"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, julho 25, 2008

O samba do Copom

Instituto Humanitas Unisinos - 25/07/08

Luís Nassif, jornalista, comenta o aumento da taxa de juros, no seu blog, 25-07-2008.

Eis o comentário.

O Banco da Inglaterra tem que administrar dois problemas: a inflação e o crescimento. Esta semana, os membros do Copom (Comitê de Política Monetária) de lá não conseguiram de forma alguma chegar a um consenso. Se sobem os juros, combatem a inflação mas afetam o crescimento; se reduzem os juros, estimulam o crescimento mas aquecem a inflação.

Houve um racha total entre os que propunham aumento, redução e manutenção dos juros.

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O Copom (Comitê de Política Monetária) brasileiro tem um problema adicional, que não existe para o Banco da Inglaterra: as contas externas. A libra é moeda conversível. O câmbio tem importância para regular atividade econômica e/ou preços. Como os juros estão baixos, aumentos adicionais não trazem forte impacto sobre as contas públicas.

Mesmo assim, os sábios ingleses não conseguiram chegar a um consenso para definir os rumos da taxa.

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No Brasil, o jovens do Copom não têm o menor vacilo: em qualquer hipótese, sobem os juros. Mesmo tendo de administrar quatro problemas: inflação, crescimento, dívida pública e contas externas. Não há avaliação da relação custo-benefício de uma pancada de 0,75 ponto na taxa Selic.

Olha o custo:

1. Em termos de dívida pública, significa R$ 4,8 bilhões adicionais em pagamento de juros. É quase meia Bolsa Família.

2. Em relação às contas externas, significará derrubar mais ainda o dólar, em um momento de franca deterioração do déficit externo.

3. Em relação ao próprio combate à inflação, significa tornar muito mais virulenta o refluxo do câmbio. Quanto maior a queda, agora, mais intensa será a desvalorização quando o mercado perceber a não sustentabilidade do déficit.

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O terrível nessa história é a incapacidade do BC de apostar na dinâmica da economia. Suponha um doente, com uma infecção qualquer. O médico receita antibiótico e acompanha a evolução da doença. Quando sente que o pior já passou, trata de reduzir a dosagem para evitar seqüelas no organismo.

Há inúmeros sinais de que o pico da inflação já pode estar chegando ao fim.

Os últimos dados da FGV mostra uma menor pressão do preço dos alimentos. Suponha que os preços internacionais de commodities mantenham o mesmo nível atual – já que é quase impossível supor altas adicionais nas cotações. Significará, no mínimo, que não haverá inflação de alimentos no segundo semestre.

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Caso ocorra uma valorização do dólar, haverá tendência de queda nas commodities, reduzindo um dos principais fatores de pressão sobre a inflação.

No campo do crédito, os bancos estão trabalhando com cuidado redobrado para evitar uma explosão da inadimplência. E há indicadores da própria FGV e da Serasa mostrando menor propensão das indústrias a investimentos adicionais.

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Se houve a senhoridade e a competência do Banco da Inglaterra, nossos jovens do Copom no mínimo manteriam a taxa Selic no nível atual. Aguardariam mais algum tempo observando o desenrolar desses processos.

Principalmente porque há uma desafagem de tempo entre alta de juros e reflexos na economia.
Mas só conhecem o samba de uma nota só: aumentar juros.

Lei que protege advogados cria divisão

Instituto Humanitas Unisinos - 25/07/08

O governo está dividido em relação ao projeto de lei que trata escritórios de advocacia como espaços invioláveis em investigações criminais, encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sanção ou veto até 12 de agosto. O texto, de autoria do deputado Michel Temer (PMDB), já foi aprovado na Câmara e no Senado, mas o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que o presidente ainda não decidiu o que fará. A reportagem é de Alexandre Rodrigues e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 25-07-2008.

“Estamos examinando a questão. Eu já fiz o primeiro exame da lei, estou discutindo com minha equipe”, disse Tarso, em visita à seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Ele foi encarregado por Lula de definir a questão e contou que já se encontrou com o presidente da OAB, Cezar Britto, que defende a lei.

“Se for sancionada, é porque nós chegaremos à conclusão lapidar de que não há prejuízo para a investigação criminal, que não vai se tratar de um privilégio para os advogados e, sim, do respeito às suas prerrogativas”, afirmou o titular da Justiça. “Temos de prestigiar as prerrogativas dos advogados.”

A polêmica esquenta em meio à repercussão da Operação Satiagraha, que flagrou conversas do advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Levada às ruas no dia 8, a operação da Polícia Federal prendeu o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito Celso Pitta, o investidor Naji Nahas, empresários e doleiros - acusados de integrar esquema de desvio de verbas, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

PRÓ-VETO

Como iniciativa de oito entidades da magistratura e do Ministério Público, foi encaminhada ontem a Lula uma nota técnica pedindo o veto ao projeto. Os signatários alegam que a proposta inviabiliza as investigações e torna “substancialmente mais fácil para os criminosos fazer uso de escritórios advocacia - destes causídicos que também são criminosos - para esconder provas do cometimento de ilícitos, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Judiciário”.

A nota diz ainda que, além de inconstitucional - por oferecer mais proteção do que o previsto na Constituição para as moradias -, o projeto é “totalmente contrário ao interesse público”. Isso porque criaria locais “imunes à persecução penal”, que seriam usados “pela crescente criminalidade organizada”.

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, reagiu, dizendo que o projeto não protege advogados envolvidos em crimes, apenas resguarda profissionais com clientes investigados. “Se um advogado pratica crime, já extrapolou o exercício profissional e está praticando a delinqüência. Aí, é investigado e acusado como qualquer um.”

“Não é verdade que o projeto represente uma imunidade para a prática de crimes”, reforçou, por nota, o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. “Não é verdade, como maliciosamente se está dizendo, que o advogado poderá esconder armas ou outros objetos ligados ao crime cometido por seu cliente.”

A grilagem de terras públicas na Amazônia

Instituto Humanitas Unisinos - 25/07/08

"Lula entrará para a história como aquele que fez a maior regularização de terras griladas, à frente do autor da Lei de Terras, de 1850". A opinião é de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor titular em Geografia Agrária da FFLCH-USP, em artigo publicado no jornal Valor, 25-07-2008.

Eis o artigo.

O processo de grilagem das terras públicas no Brasil iniciou-se depois da entrada em vigor da Lei de Terras de 1850. Ele passou a ocorrer porque o artigo segundo desta lei proibiu a posse de todas as terras devolutas que pertenciam ao Império. Aliás, além de proibi-la, a lei criminalizava seu autor, sujeitando-o a pena de dois a seis meses de prisão, multa de cem mil réis e a reparação dos danos causados.

Dessa forma, a lei que legitimava, através de seu artigo quinto, todas as posses existentes até então, quaisquer que fossem suas áreas desde que medidas e devidamente registradas nos livros das freguesias até 1856, passava a interditá-la. Porém, isto aconteceu apenas no plano legal, pois o imaginário social que imperava na sociedade de então tinha na abertura da posse o caminho para se ter acesso à propriedade privada da terra, uma vez que o instrumento jurídico colonial da sesmaria deixara de existir no Brasil com a independência.

A Constituição republicana de 1891 transferiu para os Estados as terras públicas devolutas, mantendo sob controle da União apenas as terras das faixas de fronteira e da Marinha. Porém, nem o governo federal e muito menos os governos estaduais fizeram, através de leis próprias ou não, todas as ações discriminatórias e as respectivas arrecadações de suas terras devolutas. Este fato gerou, até a atualidade, a existência de terras devolutas estaduais e federais em todos os Estados brasileiros. Pelos dados disponíveis no Incra, em 2003 a área ocupada pelas terras públicas devolutas era superior a 400 milhões de hectares, ou seja, quase a metade do território nacional. A metade delas, inclusive, não está sequer cadastrada no Incra. Essas terras foram, portanto, cercadas, porém "não existem" para o Estado. Quer dizer, o Estado não sabe quem se apropriou do território pátrio, legal ou ilegalmente. E mais, a legislação agrária em vigor permite a legalização apenas das posses até 50 hectares pela Constituição de 1988, e até 100 hectares excepcionalmente.

Assim, as áreas maiores do que as posses legais ocupadas não podem ser legalizadas. E, para manter o controle destas terras que não lhes pertencem, os grileiros atuaram de modo a impedir politicamente que os governos estaduais e a União fizessem as ações discriminatórias das terras sob sua jurisdição. É neste particular também que está a resistência da maioria dos proprietários de terra à reforma agrária. Ou seja, a luta pela reforma agrária desencadeada pelos movimentos sócio-territoriais colocou a nu esta estratégia ilegal das elites agrárias da apropriação privada do patrimônio público.

Dessa forma, a grilagem das terras públicas na Amazônia revela apenas uma das dimensões do problema fundiário nacional, pois nesta região brasileira estão mais de 168 milhões de hectares de terras públicas, devolutas ou não. A sua apropriação privada foi estimulada pelas políticas públicas da "Marcha para o Oeste" de Getúlio Vargas, dos incentivos fiscais da Sudam durante o regime militar e, na atualidade, pelo estímulo à rápida expansão do agronegócio da madeira, pecuária e soja nesta região.

O processo de grilagem, por sua vez, iniciou-se com o envelhecimento artificial dos documentos com a ajuda dos grilos. Depois, novos recursos passaram a ser utilizados, e a estratégia foi a regularização das terras griladas através de "laranjas", via procurações destes. Foi o período que denominei de "grilagem legalizada" e que ocorreu principalmente durante os governos militares. Depois da Constituição de 1988, uma parte dos funcionários do Incra passou a "oferecer" e "reservar" as terras públicas para os grileiros e indicar o caminho "legal" para obtê-las. Inclusive, foi por causa disso que a Polícia Federal fez a Operação Faroeste no Pará e mandou para a prisão altos funcionários daquele órgão. Atualmente, o Ministério Público Federal move também uma ação na justiça para cancelar os "assentamentos da reforma agrária laranja" da regional de Santarém. O motivo é sempre o mesmo: a "banda podre" dos funcionários do Incra tentando legalizar a grilagem das terras públicas.

O Incra, desde os governos militares, arrecadou e/ou discriminou um total de 105,7 milhões de hectares. Até 2003, este órgão tinha destinado um total de 37,9 milhões e possuía ainda sem destinação 67,8 milhões de hectares assim distribuídos (em milhões): 4,9 em Rondônia; 6,29 no Acre; 20,9 no Amazonas; 9,2 em Roraima; 17,9 no Pará; 1,03 no Tocantins; 5,7 no Mato Grosso; e 1,7 no Maranhão.

Estas terras não destinadas do Incra estão "cercadas e apropriadas privadamente", e os grileiros, através de seus representantes no Congresso Nacional, propuseram, e o governo aceitou, a "solução jurídica" para legalizar as terras griladas - através do artigo 118 da Lei nº 11.196/05 - até 500 hectares. Mas a ação do governo Lula em apoio aos grileiros da Amazônia Legal foi mais contundente com a MP 422, já aprovada no Congresso Nacional. Ela vai autorizar o Incra a dispensar de licitação a alienação dos imóveis públicos da União com até 15 módulos fiscais (1500 hectares) na Amazônia Legal.

Dessa forma, uma lei está revogando os artigos 188 e 191, pois este último define o posseiro como "aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade".

Se não bastasse esta evidente inconstitucionalidade, os grileiros das terras públicas na Amazônia Legal utilizarão também a MP 422 para regularizar a grilagem de todas as terras do Incra naquela região, através do desdobramento das áreas griladas superiores a 15 módulos fiscais em áreas com até 14 módulos fiscais. E, dessa forma, Lula entrará para a história do Brasil não como o presidente que fez a maior reforma agrária do país, mas como aquele que fez a maior regularização das terras públicas griladas do Brasil, destronando, por certo, o senador Vergueiro, autor da Lei de Terras de 1850.

Tráfico impõe candidato único na favela da Rocinha

Instituto Humanitas Unisinos - 25/07/08

Um documento apreendido ontem pela Polícia Civil na casa do chefe do tráfico de drogas na Rocinha, Antônio Bomfim Lopes, o Nem, comprova que o traficante impôs o apoio a um único candidato a vereador na favela. “Todo empenho para o candidato da Rocinha, não aceito derrota!!!”, diz Nem, num dos trechos do documento de duas páginas, com itens que seriam discutidos em reunião na favela. Para o delegado Allan Turnowski, que comandou a operação, essa é a prova de que o tráfico transformou a favela num curral eleitoral. Nem não cita o nome do candidato único, mas o presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Luiz Cláudio de Oliveira, o Claudinho da Academia, já disse ter o apoio de “cem líderes” locais, embora negue ligação com o tráfico. Na operação, que mobilizou 200 policiais, houve tiroteio: um bandido morreu e cinco foram presos. Nem fugiu. A reportagem é do jornal O Globo, 25-07-2008.

Nem comanda 200 homens de fuzis

O chefe do tráfico na Rocinha, Antônio Francisco Bomfim Lopes, o Nem, responde a seis processos em três varas criminais do fórum da capital, a maioria por tráfico de drogas. Segundo o delegado titular da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), Marcus Vinícius Braga, o bandido está no comando da Rocinha, principal entreposto de venda de entorpecentes do estado, há cerca de um ano. Nas contas do delegado, Nem chefia um grupo de 200 homens e mantém um arsenal com 150 fuzis no morro.

No mês passado, o bandido, que, segundo a polícia, costuma usar a tecnologia para facilitar suas ações criminosas, teve quatro câmeras que filmavam os principais acessos ao seu esconderijo apreendidas numa operação do Dcod. Com um monitor dentro do quarto, Nem e seus cúmplices acompanhavam, da cama, a chegada dos policiais.

O imóvel ficava na localidade conhecida como Cachopa e impressionava pelo luxo. Lá tinha televisão de LCD, lustre com cristais, bar na sala, banheiro com box blindex, dois aparelhos de ar-condicionado, máquinas de lavar e secar, geladeira, microondas e fogão em inox.

O delegado lembra que, naquele mesmo dia, foram apreendidas duas toneladas e meia de maconha, o que seria conseqüência de a Rocinha estar localizada num ponto estratégico: na Zona Sul, ao lado da Barra da Tijuca.

Em maio, num caminhão saído do Paraguai, a equipe de Marcus Vinícius encontrou cerca de 5,6 toneladas de maconha, transportadas juntamente com 1,5 tonelada de arroz. O veículo foi revistado dentro de um galpão na Rua da Farinha, no Mercado São Sebastião, na Penha. Segundo o delegado, a droga, avaliada em R$ 2,5 milhões, foi encomendada por Nem e seria vendida nas comunidades da Maré e nas favelas da Rocinha e de São Carlos.

Outra característica do chefe da Rocinha, de acordo com a polícia, é estar à frente das execuções quando se trata de alguma traição de integrantes de seu bando.

Claudinho não esconde que é 'o candidato'

Presidente da associação de moradores da mais emblemática favela do Rio, Luiz Cláudio de Oliveira, de 36 anos atua em várias frentes: é comerciante — dono da mais suntuosa academia da comunidade —, compositor da Acadêmicos da Rocinha e ex-jogador de futebol.

Em novembro passado, derrotou William dos Santos, que presidiu a União Pro-Melhoramento dos Moradores da comunidade por três anos e oito meses, com 2.600 votos, 600 a mais do que o opositor. Ele se diz hoje o “candidato da Rocinha”, em sua estréia nas eleições.

Não foi sempre assim: em entrevista ao GLOBO, logo depois de ser eleito, declarou que a favela “não pode ser usada como curral eleitoral”.

Mas mudou de idéia rapidamente.

Esta semana, sobre a acusação de ter “fechado” a favela para outros candidatos, disse que foi o escolhido para disputar vaga na Câmara Municipal por mais de “cem líderes” da comunidade.

O principal garantidor de sua candidatura a vereador, porém, seria o chefe do tráfico de drogas no local, conhecido por Nem. Claudinho nega.

— Os políticos costumam entrar nas favelas apenas para pedir votos. Os formadores de opinião da Rocinha, os comerciantes, os líderes da comunidade, todos já tinham se decidido por um candidato. E esse candidato é o presidente da Associação de Moradores. Todos podem entrar, mas a decisão é não dar bola para os outros — diz o comerciante Ocimar Santos, amigo de Claudinho, editor do site Rocinha.org, morador da comunidade desde que nasceu, há 41 anos.

Em 2004, reclamações contra ações da polícia O interesse de Claudinho pela associação comunitária começou em 2004. Uma disputa pelo controle do tráfico de drogas levou à ocupação da comunidade pela Polícia Militar e à morte de dois policias militares e do então chefe do tráfico, Luciano Barbosa da Silva, o Lulu. Ali, Claudinho coordenou comissão que foi pedir à governadora Rosinha Garotinho uma mudança na conduta dos policiais na comunidade, que reclamava dos métodos da ocupação.

O gosto pela política se ampliou: dois meses antes de ser escolhido presidente da associação de moradores da Rocinha, filiou-se ao PSDC, partido que apóia o candidato a prefeito pelo PRB, Marcelo Crivella. Antes, Claudinho, de 36 anos, chegou a morar fora da comunidade por duas vezes: no Rio Grande do Sul, onde jogou pelo Internacional, e depois em Itaperuna. A ligação com a comunidade o levou a compor, em 2006, o sambaenredo da Acadêmicos da Rocinha: “Felicidade não tem preço”. A academia consta da declaração de bens do candidato, com valor de R$ 50 mil.

Em outra trincheira, Claudinho conheceu a assistente social Niúra Maria Câmara Antunes, que diz levar “os ideais do MST” para a Rocinha. Pai de gêmeos deficientes auditivos, Claudinho conheceu Niúra em uma entidade dirigida por ela, o Instituto de Audiologia Santa Catarina, em Duque de Caxias. O militante da Rocinha liderou, em Caxias, um movimento para impedir que a entidade perdesse os benefícios de um convênio com o SUS. Claudinho é presidente da Associação de Pais e Amigos do instituto presidido por Niúra. Ele também é ligado a José Rainha Júnior, que comanda o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Anteontem, Rainha disse que é amigo de Claudinho, que já esteve na Rocinha diversas vezes e que foi um dos incentivadores de sua candidatura a vereador.

quinta-feira, julho 24, 2008

A auto destruição do capitalismo da dívida (I)

Resistir Info - 24/07/08

por Henry C. K. Liu [*]
Cartoon de Rui Pedro Fonseca. Clique para ampliar. Num período de menos de um ano, aquilo que fora descrito pelas autoridades estado-unidenses como um problema financeiro temporário relacionado com o estouro da bolha habitacional redundou numa crise completamente madura no próprio núcleo do capitalismo de livre mercado.

Durante anos um punhado de analistas estivera a advertir que a desregulamentação maciça dos mercados financeiros e o erro da privatização do sector público durante as últimas duas décadas ameaçaria a viabilidade do capitalismo de livre mercado. Mas a fixação ideológica neoliberal permanece firmemente arraigada nos círculos dirigentes dos EUA, fertilizada pelas irresistíveis contribuições de campanha dos especuladores da Wall Street, expurgando metodicamente as agências reguladoras de tudo o que tentasse manter um senso de realidade financeira.

Esta ideologia de "o mercado sabe melhor" permitiu que o país deslizasse numa insustentável condução errática quanto à sua dívida maciça – assumida vertiginosamente por todos os participantes do mercado, que vão desde os bancos supostamente conservadores, bancos de investimento e outras instituições financeiras não bancárias, até corporações industriais, empresas patrocinadas pelo governo (government sponsored enterprises, GSEs) e indivíduos.

A outrora dinâmica economia dos EUA transformou-se num sistema em que é difícil encontrar alguma instituição, companhia ou indivíduo que não tenha a sua cabeça na dívida especulativa. O capitalismo subcapitalizado, também conhecido como capitalismo da dívida, foi o motor do crescimento da bolha da dívida estado-unidense nas últimas duas décadas. Este capitalismo canceroso é causado por um fracasso da banca central.

Face a um vasto colapso sistémico do capitalismo da dívida, onde o capital tornou-se perigosamente inadequado e novo capital arriscado e proibitivamente escasso, tendo sido esmagado pela dívida maciça colaterizada por excessivos activos de valor declinante e com uma crise de crédito que claramente exige reestruturação dinâmica e cuidados intensivos abrangentes, aqueles nos EUA que são responsáveis pelo bem estar financeiro do país parecem ter estado a reagir tacticamente de crise em crise com um roteiro de firme negação dos factos óbvios, dos sintomas e das tendências, sem sinais de qualquer grande estratégia ou plano coerente para salvar o sistema canceroso da auto-destruição estrutural.

Esta abordagem improvisada de curto prazo para artificialmente estimular preços de acções no mercado em colapso e para manter instituições financeiras insolventes com salva-vidas técnicos conduzirá apenas ao desastre a longo prazo de toda a economia.

Mas esta abordagem é preferido por aqueles que detêm autoridade, presos no auto engano de o capitalismo do mercado não regulamentado ainda ser fundamentalmente saudável. Eles tentam acalmar os mercados asseverando que a confusão actual é meramente um pequeno gargalo de liquidez que pode ser manuseado pela entrega por parte do banco central de mais liquidez contra o pleno valor facial de colaterais de valor em declínio.

A mensagem é que, se o dinheiro fácil na forma de dívida for tornado infindavelmente disponível, de certo modo a economia recuperará deste esmagamento do crédito, não obstante o facto de a dívida excessiva ter sido a causa do problema; ou de maus empréstimos poderem ser tornados bons pelo Congresso se der ao Tesouro dos EUA autoridade para comprar maus empréstimos com quantias ilimitadas de dinheiro dos contribuintes.

Mas estas medidas incrementais adoptadas até agora pelo Tesouro e pelo Federal Reserve dão a estas duas unidades do governo responsabilidade directas sobre a saúde financeira a longo prazo do país parecerem como correctores vigaristas (rogue traders) em pânico a comerciarem para as contas nacionais na esperança desesperada de marcarem uma vitória no próximo trimestre pela elevação da aposta, para conter alegadamente isolados pontos quentes de crise. O efeito agregado soma-se a uma vasta nacionalização invisível do insolvente sector financeiro. A sua receita para estabilizar um mercado de dívida desestabilizado é mais dívida pública para suportar socialismo corporativo.

Durante anos, qualquer um a advertir que as empresas patrocinadas pelo governo (GSEs), nomeadamente a Fannie Mae e o Freddie Mac, deveriam ser incluídas nas exigências normais de capitalização era ridicularizado pelas poderosas máquinas de lobby que estas GSEs empregavam como sendo um fomentador do medo. O capital é considerado como supérfluo no novo jogo do capitalismo da dívida erguido pelo complexo hedging circular. Em resultado, as GSEs tornaram-se a cauda monstruosa que sacode o cão das finanças habitacionais.

A conversa actual acerca da necessidade de conter a especulação nas commodities e nos mercados financeiros para estabilizar preços é despropositada, especialmente para os crentes do capitalismo de mercado. Todas as transacções de mercado são especulativas por natureza. A especulação tanto pode estabilizar preços como desestabilizá-los, mas apenas no curto prazo. Níveis de preços a longo prazo (inflação ou deflação), como Milton Friedman apropriadamente observou, são sempre fenómenos monetários. A actual tempestade no sistema financeiro, a implosão das hipotecas subprime, a crise de crédito da convulsão no mercado de papeis comerciais apoiados por activos, a subcapitalização dos bancos comerciais e de investimento, a disfunção das agências de classificação, a insolvência de seguradoras (de títulos) monoline, as perdas financeiras maciças das GSEs e a multidão de outros problemas financeiros que permeiam abaixo do radar dos media, são o resultado, e não a causa, desta turbulência do mercado. (Ver Perils of the debt-propelled economy , Asia Times Online, September 14, 2002.)

A Fanny Mae e o Freddy Mac, GSEs que desde 1938 proporcionavam fundos hipotecários para o mercado habitacional, foram criados como parte do New Deal para ajudar famílias de baixo rendimento. Eles foram privatizadas em 1958 em termos que alterariam o seu mandato social e inevitavelmente iria levá-los à perturbação financeira em grande escala. Finalmente, mas subitamente, estas GSEs encontraram-se em perigo de incumprimento das suas dívidas maciças, superiores a US$5 milhões de milhões (trillion), no decorrer uma única semana.

Está profundmente enraizada na cultura política dos EUA a visão de que o crédito é um serviço público financeiro, tal como o ar e a água, e deveria ser igualmente acessível a todos, não apenas aos ricos. A democracia económica tem sido o núcleo forte da democracia política estado-unidense. Mas de tempos em tempos, este princípio de democracia económica é ensombrado pelo extremismo do livre mercado que empurra a economia do país para dentro de extensas depressões.

O US National Housing Act foi promulgdo em 27 de Junho de 1934, como uma das várias medidas de recuperação económica do New Deal a fim de retirar o país da Grande Depressão. Ela lei permitiu o estabelecimento de uma Administração Federal da Habitação (Federal Housing Administration, FHA). O Título II do Housing Act dispunha acerca dos seguros dos empréstimos hipotecários feitos por prestamistas privados, removendo o risco desagregado no empréstimo dos mutuários de baixo rendimento para longe dos mutuantes privados e administrando o risco a uma escala nacional por meio de uma agência governamental a fim de aproveitar a lei dos grandes números, um teorema em probabilidades que descreve a estabilidade a longo prazo de uma variável aleatória. Estas associações eram para ser corporações independentes regulamentadas pelo administrador, e a sua finalidade principal era comprar e vender as hipotecas seguradas pelo FHA sob o Título II.

Apenas uma associação chegou a ser formada sob esta autoridade. Em 10 de Fevereiro de 1938, esta associação, a National Mortgage Association of Washington, tornou-se subsidiária da Reconstruction Finance Corp, uma corporação governamental. O seu nome foi alterado naquele mesmo ano para Federal National Mortgage Association (Fannie Mae). Com a emendas efectuadas em 1948, o Título II do US National Housing Act tornou-se a carta estatutária para a Fannie Mae.

A barreira do pagamento final

Antes da Grande Depressão, a compra de uma casa era difícil para a maior parte das pessoas nos EUA. Naquele tempo, um futuro comprador tinha de fazer um pagamento inicial de 40% e pagar a liquidar a hipoteca em três a cinco anos. Até o último pagamento, os mutuários pagavam apenas os juros do empréstimo. Todo o principal era pago numa quantia fixa como pagamento final (balloon payment). Os prestamistas podiam exigem o pleno pagamento do empréstimo pendente a qualquer momento que escolhessem, muitas vezes num momento menos vantajoso para os seus tomadores. Isto permitia aos mutuantes utilizarem arrestos como meios para tomarem posse das propriedades que desejavam.

Durante o período do boom da década de 1930 passou a existir um rudimentar mercado secundário de hipotecas. O crash do mercado de acções de 1929 terminou com o boom imobiliário e levou à insolvência muitas companhias privadas de garantias quando os preços entraram em colapso. Quando as condições económicas pioraram, cada vez mais tomadores de empréstimos deixaram de cumprir hipotecas porque não podiam conseguir o dinheiro para o pagamento final ou "rolar" (roll over) sua hipoteca devido ao baixo valor de mercado das suas casas.

A fim de retirar o país da Grande Depressão, o Congresso criou o FHA através do National Housing Act de 1934. O programa de seguros do FHA protegia os prestamistas do risco de incumprimento a longo prazo, nas hipotecas de taxa fixa. Como este tipo de hipoteca era impopular junto aos prestamistas e investidores privados, em 1938 o Congresso criou a Fannie Mae para refinanciar as hipotecas seguradas pelo FHA.

Quando os soldados da II Guerra Mundial voltaram para casa, o Congresso aprovou o Serviceman's Readjustment Act de 1944, o qual deu autoridade ao Department of Veterans Affairs (VA) para garantir empréstimos aos veteranos sem pagamento inicial ou exigências de prémios de seguros. Muitas instituições financeiras consideraram esta disposição um investimento mais atraente do que títulos de guerra.

Com a revisão do Título III, em 1954, a Fannie Mae foi convertida numa corporação de propriedade mista, ficando as suas acções preferenciais na posse do governo e as ordinárias na dos privados. Foi nesta altura a aprovação da Secção 312, que deu ao Título o título resumido de Federal National Mortgage Association Charter Act.

Com as emendas efectuadas em 1968, a Federal National Mortgage Association foi dividida em duas entidades separadas, uma que ficou conhecida como Government National Mortgage Association (Ginnie Mae) e a outra mantendo o nome de Federal National Mortgage Association (Fannie Mae). A Ginnie Mae permaneceu no governo e a Fannie Mae passou a ser possuída por acções reservadas ao governo. A Ginnie Mae tem operado como uma associação totalmente governamental desde as emendas de 1968. A Fannie Mae, como companhia privada a operar com capital numa base auto-sustentável, expandiu-se a comprar hipotecas para além dos tradicionais limites de empréstimo do governo, estendendo-se a um mais vasto conjunto de rendimentos.

No princípio da década de 70, a inflação e as taxas de juro subiram drasticamente. Muitos investidores afastaram-se para longe das hipotecas. A Ginnie Mae facilitou a tensão económica ao emitir em 1970 a sua primeira garantia com título apoiado por hipoteca (mortgage-backed security, MBS). Os investidores consideraram esta MBSs garantidas altamente atractivas. Também em 1970, sob o Emergency Home Finance Act, o Congresso permitiu à Federal Home Loan Mortgage Corp (Freddie Mac) que comprasse hipotecas convencionais de instituições financeiras seguradas a nível federal. A legislação também autorizou a Fannie Mae a comprar hipotecas convencionais. O Freddie Mac introduziu o seu próprio programa MBS em 1971.

As autorizações da Fannie e do Freddie dão a estas GSEs isenções de impostos estaduais e locais, permitindo-lhes exigências de capital relativamente magras, e proporcionando-lhe a capacidade para contrair empréstimos às mais baixas taxas possíveis a fim de conceder empréstimos a taxas próximas das do mercado. Ao longo dos anos, esta vantagem serviu não para reduzir os preços das casas e dos pagamentos de hipotecas a fim de ajudar compradores de baixo de rendimento e sim para enriquecer seguradoras de dívidas e correctores.

Vencimento da linha de crédito

Cada agência tem agora uma linha de crédito de US$2,25 mil de milhões junto ao Tesouro, estabelecida a aproximadamente 40 anos atrás pelo Congresso num tempo em que a Fannie tinha apenas cerca de US$15 mil milhões de dívidas abertas. Ela agora tem uma dívida total da ordem dos US$800 mil milhões, ao passo que o Freddie tem cerca de US$740 mil milhões. Hoje as duas companhias também possuem ou garantem empréstimos com valor facial de mais de US$5 milhões de milhões, cerca da metade das hipotecas do país. Analistas de mercado estimam que o valor de mercado deste passivo possa ser de menos de 50%, a menos que o mercado habitacional se recupere. Por outras palavras, as GSEs enfrentam uma exposição ao incumprimento de US$3,5 milhões de milhões se não puderem levantar novos fundos no mercado de crédito.

No princípio da década de 1980, a economia estado-unidense rodopiou para uma recessão profunda. As taxas de juros eram altas ao passo que os preços das casas estavam a cair, permanecendo para além do alcance de muitos compradores de rendimento baixo e médio porque o crescimento do rendimento permanecia estagnado. A economia dos EUA enfrentava um problema dual de deficiência de rendimento e desvalorização monetária. Neste fraco ambiente do mercado imobiliário, a Ginnie Mae, a Fannie Mae e o Freddie Mac criaram programas para manusear hipotecas de taxa ajustável. A garantia da Ginnie Mae é apoiado na fé absoluta e no crédito dos Estados Unidos. Hoje, os títulos MBS garantidos pela Ginnie Mae são um dos mais amplamente possuídos e comerciados no mundo. A Ginnie Mae garantiu mais de US$1,7 milhões de milhões em MBSs. Historicamente, 95% de todas as hipotecas FHA e VA foram titularizadas através da Ginnie Mae. A Ginnie Mae é uma fiadora, uma segurança. A Ginnie Mae não emite, vende ou compra MBSs, nem compra empréstimos hipotecários. A Ginnie Mae não está em aflição financeira.

A Fannie Mae é outra história. Muitas das opções inovativas em hipotecas introduzidas durante o princípio da década de 1980 para ressuscitar o fraco mercado habitacional em recessão foram exploradas para alimentar uma bolha habitacional com liquidez excessiva proporcionada pelo Federal Reserve, ajudando compradores de rendimento baixo e médio a comprarem casas que o seu rendimento estagnado não podia permitir. A Fannie continua a operar sob uma autorização do Congresso que a direcciona a canalizar os seus esforços para o aumento da disponibilidade e acessibilidade da propriedade de casas para americanos de rendimento baixo, moderado e médio. Mas as Fannie Mae não recebe financiamento ou apoio do governo, e é um dos maiores contribuintes do país bem como, até agora, uma das corporações mais sistematicamente lucrativas.

A companhia evoluiu e passou a ser possuída por accionistas, uma corporação de administração privada que apoia o mercado secundário para empréstimos convencionais. O seu mandato do Congresso de manter casas acessíveis foi em grande medida esquecido em favor de um boom sem precedentes no mercado habitacional. Mas ela continua a operar sob uma autorização do Congresso que lhe proporciona fundos de baixo custo apenas com uma supervisão superficial do US Department of Housing, do Urban Development e do Tesouro.

A Fannie Mae tem duas linhas primárias de negócio: Investimento em carteira, pelo qual a companhia compra hipotecas e MBSs como investimentos, financiando tais compras com dívida; e garantia de crédito, a qual envolve garantir mediante uma remuneração (fee) o desempenho do crédito de famílias únicas e de empréstimos multi familiares.

Possuidores de dívida além mar

Durante a bolha habitacional, a qual foi criada essencialmente com a ajuda do dinheiro fácil do Fed, a Fannie era altamente lucrativa, com altos retornos para os seus felizes accionistas e compensação lucrativa para os seus executivos. Acima de tudo, ela proporcionava um contínuo fluxo de rendimento e lucro para a Wall Street e bancos centrais de todo o mundo enquanto os proprietários de casas eram afundados num caminho traiçoeiro de eventual arresto. Segundo dados do Council of Foreign Relations, bancos centrais possuem US$925 mil milhões de dívida nas duas GSEs. A China encabeça a lista com US$420 mil milhões na dívida do Freddie e da Fannie; a Rússia e o Japão vêm em segundo lugar com uma dívida conjunta nestas GSEs de US$407 milhões. Outros países que possuem a dívida incluem Singapura, Formosa e vários países ricos em cash no Golfo Pérsico.

O negócio da carteira de investimento da Fannie inclui empréstimos hipotecários comprados através dos EUA de instituições de empréstimos hipotecários aprovadas. Ela também compra MBSs, produtos de hipoteca estruturada e outros activos no mercado aberto. O rendimento da corporação deriva da diferença entre o que rendem estes investimentos e os baixos custos subsidiados para financiar a compra dos mesmos, habitualmente da emissão de dívida nos mercados interno e internacional. A Fannie Mae tem hoje US$3,46 milhões de milhões em MBS pendentes, detidos por uma rede dispersa de investidores, incluindo bancos centrais estrangeiros, encabeçados pelo da China.

Os GSEs agora apenas oralmente cumprem a sua missão de proporcionar produtos e serviços que aumentem a disponibilidade e acessibilidade da habitação para compradores de rendimento baixo, moderado e médio através da operação no mercado secundário, ao invés do mercado primário de hipotecas.

A Fannie Mae compra empréstimos hipotecários a mutuantes hipotecários, instituições de poupança, uniões de crédito e bancos comerciais, dessa forma tornando a encher a oferta de fundos hipotecários daquelas instituições. Ela tanto empacota estes empréstimos em MBSs, as quais ela garantia em pleno e atempadamente o pagamento do principal e dos juros, ou compra estes empréstimos a dinheiro e retém as hipotecas na sua própria carteira. Mas o papel da Fannie em anos recentes tem sido abastecer a bolha habitacional com o excesso de liquidez libertado por um caprichoso banco central, comprando com um lucro economicamente não saudável hipotecas que dependia de uma contínua ascensão nos preços das casas para além da projecção razoável do crescimento do rendimento dos compradores das casas. Isto transformou os EUA de um país de proprietários de casas num país de casas arrestadas.

A Fannie Mae é agora um dos maiores emissores do mundo de títulos de dívida, o líder no mercado hipotecário estado-unidense de US$14 milhões de milhões. As obrigações de dívida da Fannie Mae são tratadas como títulos de agência estado-unidense no mercado, a qual está apenas abaixo dos US Treasuries e acima da dívida corporativa AAA. Este estatuto da agência deve-se em parte à criação e existência da corporação decorrer de uma lei federal, da missão pública que ela alegadamente cumpre e da continuidade dos laços que ligam a corporação ao governo dos EUA através de uma fraca supervisão. Ela beneficia da aparência, embora não a essência, de ser apoiada pelo crédito soberano que limita a fraude clara e é protegida pela doutrina do demasiado grande para cair.

As obrigações de dívida da Fannie Mae recebem tratamento favorável numa perspectiva regulamentar. Os títulos Fannie Mae são "títulos isentos" sob as leis administradas pela US Securities and Exchange Commission, na mesma medida das obrigações do governo dos EUA. Além disso, a dívida da Fannie Mae qualifica-se para tratamento mais liberal do que a dívida corporativa sob os estatutos e regulamentos federais dos EUA e, numa medida limitada, estatutos e regulamentos estrangeiros. Administradores de fundos que compram dívida GSE estão protegidos de desafios fiduciários.

Alguns destes estatutos e regulamentos tornam possível a instituições receptoras de depósitos investirem na dívida da Fannie Mae mais liberalmente do que em dívida corporativa e outros títulos apoiados por dívida e apoiados por activos. Outros permitem certas instituições investirem na dívida da Fannie Mae a par de obrigações dos Estados Unidos em quantias ilimitadas. A Fannie Mae utiliza uma variedade de veículos de financiamento para proporcionar aos investidores títulos de dívidas que cumpram seus objectivos de investimento, comércio, hedging e financeiros, nem todos dos quais servem o interesse público. A Fannie Mae tem capacidade para emitir diferentes estruturas de dívida em vários pontos da curva da renda (yield curve) devido à sua grande e consistente necessidade de financiamento. Quando o Tesouro retirou os títulos a 30 anos, estas agências GSE saltaram para preencher o vazio no financiamento a longo prazo.

Ideologia triunfante

A privatização da Fannie Mae e do Freddie Mac foi um movimento ideológico. Ela era financeiramente desnecessária pois o crédito soberano poderia ter financiado todas as necessidades de hipotecas habitacionais para rendimentos baixos, moderados e médios sem que fosse extraído lucro para investidores e correctores privados. Estes instrumentos de dívida da agência desempenharam um papel crucial no desenvolvimento e sustentação da bolha de crédito nos EUA que agora volta à casa para se empoleirar.

De facto, o fundo de risco de ambas as agências foi questionado, dentre muitos outros, pela voz do capitalismo do mercado livre, o Wall Street Journal, em 20 de Fevereiro de 2003 num editorial acerca da segurança da Fannie Mae e do Freddie Mac, da sua estabilidade e da sua administração financeira, caracterizando ambas as agências como companhias de risco sempre crescente que "parecem-se a hedge funds fracamente administrados" ... "indevidamente expostas a risco de crédito com grandes posições em derivados", e que elas "utilizam todos os tipos de derivativos" e "estão expostas a não quantificados riscos de terceiros nestas posições". Tais preocupações teriam sido evitadas se ambas as agências fossem financiadas directamente com crédito governamental, e o custo da habitação para americanos de rendimento baixo, moderado e médio teria sido mais baixo. Quando isto acontece, o governo é agora confrontado com a perspectiva de ter de salvar estas GSEs com fundos públicos.

O termo "subcapitalização" para instituições financeiros é simplesmente um eufemismo desinfectado para insolvência. A fonte real da actual turbulência de mercado é mais do que a perversidade das GSEs que fugiram da trilha das suas finalidades públicas. Trata-se de outro sintoma do fracasso do banco central. O mundo está agora a testemunhar o lento mas firme colapso do regime de banco central que passou a existir nos EUA em 1913, o qual fracassou no cumprimento do seu mandato de administrar o sistema monetário para manter a estabilidade de preços e o pleno emprego. Políticas monetários disfuncinais adoptadas por todos os bancos centrais, liderados pela Reserva Federal dos EUA, permitiram ao mercado retirar capital para fora do capitalismo de livre mercado para transformá-lo num gigantesco esquema Ponzi .

Na década de 1990, a intenção original do Congresso para as GSEs foi desviada da criação de condições acessíveis de propriedade das casas para as famílias com rendimentos baixos e moderado para um novo papel de apoiar uma bolha habitacional que permitia às famílias comprarem casas a preços cujas hipotecas os seus rendimentos não podiam atender. O lucro da apreciação dos preços habitacionais foi principalmente para os originadores das hipotecas e bancos que compravam e vendiam MBSs para investidores que também lucravam com a compra de dívida com dívida colaterizada com a dívida que estavam a comprar. O capital subitamente tornou-se apenas um valor nocional no mercado de derivativos da dívida. Compradores de casas compravam hipotecas sem pagamento inicial, bancos e correctores de hipotecas vendiam a dívida a titularizadores (securitizers) que vendiam-na s investidores institucionais os quais tomavam emprestado utilizando os títulos como colateral. Os GSEs também se tornaram muito lucrativos, abandonando os compradores das casas ao incumprimento das suas hipotecas quando o mercado virou-se sobre eles. Todo o ciclo de transacção não exigia qualquer capital.

A Fannie Mae e o Freddie Mac, classificadas como AAA pelas principais companhias de classificação de crédito do mundo, estão agora a ser tratados como comerciantes de derivativos como se estivessem classificados cinco níveis abaixo porque os emissores estão lamentavelmente subcapitalizados para a dimensão da dívida que assumiram. Os credit-default swaps ligados ao US$1,45 milhão de milhões de dívida vendida por estas duas maiores companhias financeiras de hipotecas, alegadamente apoiadas pelos EUA, são comerciadas a níveis que implicam que os títulos deveriam ser classificados como A2 pelo Moody's Investors Service. O preço dos contratos utilizados para especular sobre a capacidade de solvência da Fannie Mae e do Freddie Mac e para proteger contra um incumprimento duplicou nos últimos dois meses.

Indiferença à garantia da dívida

Os traders estão indiferentes à implícita garantia do governo da dívida das GSE quando as perdas de créditos crescem e aumentam as preocupações acerca de as mesmas não terem capital suficiente para aguentar a maior derrocada habitacional desde a Grande Depressão. A Fannie Mae perdeu 80% do valor de capitalização no mercado no primeiro semestre de 2008 no New York Stock Exchange; e o Freddie Mac perdeu 70%. Estas duas GSEs relataram perdas conjuntas de mais de US$11 mil milhões, e levantaram mais de US$20 mil milhões de novo capital desde Dezembro de 2007. Depois de a Lehman Brothers Holdings Inc ter divulgado o relatório de 7 de Junho de 2008 a dizer que uma nova regra contabilística pode exigir às GSEs que levantem outros US$75 mil milhões em novo capital, as acções do Freddie Mac caíram mais 18% e as da Fannie Mae 16%.

(A 2ª e última parte do artigo será publicada amanhã)

22/Julho/2008

[*] Presidente de um grupo de investimento privado com sede em Nova York. Seu sítio web encontra-se em http://www.henryckliu.com .

O original encontra-se em http://atimes.com/atimes/Global_Economy/JG22Dj06.html

Pico da inflação pode já ter ficado para trás

Luis Nassif - 24/07/08 - 10:33

(…) A pressão doméstica dos alimentos sobre o IPCA diminuiu um pouco e os preços de commodities agrícolas nos mercados internacionais apresentam quedas importantes. O cenário de que a meta de inflação será ultrapassada pode não se realizar e os novos dados influenciarão positivamente as próximas projeções, além de facilitarem bastante a ação do Banco Central.

No mesmo dia em que o Comitê de Política Monetária elevou os juros em 0,75 ponto percentual, o Índice de Preços ao Consumidor-Semanal, da Fundação Getulio Vargas mostrou estabilidade em sua terceira prévia do mês. Ele subiu 0,67%, ante 0,69% da medição anterior. Uma das boas notícias foi a que o grupo de alimentação teve alta menor - 1,44% ante 1,56% anterior - após quedas significativas de alimentos básicos como arroz e feijão (de 7,67% para 4,32%) e carnes bovinas (de 6,99% para 6%).

A perspectiva de uma redução no ímpeto altista dos alimentos foi reforçada nos últimos dias pelo fortalecimento do dólar, que levou a uma guinada nos preços das commodities em geral e das agrícolas em particular. As cotações do milho no mercado futuro de Chicago recuaram 28% desde seu pico há quatro semanas e a da soja se situa 16% abaixo do seu recorde. O índice UBS Bloomberg, que reúne 26 commodities, está em seu menor nível em sete semanas. O petróleo, que tem peso direto e indireto significativo nos custos agrícolas (transporte e fertilizantes), teve forte queda nos últimos dez dias, depois de bater nos US$ 146 o barril. Ontem ele recuou mais 3%, e ficou abaixo dos US$ 125.

É possível que os preços das commodities, puxados pelo petróleo, tenham chegado a seu pico. De qualquer forma, estímulos adicionais de alta devem escassear no futuro próximo. Um dos fatores determinantes é a queda menor, ou o fim da desvalorização do dólar, que vinha colaborando para que as cotações das commodities acompanhassem em sentido contrário a perda de valor da moeda americana. O Fundo Monetário Internacional diz que o dólar já caiu demais, embora os desdobramentos da crise atual possam no futuro desmentir essa afirmação. As taxas de juros estão subindo em boa parte dos países emergentes, enquanto que os EUA tem dificuldades óbvias para elevar as suas, que estão mais baixas também que as da Europa. A política monetária frouxa americana, que pode ser necessária para não empurrar o país para uma recessão, joga contra o dólar.

Por outro lado, políticas monetárias mais apertadas em boa parte do mundo em desenvolvimento, que concentra hoje a expansão mundial, significam crescimento menor e queda na demanda, tirando o fôlego das commodities. Essa desaceleração tem tudo para não ser rápida, o que sinaliza também para um recuo mais ou menos ordenado das cotações das matérias primas.
No cenário doméstico, tanto o ritmo da indústria quanto das vendas no varejo não apontaram mudanças sensíveis no acelerado ritmo da economia. Os alimentos podem estar em um ponto de inflexão de preços, que será ajudado pela previsão de uma nova safra recorde. A própria inflação se encarrega de retirar poder de compra dos assalariados de baixa renda e encolher a demanda.
Os núcleos de inflação apontam ligeira queda, da mesma forma que os de dispersão, que indicam o grau de difusão do aumento de preços pelo universo das mercadorias. Entretanto, o IPC-S aponta que a variação de serviços foi maior agora que nas prévias anteriores, como habitação (0,42% ante 036% na prévia anterior), saúde e cuidados pessoais (0,61% ante 0,59%) e educação, leitura e recreação (0,37% e 0,27%). Os bens não comercializáveis, excluídos os alimentos, estão subindo bem acima da média e tudo isso indica que há um perigo inflacionário claro, em parte referendado por uma demanda ainda vigorosa. É sobre este perigo que o BC está agindo ao elevar os juros. Com o recuo dos alimentos e uma ligeira desaceleração da economia, a inflação voltará a caber no figurino das metas.

A PROVA DO PUDIM É NA HORA DE COMER

Conversa Afiada - 24/07/08 - 10:21

. A “BrOi” só vai sair porque o Presidente Lula, aquele que tem medo, quer.

. O Presidente Lula escalou a Ministra Dilma Rousseff para fechar o negócio da “BrOi”.

. Portanto, a “BrOi” só sai porque o Presidente Lula quer.

. A “BrOi” também só sai porque Daniel Dantas quer.

. Porque, com a “ficha suja” dos políticos brasileiros que ele manipula; com as ações na Justiça que ele manipula; e com as ações da Brasil Telecom e da Oi que manteve, contra a Lei, Dantas é o árbitro da “BrOi”.

. E o seu maior beneficiário.

. Porque com o dinheiro do FAT e do Tesouro Nacional, que o BNDES administra (?), e dos acionistas do Banco do Brasil, Dantas receberá o cala-a-boca de US$ 1 bilhão.

. Agora está na fase de que os americanos chamam de “desmentido que não desmente”.

. Por exemplo, a nota oficial que “Gomes” ou o “arquiteto” ou Luiz Eduardo Greenhalgh distribuiu para dizer que desempenhou apenas o papel de “advogado”.

. Quando meu pai era jornalista, chamava isso de “advocacia administrativa”.

. Ou seja, o tipo da coisa que o meu pai não gostaria que eu fizesse.

. O senador Heráclito Fortes, Líder da Bancada Dantas no Senado, quer botar a pasta de dentes de volta no tubo e processar o ínclito e competente Delegado Protógenes Queiroz.

. Isso entra no capítulo “a melhor defesa do investigado é se tornar investigador”.

. Superada essa fase de muita espuma e pouca onda, como diriam os surfistas do Arpoador, vamos ao que interessa.

. A prova do pudim é na hora de comer.

. A “BrOi” foi gerada dentro do Palácio do Planalto, pelas mãos da Ministra Dilma Rousseff.

. Se o dinheiro da propina – segundo O Globo, clique aqui para ler – do “Gomes” ou “arquiteto” vai para a campanha presidencial da “Margaret”, é secundário.

. O problema é que a “BrOi”, de acordo com a planta-baixa de Daniel Dantas, foi tramada no Palácio do Planalto.

. Não é à toa que nos jornais de hoje a Telefônica e a Embratel defendam com unhas e dentes seus monopólios na telefonia brasileira.

. Monopólio que a “BrOi” deterá: vai ter 78% da telefonia fixa do país.

. A privatização do Farol de Alexandria construiu essa catástrofe: em lugar de monopólio estatal, monopólios privados, sem que os órgãos reguladores, Anatel ou CVM, regulem qualquer coisa.

. O Governo Lula teve a chance de rever as instituições que regularam a privatização do Farol.

. Como é um Presidente que tem medo, preferiu fazer “el gran acuerdo” celebrado na “BrOi” (clique aqui).

. Faltou combinar com três brasileiros de que temos orgulho: o Delegado Protógenes Queiroz, O Juiz Fausto De Sanctis e o Procurador Rodrigo de Grandis.

. Como me disse ontem um Procurador da República, o gênio saiu da garrafa e tem cara feia.

DEIXAR DANTAS SOLTO É UM PERIGO

Conversa Afiada - 23/07/08 - 20:34

. A Dra. Anamara Osório, do Ministério Publico Federal de São Paulo, que atua na ação sobre a Kroll e Daniel Dantas, me disse hoje que informou ao Ministério Público Estadual sobre os riscos de Daniel Dantas ser retirado do processo da Kroll.

. A Dra. Anamara pediu a prisão preventiva de Dantas, depois dos dois outros pedidos do Procurador Rodrigo de Grandis e DOIS habeas corpus em QUARENTA E OITO HORAS concedidos pelo Supremo Presidente do Supremo, Gilmar Mendes.

. A Dra. Anamara juntou ao pedido de prisão varias decisões do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça que aceitaram a tese de que a “reiteração de crimes” é motivo suficiente para manter alguém na cadeia.

. Porém, a Justiça não considerou assim.

. E Dantas continua solto e, provavelmente, na prática reiterada de crimes.

. Na semana passada, a Justiça Federal em São Paulo adiou a concessão de um habeas corpus a Dantas.

. Seria pelo mesmo motivo por que Carlos Rodemburgo obteve – da mesma Juíza – um habeas corpus.

. A juíza, neste caso – Dra. Cecília Mello – se viu diante da mesma dúvida que se abateu sobre a Ministra do Supremo, Ellen Grace, para decidir não abrir o disco rígido de Dantas – Dantas será Dantas ?

. Rodemburgo será Rodemburgo ?

. Na dúvida, a Dra. Cecília Mello concedeu habeas corpus a Rodemburgo e, talvez, com a mesma dúvida, conceda a Dantas.

. Seria a instalação de uma escola jurídica tipicamente brasileira: “supressão temporária da identidade”, para fugir da cadeia.

. A Dra. Anamara falou também, ainda dentro dos limites da ação sobre a Kroll, que recebeu cópia da ação do Ministério Público de Parma, na Itália, sobre a briga de Dantas com a Telecom Itália.

. Conclusões da Dra. Anamara: é uma briga de espião contra espião; não tem nada a ver com os processos da Kroll no Brasil; não há nenhum brasileiro citado; e, se demonstra alguma coisa, demonstra que Dantas pratica na Itália o que comete aqui.

. Sobre esse caso na Itália, é bom lembrar, também, que o Estadão, dentro da filosofia de que o melhor para o investigado é se tornar investigador, publicou reportagem para demonstrar que Dantas, na Itália, coitado, é vitima. Clique aqui.

. A Carta Capital – clique aqui – desmentiu devidamente a reportagem do Estadão.

. Clique aqui para ler sobre o que a Dra. Anamara pretende fazer quando a CVM, o BNDES e o Banco do Brasil se explicarem sobre a patranha da “BrOi”.

Empresa que originou mineradora de Eike foi comprada do Opportunity

Instituto Humanitas Unisinos - 24/07/08

A Polícia Federal apontou um elo entre o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Eike Batista, alvos de duas das maiores investigações federais do ano. No inquérito da Operação Satiagraha, os agentes revelam que a empresa que deu origem à MMX Mineração e Metálicos, de Eike, foi comprada do Opportunity, de Dantas, em 2005. A reportagem é de Hudson Corrêa e Alan Gripp e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 24-07-2008.

Naquele ano, Eike pagou ao banco R$ 461 mil pela Tressem Participações. No papel, a empresa funcionava no 28º andar do prédio do Opportunity, no Rio. A PF, na apuração da Satiagraha, diz que a sede abrigava "empresas prateleiras", criadas para movimentar recursos do Opportunity. Ou seja, a Tressem, pelas acusações da PF, seria uma "empresa de papel".

Comprada por Eike em 6 de dezembro de 2006, a Tressem mudou o nome para MMX dias depois. No mesmo período, seu capital social cresceu de R$ 60 mil para R$ 16 milhões.

Na Satiagraha, a PF não diz que a Tressem foi usada por Eike em esquema de crimes financeiros. Porém, sem citar provas, afirma que Eike usa os mesmos métodos de Dantas.

"As pessoas responsáveis pelo Opportunity (...) e outros grandes investidores como Naji Nahas e Eike Batista etc. teriam criado mecanismo complexo de operações, composto de fases de dissimulação e reintegração de bens, valores provenientes possivelmente de crimes contra o sistema financeiro nacional", afirma a PF no inquérito da Satiagraha.

A MMX Mineração foi alvo da Operação Toque de Midas, que apontou indícios de que a empresa tenha sido beneficiada na licitação de uma ferrovia do complexo da serra do Navio (AP). Segundo a PF, a concessão supostamente fraudulenta da estrada, em 2006, seria essencial nos planos de Eike de vender o complexo para a Anglo American, acordo fechado neste ano por US$ 5,5 bilhões.

A MMX nega as irregularidades. Disse que "a área do porto de Santana foi regularmente adquirida" da Amcel, por cerca de R$ 26 milhões, "com autorização expressa da União".

Esqueceram que Dantas era o acusado

Instituto Humanitas Unisinos - 24/07/08

A mídia mudou várias vezes de posição no que se refere à Polícia Federal, constata Maria Inês Nassif, jornalista, em artigo publicado no jornal Valor,24-07-2008.

Eis o artigo.

A primeira reação da mídia foi a de se refugiar em seu papel noticiarista: a prisão do banqueiro Daniel Dantas, de sua irmã e de outros parceiros de negócios foi acompanhada pelas lentes dos fotógrafos e dos cinegrafistas, e pelas diligentes anotações dos repórteres. Aí, os acusados eram Dantas e outros integrantes ou parceiros de negócios do Grupo Opportunity. Num segundo momento, os meios de comunicação embarcaram nos protestos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que acusou o delegado da PF, Protógenes Queiroz, de sensacionalista, jogou pedras sobre o Ministério Público e soltou todos os presos, exceto os envolvidos diretamente na tentativa de suborno de um delegado. Foi quando os acusados passaram a ser a Polícia Federal e o Ministério Público. Em seguida, sob pressão da mídia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a direção da Polícia Federal forçaram o afastamento dos delegados responsáveis pelo inquérito. A partir daí, os dedos acusadores da mesma mídia apontaram para o governo, que teria abortado a ação saneadora do delegado Protógenes, antes aquele que cometeu abusos contra acusados.

Exceto no primeiro capítulo da novela Daniel Dantas, o foco da mídia não foi o dos negócios do banqueiro - ou empresário, ou sócio de empresas fantasmas, ou seja lá o que for - que estava sob investigação da polícia, mas os supostos crimes cometidos pela PF, ou uma ação política do governo para esvaziar o inquérito produzido por delegados da PF antes acusados de cometer ilegalidades.

É difícil cobrar um comportamento sempre coerente da mídia: no calor dos fatos, reportar e julgar ao mesmo tempo, sem ter todas as informações, embute um enorme risco de erro. Mas é inegável que as oscilações abruptas de julgamento - e de foco - têm evidentes efeitos colaterais. A desautorização do inquérito da PF em determinado momento - desautorização pura e simples, sem ressalvas - serviu à defesa de Dantas. É certo que o inquérito cometeu erros crassos, misturou estações e interpretou de forma muito equivocada alguns grampos - e perdeu credibilidade ao misturar pessoas envolvidas nos negócios de Dantas com outras que simplesmente foram citadas e não tinham culpa nenhuma no cartório. Mas os meios de comunicação também não separaram as coisas. Primeiro, publicaram tudo como se fosse tudo verdade e, quando se depararam com a dificuldade de comprovar o envolvimento de alguns dos citados, a tendência foi a de generalizar a acusação de "abuso", como se prender alguém que mandou corromper um delegado fosse algo impensável, pelo menos quando essa figura é um banqueiro. Quando resolveram rever sua opinião sobre a polícia - e isso ocorreu quando foi possível acusar o governo de pressão política sobre a instituição - a guinada foi radical: a PF não era mais leviana, mas moralizadora, e era essa PF moralizadora o objeto das pressões de um governo.

Nesses dois extremos, a mídia também foi o veículo da sensacionalização. Se a PF foi sensacional, foi porque o fato dado a conhecimento foi reverberado pela mídia sem qualquer filtro. Daí foi a própria mídia a acusar o sensacionalismo e pressionar por uma posição de governo contra o que considerou abusos. E foram os próprios meios de comunicação quem, à ação corretiva dos superiores do delegado, acusaram sensacionalmente o governo de ter pressionado a instituição a não apurar fatos relativos ao inquérito contra Dantas e grupo.

Nesse processo, o resultado mais palpável foi que em alguns dias Daniel Dantas e suas ações pouco republicanas saíram rapidamente de foco e deram lugar a um debate surrealista sobre o que é um abuso policial e sobre até onde vai a autonomia da PF diante de uma pressão do governo (dada como certa e definitiva) sobre a instituição para não apurar os fatos - que, ao mesmo tempo, segundo a mesma imprensa, fez um inquérito que beirou o abusivo. É surrealista porque em nenhum momento a imprensa analisou o seu próprio papel no caso. E isso inclui o fato de que toda a informação que uma instituição vaza é publicada por algum veículo de comunicação. Se foi um abuso o vazamento de todo o inquérito, inclusive as partes relativas a pessoas que não são parte dos delitos cometidos pelo grupo de Dantas, de quem é o abuso? De quem vazou ou de quem publicou a informação vazada?

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o país vive ciclos em que uma ou outra instituição se impõe sobre as demais quando assume como exclusivamente seu o papel de repressão ao crime e de guardião da moralidade. O Ministério Público já esteve nessa situação, assim como os juízes de primeira instância. Agora é a vez da PF. Todas as vezes que uma instituição se excedeu, no entanto, foi porque encontrou eco na mídia. Foram os veículos de comunicação que deram guarida aos sucessivos vazamentos de investigações do MP ou de processos que corriam na Justiça; como hoje dão abrigo aos vazamentos da PF. Não raro, um vazamento de informação acaba justificando um pedido judicial da mesma instituição que fez o vazamento; ou é usado como pressão política contra partidos e governos; ou é exibido como prova de eficiência, em movimentos de valorização corporativa. Portanto, a informação, pretensamente acrítica, não é neutra. Ela tem usos políticos e corporativos.

Não dá para debater os eventuais abusos de instituições sem reconhecer que o jornalismo teve um papel fundamental nos processos de hipertrofia dos poderes de uma ou outra, em determinados períodos. É um engano imaginar que a informação acrítica é neutra. Ela é apenas acrítica - e isso não significa sequer ser independente. O próprio modus operandi de Dantas é prova disso. A farta produção de dossiês para destruir reputações de inimigos foi um fato. Se os jornais e revistas os publicaram, fizeram um favor a Dantas. Esse comportamento está longe de ser neutro. Se um inquérito policial atinge quem não deve atingir, e a imprensa não filtra essa informação, pode lançar o descrédito em todo o inquérito e contribuir para a impunidade dos que devem efetivamente ser punidos. Ou pode abalar as reputações de quem nada deve.

Aumento da taxa Selic. 'O problema do Copom são os erros do passado'

Instituto Humanitas Unisinos - 24/07/08


Um dos conselheiros informais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular aposentado da Universidade de Campinas (Unicamp), não critica o aperto monetário que vem sendo promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que ganhou ontem um tom mais dramático, com a alta de 0,75 ponto porcentual na Selic. Mas ele acha que o País perdeu uma boa oportunidade de baixar com mais rapidez os juros quando o cenário internacional era favorável e a inflação caminhava confortavelmente abaixo da meta. Agora, para conter os efeitos provocados mais pelo desacerto externo, o País vai atrás do prejuízo, correndo o risco de impactar, mais tarde, seu crescimento. A seguir, a entrevista do economista ao Estado. A reportagem e a entrevista é de Irany Tereza e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 24-07-2008.

Eis a entrevista.

O que significa, neste momento, a alta de 0,75 ponto porcentual?

O mercado estava todo concentrado num aumento de 0,5 ponto porcentual. Acho que o problema com as decisões do Copom não é tanto com relação ao momento atual, que exige uma energia suficiente, mas sim com relação aos erros do passado. Mantiveram muito alta, por muito tempo a taxa (Selic) e agora têm de fazer um exagero, por conta do nível em que a taxa está. Na minha opinião, isso é resultado de uma má gestão da política monetária ao longo do tempo. Tinham que ter baixado (os juros) mais depressa, não ter deixado num nível tão alto. Tivemos uns dois anos de resultado abaixo da meta. Seguindo a política de metas, teria de haver uma gestão que levasse em conta a administração de expectativas. Agora é necessário o aumento, com os juros já muito altos, por conta do choque de oferta. Minha crítica não é em relação às metas nem ao aumento em si, mas ao passado.

O sr. acha, então, que o Banco Central perdeu a oportunidade de baixar os juros antes?

Acho que agora está fazendo o que tem de fazer. Subir os juros para manter a inflação sob controle. Mas a taxa agora está muito alta. Hoje eu estava conversando com o (Paul) Krugman sobre isso e ele estava dizendo que a taxa de juros está muito alta. Não se trata dos movimentos atuais. Neste momento, estão na direção correta, porque ninguém vai baixar os juros com este cenário mundial.

Um aperto tão forte reforça a tese de que o governo pode estar perdendo o controle da inflação?

Não acho que esteja perdendo o controle. As projeções de mercado indicam que o Brasil está com risco de ficar ligeiramente acima da meta (de inflação) este ano. O Brasil tem um desempenho de inflação mais favorável que outros países. Mais de 50 países têm mais de dois dígitos. A inflação cheia no atacado em muitos países, inclusive na Inglaterra, supera dois dígitos.

O comunicado destacou a forma tempestiva como o Banco Central pretende trazer a inflação para a meta. Isso significa novas altas expressivas?

Vão trazer ao centro da meta custe o que custar. Na minha opinião, podem ter lá suas justificativas, mas precisam olhar o balanço dos ganhos da inflação com o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Isso tem timing. Acho que ainda vão elevar os juros para 13,5 ou 14% este ano.

Que reflexos esse aumento pode causar no ritmo de crescimento da economia?

Este ano o crescimento já está praticamente contratado. Mas vai haver impacto certamente no ano que vem. Isso vai se prolongar. Tudo indica que eles pensam que podem promover a alta este ano e, no ano que vem, retomar a curva de queda antes de um impacto maior no crescimento. Pode ser, vamos ver.



Área indígena terá base militar nas fronteiras

Instituto Humanitas Unisinos - 24/07/08

O Exército terá de instalar, obrigatoriamente, bases militares em terras indígenas em zona de fronteira. É o que determina o Decreto 6.513, publicado ontem no Diário da União. Decreto de 2002 já tratava do assunto, mas a diferença agora é a obrigatoriedade. O Ministério da Defesa apresenta em 90 dias o plano para instalar as bases. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 24-07-2008.

O ECOonfuso e suas dúvidas cruéis

Instituto Humanitas Unisinos - 24/07/08

Sem respostas simples, saiba no que pensar ao adotar uma ação aparentemente ecológica. A reportagem é de Juliane Silveira e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 24-07-2008.

1. Evitando as sacolas plásticas, como armazenar o lixo em casa?

Não faz sentido não usar as sacolas do supermercado para, depois, ter de comprar sacos plásticos para colocar os resíduos da casa. O melhor é usar a sacola retornável sempre e pegar o mínimo de sacolas no mercado para o lixo da casa. Também tente reaproveitar o lixo ao máximo: mande para a reciclagem tudo o que pode e prepare compostagem com os descartes orgânicos. Dessa forma, sobra pouco -em alguns casos nenhum- material a ser descartado, o que diminui a necessidade das sacolinhas.

2. Alimentos orgânicos de longe ou produto normal de perto?

Dificilmente o produto orgânico será produzido muito longe da região onde é comercializado, pois é plantado em pequena escala e já tem custo mais alto mesmo sem contabilizar o transporte prolongado. Mesmo que seja transportado, como o produto convencional também agride o ambiente com o transporte, o impacto permanece similar. Mas como a produção orgânica não polui os lençóis freáticos e não contém agrotóxicos, revela-se a melhor alternativa. Quem deseja consumir esse tipo de produto sem aumentar demais as despesas pode procurar as feiras e produtores que entregam em domicílio, com preços melhores do que os dos supermercados.

3. Faz sentido reciclar embalagens mesmo que tenha de gastar água para limpá-las?

Sim, mas que se use o mínimo de água possível. É justificável lavar os pacotes em casa porque, para reciclagem, elas precisam estar limpas. Isso também evita maus odores, o que pode levar ao descarte do material. Para evitar desperdício, é possível separar um pouco da água usada para lavar louças e reusá-la para limpar as embalagens.

4. Copo de plástico descartável ou de vidro, que tem de ser lavado?

Se o uso de água para lavar o copo de vidro for racional, ele continua uma opção melhor do que o descartável. Outra mudança de hábito que faz diferença: trocar as garrafas de água mineral pelo velho filtro, que causa muito menos impacto ao ambiente.

5. Chuveiro elétrico ou com aquecimento solar, que gasta mais água?

O gasto excessivo de água na ducha com aquecimento solar se deve mais a uma questão de hábito: como a água do chuveiro elétrico esfria à medida que aumenta a vazão, o usuário tende a abrir menos a torneira para manter a temperatura confortável. Já com a ducha, não há limites, pois a temperatura não dependente da quantidade de água. Por esse motivo, as duchas de sistemas de aquecimento podem gastar até 60 litros de água por minuto, contra os seis litros, em média, gastos pelo chuveiro elétrico. Para evitar desperdícios, instale um regulador de vazão de duchas, que limita o gasto de água -o indicado é manter de oito a 12 litros por minuto, para que o banho continue confortável e mais ecológico. O aquecimento solar, além de vir de fonte renovável e não gerar emissões de gases-estufa, oferece benefício imediato na conta de luz.

6. Vale a pena trocar a carne por soja para evitar o desmatamento?

Como precisa de pastagens grandes, o gado normalmente é criado longe da área de consumo, o que implica em emissão de carbono para o transporte da carne e, em alguns casos, desmatamento da região -essa criação é considerada o primeiro fator de deslocamento da fronteira agrícola, com efeito na floresta Amazônica, por exemplo. A soja é o segundo fator de deslocamento e também pode levar ao desmatamento de florestas. Por isso, substituir a carne vermelha pela soja por questões ambientais pode não ser a melhor saída. Uma opção é trocar parte do consumo por carne de frango, cuja criação gasta cerca de 3,5 mil litros de água por quilo de carne (a bovina gasta por volta de 10 mil) e não precisa de grandes áreas para sua criação.

7. Lâmpadas fluorescentes gastam menos energia e poluem mais?

As fluorescentes são a melhor opção porque gastam cerca de um quinto da energia das lâmpadas incandescentes e já contêm bem menos mercúrio do que as primeiras versões. Como ainda oferecem riscos ao ambiente quando descartadas, é necessário que haja mais lugares para descarte seguro. Infelizmente, no Brasil há poucos lugares que recebem esses produtos, como a Apliquim, em Paulínia, no interior de SP (0/xx/19/3884-8140). Existe um projeto para obrigar os fabricantes a receberem essas lâmpadas de volta, como já acontece com baterias de celular. Outra opção é usar iluminação de LED ("light emiting diode", diodos emissores de luz em inglês), que não contém metais pesados, mas ainda cara.

8. Papel reciclado branco é tão ruim quanto papel virgem?

O processo de "branqueamento" do papel gera uma carga ambiental grande, mas é difícil comparar os impactos de ambos os tipos de papel. O importante é pensar na finalidade ao escolher o produto e saber que parte do que se usa normalmente já tem fibra reciclada, como papel higiênico e caixas de papelão. O argumento de que o papel virgem destrói árvores é fraco porque, atualmente, os fabricantes utilizam madeira de reflorestamento, além de tratar os efluentes. Observe se o selo FSC consta da embalagem: ele garante que a madeira utilizada é ecologicamente adequada. Usar papel reciclado também tem impacto social, ao estimular o trabalho dos catadores, por exemplo, e pode ser levado em conta na hora da decisão.
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Fontes: ANDRÉ GIMENES, pesquisador do grupo de energia do Departamento de Energia e Automação Elétrica da Escola Politécnica da USP; ANDRÉ VILHENA, diretor-executivo do Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem); CARLA TATIANA NAU, engenheira química da Brasil Recicle; ELIANE SARAIVA, coordenadora do curso Técnico Ambiental do Senac; HÉLIO MATTAR, diretor-presidente do Instituto Akatu; MARIA CLÁUDIA KOHLER, coordenadora do curso de pós-graduação em Meio Ambiente e Sociedade da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; LISA GUNN, coordenadora-executiva do Idec; MARIA LUIZA OTERO D"ALMEIDA, responsável pelo laboratório de papel e celulose do Centro de Tecnologia de Rercursos Florestais do IPT; RICARDO CHAIM, coordenador do PURA (Programa de Uso Racional da Água) da Sabesp
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Operação Satiagraha e Gilmar Mendes: 'Ele não tinha competência para decidir aquele habeas corpus'. Entrevista especial com Douglas Fischer

Instituto Humanitas Unisinos - 23/07/08

Uma investigação acerca de um ato de corrupção deflagrou um mal-estar entre a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal. O maior nome acusado deste ato ilícito é Daniel Dantas, banqueiro e fundador do Opportunity Asset Management. Junto com ele, outros dez diretores do banco foram presos no dia 08 de julho de 2008 pela Polícia Federal na Operação Satiagraha. A operação contém em seus autos inúmeras suspeitas contra Dantas, como o fato de este receber e trocar informações privilegiadas de contatos que mantinha no meio das telecomunicações. Assim como há suspeitas de que Dantas tenha enviado ilegalmente ao exterior recursos públicos provenientes das privatizações realizadas durante o governo FHC. Neste esquema, estariam envolvidos pessoas do alto escalão do governo, do Judiciário e da imprensa brasileira. Estas são apenas algumas suspeitas que constam na investigação. Um dia após as prisões, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, considerou desnecessária a prisão e concedeu habeas corpus às pessoas ligadas ao Opportunity. No dia seguinte, Dantas foi novamente preso, desta vez de forma preventiva, mas Gilmar Mendes voltou a lhe conceder um novo habeas corpus. Em 16 de julho, a 6ª Vara Criminal da Justiça Federal, em São Paulo, aceitou a denúncia de que Dantas havia tentado corromper um delegado da Polícia Federal através de dois contatos e, atualmente, é considerado réu desta acusação. Ele também foi indiciado pelos crimes investigados durante a Operação Satiagraha.

A IHU On-Line conversou por telefone com o promotor Douglas Fischer, sobre o posicionamento do Judiciário brasileiro em relação a este caso, sobretudo em relação às decisões tomadas pelo ministro Gilmar Mendes. Para Fischer, não há conflito entre a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal, como estão discutindo. Quanto à concessão dos habeas corpus para Dantas por parte de Mendes, Fischer diz que ele não tinha competência para tanto.

Douglas Fischer é membro do Ministério Público Federal e Procurador Regional da República na 4ª Região. Mestre em Instituições de Direito e do Estado pela PUCRS, é também professor da Escola Superior do Ministério Público da União, da Escola Superior da Magistratura Federal no Rio Grande do Sul, da Pós-Graduação em Direito Público do Jus Podivm Salvador, do Curso de Especialização em Direito Penal e Processo Penal do Instituto de Desenvolvimento Cultural IDC/Porto Alegre e do Curso Verbo Jurídico no Rio Grande do Sul e em São Paulo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor analisa o "mercado" dos habeas corpus no Brasil?

Douglas Fischer – Para quem trabalha na área jurídica, é possível notar que há uma grande distorção. No entanto, quero deixar bem claro que eu não estou fazendo uma crítica às pessoas que proferem as decisões sobre os habeas corpus. O que estou fazendo é um paralelo das conclusões tiradas dos habeas corpus, sobretudo quando nós temos envolvido como réu preso alguém com poder econômico um pouco maior. Inclusive, hoje pela manhã, eu estava trabalhando e vi um caso concreto de um réu que está com habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça porque furtou dois litros de leite, um pacote de bolachas e dois pães. Ele está preso até hoje e não tem a liberdade considerada. E o caso, indiscutivelmente, seria de concessão do habeas corpus.

Se fizermos um comparativo com a situação bastante rumorosa vivida recentemente no Brasil, em que alguém teve duas vezes definida a sua liberdade provisória e era uma pessoa com alto poder econômico, nos perguntamos o motivo desse tratamento diferenciado. A questão única e exclusivamente é essa. E é importante deixar bem claro também que, ao citar esse caso rumoroso envolvendo o senhor Daniel Dantas, eu não estou criticando o mérito da decisão do ministro Gilmar Mendes. Ele tem autonomia para decidir e fez segundo sua convicção. A crítica que fiz em relação à decisão do ministro-presidente é a de que, em minha opinião, ele não tinha competência naquele momento para decidir este habeas corpus.

IHU On-Line – Por que o senhor acredita que ele não tem competência para tomar tal decisão?

Douglas Fischer – Em relação à Operação Satiagraha, o senhor Daniel Dantas havia ajuizado um habeas corpus para tomar conhecimento de uma investigação que estava existindo contra ele em São Paulo. Dantas tomou conhecimento de que existia alguma investigação pela imprensa, quis ter acesso aos autos, mas não conseguiu. Então, entrou com um habeas corpus. Como não lhe concederam no Tribunal Regional em São Paulo, ele entrou com um novo habeas corpus no STJ. Como não deram esse habeas corpus a ele também, o que nós chamamos de liminar, ele entrou com um novo no Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Eros Grau foi o relator e não concedeu novamente esse pedido. Por que o ministro-presidente despachou? Porque, no período de férias, todos os habeas corpus são despachados pelo presidente do Supremo.

Pois bem, houve um fato novo: a prisão do senhor Dantas. Isso, em nenhum momento, era discutido naquele habeas corpus que já estava no STF. Ao invés de os advogados entrarem com um novo habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal, eles comunicaram diretamente ao presidente do Supremo, que mandou soltar imediatamente o senhor Daniel Dantas. Em razão de um outro fato, houve uma nova decretação de prisão preventiva, aí não mais de prisão temporária, mas de preventiva, e novamente seria o caso de impetrar com um novo habeas corpus no Tribunal Regional Federal de São Paulo. Não fizeram isso e comunicaram novamente direto ao presidente do Supremo. Em minha opinião, o presidente do Supremo violou o artigo 108, I, ‘d’, da Constituição, que diz que habeas corpus contra ato de juiz de primeiro grau quem julga é o Tribunal Regional Federal em primeiro lugar.

O presidente do Supremo deu algumas entrevistas dizendo que corre o risco de acertar e errar por último. Eu não discuto o acerto ou o erro no mérito dele, mas discuto que ele deve errar ou acertar por último desde que esteja na sua vez de acertar ou errar. Isso deve ficar bem claro. Entretanto, e esta é uma crítica minha em relação ao mérito e ao uso de discordar da decisão do presidente do Supremo, os fatos revelam que, até o presente momento, quem foi o autor da corrupção ou responsável pelo envio da tentativa de corrupção em um milhão de dólares foi o senhor Daniel Dantas. A entrega e as propostas do dinheiro para o delegado naquela operação foram feitas por duas pessoas que ainda se encontram presas. Ou seja, o verdadeiro corruptor, até que o contrário seja provado, está solto, e as pessoas que fizeram apenas a entrega do dinheiro a mando deste corruptor ainda estão presas. Há uma certa inversão de valores na minha compreensão.

IHU On-Line – Para a área do Direito no Brasil, quais são os resultados, até então, dessa operação?

Douglas Fischer – Ainda está muito no início a apuração do processo das conseqüências desse caso. O que tem saltado aos olhos da comunidade, na minha visão, tem sido este tratamento díspar. Isso me gerou certa inconformidade de muitas pessoas. Eu preciso dizer aqui que foi cogitado, inclusive, impeachment do presidente do Supremo Tribunal Federal. Eu não ouso tanto, pois considero esse pedido um tanto demasiado. No entanto, tenho notado, e a comunidade jurídica também, que a celeridade e o tratamento dado para o habeas corpus tem gerado um tratamento diferenciado. Existe a súmula (que é o resultado da jurisprudência dos tribunais compilados num verbete) 691, na qual se afirma que não cabe ajuizar habeas corpus num tribunal superior contra o indeferimento de liminar num tribunal inferior. Isso significa que, se eu impetrei um habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 4º região de São Paulo e não ganhei a liminar, não tenho condições de impetrar diretamente um habeas corpus no STJ, e assim por diante. Pois bem, isso é o que está na súmula 691. O STF acabou relativizando esta súmula, dizendo que, nos casos de manifesta ilegalidade, é possível afastar a súmula 691 e conferir o habeas corpus contra o indeferimento de liminar. Vejamos o paradoxo de tudo isso. O caso decidido pelo Supremo que importou a relativização dessa súmula foi aquele envolvendo o senhor Flávio Maluf e depois esse habeas corpus foi estendido ao seu pai, Paulo Maluf. Para recordar: eles haviam sido presos em São Paulo, entraram com habeas corpus no TRF de São Paulo, não ganharam, foram ao STJ, não ganharam, e aí foram ao STF. Então, a matéria foi afetada no plenário do Supremo que, a partir dali, relativizou a súmula para dizer, no caso concreto, que havia ilegalidade no manifesto da prisão, portanto concederam a liberdade, primeiro, para o senhor Flávio Maluf e, depois, pelo menos motivo, para o senhor Paulo Maluf. O detalhe que poucas pessoas conhecem, e isso eu falei em alguns meios de comunicação, é que o primeiro habeas corpus que questionava o afastamento dessa súmula 691 foi por mim impetrado seis dias antes a favor de um réu pobre, coincidentemente. Ele estava preso por um pequeno tráfico de entorpecente e não tinha condições de chegar ao Supremo Tribunal Federal, mas estava preso há mais de dois anos. Eu me dirigi até o STF, porque tenho esse dever como membro do Ministério Público, e pedi que afastasse a súmula 691 e determinasse a liberdade desse paciente. Qual foi a minha surpresa, e repito, o habeas corpus que impetrei foi seis dias antes desse do senhor Maluf, que no meu caso a liminar foi indeferida e no outro caso ela foi deferida. Em suma, não conseguimos encontrar uma questão lógica para esse tratamento diferenciado.

IHU On-Line – Para o senhor, o que está por trás dessa disputa travada entre o STF e a Polícia Federal?

Douglas Fischer – Eu não diria que está sendo travada uma disputa entre esses órgãos. Eu acredito que houve, na verdade, um certo imbricamento de manifestações públicas que pode nos conduzir a pensar que está havendo uma disputa. Existe uma máxima dita por aí, ainda, de que a polícia prende e o Judiciário solta, o que não procede, porque se houve a prisão de alguém foi porque um juiz determinou, salvo prisões em flagrante. Ou seja, nos casos de prisão temporária e preventiva quem dá a ordem de prisão é um juiz e só outro juiz com uma competência superior pode revogar essa decisão. Então, essa celeuma estabelecida eu creio que na verdade decorreu de manifestações de parte a parte.

IHU On-Line – Como o senhor acha que o Judiciário estará após esta operação que deflagrou a prisão de Dantas e outros políticos importantes?

Douglas Fischer – O que aconteceu nesse caso é inédito, ou seja, houve certa discussão interna muito forte, especialmente no âmbito do Poder Judiciário e em relação ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Na minha visão, o presidente do STF, neste caso, se equivocou, não pelo mérito de sua decisão, haja vista sua capacidade de decidir, diferentemente do juiz de primeiro grau. O problema é que ele não decidiu num momento oportuno. Claro que, ao mesmo tempo em que percebemos essa possível compreensão de uma fragilização do Poder Judiciário, eu também posso dizer que não acredito que ela tenha havido. Creio que o Judiciário expôs ao povo problemas que existem e precisam ser enfrentados. Espero que a partir desse fato o Judiciário se torne mais maduro do que é, porque trata-se de uma constância no nosso aprendizado. Que ele possa, então, reduzir ao máximo essas desigualdades existentes, especialmente nas questões pertinentes aos habeas corpus. Eu não estou dizendo, portanto, que não se devesse conceder liberdade a uma pessoa que esteja presa indevidamente. Se a prisão dela é indevida, que tenha a liberdade provisória no momento adequado. Espero, de qualquer modo, que esse tratamento seja conferido a todas as pessoas que estejam em situações iguais, ou seja, vamos tratá-las da mesma forma.

IHU On-Line – O desenrolar desta operação mostra certa instabilidade institucional no Judiciário brasileiro?

Douglas Fischer – Não vejo dessa forma. Eu insisto, por mais paradoxal que possa parecer tudo isso, que é da natureza do Poder Judiciário haver divergência entre a posição de juízes. A meu ver, o Judiciário sairá fortalecido se souber assimilar bem as conseqüências dessa discussão travada. Há uma estabilidade institucional democrática e a população não precisa se preocupar quanto a isso.

IHU On-Line – O que tem de diferente neste caso em comparação a outros casos que a Polícia Federal investiga?

Douglas Fischer – A circunstância específica é de que se trata de um caso envolvendo pessoas do alto seio da sociedade brasileira e uma grande quantidade de dinheiro investigado e de desvio, supostamente, o que está demonstrado até o momento. Ou seja, o caso diz respeito a uma tentativa de corrupção, no valor de um milhão de reais, para barrar uma investigação criminal. Nós temos uma investigação bastante importante na medida em que estamos apurando os fatos que não são os do dia-a-dia, aos quais nos acostumamos a ver. Não que os crimes comuns não devam ser julgados, mas a lesividade trazida por esta investigação demonstra que estamos lidando com um caso extremamente relevante pelo prisma dos valores envolvidos, merecendo, por isso, uma atenção específica.