Desafiando o Rio-Mar: Anamã/Manacapuru
Por Hiram Reis e Silva (Iranduba, AM, 24 de janeiro de 2009)
- Anamã
Conseguimos contato com os familiares e com a equipe de apoio apenas pela internet. Infelizmente, a forte chuva que se abateu sobre Anamã impediu que tirássemos mais fotos das belas casas de madeira e dos quiosques do braço do Anamã. Fui dormir cedo, pois a jornada de 108 quilômetros do dia seguinte ia exigir muito esforço. No lago Guaíba e na Lagoa dos Patos já havíamos enfrentado um desafio, o desafio ‘Rosa Mística’, de 90 quilômetros, que exigira 13 horas e meia de pura navegação com algumas paradas de descanso, numa jornada que iniciou à 03h15min da madrugada e se prolongou até às 21h45min. Diferentemente do Lago e da Lagoa, aqui contávamos com uma valiosa aliada, que era a correnteza do Rio Solimões, mas, mesmo assim, era uma longa e demorada travessia.
- Largada para Manacapuru
Acordei às 04h30min e me preparei para o maior desafio físico do Projeto Rio-Mar. O silêncio das ruas só era quebrado pelo som das vassouras empunhadas pelos garis na sua labuta diária para manter a cidade limpa. Com a colaboração da nossa valorosa Polícia Militar mais uma vez, preparamos o caiaque para a desafiadora jornada. Partimos às 05h15min, enfrentando uma pequena correnteza contra nosso deslocamento, mantendo uma média de 6 km/h durante os 30 minutos que levamos para atingir a foz do Anamã. Nesta época do ano, as águas barrentas do Solimões invadem o braço do Anamã, represando suas águas pretas.
- Solimões sem paradas
Logo que iniciei meu deslocamento no Solimões, um forte vento de proa prenunciou as dificuldades que eu iria enfrentar. O vento forte durou aproximadamente 2 horas, diminuindo a velocidade e, como o tempo estivesse muito carregado, decidi, por segurança, não aportar nas margens para me alimentar ou hidratar. Sempre que sentia necessidade de hidratação, fazia-o no meio do rio, sem perder tempo e energia tendo de remar até a margem. A tática deu certo e, apesar de enfrentar ainda por duas vezes ventos adversos, cheguei à Manacapuru às 14h15min, com exatas 9 horas, praticamente ininterruptas, de remo. Embora tivesse passado todo este tempo sentado na mesma posição, não tive dificuldade em me locomover quando pus os pés na ‘Terra Preta’ do porto de Manacapuru.
- Manacapuru
Manacapuru é uma palavra de origem indígena derivada das expressões Manacá e Puru. Manacá (Brunfelsia hospeana) é uma planta que significa, em tupi, Flor. Puru, da mesma origem, quer dizer enfeitado, matizado. Logo, Manacapuru quer dizer ‘Flor Matizada’. A história da Cidade está vinculada à aldeia dos Índios Mura. A cidade está assentada na margem esquerda do Rio Solimões. A sede municipal está localizada na margem esquerda do Rio Solimões, na confluência com o Rio Manacapuru. A população de 73.304 habitantes, segundo o Censo de 2000, traz consigo a beleza, a determinação e a bravura dos índios Muras, descendentes das tribos Tupi. Fundadores, juntamente com os portugueses, do povoado de Manacapuru, lutaram com os cabanos em meados do século 19. Manacapuru se destaca como o primeiro município, no Amazonas, a ter um Sistema Municipal de Unidade de Conservação - a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha, além da Área de Proteção Ambiental do Miriti e os Lagos de Manutenção do Paru e Calado.
- Polícia Militar (PM) e Prefeitura Solidárias
Pedi a um cidadão que acionasse o 190 de seu celular, chamando novamente os amigos da PM. O caiaque e o material foram transportados para o Batalhão da PM, onde tomei um banho e nos deslocamos até a Prefeitura Municipal para conseguirmos um alojamento, onde foi providenciado o Hotel Boa Vida. Em seguida, fomos levados à presença do Secretário de Turismo e Meio ambiente, que fez uma preleção sobre a cidade e nos colocou à disposição sua secretária, Zilmara Moreira de Holanda, e a diretora de eventos, senhora Mara Regina Marques de Oliveira. Mais tarde, por uma dessas amazônicas coincidências, descobrimos que a Zilmara era cunhada do prefeito de Anamã, cuja residência e filhos tínhamos fotografado quando lá estivéramos, e que a Mara era aparentada do escritor Jones Cunha, que nos presenteara com seu livro em Jutica. Fiquei sabendo que o Romeu e a Maria Helena já haviam consertado o caiaque, avariado no rio Purus, e estavam em Iranduba me aguardando. Informei-lhes que seguiria o cronograma planejado, tendo em vista o muito a ser visto em Manacapuru. A data prevista para chegar a Manaus era segunda-feira às 14h00min e não antes.
- Amigas Maras
Acordei cedo, comprei uns salgados na panificadora Esmeralda para o desjejum, dei um pulo até a lan house onde verifiquei que a velocidade era lenta demais para o upload das fotos. Fui até a igreja Matriz Nossa Senhora de Nazaré para umas fotos e, em seguida, pedi apoio da PM para um giro pela cidade, com apoio das minhas amigas ‘Maras-Vilhas’. A Zilmara me encaminhou até o gabinete da diretora de eventos, Mara, que conseguiu amavelmente material sobre a cidade e seu principal evento cultural, as cirandas. Nos três dias que passeamos pela cidade e seus principais pontos turísticos, tive a atenção despertada pelo seu principal evento cultural que é o ‘Festival das Cirandas’, pela ‘Casa da Restauração’ e do Complexo Turístico ‘Paraíso D’Angelo’.
- Festival das Cirandas
A Ciranda é uma dança em que os participantes, de mãos dadas, imitam o ondulado suave das ondas do mar. ‘A ciranda de origem portuguesa, é dançada em rodas, (...) música e letra são originalmente portuguesas, embora já totalmente abrasileiradas. Existe uma versão infantil, que lhe é anterior, a cirandinha (...) que atravessou séculos sem alterações, como costuma acontecer com as brincadeiras infantis. ’ A ciranda chegou no Brasil Colônia pelas praias pernambucanas. A Ciranda nordestina foi incorporada às manifestações culturais do Amazonas, no final do século XIX, pelo pernambucano chamado Antônio Felício, inicialmente na cidade de Tefé. No início da década de 80, o senhor José Silvestre do Nascimento e Souza e a professora Perpétuo Socorro organizaram a primeira Ciranda no Colégio Nossa Senhora de Nazaré. Com o passar dos anos, a tímida manifestação local ganhou notoriedade no cenário folclórico regional e nacional e, em virtude disso, foi criado, em 1997, o Parque do Ingá, destinado exclusivamente às cirandas. A criação do anfiteatro com capacidade para vinte mil pessoas precipitou a idealização de um festival próprio, dirigido unicamente à apresentação das Cirandas. No mesmo ano da criação do Parque do Ingá, foi realizado o primeiro Festival de Cirandas de Manacapuru, contando com as Cirandas: Flor Matizada, Tradicional e Guerreiros Mura, sendo então estabelecida uma data fixa para a realização do mesmo: o último final de semana do mês de agosto, sendo destinada uma noite para a apresentação de cada ciranda.
- Casa da Restauração
A curiosa denominação prende-se ao fato de que seus proprietários, de origem lusitana, desejavam prestar uma homenagem à restauração na nação portuguesa que ficara sob jugo espanhol durante 60 anos. A Restauração foi, sem dúvida, a mais importante casa de comércio da região, e não se tratava apenas de uma loja, mas de uma casa de aviamentos fornecendo mercadorias para os caboclos em troca de produtos naturais que eram a base da economia naquela época. O prédio, hoje, totalmente recuperado é uma parada obrigatória para aqueles que desejam conhecer um pouco da história da cidade.
- Paraíso D’Angelo
Dentre as várias opções de ecoturismo, ou locais agradáveis que visitamos, uma, sobretudo, se destaca, que é o ‘Complexo Turístico Paraíso D’Angelo’. Às margens do belo lago do Miriti, com uma infra-estrutura que inclui hotel, restaurante, cabanas, tobo-água, dentre outras, chama a atenção pela serenidade de cada um de seus integrantes a começar pelo amigo Ângelo. Conversar com o senhor Ângelo João Saraiva, que se caracteriza como um italiano-cearense-amazonense, é um privilégio. Por isso fizemos questão de fazer a entrevista para a televisão local nas suas instalações e partir para Iranduba também de seu paraíso. Os entalhes do hotel ‘Itaceam’ e o bom gosto da decoração do restaurante são realmente encantadores; em cada um destes lugares a marca D’Angelo está presente. O filho da amiga Mara passeou conosco no caiaque pelo lago Miriti.
- Poluição
A cidade que se diz voltada para o meio-ambiente tem uma grande mácula no seu centro, que é a Serraria Porto das Madeiras, na frente do Hotel Boa Vida onde ficamos hospedados. A poluição física e sonora não combina com a bela cidade de Manacapuru.
- Conclusão
A receptividade por parte dos amigos de Manacapuru foi fantástica. Guardaremos com carinho cada momento passado ao seu lado e, quem sabe, retornemos no último fim de semana de agosto para o Festival de Cirandas. Nosso muito obrigado ao Secretário e às amigas Mara e Zilmara, da Secretaria de Turismo e Meio Ambiente do município; aos membros do Batalhão da Polícia Militar, em especial aos policiais Matos e Farissa, nossos anjos da guarda; ao senhor D’Angelo, ao seu filho e demais funcionários do Paraíso D’Angelo’; aos proprietários do Hotel Boa Vida e seus colaboradores e a todos aqueles com quem, de uma forma ou outra, tivemos a oportunidade de travar contato na cidade de Manacapuru.
(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)