três trens ate finalmente conseguir entrar. Mas confesso que no dia primeiro de dezembro não deixei de me surpreender com a maré de pessoas que seguiu a marcha convocada por Lopez Obrador, atravessando a avenida Paseo de La Reforma. Nem de longe convocou o mesmo numero de pessoas, por exemplo, como em maio do ano passado, na época do “desaforo”, manifestação contra a perseguição sofrida por Obrador, quando o governo instrumentalizou o judiciário contra AMLO, para que não participasse da presidência.
Mesmo com a militarização armada ao redor do local da posse de Calderón, com a repressão e o estado de sitio em Oaxaca, a ameaça aos membros do APPO, havia um fluxo de pessoas para todas as direções da avenida. Se nem de longe devo me arriscar a traduzir o sentimento daquela gente que estava ali, no momento no qual o México apresenta tantas lutas e demandas, ao menos o que foi curioso neste momento era a aversão dos “perredistas” em relação a imprensa, pois acusavam as grandes cadeias de tv (TV Azteca e Televisa) de legitimar a Calderón. O outro dado curioso era a comparação (positiva) que as pessoas faziam entre Lula e Obrador, quando eu revelava o meu país de origem.

Instituto Humanitas Unisinos - 07/12/06

Um balanço da nacionalização na Bolívia.
Entrevista com Andrés Soliz Rada, ex-ministro da Energia

“Marco Aurélio Garcia, assessor de Lula, conseguiu o compromisso do Vice-Presidente Álvaro García Linera de “congelar” a Resolução Ministerial 207, pela qual a YPFB, em cumprimento do Decreto da Nacionalização, tomava o controle da comercialização do petróleo cru que entra nas refinarias da Petrobrás e a propriedade dos produtos refinados”, explica Andrés Soliz Rada, ex-ministro boliviano de Energia do governo Evo Morales.
Segundo ele, “o Vice-Presidente me consultou sobre o tema depois de ter assumido o compromisso. Em conseqüência, estava obrigado a ditar outra Resolução Ministerial, anulando a anterior, o que ia contra a minha consciência, razão pela qual apresentei a minha renúncia irrevogável”.
A entrevista foi concedida ao jornal La Prensa de La Paz e reproduzida na página La Haine, 5-12-2006. A tradução e a síntese da entrevista foi feita pelo Cepat.

Que avaliação faz dos avanços do setor de hidrocarbonetos neste ano?
Positiva, mas com sérias questões para o futuro. A conquista principal foi a nacionalização dos hidrocarbonetos, em 1º de maio, que resgatou a dignidade nacional. Seu objetivo central consistiu na recuperação da propriedade, na posse e controle absoluto dos hidrocarbonetos, para o que a YPFB [Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos] assume, em nome do Estado, a propriedade do gás e do petróleo, defendendo as condições, volumes e preços para os mercados interno e externo e para a sua industrialização. O desafio reside em executar estes postulados e em evitar que permaneçam simples enunciados.
Na minha gestão, que foi de 23 de janeiro a 14 de setembro, se priorizou a elaboração do balanço energético nacional, paralisado desde 1996, ano em que se liquidou a YPFB. Postulou-se a mudança de matriz energética a fim de substituir ao máximo o consumo interno de gasolina, diesel e GLP, por gás natural. Os produtos substituídos devem ser exportados, para gerar divisas.
A nova política de hidrocarbonetos considera estratégica a construção de gasodutos que interliguem os usuários de gás de todo o país.
Em aplicação do Decreto de Nacionalização, ditou-se a Resolução Ministerial 202, de 25-08-06, que dispôs que a Petrobrás, Andina e Total paguem mensalmente 32 milhões de dólares adicionais pela participação adicional de 50% a 82% nos mega-campos San Alberto e Sábalo. As petroleiras realizaram o pagamento, o que significa que acataram a nacionalização. Com o primeiro dos cinco desembolsos, o Presidente pagou um bônus aos alunos do País.
O Ministério impulsionou o Decreto que transfere à YPFB, a título gratuito, as ações do Fundo de Capitalização Coletiva (FCC) das empresas Chaco, Andina e Transredes, que detinham as AFP, sem nenhum contrato. O contrato anterior permitiu que a YPFB designe dois representantes por minoria e um síndico nas diretórias dessas empresas. Na discussão do Decreto de Nacionalização propusemos expropriar as ações que permitem à YPFB controlar 50% mais um das ações das citadas companhias, assim como das refinarias da Petrobrás e das plantas de armazenamento e dutos da CLHB [Compañía Logística de Hidrocarburos Boliviana]. Esta proposta não foi aceita pela equipe de hidrocarbonetos do governo.
Em cumprimento do Decreto de Nacionalização se desenvolveram as auditorias dos campos petroleiros, a fim de determinar os verdadeiros investimentos e amortizações das empresas, que deveriam servir de base para a assinatura de novos contratos. Assinou-se o convênio de ampliação da venda de gás à Argentina, ao preço base de cinco dólares o milhão de BTU. Na negociação, a Argentina se comprometeu a financiar um crédito para instalar em Yacuiba (fronteira boliviana), uma usina de separação dos componentes liquidificáveis de todo o gás exportável, que será de propriedade da Bolívia e que tem o direito de comercializar os produtos (etano, gasolinas naturais, GLP e outros) em nosso exclusivo benefício.
Elevamos à categoria de juízo de responsabilidades o processo iniciado por Juan Carlos Virreyra (ex-delegado para a Capitalização) contra os responsáveis da entrada criminosa da Enron no país. Foi nomeado a Diretoria da YPFB e foi elaborado o projeto de Lei de Refundação da YPFB, como empresa corporativa, capaz de emitir bônus nas bolsas de valores, o que lhe permitirá contar com valiosos recursos para a industrialização do gás. Estimamos que Yacimientos deve funcionar com os parâmetros que, em 1990, esboçamos no projeto de lei de investigação de fortunas, para garantir sua transparência.

A YPFB assinou contratos, recupera a propriedade dos hidrocarbonetos e há mais ingressos mas ainda não poderá operar em toda a cadeia. Quanto tempo requer para isso?
Existem graves contradições nos contratos. Enquanto o contrato marco (cláusula 4-3) determina a Bolívia como proprietária de seus hidrocarbonetos e estabelece a vigência de contratos de operação, o anexo “f” prescreve que as petroleiras têm direito a participações, próprias de contratos de produção compartilhada. O anexo “d”, por sua fez, ao definir os “custos recuperáveis”, permite que a YPFB assuma para si riscos de investimentos que deveriam ser assumidos exclusivamente pelas companhias.
Por estes anexos, a Petrobrás diz que assinou contratos de produção compartilhada que, segundo ela, lhe permitem incluir em seus balanços o valor das reservas que explora. Com esse argumento, as companhias inscreverão na Bolsa os valores das reservas de gás e petróleo, cujo valor ultrapassa os 200 bilhões de dólares, com o que a nacionalização terá ficado totalmente desvirtuada. Pedi ao Parlamento que ordene à YPFB esclarecer este ponto nos contratos, como acontece na Venezuela. Infelizmente, não fui ouvido.
As petroleiras conseguiram que se reconheçam seus delirantes investimentos que dizem ter realizado e as irrisórias amortizações que indicam ter obtido no país. Com essas cifras se elaboram as fórmulas de participações da YPFB e das petroleiras. As companhias dizem ter investido 3,5 bilhões de dólares, que na realidade não chegam nem sequer a 800 milhões de dólares, segundo resultados preliminares das auditorias. De acordo com o Decreto de Nacionalização devia ter-se tomado em conta, como base dos contratos, os dados das auditorias e não a declaração das empresas, respaldados no Decreto 24335, de 19-07-66, de Gonzalo Sánchez de Lozada.
Para cúmulo da situação, a YPFB, segundo o Anexo “F” dos contratos assinados com a Chaco, não receberá participações adicionais nos próximos quatro anos, a fim de que a empresa recupere a totalidade de seus supostos investimentos. Nos campos de Colpa e Caranda, a Petrobrás disse ter investido, aplicando o regulamento “gonista” de Unidades de Trabalho de Exploração (UTES), 394 milhões de dólares. As auditorias determinaram que tal investimento foi de apenas 21 milhões de dólares. A diferença de cálculo será definida por um perito, cuja decisão levará anos para ser conhecida.
A petroleira estatal ainda não tem maioria nas petroleiras capitalizadas. Você colocou um modelo de expropriação através de um mecanismo legal. O Governo observou a proposta? Por que ela não foi aplicada?
Neste ponto, o Presidente foi mal assessorado em sua campanha eleitoral. Foi lhe dito que era possível nacionalizar sem expropriar ações, o que o levou a não querer aplicar o artigo 22 da Constituição, que autoriza as expropriações mediante pagamento prévio das indenizações correspondentes. Em cumprimento deste artigo, sugerimos que no Decreto de Nacionalização se determine a expropriação das ações necessárias para que a YPFB controle 50% mais um das ações da Chaco, Andina, Transredes, das refinarias da Petrobrás e da CLHB.
Para cumprir a medida, propusemos a abertura de uma conta no Banco Central denominada “Para o pagamento de indenizações às empresas atingidas pela nacionalização”, acrescentando que tais pagamentos deviam ser realizados depois das conciliações de contas pertinentes. E como a Chaco, Transredes e Petrobrás cometeram delitos de contrabando, evasão impositiva, fraudes e outros mais, o país teria conseguido seu objetivo sem desembolso algum e a YPFB teria tomado o controle imediato de todas elas. Como a minha iniciativa não teve apoio, seguimos em minoria nas diretorias das companhias citadas.

O Governo brasileiro impediu que a Bolívia aplicasse a Resolução 207/2006, que você assinou, para que a YPFB assuma o controle total da comercialização dos hidrocarbonetos e das refinarias?
Marco Aurélio García, assessor de Lula, conseguiu o compromisso do Vice-Presidente Álvaro García Linera de “congelar” a Resolução Ministerial 207, pela qual a YPFB, em cumprimento do Decreto da Nacionalização, tomava o controle da comercialização do petróleo cru que entra nas refinarias da Petrobrás e a propriedade dos produtos refinados. Assim, as refinarias da Petrobrás deixavam de ser comercializadoras de produtos, dentro e fora do país, convertendo-se em prestadoras de serviços.
O Vice-Presidente me consultou sobre o tema depois de ter assumido o compromisso. Em conseqüência, estava obrigado a ditar outra Resolução Ministerial, anulando a anterior, o que ia contra a minha consciência, razão pela qual apresentei a minha renúncia irrevogável. O porta-voz do presidente disse que a R. M. 207 foi ditada sem consulta e o assessor presidencial, Walter Chávez, me qualificou de “arbitrário”.
Isso é falso, já que a Resolução Ministerial foi do conhecimento do Presidente, do Vice-Presidente da República, de vários Ministros e do Presidente da YPFB com mais de uma semana de antecedência. No Brasil, se afirmou que se haviam confiscado as suas refinarias, o que também não aconteceu. Se se aplicasse a Resolução, a transferência de 50% mais um das ações das refinarias da Petrobrás, a YPFB teria sido muito mais barata para o país. Finalmente, foi dito que a medida prejudicaria a reeleição de Lula. Por que a Resolução 207 segue sem ser aplicada, se a eleição já aconteceu faz semanas?

Num novo contrato, a Petrobrás aceitou ceder a comercialização à YPFB, e não houve avanços sobre a compra das refinarias nem sobre a definição do preço. O que você sugere para enfrentar essa questão?
O Presidente demonstrou valentia e decisão ao expulsar a empresa brasileira EBX, que pretendia instalar uma siderúrgica à base de carvão vegetal. Necessita-se da mesma valentia e decisão para negociar com a Petrobrás, em condições de equidade e de igualdade.

O Governo encerra sua gestão com êxitos, mas sem ter esclarecido irregularidades como o contrato Hedging da Petrobrás e da Andina e que provocou danos ao país, ou a falta de investimentos em que supostamente incorreu a Repsol YPF, a exploração do campo San Alberto e Itaú como se fossem um entre outros. No que vão dar esses casos?
A fraude de 171 milhões de dólares cometida pela Andina e a Petrobrás, ao comercializar gás entre si (e às costas da YPFB) a preços congelados, o contrabando e a evasão impositiva cometidos pela Repsol, Andina, Chaco e Petrobrás são delitos que estão sendo julgados nos tribunais do país. Propus, sem resultados, que os contratos com estas empresas fossem provisórios, até que se ditem as sentenças pertinentes.

Que outros assuntos pendentes de importância ficaram sem solução este ano?
A necessidade de fixar um novo preço para a venda de gás ao Brasil, que não pode ser inferior ao pago pela Argentina, e avançar nos projetos de industrialização, na construção de grandes gasodutos do país e na instalação do gás doméstico para todos os bolivianos.

A promessa “gás para os bolivianos” não foi cumprida. Qual é o desafio para o próximo ano?
Aplicar em toda a sua extensão o Decreto de Nacionalização, a fim de evitar a frustração do povo boliviano. A Bolívia vive um processo de transformações históricas. Me sinto parte desse processo. Minhas críticas, no setor estratégico dos hidrocarbonetos, pretendem aprofundá-lo, já que não estão nem contra ele nem à sua margem.

Instituto Humanitas Unisinos - 07/12/06

Governo é ambíguo sobre importação de pneu usado

Depois dos ataques do presidente Lula às leis ambientais e aos ecologistas, incluindo-os entre os problemas que travam o crescimento econômico do País, técnicos do Ministério do Meio Ambiente e assessores do Itamaraty elegeram como nova preocupação a posição dúbia do Planalto em relação ao projeto que tramita no Senado e permite a importação de pneus usados. A dubiedade, neste caso dos pneus, envolve até mesmo a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). A reportagem é do jornal O Estado de S. Paulo, 7-12-2006.
Por enquanto, um jeitinho regimental adotado duas semanas atrás pela Comissão de Assuntos Econômico (CAE) freou a tramitação do projeto de lei 216/2003, do senador Flávio Arns (PT-PR). Com a aprovação de um requerimento dos senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM), Romero Jucá (PMDB-RR) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) ficou acertado que nenhuma decisão sobre a importação dos pneus velhos será tomada antes de uma série de audiências públicas.

PRESSÃO DUPLA
O projeto que permite a importação dos pneus velhos, qualificados pelos ambientalistas como 'lixo industrial de borracha', preocupa os diplomatas porque pode comprometer a posição do País nas negociações internacionais que envolvem questões ambientais e de saúde pública, enfraquecendo as teses brasileiras e forçando o Brasil a ficar na defensiva.
Ao mesmo tempo, o Brasil e outras nações emergentes estão sob pressão de países desenvolvidos que querem se livrar de resíduos industriais que ainda podem ser manufaturados.
O lobby da União Européia (UE) tornou-se maior, por exemplo, por causa de uma norma, em vigor neste semestre, que proíbe os países do bloco de despejar pneus velhos em aterros sanitários. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil rejeita esse lixo industrial - que o Uruguai aceita - alegando cuidados ambientais de saúde pública. A posição brasileira vai ser analisada no dia 8 de janeiro.
Já no Congresso, a posição do Planalto é dúbia a ponto de ter a maior parte da sua base parlamentar comprometida com o lobby da principal importadora de pneus, a BS Colway.
A ministra Marina Silva enviou ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um ofício com seis linhas, solicitando 'ampla divulgação entre os parlamentares da moção nº 82 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para que se manifestem contrários à importação dos pneus'. Mas, mesmo com o trânsito que mantém no Senado, onde exerceu oito anos de mandato, a ministra em nenhum momento se manifestou pessoalmente sobre a importação de pneus velhos.
O senador César Borges (PFL-BA) lembra que, quando relatou o projeto sobre a preservação da mata atlântica, Marina não só visitava os ex-colegas do Senado para defender a proposta, como lhes telefonava todos os dias. 'Sobre os pneus, ela nunca me ligou, mesmo sabendo da minha posição contrária ao projeto.' Na avaliação do senador baiano, 'há um jogo de cena, um jogo duplo do Planalto' sobre a polêmica.

COMPENSAÇÃO ENGANOSA
Tanto o projeto original, de Arns, como o substitutivo do senador Valdir Raupp (PMDB-RO) partem do princípio de que a importação de pneus velhos obrigará o Brasil a aprovar, também, uma lei sobre a coleta de resíduos.
O projeto Arns/Raupp chega a propor que para cada dois quilos de pneu usado importado as empresas devem ser obrigadas a coletar dois quilos de 'pneus inservíveis' no País.
Mas o chefe da Coordenação de Contenciosos do Itamaraty, conselheiro Flávio Marega, considera 'uma falácia' a promessa de recolher pneus velhos brasileiros em troca de importados. Segundo ele, de cada dez pneus importados, cinco ou seis são descartados a priori porque não servem para a indústria de reforma. 'Aí eles (os importadores) chegam para o Ibama e falam 'olha, eu coletei cinco pneus em território brasileiro', mas, na realidade, trata-se de pneus velhos importados, e ninguém vai lá fiscalizar', afirmou.
Marega e o secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Victor Zveibil, afirmam que em nenhum momento a ministra se omitiu neste assunto. Já o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) avalia que a ministra Marina evita um confronto direto com o lobby dos pneus porque pode estar querendo se preservar, para se manter no cargo. 'As relações do lobby dos pneus com o (ex-ministro) José Dirceu são muito fortes', disse Gabeira. A BS Colway gastou mais de US$ 1,5 milhão 'de agrado a deputados e propaganda sobre a importação de pneus velhos', afirmou.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Jornal de Brasília - 06/12/06

Irã propõe expulsão dos EUA

O maior oficial de segurança nacional do Irã propôs a países árabes vizinhos, ontem, que o Oriente Médio expulse os militares dos Estados Unidos de suas bases locais, ao mesmo tempo em que propôs que esses países se unam a Teerã em uma aliança de segurança regional.
O oficial, Ali Larijani, disse a líderes árabes presentes em uma conferência nos Emirados Árabes Unidos que a Casa Branca é indiferente a seus interesses, e vai deixá-los de lado assim que não precisarem mais deles. "A segurança e estabilidade da região deve ser obtida e nós devemos fazer isso dentro da região, não trazendo forças estrangeiras", afirmou. Na platéia em Dubai (Emirados Árabes Unidos) estavam não só líderes políticos e empresariais locais, mas também estrangeiros -incluindo norte-americanos.
Larijani assegurou aos líderes árabes que o ouviam que o Irã busca uma "coexistência pacífica" e que ele poderia substituir a rede de bases dos EUA presentes hoje no Oriente Médio, incluindo no Kuait, em Bahrein e no Qatar. Outros países teriam forte treinamento militar e garantias de segurança dos EUA. "O Irã busca a estabilidade regional por meio da integração", disse. "Apoiamos todos os governos muçulmanos na região."

Ressurgimento
Apesar das garantias de cooperação, muitos líderes árabes expressaram desconfiança sobre um eventual ressurgimento de um Irã forte, incluindo por seu suposto apoio a milícias xiitas no Iraque e ao grupo extremista xiita Hizbollah no Líbano.
Também há preocupações sobre o programa nuclear do Irã, que poderia começar a produzir armas nucleares ao invés de energia. Alguns países árabes sunitas como a Arábia Saudita são fortes rivais do Irã, que é de maioria xiita. Mas analistas em países menores como o Kuait -forte aliado dos EUA- disseram que já é complicada a posição de tentar não ser contrário nem ao Irã nem aos americanos.

Influência
Por seu lado, os EUA se preocupam com o possível crescimento da influência iraniana na região, apesar de que muitos especialistas duvidam que países árabes cortariam seus laços militares com o país. Mesmo assim, alguns países menores do Golfo se recusaram a participar recentemente de manobras antiproliferação na região, aparentemente por temerem contrariar o Irã.

Correio Braziliense - 06/12/06

Infra-estrutura
Portos estão próximos de sofrer um colapso
Mariana Mazza
Da equipe do Correio

O principal condutor do crescimento econômico brasileiro durante o primeiro mandato do governo Lula, o comércio exterior, está próximo do colapso pela falta de investimentos na infra-estrutura portuária. O alerta partiu da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que após uma vasta pesquisa sobre as condições dos portos brasileiros, constatou que o país não tem como crescer com sustentabilidade se não criar urgentemente um plano logístico para os próximos anos. Segundo a confederação, o Brasil está limitado a operar 50 mil contêineres por dia nas condições atuais. Hoje, o país já movimenta mais de 40 mil.
Excesso de burocracia, custos acima do padrão internacional e falta de ações básicas para a manutenção do setor — como a dragagem para manter a profundidade dos berços onde os navios atracam — encabeçam a lista de problemas que podem levar o Brasil a um apagão logístico caso a economia volte a crescer com vigor. Os primeiros sintomas de estrangulamento pela deficiência dos portos é sentido no comércio exterior, onde 90% é feito por via marítima. Mesmo focando nas relações internacionais, os empresários do setor portuário estão convencidos de que o governo não deu a atenção necessária ao desenvolvimento desse ramo vital para as exportações e importações de qualquer país.
“A realidade brasileira nos entristece muito. Dos 54 portos brasileiros, não conseguimos encontrar um sequer que pudesse ser comparado aos portos internacionais”, afirmou o vice-presidente da CNT, Meton Soares. O retrato feito pela confederação só não é mais dramático, na opinião dos pesquisadores, porque boa parte da estrutura foi privatizada, o que reduziu parte dos custos e aumentou a eficiência da operação. Apesar disso, a diferença de custos em relação aos mais importantes portos do mundo, como o holandês Roterdã e o de Antuérpia, na Bélgica ainda é grande. Segundo Soares, o custo de movimentação de um contêiner em Antuérpia é metade do cobrado no Brasil. Mas, quando os portos eram estatais, o custo era ainda mais desnivelado, chegando a seis vezes o padrão internacional.

Modernização
Na semana passada, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, apresentou as pretensões do governo para atrair investimentos de aproximadamente R$ 7,4 bilhões nos próximos quatro anos para ampliar e modernizar os portos brasileiros. Caso o plano funcione, o aporte é bem-vindo, mas ainda insuficiente segundo as contas do setor. Na opinião da CNT, são necessários pelo menos US$ 5 bilhões para solucionar o gargalo portuário, cerca de R$ 4 bilhões a mais do que o projetado pela Casa Civil.
O presidente da Seção de Aquaviários da CNT, Glen Gordon Findley, acredita que algumas questões emergenciais poderiam ser resolvidas caso houvesse vontade política de aplicar a verba arrecadada com as taxas portuárias no desenvolvimento da infra-estrutura. “Apenas no porto de Santos, serão pagos R$ 170 milhões em taxas pelos operadores a título de dragagem. Mas, apenas de R$ 35 milhões a R$ 50 milhões devem ser usados até o fim do ano. O resto vai para custeio, questões trabalhistas e, eventualmente, para o caixa único da União”, critica Findley, referindo-se à política de superávit defendida pelo governo à revelia dos investimentos na infra-estrutura.
A burocracia foi apontada por 76,2% dos entrevistados pela CNT como um problema grave ou muito grave nos portos brasileiros. Os custos altos também reduzem o interesse no setor e atrapalham a logística na opinião de 71,1% dos operadores.

Correio Braziliense - 06/12/06

Salário de servidor deve ser reajustado pelo IPCA
Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do IBGE, pode ser usado no cálculo do aumento. Além disso, haveria um acréscimo de 1% a 2%
Da Redação

Depois de duas semanas de discussões internas, o governo acredita ter concluído a fórmula que aplicará em 2007 para corrigir os salários dos servidores públicos federais. A equipe responsável pela elaboração das medidas fiscais propôs aos ministérios da Fazenda e do Planejamento que os aumentos no próximo ano tenham como parâmetro o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — a inflação oficial calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — acrescido de um ganho real entre 1% e 2%. A proposta é uma das bases do pacote de incentivo à economia que o governo pretende anunciar até o próximo dia 19.
“Não há como ir além desse patamar. A nossa preferência é por um teto de 1,5% além da inflação”, disse um dos técnicos envolvidos na elaboração da medida. De acordo com os exercícios apresentados à equipe econômica, o percentual (além do IPCA) fica limitado pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja: se o PIB crescer 5% em um ano e o IPCA ficar em 3%, o aumento real dos servidores seria de, no máximo, 1,5%. “Com isso, limitamos o crescimento dos gastos com o funcionalismo”, explicou o técnico.
Como o assunto é polêmico, setores do governo ligados aos sindicatos têm trabalhado nos bastidores para tranqüilizar as lideranças do funcionalismo e evitar um levante. O discurso é de que as ações nessa área de gestão de pessoal da União não significam “arrocho”. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou que há estudos em andamento, mas disse que nenhuma decisão está fechada. “Não está batido o martelo em nada”, explicou. Segundo Mantega, há uma série de “especulações” sobre este e outros temas que, em última instância, têm como objetivo barrar o crescimento das despesas e dar mais fôlego aos investimentos públicos.
A tendência é de que também os gastos na área de Saúde sigam tal regra de reajuste. Mas para que a nova modalidade de correção dos salários e das despesas com Saúde entrem em vigor, o governo precisa convencer o Congresso a aprová-las. A expectativa do Palácio do Planalto é de que deputados e senadores aliados aprovem as propostas, com a promessa de que, assim, o setor público terá uma margem maior de manobra para ampliar os investimentos públicos, fundamentais para impulsionar o ritmo de crescimento da economia.
Para os representantes dos servidores, o reajuste baseado na reposição da inflação por si só não basta. Josemilton Costa, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), cobra uma política de reajustes mais ousada. “Precisamos de uma política salarial para os servidores públicos. Se o governo decidir reajustar pela inflação todos os anos tudo bem, mas ele deve ainda repor as perdas acumuladas desde 1995”, afirmou. Segundo ele, para recuperar as perdas a União deveria reajustar os salários dos servidores federais em 95%, em média.
Na próxima sexta-feira, os servidores ligados à Condsef se reúnem em Curitiba (PR) para discutir as reivindicações que deverão levar ao governo nos próximos quatro anos. A principal luta, será pelo estabelecimento de uma política salarial para o setor. Os trabalhadores prometem ainda lutar por diretrizes de um plano de carreira, paridade entre ativos e aposentados, combate às terceirizações e a realização de concursos públicos. Ameaçam fazer greves mais fortes que as dos anos anteriores caso não sejam tratados com prioridade pelo governo. O objetivo é apresentar um documento para o governo no início de janeiro. “Quatro anos podem ser suficientes para o avanço em todas essas direções. Basta trabalho e vontade política para que as decisões certas sejam tomadas”, reforçou Costa

O Estado de São Paulo - 06/12/06

Previdência, reforma ou gestão eficiente?
Reinhold Stephanes*

Reformar ou não a Previdência Social é uma decisão que persegue os governos, mesmo os que resistem à idéia. Quase sempre as razões para fazê-lo se baseiam no crescente déficit e na necessidade de corrigir erros e vícios resultantes da construção de diversos regimes. As correções ou reformas acabam sendo minimizadas diante das dificuldades políticas em alterar uma área que afeta a vida de milhões de pessoas.
Propostas são freqüentes, quase sempre parciais e sem visão global do sistema. Há vários dias, por exemplo, especula-se a volta da idade mínima para aposentadoria no INSS. Outra iniciativa recente, de 90 entidades empresariais e de trabalhadores, sugere um novo modelo de Previdência, com regime de capitalização, para quem ganha acima de três salários mínimos, vinculando o valor da aposentadoria à poupança.
A capitalização foi defendida, há 15 anos, pelo Banco Mundial e se assemelha ao que já está definido em emenda constitucional para o regime dos servidores públicos, embora sem regulamentação. Na lista de propostas, consta, ainda, estender o “fator previdenciário” aos servidores - um critério adotado pelo INSS que combina idade do segurado, tempo de contribuição e expectativa de sobrevida do beneficiário.
Além de enfocarem regimes diferenciados, essas sugestões, nos itens estruturais, pretendem atingir os novos trabalhadores que ingressarem na Previdência. Isso significa um impacto sobre as despesas somente em 30 anos. Então, o que fazer com o déficit até lá? Aliás, é preciso esclarecer se há ou não um déficit. Porém, independentemente de esclarecimentos, as regras que fogem dos fundamentos e princípios usados na construção de um regime previdenciário devem ser corrigidas.
Ao contrário do que se pensa, o Regime Geral (chamado de INSS) é o que menos precisa de alterações estruturais e para o qual há três linhas de ação: melhor gerenciamento; inclusão de parte dos trabalhadores informais; e reestruturação dos serviços de perícia médica. Mas o sistema é composto por mais três regimes, com problemas e peculiaridades: o dos servidores públicos, o dos fundos de pensão e o dos militares, incluindo as polícias militares.
Como disse o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro Neto, reconhecer a complexidade do sistema é o primeiro passo para acertar, pois não existe uma solução mágica para corrigi-lo, tampouco duas ou três medidas pontuais. Para isso, são imprescindíveis ajustes estruturais, combinados com ações gerenciais permanentes.
Entretanto, reformar o sistema previdenciário é uma decisão politicamente difícil, considerando os desgastes para os governos. Em vários momentos da História foram apresentadas soluções para a Previdência Social, mas as dificuldades surgiram ou na aprovação dos projetos no Congresso ou na capacidade de gerenciar a implantação das medidas.
A doutrina e os fundamentos universais viabilizam a elaboração de um projeto técnico. A maioria dos países quando faz reformas conta com sistemas bem estruturados e administrados, por isso, ao surgirem problemas, são feitas alterações, como aumentar a idade para aposentadoria e/ou o valor da contribuição, ou reduzir o valor do benefício a ser pago. Já no Brasil, onde o sistema foi mal construído, ainda há muito a fazer, não obstante o êxito de algumas alterações nos últimos 15 anos.
Claro que idade mínima é um dos fundamentos do regime. No caso das aposentadorias do Regime Geral, ela deixou de existir com a adoção do fator previdenciário. Agora, volta a ser discutida, assim como a igualdade para a aposentadoria entre homens e mulheres, que é adotada em 70% dos países.
A idade mínima é um aspecto estrutural a ser considerado para o equilíbrio do sistema, mas há o gerenciamento, com redução de fraudes, desvios e corrupção; a melhoria da arrecadação; a reestruturação do sistema de perícias médicas, pela importância na geração de novos benefícios; e, sobretudo, o avanço do mercado informal. Um sistema no qual quem trabalha paga a conta de quem está inativo não pode ter futuro, se a metade da força de trabalho do País está na informalidade.
É uma decisão política difícil, concordo, mas, de qualquer forma, as soluções pouco afetarão os trabalhadores do INSS, cabendo aos demais regimes alguns anos a mais de trabalho.
*Reinhold Stephanes, deputado federal (PMDB - PR) foi ministro da Previdência Social

Instituto Humanitas Unisinos - 06/12/06

Crise da água pode afetar 41 milhões no semi-árido

Mais de 70% das cidades com população acima de 5.000 habitantes do semi-árido nordestino enfrentarão crise no abastecimento de água para consumo humano até 2025, independentemente da megaobra de transposição do rio São Francisco, concluiu um estudo feito pela ANA (Agência Nacional de Águas). A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 6-12-2006.
Problemas de abastecimento deverão atingir cerca de 41 milhões de habitantes da região do semi-árido e entorno, prevêem pesquisadores da agência, que estimaram o crescimento da população e a demanda por água em cerca de 1.300 municípios dos nove Estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais.Para resolver o problema, o estudo ao qual a Folha teve acesso lista 546 obras. São investimentos calculados em R$ 3,6 bilhões, sobretudo em Pernambuco e na Bahia, Estados que concentram os pontos críticos de abastecimento de água. A maior parte do dinheiro teria de sair da arrecadação de tributos federais, sugere a ANA.
Intitulado "Atlas Nordeste", o estudo não menciona a transposição do São Francisco, projeto de custo estimado em R$ 4,5 bilhões e que desvia uma parcela das águas do rio para quatro Estados do Nordeste (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco) por meio de canais de concreto.Defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a obra depende de uma autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) para sair do papel.
"A transposição aumenta a segurança hídrica e a oferta de água para outros usos, ela não resolve por si todos os problemas", comentou o diretor-presidente da agência, José Machado. Ele acredita que uma parcela dos municípios pesquisados pela ANA eventualmente dependerá das obras da transposição para o abastecimento humano em períodos mais rigorosos de seca. "São obras complementares", disse.Embora a principal preocupação do "Atlas Nordeste" seja com o colapso no abastecimento de água para o consumo humano, o estudo pesquisou a demanda futura por água para outros usos. Projetos de irrigação e o abastecimento das indústrias exigiriam um volume muito maior: isoladamente, áreas irrigadas precisariam de mais do que o dobro do volume de água destinado ao consumo humano hoje.

Minas Gerais

Em toda a região do semi-árido nordestino e entorno, apenas 26,8% dos municípios -a maioria em Minas Gerais- conseguiriam chegar a 2025 com a situação de abastecimento de água para consumo humano considerada "satisfatória" sem os investimentos recomendados pela agência, conclui o estudo.A maior parcela dos municípios (52,8%) com população acima de 5.000 habitantes (com base no censo do IBGE de 2000) enfrentaria "quadro crítico" por problema dos sistemas que levam água desde poços ou barragens até as cidades.
Problemas decorrentes de fontes de água insuficientes atingiriam apenas 2,7% dos municípios. Uma outra parcela de 17,7% enfrentaria, ao mesmo tempo, problemas nas fontes de água, nos sistemas de captação e nas adutoras.
Na região pesquisada, haveria água suficiente para uma população estimada em 8,4 milhões de habitantes em 2025. Outros 41 milhões não teriam garantida a oferta para consumo humano caso não sejam feitos os investimentos recomendados pelo estudo, aponta o "Atlas Nordeste". Esse seria um cenário "otimista", segundo o estudo, no qual estão contempladas medidas para conter perdas de água e melhorar o gerenciamento da demanda.
Detalhes do estudo estarão disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Águas (www.ana.gov.br) a partir de amanhã.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/12/06

Sobre salários, salários e mais salários. A reivindiação da ministra Ellen Gracie

"A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), enviou ao Congresso um anteprojeto de lei que elevaria o seu salário mensal para R$ 30 mil, e os salários dos colegas ministros para cerca de R$ 26 mil", informa e comenta Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, em artigo publicado hoje, 6-12-2006, no jornal Folha de S. Paulo.
Segundo ele, "os integrantes do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) acabam de aprovar a equiparação do teto salarial dos integrantes dos Ministérios Públicos Estaduais -hoje, em R$ 22.111- ao valor pago aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal): R$ 24.500.
Os membros do CNJ querem aumentar seus salários mensais de R$ 23 mil para R$ 29 mil. Os parlamentares do Congresso Nacional estão preparando um aumento dos seus vencimentos que pode variar de 30% a 90%.
Tudo sem contar as aposentadorias, as férias prolongadas, as mordomias, as isenções fiscais, as verbas suplementares e, em casos do Judiciário, a garantia vitalícia do emprego".

E continua:

"Os ministros do Supremo Tribunal Federal, os juízes do Conselho Nacional de Justiça, os promotores públicos e os parlamentares são funcionários públicos. Seus salários são pagos pelo povo de um país chamado Brasil, um dos campeões mundiais da injustiça social, onde o salário mínimo é de R$ 350 mensais, onde a metade da população vive na pobreza, onde 20% estão na miséria absoluta e que tem altos indicadores de mortalidade infantil, analfabetismo, violência, desemprego e corrupção".
Segundo ele, "nossa Justiça é implacável com o ladrão de galinhas e com os pobres, mas morosa com os poderosos. Os serviços públicos (saúde, educação, transporte, segurança, Justiça) são, em geral, de baixíssima qualidade".
Para Oded Grajew, "a proposta do aumento de vencimentos, caso aprovada, demonstraria que a maioria dos nossos parlamentares e juízes não têm compromisso com a sua missão e com a maioria do povo brasileiro que paga seus salários".
E faz a seguinte proposta:
"Proponho que seja aprovada uma lei que congele nos níveis atuais e converta a remuneração desses funcionários públicos a um múltiplo determinado de salários mínimos. Cada um desses funcionários públicos aqui referidos passaria a receber do povo brasileiro um vencimento mensal (incluindo todos os benefícios) de "x" salários mínimos."
Segundo ele, "dessa forma, ficaria visível a proporção entre esses vencimentos e os rendimentos de uma grande parte do povo brasileiro, eliminaríamos o casuísmo e o corporativismo na determinação dos salários e comprometeríamos um pouco mais esses funcionários públicos com o bem-estar da maioria pobre do nosso povo. Seus aumentos salariais seriam atrelados à melhoria das condições de vida da população mais necessitada. Quem sabe, dessa forma, chegaremos mais rapidamente ao salário mínimo constitucional, que garante dignidade a quem o recebe."

Instituto Humanitas Unisinos -06/12/06

O "Homo Urbanus".
Um artigo de Jeremy Rifkin

Um grande acontecimento na história da saga humana está por acontecer no ano que vem. Pela primeira vez na história, segundo as Nações Unidas, a maioria dos seres humanos estará vivendo em vastas zonas urbanas - muito delas em megacidades e extensões suburbanas - com populações de 10 milhões de habitantes ou mais. Convertemo-nos em "Homo Urbanus".
Assim inicia o artigo de Jeremy Rifikin, publicado no jornal Clarín, em 03-12-2006 e traduzido pelo Cepat.
Segundo Rifkin, a existência de milhões de pessoas apinhadas e apertadas em gigantescos centros urbanos é um fenômeno novo. Faz 200 anos, as pessoas que habitavam a terra conheciam em média no máximo outras 200 ou 300 pessoas em toda a sua vida. Hoje, um habitante de Nova Iorque pode viver e trabalhar entre 220.000 pessoas em um raio de dez minutos de sua casa ou do seu local de trabalho no centro de Manhattan. Apenas uma cidade em toda a história - a antiga Roma - abrigou uma população de mais de um milhão de habitantes antes do século XIX. Londres foi a primeira cidade moderna com uma população que superava um milhão no ano de 1820. Em 1900, havia onze cidades com populações que superavam um milhão de habitantes; em 1950, 74 cidades; em 1976, 191 zonas urbanas com mais de um milhão de pessoas. Hoje, mas de 414 cidades ostentam populações de um milhão ou mais de habitantes e o crescente processo de urbanização tende a aumentar.
Enquanto a raça humana dependeu do fluxo solar, dos ventos, das correntes e da energia animal e humana para viver, a população humana permaneceu relativamente baixa para adaptar-se à capacidade de condução da natureza - a capacidade da biosfera para reciclar as necessidades e os recursos.
O ponto de inflexão foi a exumação de grandes quantidades de sol armazenado sob a superfície da terra, primeiro em forma de depósitos de carbono, depois petróleo e gás natural. Utilizados pela máquina de vapor e depois pelo motor à combustão convertidos em eletricidade e distribuídos por linhas de transmissão elétrica, os combustíveis fósseis permitiram a humanidade criar novas tecnologias que aumentaram drasticamente a produção de alimentos, bens manufaturados e serviços. Esse aumento sem precedente na produtividade levou ao crescimento massivo da população humana e a urbanização do mundo.
É necessário destacar que nossa florescente população e nosso modo de vida urbano apenas tem sido possível ao custo do desaparecimento de grandes ecossistemas e habitat da terra.
A realidade é que as grandes populações que vivem em megacidades consomem enormes quantidades de energia da terra para manterem sua infraestrutura e o fluxo diário das atividades humanas. Para colocar isso em perspectiva, a Torre Sears, um dos arranha-céus mais altos do mundo, usa mais eletricidade em um dia que toda a cidade de Rockford, Illinois, com seus 152.000 habitantes.
A outra cara da urbanização é o que deixamos atrás de nossa marcha até um mundo de edifícios de escritórios, de pisos e moradias de grande altura e uma paisagem de vidro, cimento, luz artificial e interconectividade eletrônica. Não é acidental que enquanto festejamos a urbanização do mundo, estejamos próximos de outra linha divisória histórica, o desaparecimento de zonas selvagens. O aumento da população e do consumo de alimentos, água e materiais de construção, a expansão do transporte rodoviário ou ferroviário e o crescimento urbano seguem avançando sobre o que resta do mundo selvagem, levando-o a extinção.
Nossos cientistas dizem que no transcurso da vida das crianças de hoje, o mundo selvagem desaparecerá da face da terra depois de milhões de anos de existência. A transamazônica que atravessa toda a extensão da selva do Amazonas está acelerando a destruição do último grande habitat selvagem. Outras regiões selvagens desde Borneo ou a Cuenca do Congo, se reduzem rapidamente a cada dia que passa, abrindo passo para as crescentes populações humanas que buscam espaços e recursos para viver. Não é de estranhar que segundo o biólogo de Harvard E.O. Wilson, estejamos experimentando a maior onda de extinção massiva de espécies animais em 65 milhões de anos.
Atualmente perdemos de 50 a 150 espécies por dia devido a extinção, ou seja, entre 18.000 e 55.000 espécies por ano. Para 2100, provavelmente estarão extintos dois terços das espécies que existem na terra.
Em que situação nos coloca tudo isso? Tratemos de imaginar mil cidades de quase um milhão de habitantes ou mais em 35 anos a partir de hoje. Não quero ser um estraga festas, mas quem sabe a comemoração da urbanização da raça humana em 2007 seja a oportunidade de se repensar a forma como vivemos sobre este planeta.
Sem dúvida, é preciso festejar a vida urbana, mas a questão é de magnitude e escala. Devemos analisar como reduzir a nossa população e desenvolver ambientes urbanos sustentáveis que usem a energia e os recursos de maneira mais eficaz, menos poluidor e melhor pensado para promover condições de vida em escala humana.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/12/06

Os perigos das nanotecnologias ainda são desconhecidos

É preciso ter medo para entrar na civilização do nanomundo? Nos últimos meses vêm se multiplicando os relatórios de especialistas e artigos científicos que pontuam os perigos para a saúde e o meio ambiente da fabricação e da utilização de objetos de tamanho nanométrico. O artigo é de Pierre Le Hir e foi publicado no joranl Le Monde, 5-12-06 e traduzido pelo Cepat.
A Agência Francesa de Segurança Sanitária do Meio Ambiente e do Trabalho (Afsset) estimava, em junho, que “os estudos toxicológicos, in vitro e em animais, são ainda muito poucos, mas estabelecem a existência de potenciais riscos de toxicidade”. Em julho, o Comitê de Prevenção e de Precaução (CPP), implantado pelo ministro encarregado do meio ambiente, alertava: “Múltiplos argumentos indicam a existência de uma reatividade particular das nanopartículas em decorrência de seu pequeníssimo tamanho. Esta reatividade celular e dos tecidos pode constituir um perigo para o homem quando exposto aos materiais por inalação, ingestão ou passagem transcutânea”. Em outubro, foi a vez do Comitê de Ética do CNRS propor uma “vigilância ética e social”.
As nanotecnologias não estão mais isoladas nas salas brancas dos laboratórios. Já é possível encontrar – sem que quase ninguém saiba – nanopartículas em múltiplos objetos ou produtos do nosso cotidiano: nanotubos de carbono (cem vezes mais resistentes e seis vezes mais leves que o aço) em raquetes de tênis e em bicicletas; nanopartículas de dióxido de titânio em tintas e em cremes solares; óxido de carbono em pneus; silício em vernis de automóveis ou produtos para lavar vidros; prata em alguns cateteres...
Os fabricantes de têxteis modificam as fibras em escala nanométrica para lhes conferir propriedades tais que roupas com esses materiais não precisam ser lavadas nem passadas ou mesmo para melhorar seu conforto térmico. Empresas agro-alimentares comercializam nanocápsulas que melhoram a difusão dos nutrientes nos tecidos humanos. A indústria farmacêutica procura melhorar a absorção e a eficácia de medicamentos por meio de uma granulometria nanométrica. “Entre 500 e 700 produtos disponíveis no mercado contêm nanopartículas”, calcula Patrick Brochard, toxicólogo no CHU de Bordeaux e membro do CPP. E o mercado desses produtos tende a explodir nos próximos anos.
Todo o problema vem do pequeníssimo tamanho das partículas em jogo. Na escala do nanômetro – bilionésima parte do metro, ou seja, seis vezes o tamanho de um átomo – entra-se num novo estado da matéria, das propriedades químicas, elétricas e magnéticas, radicalmente novo. A proporção de átomos distribuídos na superfície de um objeto ou de um componente nanométrico é naturalmente maior do que num objeto de tamanho maior. E esses átomos de superfície, que não são ligados a outros átomos, são mais reativos. É exatamente isso que confere aos nanoelementos as propriedades – durabilidade, resistência, adesão ou repulsão... – procuradas pelas indústrias.
Ora, essas minúsculas partículas podem quebrar barreiras corporais dadas como invioláveis: a barreira alvéolo-capilar, a barreira hematoencefálica, muitas vezes a barreira placentária. “O dióxido de titânio de alguns produtos cosméticos, por exemplo, normalmente considerado amorfo, torna-se reativo abaixo de 100 nanômetros. Se ele penetra na pele, provoca um estresse ao oxidar células, provocando uma reação inflamatória dos tecidos”, descreve Patrick Brochard. As nanopartículas inaladas podem “se assentar no fundo do aparelho respiratório, passar para o sangue e se espalhar por todo o organismo”.
Mesmo que os estudos científicos ainda estejam cheios de lacunas, experiências realizadas fazem aparecer reações inflamatórias nos pulmões, nas paredes dos vasos sanguíneos e no cérebro. “Esses resultados foram obtidos com concentrações de nanopartículas bem acima daquelas a que o homem é suscetível de ser exposto”, precisa o toxicólogo. “É, portanto, impossível afirmar se existe risco sanitário. Mas, ao extrapolar do animal ao homem, há motivos para ficar inquieto”.
A mesma inquietude prevalece quando o assunto é a disseminação dessas partículas nos ecossistemas. Mais do que uma moratória, pesquisadores e especialistas recomendam um enquadramento estrito desses novos filões industriais, garantindo a traçabilidade dos nanomateriais, desde a fabricação até sua eliminação.
Na revista Nature de 16 de novembro, quinze cientistas enunciam os “grandes desafios” a serem enfrentados a fim de promover “nanotecnologias responsáveis”. Eles preconizam o desenvolvimento de instrumentos para medir a exposição aos nanomateriais presentes no ar e na água, métodos de avaliação de sua toxicidade, assim como modelos para prever seu impacto sobre o meio ambiente e a saúde humana. Assim que se pode dizer que está tudo por se fazer.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/12/06

Milho transgênico. Justiça suspende decisões

Na tarde de ontem, dia 5-12-2006, a Justiça Federal de Curitiba determinou a suspensão “de qualquer deliberação referente ao processo administrativo 12000.005154/1998-36, até manifestação da ré (União Federal)” . O processo trata da liberação comercial do milho transgênico resistente ao herbicida glufosinato de amônio, da multinacional Bayer.
O pedido foi feito em Ação Civil Pública promovida pela Terra de Direitos, pela AS-PTA e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, porque a CTNBio negou-se – sem justificativa - a realizar Audiência Pública, prevista em lei e solicitada pelas organizações em 18 de outubro. A Associação Nacional de Pequenos Agricultores – ANPA, que reúne mais de 80.000 agricultores em todo o Brasil – também havia solicitado que a Comissão realizasse audiência pública.
Para as organizações, a realização da Audiência Pública é fundamental para a transparência dos procedimentos e para que a sociedade seja informada adequadamente sobre os impactos que envolvem a liberação comercial de milho transgênico. O principal fundamento da ação judicial é a Constituição Federal que baseia no princípio democrático e assegura aos cidadãos o direito de participar das decisões que lhes afetam diretamente, especialmente em matéria de meio ambiente.
Para Maria Rita Reis, da Terra de Direitos, “Biossegurança é um assunto de interesse público. Não há justificativa para que o destino da agricultura, para que a biodiversidade e a saúde da população sejam decididos a portas fechadas. Isso seria um retrocesso enorme”. Gabriel Fernandes, da AS-PTA destaca que: “Tivemos que recorrer ao Judiciário já que alguns membros da CTNBio têm resistido a mecanismos legais que garantem a transparência e a participação nas decisões, como a presença do Ministério Público e a realização de audiências públicas” .
Marilena Lazarini , coordenadora institucional do IDEC, complementa: “Há vários aspectos no processo de liberação comercial do milho que precisam ser melhor debatidos com cientistas que não participam da CTNBio e com a sociedade, como os impactos à saúde dos consumidores. Não há justificativa para a CTNBio não ampliar a discussão que só irá contribuir para uma decisão mais fundamentada e responsável. ”
As entidades estão confiantes que o Poder Judiciário irá garantir o direito democrático de participação, porque se trata de princípio assegurado pela Constituição Federal e também porque não há prejuízo algum na realização da audiência pública para as pesquisas na área ou para a União Federal, CTNBio.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/12/06

2% mais ricos têm 50% da riqueza mundial, diz ONU

Cerca de 2% dos adultos mais ricos do planeta possuem mais da metade da riqueza mundial, segundo um relatório divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU). O documento, elaborado pelo Instituto Mundial de Pesquisa de Desenvolvimento Econômico da Universidade das Nações Unidas (UNU-WIDER, na sigla em inglês), é o primeiro do tipo que assegura cobrir todos os países do mundo. A notícia está hoje nos prinicipais jornais do mundo e do Brasil.
“Trata-se de um estudo pioneiro”, afirmou o diretor do UNU-WIDER, Anthony Shorrocks, durante a apresentação do texto na Associação da Imprensa Estrangeira em Londres, ao informar que a pesquisa se baseia em dados de 2000.
O relatório, intitulado “Distribuição da riqueza das famílias do mundo”, leva em conta o tamanho populacional e variáveis como ativos e passivos financeiros e a posse de terra, edifícios e outras propriedades tangíveis.
“Usamos o termo riqueza no sentido de valor líquido: o valor de ativos físicos e financeiros menos as dívidas. Assim, a riqueza representa a propriedade de capital”, esclareceu um dos autores, James Davies, da Universidade de Western Ontário (Canadá).
Segundo o documento, 1% dos adultos mais ricos é dono de 40% dos ativos mundiais, enquanto 10% desse grupo possui 85% da riqueza. De outro lado, metade da população adulta mundial possui apenas 1% do capital do planeta.
Para pertencer ao conjunto dos 10% dos mais ricos, uma pessoa precisa de um mínimo de US$ 61 mil em ativos, e para integrar o clube do 1% mais rico são necessários US$ 500 mil.
O relatório da ONU também mostra uma tabela de milionários na qual estão 13,5 milhões de pessoas com US$ 1 milhão ou mais, e quase 452 mil que desfrutam de US$ 10 milhões ou mais.Na parte mais alta dessa pirâmide aparecem cerca de 15 mil afortunados, que têm US$ 100 milhões e, já no topo, há quase 500 pessoas com ativos avaliados em US$ 1 bilhão.
Por áreas geográficas, “a riqueza está concentrada na América do Norte, Europa e nos países de alta renda da área Ásia-Pacífico. A população dessas nações possui, coletivamente, 90% da riqueza total”, diz o texto.
A América do Norte detém 34% da riqueza mundial; a Europa, 30%; a área Ásia-Pacífico rica, 24%; a América Latina e o Caribe, 4%; o resto da Ásia-Pacífico, 3%; a China também 3%; e a África e a Índia, 1% cada uma.
Outra conclusão curiosa do estudo é que a dívida das famílias é relativamente pouco significativa nos países pobres. “As dívidas de pessoas pobres em países pobres são relativamente pequenas no total. Essa característica se deve à ausência de instituições financeiras que permitam às famílias recorrer a hipotecas e empréstimos pessoais, como nos países ricos”.
Shorrocks admitiu que os dados podem estar obsoletos, por se referirem ao ano 2000, e não refletirem a decolagem de economias emergentes como China e Índia.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Ciência Hoje

Surpresa tecnológica na Grécia antiga Análise de dispositivo usado para calcular movimentos planetários revela complexidade insuspeita

Fragmento principal da máquina de Anticítera. Tratava-se de um mecanismo de bronze composto por pelo menos 30 engrenagens de encaixe fino dispostas num arranjo de grande precisão. O dispositivo ficava guardado em um pequeno estojo de madeira (com 31 cm x 20 cm x 10 cm) com inscrições astronômicas.
A nova análise de um calendário astronômico mecânico construído há mais de 2 mil anos mostra que o desenvolvimento tecnológico da Grécia antiga era muito mais avançado do que se imaginava. Cientistas recorreram à tomografia de raios-X de alta resolução para examinar o dispositivo, conhecido como máquina de Anticítera, e descobriram que seu funcionamento era de uma complexidade insuspeita.
Já se sabia que as mais de 30 engrenagens da máquina de Anticítera permitiam calcular a posição do Sol e da Lua no céu, mas a nova análise dos fragmentos remanescentes revelou que o dispositivo tinha precisão notável e funções bem mais complexas. Ao que tudo indica, ele era capaz de prever eclipses e até reconstituir as irregularidades da órbita elíptica da Lua. É possível que o instrumento apontasse também a posição de alguns dos planetas do Sistema Solar conhecidos à época.
“A máquina de Anticítera é tecnicamente mais complexa do que qualquer outro dispositivo conhecido produzido nos mil anos que se seguiram”, afirma o artigo que relata a nova análise, publicado na Nature desta semana. Entre os autores, estão físicos, arqueólogos, cientistas da computação e outros especialistas ligados a instituições como a Universidade de Cardiff (País de Gales), as Universidades de Atenas e Tessalônica, na Grécia, o Museu Nacional Arqueológico de Atenas e as empresas norte-americanas Hewlett-Packard e X-Tek Systems.
O dispositivo foi descoberto em 1901, quando uma expedição de mergulho arqueológico descobriu uma embarcação romana que naufragou por volta do ano 65 a.C. nas imediações da ilha grega de Anticítera, a meio caminho entre a península do Peloponeso e a ilha de Creta. O objeto tem sido estudado, sobretudo desde o final dos anos 1950, por historiadores da ciência curiosos para entender suas funções.
A reconstituição

Raio-X da máquina de Anticítera tirado em 2005 no Museu Nacional Arqueológico de Atenas, onde estão os fragmentos remanescentes do mecanismo.
As novas tecnologias permitiram aos pesquisadores decifrar novas inscrições feitas no estojo que guardava o artefato e datar o mecanismo com mais precisão: ao que tudo indica, ele foi construído entre os anos 150 a.C. e 100 a.C. – pouco antes do que se acreditava anteriormente.
A reconstituição feita pela equipe sugere que as engrenagens da máquina constituíam uma representação mecânica de uma teoria formulada por Hiparco de Rodes, no século 2 a.C., para explicar as irregularidades da órbita elíptica da Lua. Os autores especulam que o próprio Hiparco pode ter se envolvido com a elaboração do mecanismo, já que o navio em que seus fragmentos foram achados vinha provavelmente de Rodes. A proposta dos pesquisadores requer 37 engrenagens, sete das quais são hipotéticas. "Como as evidências materiais são fragmentárias, esse trabalho de adivinhação é inevitável”, justifica o historiador da ciência Francois Charette, da Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique (Alemanha), que comentou o artigo para a Nature . “Mas o novo modelo é altamente sedutor e convincente em todos os detalhes.
" Como séculos se passaram até que um dispositivo de complexidade similar fosse novamente desenvolvido, Charette acredita que muito do desenvolvimento tecnológico da civilização greco-romana não foi passado adiante e simplesmente se perdeu. "A máquina de Anticítera é um lembrete útil de que a história raramente segue caminhos simples e lineares.”
Bernardo Esteves Ciência Hoje On-line 29/11/2006