"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, setembro 18, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 18/09/07

Fracassa a luta mundial contra a desertificação

A 8ª Convenção da ONU contra a desertificação, realizada em Madri de 3 a 15 de setembro, termina sem avanços. O Japão foi responsável pelo fracasso das negociações em torno da aprovação do orçamento. A reportagem é de Álvaro de Cózar e publicada no El País, 16-09-2007. A tradução é do Cepat.

Fracasso absoluto. A 8ª Convenção da ONU contra a desertificação terminou no sábado passado sem que os países reunidos durante 13 dias chegassem a um acordo em relação a quanto dinheiro colocar na mesa para fazer frente à deterioração dos ecossistemas. O culpado é o Japão, que, na última hora, bloqueou as negociações e vetou o incremento do orçamento esperado. A desertificação afeta a subsistência de 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo.

A 8ª Convenção da ONU contra a desertificação começou em 3 de setembro com discursos esperançosos e o desejo de que servisse como ponto de inflexão para solucionar um fenômeno que destrói os solos de uma terça parte do planeta. Nada disso ocorreu. Depois de 13 dias de conversas, dois mil assistentes, 191 países, conferências, traslado de especialistas, diplomatas, folhetos informativos, declarações, entrevistas coletivas, almoços, e, apesar disso (tudo isso com um gasto de “4 milhões de euros”, segundo a ministra do Meio Ambiente, Cristina Narbona), o máximo a que os 191 países membros chegaram foi acordar um plano estratégico para os próximos dez anos.

O sim para o plano era o mínimo a que a Convenção aspirava. O texto foi redigido de antemão e no começo do encontro todos os países o davam como satisfatório. O problema é que o plano carece de orçamento e, portanto, segundo os ecologistas que acompanharam a convenção durante as duas semanas, não é uma boa arma para solucionar o problema. As organizações conservacionistas WWF/Adena, Greenpeace e Ecologistas em Ação qualificaram os resultados de “fracasso”.

O principal responsável por esse final foi o Japão. Os delegados japoneses se opuseram até altas horas da madrugada ao aumento de 5% que a Espanha pleiteava e que, a duras penas, os Estados Unidos haviam aceitado, outro país que oferecia mais resistências. O aumento de 5% era baixo, não só porque os países pobres pediam entre 15% e 20%, mas porque a cifra sobre a qual se calcula esse aumento é de 17 milhões de euros, uma quantidade insignificante para os orçamentos administrados pela ONU normalmente.

A ministra do Meio Ambiente, Cristina Narbona, lamentou o veto do Japão e explicou que ainda há uma possibilidade de desbloquear a situação durante o período de seções da Assembléia das Nações Unidas que acontecerá em Nova York. “Lamento que o Japão tenha bloqueado o orçamento, mas espero que se resolva logo a situação. Ficamos com um sabor agridoce”, comentou a este jornal. Para a ministra, a parte doce da convenção, foi o visto bom ao plano estratégico. É um sinal verde para os próximos dez anos que facilitará o incremento de contribuições voluntárias dos países desenvolvidos para atuar contra os processos de erosão e fertilidade de solos”, concluiu.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/09/07

O caráter do desenvolvimento econômico brasileiro. A análise de Maria Conceição Tavares


A economista Maria da Conceição Tavares proferiu a aula inaugural no curso “Desenvolvimento Brasileiro”, organizado pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. A aula proferida no dia 28 de agosto de 2007, versou sobre o caráter do desenvolvimento econômico brasileiro. Maria da Conceição Tavares, nascida em Portugal, é uma das economistas de maior influência sobre o pensamento econômico brasileiro desde os anos 60, em especial o heterodoxo. A sua produção acadêmica caracteriza-se pelo estudo do desenvolvimento de países periféricos a partir da matriz cepalina.

Na aula apresentada no Centro Celso Furtado a economista discorreu sobre o caráter estrutural do desenvolvimento brasileiro. A análise incorpora a crise de 1930 até à crise dos 1980 e a partir daí a ruptura com o modelo desenvolvimentista. Conclui a aula com os possíveis cenários do desenvolvimento brasileiro.

Apresentamos na seqüência uma síntese da aula apresentada pela Profª Drª Maria da Conceição Tavares. A íntegra do texto pode ser acessada no sítio do Centro Celso Furtado.

Eis a síntese.

Caráter estrutural do desenvolvimento brasileiro. Urbanização e industrialização descompassadas

A urbanização e industrialização não correspondem a um mesmo movimento, apesar de serem coetâneos entre 1950 e 1980. Segundo a profª Conceição Tavares, o movimento da industrialização pesada de 1950/80 se dá localizado, fundamentalmente, em São Paulo e, posteriormente, transborda para Minas Gerais (siderurgia e metal-mecânica). A economista destaca que o Rio de Janeiro não acompanha o ritmo da industrialização de São Paulo e Minas Gerais e posteriormente a partir da década de 80 se desendustrializa (crise da industria naval e metal-mecânica em geral).

Já o movimento da urbanização, segundo Conceição Tavares, no mesmo período se deve a migrações rural-urbanas para as capitais dos estados da Federação, que leva à formação de outras metrópoles além do Rio e São Paulo. Segundo ela, a partir da década de 50, as condições do campo, sem reforma agrária e com baixo dinamismo agrícola até a década de 70 (começo da expansão vigorosa do agrobusiness, com apoio do crédito do Banco do Brasil, na nova fronteira agrícola aberta pelos grandes eixos rodoviários construídos de 60 em diante).

Assim, de acordo com a economista, a interiorização do desenvolvimento no Brasil foi, principalmente, da grande agricultura capitalista (a começar pelos cerrados) na direção do Centro-Oeste. Destaca ainda que a construção de Brasília e dos eixos rodoviários ajudou, sobretudo, os grandes construtores e grandes negócios agro-pecuários e facilitou as migrações rurais urbanas, criando novas cidades com população flutuante e depois marginalizada em cidades satélites.

Resolver o problema do atraso industrial num capitalismo industrial tardio foi possível graças aos dois ciclos de industrialização pesada: o Plano de Metas e o II PND, destaca a economista. Mas – diz ela - dados os deslocamentos de população e sua marginalização em ‘mercados informais’ de trabalho nas cidades e no campo (bóias frias), não resolveu o problema do subdesenvolvimento com má distribuição de renda e provocou um aumento gigantesco da pobreza urbana.

A interpretação da professora coincide com o que muitos autores chamam de modernização conservadora, ou seja, a percepção de que o país cresceu economicamente, porém concentrando renda.

Os agentes do desenvolvimento desde a crise de 30 até à crise dos 80. A formação do tripé

Maria Conceição Tavares destaca que foram, num primeiro momento, nos dois governos Vargas que se deu a construção do Estado Nacional Desenvolvimentista e as políticas trabalhistas e de Seguridade Social. Ao mesmo tempo, comenta, se deu o rearranjo do pacto oligárquico; o surgimento da burguesia industrial paulista; e a importância crescente de construtores e bancos comerciais. A burocracia política passou a operar fortemente no Rio de Janeiro, enquadrando pelo poder central o velho pacto oligárquico rearranjado regionalmente.

Segundo ela, o up grade do desenvolvimentismo nacional ocorre, sobretudo a partir da assessoria de Vargas de 1950/54 que propôs, além do Plano de Reaparelhamento Econômico (Lafer), a criação de vários grupos executivos entre os quais o da automobilística (Alm. Lúcio Meira). Tem-se ainda criação do BNDE e da PETROBRAS - os últimos agentes públicos do Desenvolvimento criado pelo 2º Vargas. A expansão da Vale do Rio Doce e a criação efetiva da Eletrobrás, etc. só se dão mais tarde, comenta a economista.

O segundo momento de forte expansão do desenvolvimento nacional, segundo Maria Conceição Tavares, acontece com o governo JK a partir da formação do tripé Estado, Empresas Estrangeiras e Empresas Nacionais. Porém, a economista chama a atenção para o fato de que a partir de JK e de seu Plano de Metas, a burguesia nacional industrial torna-se a perna fraca dos agentes da industrialização, aceitando a divisão de trabalho imposta pelos grupos executivos do BNDE e a entrada de novas filiais das empresas estrangeiras, sobretudo européias e japonesas.

As filiais, em sua opinião, são as empresas líderes da implantação das indústrias de material elétrico e de transportes restando para as nacionais as tarefas de complementação na indústria metal-mecânica e para as empresas estatais a indústria siderúrgica e de petróleo.

Por outro lado, destaca Conceição Tavares, o Estado é responsável direto pelos planos de infraestrutura, de energia e logística, mas os grandes investimentos em construção pesada dão lugar ao surgimento de grandes construtoras nacionais, mineiras e paulistas o BNDE é o grande banco público financiador do investimento (público e privado nacional). A expansão do crédito comercial (que acompanha o ciclo de expansão) estimula o crescimento dos grandes bancos privados mineiros, cariocas e paulistas – que mais tarde no início da década de 70 (Delfim Netto) se transformam em conglomerados bancários nacionais. Conceição chama a atenção para o fato de que não se registra a entrada de capital financeiro estrangeiro no setor bancário ou financeiro somente no investimento direto de filiais estrangeiras (facilitado pela Instrução 113, de 1955 e não revogada por JK).

Assim, destaca ela, a rigor, o “capitalismo associado” entre o capital nacional e estrangeiro de que fala FHC em sua versão da Teoria da Dependência dá-se sobretudo na indústria. A grande burguesia nacional (construtores e banqueiros) ou está associada ao Estado ou se fortalece no caso do setor financeiro (e assim permanece até hoje). A expansão dos grandes empórios comerciais também continua em mãos de nacionais, praticamente até o neoliberalismo da década de 90.

O período militar e o desenvolvimento brasileiro. Capitalismo de Estado?

Além dos dois períodos anteriores – Vargas e JK – o rastro do desenvolvimento brasileiro encontra um terceiro período, identificado pela economista como o sendo da década de 70: da dupla Delfim – Geisel. Destaca que, passadas as tendências liberais e a etapa reformista do período Bulhões/Campos, no regime militar os agentes do desenvolvimento continuam a distribuir-se no Tripé com as seguintes modificações:

Reforço dos segmentos nacionais: bancos, construtoras, empresas industriais de insumos e grandes empresas agrícolas (agro-business, Pro-álcool).

• Reforço dos segmentos estrangeiros já existentes, ampliação para novos setores da indústria química (petroquímica e fármacos) papel e celulose e equipamentos de telecomunicação.

• No setor Estatal, há o reforço do papel do BNDES com a criação do PIS/PASEP e a reorganização das empresas estatais com a criação institucional de novas agências públicas: Sidebrás, Telebrás, Nuclebrás, etc.

Na verdade, comenta Conceição Tavares, no governo Geisel, com o II PND, a estatização avança a passos largos dando lugar a protestos das empresas nacionais, sobretudo paulistas. No entanto, diz ela, apesar do aumento do peso estatal na organização da indústria pesada, é problemático chamar ‘Capitalismo de Estado’ a este período, dado que o sistema financeiro público não participa como sujeito do processo de monopolização do capital que lhe é exterior e a ‘Ciranda Financeira’ (introduzida na década de 70) desestabiliza o papel de “articulador financeiro” do Estado.

A ruptura do modelo desenvolvimentista brasileiro de 80 em diante

Conforme Maria da Conceição Tavares a crise do "Estado Desenvolvimentista" começou na década de 80, mas foi nos anos 90 que o Brasil concentrou o grosso das políticas de abertura, desregulação, privatizações e desnacionalização industrial e bancária (com aquisições e fusões).Ressalta-se que os grandes grupos nacionais produtores de insumos, na metalurgia, de bens de capital, de construção civil e bancos não eram favoráveis nem à abertura do mercado interno, nem externo. Também não apoiavam as privatizações das estatais de energia.

Na década de 80, de acordo com Maria da Conceição Tavares, a finalização dos investimentos planejados no qüinqüênio anterior e o aumento das exportações (devido à valorização do dólar até 1985) permitiram à economia sobreviver e até animar-se com o mini-boom do Plano Cruzado. Mas a partir de 1987 explodiu a crise financeira interna e externa do Setor Público, o que fez com que o investimento público despencasse.

Entre 1987/92 o Brasil esteve praticamente em moratória e somente a renegociação da dívida externa e a abertura financeira de 1991/92 permitiram a retomada do endividamento público e privado, interno e externo. No entanto, no final de 1998, há uma nova crise cambial e de balanço de pagamentos, uma maxidesvalorização do Real e o apelo ao FMI e ao BID para empréstimos de emergência no início de 1999.

Segundo a professora, a recuperação dos anos 2000 foi lenta e insegura e só em 2006 é que parece ter-se configurado uma possibilidade nova de crescimento com estabilidade macroeconômica. Mas, é óbvio que com a política de juros altos e câmbio sobrevalorizado (mantida pelo governo Lula) continuou a abertura às importações e ao capital financeiro especulativo e de portfólio. Entretanto, não ocorreram novas privatizações nem desnacionalizações importantes. Também, a ampliação do crédito interno estimulou o consumo e recuperou a produção industrial.

Mas, os estrangulamentos em infra-estrutura estão difíceis de superar e os PAC's ainda não deslancharam o suficiente para implicar uma nova onda de investimento autônomo do governo. A Petrobrás é a rigor a única exceção relevante.

Para onde vamos?

A professora Maria Conceição Tavares conclui a sua aula inaugural no Centro Celso Furtado especulando sobre a perspectiva do desenvolvimento brasileiro daqui para frente.

Comenta que quanto a um novo modelo de desenvolvimento não está nada claro do que se trataria, uma vez que a inserção internacional dinâmica já parece ter-se completada. É evidente que não será um regresso a um novo modelo primário exportador, até porque as exportações do agro-business não se expandiram mais do que as de manufaturas, as quais já datam da década de 70.

Em sua análise, a desindustrialização e a desnacionalização dos bancos ocorrida na década de 90 não prosseguiu. O aumento violento das importações deve-se tanto à alta elasticidade dos bens de capital importados (característica cíclica estrutural das nossas importações) como, no que se refere a bens de consumo e outros, à valorização do Real, superior à própria desvalorização do dólar no mercado internacional. A indústria e o mercado interno estão se recuperando, mas não está claro se trata-se ainda de um ciclo curto de expansão.

Conceição Tavares é otimista. Para ela, a atual inserção internacional dinâmica do Brasil como “global trader” lhe é favorável para minorar os possíveis impactos da desaceleração da economia americana. As reservas financeiras (tanto do Tesouro como do BACEN) devem ser suficiente para evitar a vulnerabilidade externa de uma nova recessão americana mas apenas se ela for passageira.

Porém, comenta que os distintos caminhos percorridos pela economia global e pelo Brasil, não são necessariamente convergentes (nem no plano interno, nem externo) e não configuram nenhuma trajetória “sustentável” na acepção plena do termo. A rigor nem o “clássico Tripé” está rearticulado e nem a “desnacionalização”, nem a "internacionalização” de nossas empresas garante resultados eficazes para o crescimento de longo prazo. Afinal não estamos nem no passado nem o nosso futuro é tornarmo-nos “asiáticos”.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/09/07

Jovens de classe média espancam índio até a morte

Um índio da aldeia xacriabá foi espancado até a morte por três jovens de classe média, entre eles dois menores de idade, na madrugada de anteontem, na cidade de Miravânia, no norte de Minas. Segundo informações da Polícia Civil, Avelino Nunes Macedo, de 25 anos, foi seguido depois de sair de uma festa realizada em um ginásio. As agressões foram motivadas por um simples 'esbarrão' ocorrido durante uma festa. A polícia comparou o caso com a morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, há dez anos. Responsáveis por organizações indigenistas da região temem que o clima na aldeia fique 'tenso', após o crime. A reportagem é de Eduardo Kattah e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 17-09-2007. A notícia também pode ser lida no jornal Folha de S. Paulo, 18-09-2007.

Os agressores confessaram o ataque, mas alegaram que não tinham a intenção de matar a vítima. Disseram que queriam apenas dar um 'susto' no índio e 'deixá-lo nu'. Eles admitiram que haviam feito uso de bebidas alcoólicas. O entregador Edson Gonçalves, de 18 anos, foi preso em flagrante e se encontra à disposição da Justiça. Os dois menores foram encaminhados para o Ministério Público e tiveram a apreensão provisória solicitada. Um quarto jovem foi inocentado pelos colegas e liberado pela polícia.

De acordo com o delegado do município de Manga, Airton Alves Almeida, os três foram autuados por homicídio qualificado, agravado por motivo fútil. 'O índio deu um esbarrão natural em um dos menores. Então, na saída, resolveram atacar. Não tem explicação, parece o caso do índio Galdino.'

O xacriabá tentou reagir, mas foi derrubado e agredido a pauladas, socos e pontapés. Almeida ainda não descarta 'preconceito étnico' por parte do trio. A vítima não portava nenhuma faca ou objeto que pudesse ameaçar os agressores.

Manoel Rocha, administrador substituto da Executiva Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Governador Valadares (MG), tratou o assassinato como uma 'molecagem' e um 'caso isolado'. Segundo ele, a procuradoria do órgão irá agora 'tomar as providências cabíveis'.

O coordenador da Regional Leste (Minas, Espírito Santo e sul da Bahia) do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Wilson Mário Santana, teme que o caso aumente a violência na região. 'A comunidade é grande e a situação pode ficar tensa.'

Segundo o Cimi, cerca de 8 mil xacriabás vivem no norte do Estado, numa área estimada de 54 mil hectares. Com base em uma documentação de doação datada da primeira metade do século 18, eles reivindicam a ampliação do território, o que causa atritos com fazendeiros da região. No fim dos anos 80, três líderes foram assassinados durante o mais recente conflito fundiário.

De acordo com Nilton Seixas, responsável pelo Cimi em São João das Missões, o assassinato ocorreu em uma área reivindicada. 'Acho que é preciso investigar melhor essa situação. O episódio nos deu uma preocupação muito grande. Um crime que aparenta ser banal, sem nenhuma razão, ocorreu em meio a um povo que passa por um processo de muita ameaça e vive em um terço do território legítimo'.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 17/09/07

Cacciola: A bomba cai em FHC e ministro Marco Aurélio

"A prisão de Salvatore Cacciola no Principado de Mônaco é, como diria o Simão, uma buemba, buemba no colo do Farol de Alexandria e do ministro Marco Aurélio de Mello, o herói da mídia conservadora (e golpista !)."A opinião é de Paulo Henrique Amorim, jornalista, expressa no seu blog, 16-09-2007.

Eis o comentário.

Cacciola mostra as vísceras do Banco Central e do fracasso da engenharia econômica do Plano Real, quando foi obrigado a desvalorizar a moeda.

Cacciola faz voar vidro para todo lado: do presidente do Banco Central, Chico Lopes à diretora de fiscalização do banco, Tereza Grossi, que fiscalizava os bancos com a pertinácia com que a CVM fiscalizava Daniel Dantas.

Cacciola deu um golpe no Banco Central de US$ 1,5 bilhão nas barbas do Governo Fernando Henrique.

A Polícia Federal conseguiu prender Cacciola.

O ministro Marco Aurélio de Mello deu uma liminar a Cacciola e o direito de contemplar o Mediterrâneo sentado nos bares elegantes do Principado de Mônaco, ao lado de Grace Kelly.

O ministro Mello tem o hábito de fazer a Polícia Federal trabalhar em dobro e gastar o dinheiro do contribuinte em dobro.

Recentemente, na Operação Furação, a Polícia Federal prendeu três bicheiros do Rio.

Marco Aurélio de Mello mandou soltá-los, porque não se configurava, segundo ele, na sua linguagem empolada, uma ação “delitiva”.

A Polícia Federal teve que voltar à Justiça para conseguir prender os três, de novo, flagrados em ação “delitiva”.

Se Cacciola abrir o bico, urubu vai voar de costas em Niterói, como diria Estanislau Ponte Preta.

Depois da liminar concedida pelo ministro Mello, a Polícia Federal expediu uma "difusão vermelha".

Isso significa que a Interpol no mundo inteiro poderia prender Cacciola.

Se Cacciola tivesse sido preso na Itália, não teria sido possível pedir a sua extradição.

A Itália e o Brasil não extraditam nacionais, e Cacciola é cidadão italiano.

Felizmente, Cacciola foi ao Principado de Mônaco e de lá pode ser extraditado.

Agora, o Ministério Público e o Ministério da Justiça vão pedir a extradição dele e a Justiça de Monte Carlo vai julgar.

Se for extraditado, sempre haverá a possibilidade de o Supremo soltá-lo de novo.

Em tempo: sobre esse período de glória do Plano Real, recomenda-se a leitura de "Os Cabeças-de-Planilha", de Luís Nassif.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/09/07

Multimistura x Nestlé

“O multimistura é um programa que não existe mais”, informa a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde. Clara Takaki Brandão, a nutricionista que criou o composto largamente utilizado pela Pastoral da Criança acusa o governo: “A multimistura começou a ser excluída da merenda escolar para abrir espaço para o Mucilon, da Nestlé. A reportagem que destaca a troca mistura nutricional por produtos industrializados é da revista IstoÉ, nas bancas nesse final de semana.

Eis a reportagem.

A cena foi comovente. O vice-presidente José Alencar preparava-se para plantar uma árvore em Brasília quando foi abordado por uma nissei de 65 anos e 1,60 m de altura. Era manhã da quinta-feira 6. A mulher começou a mostrar fotografias de crianças esqueléticas, brasileiros com silhueta de etíopes, mas que tinham sido recuperadas com uma farinha barata e acessível, batizada de “multimistura”.

Alencar marejou os olhos. Pobre na infância no interior de Minas, o vice não conseguiu soltar uma palavra sequer. Apenas deu um longo e apertado abraço naquela mulher, a pediatra Clara Takaki Brandão. Foi ela quem criou a multimistura, composto de farelos de arroz e trigo, folha de mandioca e sementes de abóbora e gergelim.

Foi esta fórmula que, nas últimas três décadas, revolucionou o trabalho da Pastoral da Criança, reduzindo as taxas de mortalidade infantil no País e ajudando o Brasil a cumprir as Metas do Milênio. E o que a pediatra foi pedir ao vicepresidente? Que não deixasse o governo tirar a multimistura da merenda das crianças. Mais do que isso, ela pediu que o composto fosse adotado oficialmente pelo governo. Clara já tinha feito o mesmo pedido ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão – mas ele optou pelos compostos das multinacionais, bem mais caros. “O Temporão disse que não é obrigado a adotar a multimistura”, lamenta Clara.

Há duas semanas a energia elétrica da sala de Clara dentro do prédio do Ministério da Saúde foi cortada. Hoje, ela trabalha no escuro. “Já me avisaram que agora eu estou clandestina dentro do governo”, ironiza a pediatra. Mas ela nem sempre viveu na escuridão. Prova disso é que, na semana passada, o governo comemorou a redução de 13% nos óbitos de crianças entre os anos de 1999 e 2004 – período em que a multimistura tinha se propagado para todo o País.

Desde 1973, quando chegou à fórmula do composto, Clara já levou sua multimistura para quase todos os municípios brasileiros, com a ajuda da Pastoral da Criança, reduto do PT. Os compostos da multimistura têm até 20 vezes mais ferro e vitaminas C e B1 em relação à comida que se distribui nas merendas escolares de municípios que optaram por comprar produtos industrializados. Sem contar a economia: “Fica até 121% mais caro dar o lanche de marca”, compara Clara.

Quando ela começou a distribuir a multimistura em Santarém, no Pará, 70% das crianças estavam subnutridas e os agricultores da região usavam o farelo de arroz como adubo para as plantas e como comida para engordar porco. Em 1984, o Unicef constatou aumento de 220% no padrão de crescimento dos subnutridos. Dessa época, Clara guarda o diário de Joice, uma garotinha de dois anos e três meses que não sorria, não andava, não falava. Com a multimistura, um mês depois Joice começou a sorrir e a bater palmas. Hoje, a multimistura é adotada por 15 países. No Brasil só se transformou em política pública em Tocantins.

Clara acredita que enfrenta adversários poderosos. Segundo ela, no governo, a multimistura começou a ser excluída da merenda escolar para abrir espaço para o Mucilon, da Nestlé, e a farinha láctea, cujo mercado é dividido entre a Nestlé e a Procter & Gamble. “É uma política genocida substituir a multimistura pela comida industrializada”, ataca a pediatra.

A coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns, reconhece que a multimistura foi importante para diminuir os índices de desnutrição infantil. “A multimistura ajudou muito”, diz. “Mas só ela não é capaz de dizimar a anemia; também se deve dar importância ao aleitamento materno.” ISTOÉ procurou as autoridades do Ministério da Saúde ao longo de toda a semana, mas nenhuma delas quis se pronunciar. “O multimistura é um programa que não existe mais”, limitou-se a informar a assessoria de imprensa.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/09/07

Que sentido tem a palavra socialista no século 21? A reflexão de Anthony Giddens

O socialismo era filho da sociedade industrial e hoje vivemos numa sociedade (globalizadora) pós-industrial, com uma composição de classes sociais diversa com dinâmicas por sua vez diversas. A opinião é do sociólogo Anthony Giddens. Segundo ele, “não podemos mais definir a esquerda em termos de luta da classe trabalhadora: a classe trabalhadora está cada vez mais se contraindo”.

Giddens em artigo para o La Repubblica, 04-09-2007, defende a proposta que a esquerda precisa se modernizar, “delinear políticas que nos permitam adaptar-nos a um mundo diverso daquele do passado, um mundo no qual o principal motor de mudança é a irradiante globalização”. Giddens é autor, entre outros, do livro Modernidade e Identidade (Jorge Zahar Editor, 2002)

Eis o artigo.

Participei recentemente em Paris de uma convenção dos ‘Gracques’, um respeitado grupo da esquerda francesa, formado por ex-dirigentes públicos de alto nível, embaixadores e outros personagens de destaque. Em linha maior trata-se de um grupo progressista, interessado em liderar a esquerda do novo século, tarefa muito mais difícil na França do que na maioria dos outros países, a partir do momento em que, na França, a esquerda permaneceu mais tradicional do que alhures. Muitos continuam a manter objetivos primários da esquerda, rejeitar as forças da globalização, opor resistência à americanização e manter como estão os sistemas do welfare, ao invés de reformá-los.

Declarei que suas políticas são hoje quadridimensionais. A divisão entre esquerda e direita ainda é significativa. Na esquerda qualquer um crê no progressismo, na capacidade de plasmar a História para melhor, na solidariedade por uma sociedade da qual ninguém seja excluído: na igualdade e, por isso, na redução das desigualdades, a fim de que, por reflexo, a sociedade se beneficie em seu complexo e, enfim, no fato de que as instituições públicas ou estatais sejam indispensáveis para perseguir estes objetivos. Não obstante, num mundo em rápida evolução existe uma outra dimensão de grande importância, aquela que vê contrapostas a modernização e o conservadorismo. Modernizar significa delinear políticas que nos permitam adaptar-nos a um mundo diverso daquele do passado, um mundo no qual o principal motor de mudança é a irradiante globalização.

Não necessariamente podemos ainda hoje identificar a direita política com o conservadorismo: de fato há modernizadores de direita e Sarkozy é o principal exemplo. O futuro da esquerda – assim dei a entender à convenção – na França, mas também em geral, depende de ela saber abraçar a modernização, ou, em outras palavras, de saber conceber e programar políticas que nos ajudem a preservar e melhorar os valores de centro-esquerda na época da globalização. Temos a obrigação de persuadir os conservadores da esquerda – aqueles que de nenhum modo se destacariam das teorias e doutrinas concebidas para uma época passada – a enveredar por uma direção modernizadora.

No que me diz respeito, não vejo problemas que na esquerda alguns continuem a dizer-se socialistas, embora reconheça que hoje esta palavra é uma simples etiqueta para enfileirar-se à esquerda. O socialismo enquanto tal, em todo caso, é um projeto sepultado enquanto ele se baseava na idéia de que uma economia regulada pudesse substituir os mecanismos de mercado, regendo-se pela tese de que o capitalismo poderia ser superado por um modelo de sociedade profundamente diverso. O socialismo era filho da sociedade industrial, enquanto, ao invés disso, vivemos hoje numa sociedade (globalizadora) pós-industrial, com uma composição de classes sociais diversa e dinâmicas por sua vez diversas. Não podemos mais definir a esquerda em termos de luta da classe trabalhadora: a classe trabalhadora está cada vez mais se contraindo. A esquerda deve hoje olhar para além de seus fatores de longa data. A esquerda pode ter sucesso somente como “centro-esquerda”.

Minhas idéias foram positivamente acolhidas na convenção. Também outros oradores falaram com argumentos muito semelhantes e no mesmo teor. Um deles foi o prefeito de Roma, Walter Veltroni, que desencadeou um escarcéu sustentando que a Internacional Socialista deveria ser modernizada no mesmo padrão das esquerdas internas de diversos países. A história da IS sintetiza a evolução da esquerda com suas continuidades, mas também com suas rachaduras internas. Foi fundada mais ou menos em torno do início do século vinte e se tornou veículo do “socialismo democrático”, ou então, à corrente daqueles que auspiciavam a afirmação do socialismo através do processo democrático, antes do que com a intervenção de uma revolução. A IS foi dissolvida durante a Primeira Guerra Mundial, refundada e novamente cindida em fragmentos distintos. Existe, como é estruturada hoje, desde 1951 e lhe são filiados em torno de 16, entre partidos socialistas e social-democráticos.

Na carta, a Internacional Socialista é muito ativa. Em sua carta constitutiva declara querer ocupar-se de todas as problemáticas e dilemas de fundo da sociedade hodierna. É composta por uma multiplicidade de grupos de trabalho e freqüentemente envia missões e delegações a várias regiões do planeta. Alguns dos mais ilustres líderes de centro-esquerda de anos passados se tornaram presidentes, entre eles Willy Brandt, Pierre Mauroy e Antonio Guterres. Na prática, todavia, apesar de recentes relações e estudos atualizados e detalhados, tem pouca influência. Seu orçamento anual está na ordem aproximada do milhão e meio de euros, com o qual deve cobrir todos os seus custos de gestão. A maioria dos europeus talvez jamais tenha ouvido falar dela. Estando assim as coisas, não há nenhuma comparação com os objetivos originais da organização, que se propunha nada menos do que o triunfo do socialismo em escala internacional.

Veltroni sugeriu mudar o nome da Internacional Socialista e, ao mesmo tempo, renovar e melhorar a missão. A IS poderia ser relançada com o nome de “Associação dos Social-democratas”, por exemplo, ou com outro nome semelhante. Na IS subsiste atualmente uma definição antes dogmática do que “socialista” e “social-democratica”, com base na qual se decide que partidos possam candidatar-se para uma filiação efetiva. Isto é um dos motivos que explica sua reduzida influência. O mais importante partido de centro-esquerda do País mais poderoso do mundo, o Partido Democrata dos Estados Unidos, não tem direito de filiação. O único partido americano filiado à IS é o pequeno partido dos Democratic Socialists of América. Nem sequer o Congress Party indiano, país que conta com mais de um bilhão de habitantes, tem direito de fazer parte dele na qualidade de membro.

Vê-se claramente que a sugestão de Veltroni é, de certa maneira, de seu próprio interesse: o novo Partido Democrático Italiano em via de criação, composto de diversos ex-partidos da esquerda, poderia, com efeito, encontrar-se excluído da IS. Não obstante, é correto dizer que nesta proposta é posto em jogo algo decididamente mais importante. Estamos de acordo com a proposta de Veltroni: A Internacional Socialista deve reformar-se e modernizar-se em seu próprio interesse. “Socialismo” e “socialista” são termos, como já tive ocasião de dizer, hoje essencialmente carentes de significado. Seguramente, não há motivo para insistir nas linhas de demarcação entre partidos progressistas que contêm em sua própria denominação os termos “socialista” e “social-democrata”, e entre estes e aqueles outros que precisamente não os têm. Uma mudança de nome, junto a uma renovada modalidade de filiação, em si e por si não conduziriam a IS à ribalta, dando-lhe maior influência em nível global, mas seria pelo menos um início.

Para ler mais:

O novo paradigma da globalização. O deslocamento do trabalho. Artigo de Anthony Giddens

Para onde vai o mundo? Entrevista com Anthony Giddens

Vivemos o século pós-socialista, constata Anthony Giddens

Instituto Humanitas Unisinos - 15/09/07

Surto agressivo do Ebola mata 169 pessoas no Congo

Um agressivo surto do vírus Ebola foi identificado como a causa da morte de 169 pessoas, de um total de 372 infectadas (45%) desde o mês de junho, segundo as análises encomendadas pelas autoridades sanitárias da República Democrática do Congo, que já decidiram pôr em quarentena as duas áreas afetadas, Mweka e Luebo, situadas na região de Kasanga, no sul do país, com mais de 200 mil habitantes. A notícia é do El País, 13-09-2007.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a situação se complicou porque junto com a febre hemorrágica, altamente contagiosa, letal e por enquanto incurável, se apresentaram casos de disenteria, que tem os mesmos sintomas nas fases iniciais da doença, o que dificulta o trabalho de diagnóstico. A OMS, que pediu o apoio internacional para controlar o surto, enviou pessoal extra e equipamento de saúde para a região, assim como a ONG Médicos Sem Fronteiras.

De acordo com a OMS, o Ebola mata entre 40% e 90% da população afetada. Não é a primeira vez que o Congo enfrenta o vírus: em 1995, cerca de 250 pessoas morreram. Desde que se descobriu o vírus, a febre hemorrágica já matou 1.200 pessoas (de 1.850 casos registrados). Apesar de se desconhecer sua origem, limita-se às áreas da selva tropical da África Central e do Pacífico Oriental e se acredita que os morcegos, resistentes ao vírus, sejam os que o mantêm nas florestas tropicais.

O contato com os cadáveres pode ter um papel importante na transmissão da doença, e, de acordo com as autoridades de saúde do Congo, foi esse o caso no atual surto: o vírus foi transmitido para um chefe local, agricultor e caçador, através do contato com algum animal infectado. O processo de lavar um cadáver e prepará-lo para o enterro é um longo ritual no Congo, e a grande maioria dos que participaram do enterro do chefe, em 8 de junho, ficou infectada e acabou morrendo.

Por enquanto as autoridades estão isolando os possíveis doentes, ou aqueles que entraram em contato com doentes, em grandes edifícios anteriormente desinfetados, e médicos especialmente treinados controlam sua evolução durante 21 dias (período em que um indivíduo infectado deveria mostrar sintomas da doença).

A Cruz Vermelha se mobilizou para agilizar o enterro dos cadáveres, o que evitará maior risco de contágio. Os técnicos da OMS em Kinshasa confiam que todas essas medidas, junto com a chegada de um epidemiologista e de um virologista à região, que vão ajudar no processo de análises, contribuirão para que a situação seja controlada em pouco tempo.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/09/07

O dragão chinês na lógica global. Um artigo de Gilberto Dupas

Até aqui o estonteante crescimento chinês foi benéfico para a economia mundial, em especial para os países da periferia condenados a exportar produtos básicos. A grande questão é saber se este ritmo acelerado irá se manter. A opinião é do coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), Gilberto Dupas em artigo para o jornal O Estado de S.Paulo, 15-09-2007.

Eis o artigo.

Há razões de sobra para dúvidas sobre o futuro da China como protagonista na nova ordem - ou desordem - global. Responsável por boa parte do crescimento dos mercados mundiais dos anos recentes, o casamento estratégico da China com os EUA fez disparar o preço das matérias-primas, enquanto gerava reservas internacionais em dólares que sustentaram o gigantesco déficit norte-americano.

Agora, com o estouro de parte da bolha imobiliária que sustentava altas taxas de consumo naquele país, resta descobrir: se a demanda endógena chinesa, somada à da Índia, será suficiente para manter elevado o crescimento mundial, ou se ele se acomodará num patamar mais baixo; e se o estouro do final de junho já fez o ajuste ou outras bolhas maiores explodirão. Já que ninguém pode garantir boas respostas, teremos de viver de especulações, incluindo saber - no caso de um agravamento - se o sistema global consegue continuar socializando os prejuízos entre os jogadores menores, enquanto sustenta os grandes bancos.

Até aqui o estonteante crescimento chinês foi benéfico para a economia mundial, em especial para os países da periferia condenados a exportar produtos básicos. Nestes seis últimos anos, os preços das principais commodities metálicas (níquel, cobre, alumínio e zinco) haviam subido em média 250%; os das energéticas (gás, petróleo e carvão), 100%; e os das agrícolas (milho, soja, açúcar e café), 60%. Isso tinha sido suficiente para garantir um crescimento médio das exportações de Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Peru e Venezuela de 150%; o que permitiu um aumento das reservas internacionais de Argentina, Brasil e Venezuela ao redor de 120%, transformando vários países da América Latina de devedores em aplicadores líquidos de recursos no exterior. Será que a festa acabou? Ficamos muito a depender de como se comportará a China no médio e longo prazos.

No artigo Impasses na lógica global?, que escrevi para esta página em dezembro, eu alertava para as dificuldades de China e Índia manterem as trajetórias atuais de altíssimo crescimento. Supondo que essas duas nações apenas pretendessem atingir, em dez anos, um padrão de vida equivalente à média atual do Brasil e do México, países ainda pobres, eu mostrava que seria necessário a economia global gerar um PIB adicional no período próximo de US$ 12 trilhões (28% do total), ou seja, equivalente ao atual dos EUA; o que provocaria um impacto brutal em recursos naturais, matérias-primas, poluição ambiental e efeito estufa em nível planetário. Não podemos esquecer, também, a possibilidade de graves tensões sociais e políticas na própria China. Imagine-se, então, se aceitarmos alguns delírios que andam por aí.

Em ensaio preparado para o National Bureau of Economic Research em junho, Robert Fogel - diretor de centro de pesquisa da Universidade de Chicago - projeta, a partir de metodologia que considero equivocada, seu cenário provável para 2040: PIB (em PPPs - Purchase Power Parity) da China em US$ 123 trilhões; dos EUA, em US$ 42 trilhões; e da União Européia, em apenas US$ 15 trilhões. Isso significaria uma China brutalmente hegemônica, com 40% do PIB global, e uma decadência plena da Europa. China mais Índia e Sul da Ásia (exceto Japão) seriam então 64% da economia do mundo! São os absurdos a que levam projeções de longo prazo contendo vícios de origem.

No outro extremo, há céticos radicais que iniciam por considerar uma falácia as atuais estatísticas oficiais chinesas. Lester Thurow, aplaudido professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em artigo aqui publicado há 20 dias, garante que o crescimento real da China tem sido entre 4,5% e 6%, e não de 10%. E conclui, com convicção, que somente o século 22 talvez seja o da China.

Vê-se, assim, como as análises sobre a China são contraditórias e mostram baixa compreensão sobre as razões do “milagre chinês”. Critica-se o “arremedo de democracia” do país - comparada aos “padrões ocidentais” - e um Estado centralizador e autoritário. Em relatório recente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que o maior obstáculo para a China ser uma força global em ciência e tecnologia é o predomínio estatal em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Mas reconhece os impressionantes avanços desde os anos 1970 que dão aos chineses o segundo lugar em pesquisas inovadoras, apenas atrás dos EUA.

Um bom sintoma desses avanços são as espantosas revelações de que hackers a serviço do Exército de Libertação do Povo estariam invadindo sistemas-chave sensíveis dos governos norte-americano, alemão e britânico. Como se vê, são justamente o Estado e a política chineses - com suas idiossincrasias - que fazem possível até aqui o grande fenômeno de crescimento e de inovação; e permitem manter sob controle uma massa enorme de “novos miseráveis com telefone celular”, entretidos pela possibilidade remota de uma ascensão social. O filme Em Busca da Vida, de Jia Zhang-Ke, é um precioso ensaio impressionista sobre essa delicada questão.

A China é, pois, um gigantesco “dragão equilibrista” que tanto pode chegar ao fim de 30 anos disputando a hegemonia mundial com os EUA como queimar com seu hálito incandescente sua própria corda, esborrachando-se no chão e espalhando tremores sísmicos intensos pelo mundo afora. O cenário intermediário mais benévolo para a economia global seria um crescimento chinês mais moderado, da ordem de uns 6% ao ano, conduzido por um Estado ainda forte e centralizador, com competência para controlar as intensas tensões políticas e sociais que o capitalismo gera, permitindo aos poucos processos democráticos mais intensos. Haja talento para conduzir um processo dessa complexidade.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/09/07

Pnad 2006. Melhoram os indicadores no mundo do trabalho

Os trabalhadores que ganham menos recuperam o rendimento que tinham há dez anos. De 2005 para 2006, os trabalhadores do Brasil tiveram um aumento de 7,2% em seus rendimentos, passando a ganhar, em média, R$ 883,00 por mês. Apesar de o crescimento não ter sido suficiente para atingir o maior valor de rendimento da série (R$ 975,00 em 1996), esse patamar mais alto foi alcançado e superado entre os 50% de pessoas ocupadas que ganhavam menos.
Esses são alguns dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados nessa sexta-feira, 14-09-2007 e que se encontram no sítio da Instituição.
A Pnad busca traçar anualmente um retrato do país. Em 2006, foram entrevistadas 410.241 pessoas, em 145.547 domicílios em todo o Brasil. A partir de outubro, cerca de 2.000 entrevistadores do IBGE vão a campo para realização da Pnad, que, em 2007, completa 40 anos. Pela primeira vez, a coleta da pesquisa será eletrônica.

Reproduzimos na seqüência uma breve síntese de indicadores na área do trabalho.

Em 2006, rendimento médio dos domicílios brasileiros era de R$ 1.687,00

O rendimento médio mensal dos domicílios com rendimento passou de R$ 1.494,00 em 2004, para R$ 1.568,00 em 2005, e R$ 1.687,00 em 2006, apresentando ganhos reais de 5,0%, em 2005, e de 7,6% em 2006. Os maiores crescimentos do rendimento domiciliar foram observados no Nordeste (11,7%) e no Norte (8,8%). No Sul e Sudeste, o rendimento médio dos domicílios cresceu 7%, enquanto o menor crescimento foi registrado no Centro-Oeste (6%).
O crescimento no Nordeste resultou em pequena redução das diferenças entre essa região e o Sudeste. O rendimento domiciliar médio do Nordeste representava, em 2005, 52,8% do rendimento do Sudeste, passando, em 2006, para 57,8%. Apesar disso, o valor real médio do rendimento domiciliar do Nordeste (R$ 1.089,00) continuava sendo o menor, enquanto no Sudeste (R$ 1.885,00) era o maior. No país, a metade inferior da distribuição (os menores rendimentos) respondia, em 2004, por apenas 15,9% do total de rendimentos; em 2005, por 16,1%; e em 2006, por 16,4%.

Aumenta o número de trabalhadores com mais de 40 anos de idade

De 2005 para 2006, o número de pessoas ocupadas cresceu 2,4% em todo o país, ou seja, entraram no mercado de trabalho mais 2,1 milhões de pessoas. Entretanto, esse crescimento foi abaixo do registrado em 2005 (2,9% em relação a 2004). A região Sudeste foi a única a apresentar variação positiva no nível da ocupação 3 (0,8 ponto percentual), sendo que, no país, o aumento entre as mulheres (de 45,3%, em 2005, para 46,8% em 2006) foi superior ao dos homens (de 68,3% para 68,2%) .
Em 2006, a participação dos trabalhadores com mais de 40 anos de idade na população ocupada aumentou 1,1 ponto percentual em relação ao ano anterior (passou de 39,0%, em 2005, para 40,1% em 2006). No Sudeste, esse aumento foi de 1,4 ponto percentual frente a 2005. Nas demais regiões, ficou em torno de 0,9 ponto percentual.
Dos quase 90 milhões de ocupados em 2006, 33,4 milhões tinham completado pelo menos o equivalente ao ensino médio (11 anos ou mais de estudo). Em um ano, a participação desse grupo na população ocupada passou de 34,5% para 37,6%. Na região Sudeste, o grupo mais escolarizado representava 45,5% da população ocupada. Nas regiões Sul e Centro-Oeste, esse percentual ficou em torno de 38,0% e, na região Norte, foi de 30,8%. Cabe salientar que nesta última região citada foi registrado o maior aumento em relação a 2005: 3,3 pontos percentuais.
Em todas as regiões, o grupo das mulheres com 11 anos ou mais de estudo representava o maior contingente na população ocupada feminina. Entretanto, para os homens, esse resultado só foi encontrado nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. A série histórica harmonizada 4 da Pnad mostra que o nível de ocupação passou de 55,0%, em 1996, para 57,0% em 2006, aproximando-se do patamar dos primeiros anos da década de 1990 (57,5% em 1992).

Atividade agrícola perde mais de meio milhão de trabalhadores em um ano

De 2005 para 2006, a participação da atividade agrícola na população ocupada caiu de 20,5% (17,8 milhões de trabalhadores) para 19,3% (17,2 milhões). Em 2004, a participação da atividade agrícola era de 21,0%, ou seja, 17,7 milhões de brasileiros estavam trabalhando no campo.
A participação da atividade agrícola na população ocupada caiu significativamente em todas as regiões. A região Nordeste, onde se concentrava o maior contingente desses trabalhadores, cerca de 7,9 milhões de pessoas, apresentou a maior queda (de 36,5% em 2005, para 33,8% em 2006), com redução de 447 mil trabalhadores. Na região Norte, a participação da atividade agrícola passou de 23,4% para 22,6% da população ocupada.
No Sul, onde a atividade agrícola tem peso expressivo, o percentual de trabalhadores também caiu, de 22,1% em 2005 para 21,2%. Por fim, a região Centro-Oeste, com cerca de 1 milhão de trabalhadores na atividade agrícola, teve queda de 17,6% para 16,4%.
No grupamento da indústria, trabalhavam, em setembro de 2006, 13,2 milhões de pessoas. Observou-se aumento de 1,7% nessa estimativa, em relação ao ano anterior. A indústria registrou aumento de contingente apenas nas regiões Sudeste (3,4%) e Centro-Oeste (8,1%).

Em 2006, para cada cinco vagas de trabalho, três eram com carteira assinada

O número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada atingiu 30,1 milhões em 2006, um crescimento de 4,7% em relação ao ano anterior e um acréscimo de 1,3 milhão de pessoas no setor formal. Esses empregados, que somavam 33,1% da população ocupada em 2005, passaram a representar 33,8% em 2006. Para cada cinco empregos criados em 2006, três eram com carteira assinada.
Em relação ao contingente de trabalhadores sem carteira de trabalho assinada (20,8 milhões em 2006), o crescimento foi de 1,8% frente a 2005, e a participação desse grupo na população ocupada ficou estável (23,2%). De 2005 para 2006, a participação dos trabalhadores por conta própria também se manteve estável, com 21,2%, que representavam 19 milhões de trabalhadores. Já a participação dos trabalhadores não-remunerados caiu para 8,7%, e havia 5,4 milhões de pessoas nessa condição.
Em 2006, verificou-se que 40,1 milhões de trabalhadores não tinham carteira de trabalho assinada, trabalhavam por conta própria e ou eram não-remunerados (23,2%, 21,2% e 6%, respectivamente, da população ocupada). Esse grupo representava mais da metade da população ocupada (50,4%), entretanto, foi reduzido em praticamente todas as regiões em relação a 2005.

Em 2006, cai o número de desocupados

Do contingente de 96,7 milhões de pessoas na força trabalho, 8,2 milhões estavam desocupadas 5 em setembro de 2006. Em relação a 2005, houve queda de 8,3% nessa estimativa, ou seja, redução de 742 mil no número de pessoas desocupadas.
A redução no número de desocupados e o aumento da população ocupada fizeram com que a taxa de desocupação 6 apresentasse retração em quase um ponto percentual, passando 9,3% em 2005 para 8,4% em 2006. À exceção da região Sul, a taxa de desocupação apresentou retração em todas as regiões. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, a queda foi superior a 1 ponto percentual. A região Sudeste apresentou a taxa de desocupação mais alta (9,6%); e a região Sul, a mais baixa (8,4%).
As mulheres são maioria na população desocupada (cerca de 57,0%), e em muitos estados esse número ultrapassa 60,0%. Por faixa etária, o contingente de desocupados estava distribuído, em 2006, da seguinte forma: de 18 a 24 anos (36,7%), de 25 a 49 anos (43,3%), de 50 anos ou mais (6,5%).

Mulheres só aumentam participação no mercado de trabalho no Sul e Sudeste

De 2005 para 2006, a força de trabalho brasileira cresceu 1,6%, que representa 97,6 milhões de pessoas economicamente ativas. A participação das mulheres no mercado de trabalho tem sido cada vez mais expressiva. Em 2006, elas somavam 42,6 milhões, e sua participação cresceu de 43,1%, em 2004; para 43,5% em 2005; e 43,7% em 2006. Houve avanços da participação das mulheres nas regiões Sudeste (de 44,2% para 44,8%) e Sul (de 44,6% para 45,0%). Já nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, não houve alteração significativa dessa participação.
Entre os homens que estavam na força de trabalho, 90,0% tinham concluído pelo menos um ano de estudo, enquanto que, para as mulheres, o percentual estimado era superior (93,0%). Amplia-se essa diferença entre homens e mulheres quando se comparam os níveis mais altos de escolaridade. Quase 43,5% delas concluíram o ensino médio (11 anos ou mais de estudo), enquanto, apenas um terço dos homens possuía esse grau de instrução.

Aumentam os números de contribuintes para a Previdência e de sindicalizados

Em 2006, 41,3 milhões de trabalhadores contribuíam para a Previdência em todo o país, ou seja, mais da metade da população ocupada não estava sob as garantias previdenciárias (51,2%). Entretanto, em todas as regiões houve aumento do número de contribuintes, sendo que, no país como um todo, o percentual dos que contribuíam, entre os ocupados, cresceu 3,7% entre 2005 e 2006, passando de 47,4% para 48,8%.
Em 1996, pouco mais de dois quintos (42,6%) dos trabalhadores contribuíam para a Previdência; em 2006, esse percentual representava quase a metade dos ocupados (49,2%).
Ainda que estejamos longe do quadro ideal, cabe ressaltar que, em 2006, a Pnad registrou a maior participação de contribuintes para o instituto de Previdência na população ocupada desde o início da década de 90.
Em 2006, havia 16,5 milhões de associados a sindicatos. Em relação a 2005, esse resultado aumentou 5,4%. Os sindicalizados representavam, em 2006, 18,6% da população ocupada, participação que se manteve praticamente estável em relação a 2005. Em 1996, a participação das pessoas sindicalizadas na população era de 16,6%.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/09/07

Um manifesto pelo silêncio: o ruído mata o pensamento

O silêncio é de ouro, admoesta o provérbio, mas então é melhor não se perguntar de que matéria é composto o alarido em que vivemos. Fazei uma experiência, chamai alguém do quarto ao lado: provavelmente não vos ouvirá, e não por sua culpa. A culpa é da grossa camada de rumor que recobre tudo o que fazemos, dizemos, pensamos. A reportagem é de Enrico Franceschini e publicada pelo jornal La Repubblica, 11-09-2007, comentando o "Manifesto" contra o ruído.

Eis a reportagem.

Os sons molestos arruínam a saúde. O Exército dos EUA adota projéteis sonoros. O livro publicado nestes dias: está em andamento uma guerra contra o indivíduo. O Financial Times relança o ato de acusação do estudioso inglês Stuart Sim. O grande mímico francês Marcel Marceau dizia: “Será que não é verdade que todos os momentos mais belos nos deixam sem palavras?” Na tradição religiosa de budistas, quackers e monges trapistas – o silêncio absoluto é a forma mais alta de consciência.

As sirenes de ambulâncias, polícia, bombeiros, o ruído de aviões, trens, automóveis, motocicletas, as furadeiras dos martelos pneumáticos, o ressoar dos compressores, o pistão de fábricas e canteiros de obras.

E depois, os rumores provocados pelos indivíduos: o televisor do vizinho, o estéreo dos filhos, o chiado irritante dos telefones, o choro desesperado de um recém-nascido em seu carrinho. A propósito: o exército americano pôs recentemente em funcionamento um arsenal de “projéteis sonoros”. São registros de crianças que choram, disparados a 140 decibéis. Um som de 45 decibéis, para se entender, impede o sono. O rumor do tráfego, ouvido por um transeunte a pé, chega aos 70 decibéis. Na quota de 85 decibéis, verifica-se um dano ao ouvido. Aos 120 decibéis, sente-se uma dor aguda nos ouvidos. Podemos imaginar-nos o que sucede aos 140!

A cacofonia dos sons que nos circunda, advertem estudos científicos em intervalos regulares, põe em perigo a nossa saúde: é causa de agressividade, hipertensão, estresse, distúrbios cardíacos. Mas, não parece ser esta a única conseqüência nefasta da “noise pollution”, da poluição sonora, como a chamam os experts internacionais: se o homem moderno não reencontrar o mais rapidamente possível um pouco de silenciosa quietude, correrá o risco de perder, junto com a audição, também o autoconhecimento. Em “Manifeste for silence” (Manifesto pelo silêncio), um livro publicado nestes dias na Grã Bretanha e antecipado pelo Financial Times, o professor Stuart Sim, docente de crítica teórica na Universidade de Stanford, de fato sustenta que o rumor é um elemento da guerra conduzida pelas forças do progresso econômico contra o indivíduo. Religião, filosofia, arte, literatura, música –segundo sua tese – demonstram que o silêncio não contradistingue a ausência de algo, porém representa um bem de importância crucial para nossa civilização: é o rio no qual navega o pensamento humano. Um rio que agora corre o risco de secar totalmente.

Canteiros de obras que trabalham 24 horas sobre 24, como em Shangai, em Moscou e em Nova York, sempre mais automóveis e aviões, sempre mais gente com sempre mais telefones ligados, criam um rumor de fundo – escreve o autor – que demule gradualmente a capacidade humana de raciocinar, expressar-se, existir. “Cogito, ergo sum”, não se pode pensar num estrépito pavoroso. E eis, então, este “manifesto pelo silêncio”, o convite a levantar-se em defesa da quietude, citando a tradição religiosa de budistas, quackers, monges trapistas, para os quais o silêncio representa a forma mais absoluta de consciência, mas, citando também a escritora americana Susan Sontag (“o silêncio é uma forma de discurso”) e o compositor John Cage (“não existe silêncio que não esteja carregado de sonoridade”). Naturalmente, não é preciso exagerar com o silêncio, porque pode ser equivocado: talvez não dizer nada signifique não ter nada a dizer. “Mas, será que não é verdade que todos os momentos mais belos nos deixam sem palavras?” perguntava alguém que de silêncio é bom entendedor, o grande mímico francês Marcel Marceau.

Procuremos, pois, ficar, pelo menos de vez em quando, com o celular desligado, longe do trâfego e com a boca fechada. Talvez consigamos sentir-nos a nós mesmos, como o austronauta de Odisséia no espaço, fechado numa cápsula perdida na noite cósmica, quase ensurdecido pela própria respiração: o único rumor perceptível no universo, o misterioso sopro da vida.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/09/07

Militares recorrem de anistia a Lamarca


O Clube Naval, o Clube Militar e o Clube de Aeronáutica, que representam respectivamente oficiais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, entraram com ação contra a União perante a Justiça Federal do Rio, para pedir a anulação da portaria do ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu anistia política post-mortem ao capitão Carlos Lamarca - com promoção ao posto de coronel e proventos de general-de-brigada, além de reparação econômica no valor de R$ 902.715,97, em favor de sua viúva, Maria Pavan Lamarca. A reportagem é do jornalista José Maria Mayrink para o jornal O Estado de S. Paulo, 14-09-2007.

Com data de 10 de setembro de 2007 e assinada pelo advogado Emílio Antônio Sousa Aguiar Nina Ribeiro, a ação requer também que sejam anuladas mais duas portarias que concedem indenização suplementar de R$ 100 mil à viúva e mais R$ 100 mil, igualmente em caráter indenizatório, a sua filha Cláudia Pavan Lamarca. A ação requer ainda que, declarados nulos os atos administrativos do ministro da Justiça, sejam sustados os pagamentos deles decorrentes e devolvidos aos cofres públicos os que já tiverem sido efetuados.

Os autores argumentam que, conforme o Decreto 3.998, de 5 de novembro de 2001, só será promovido post-mortem o oficial que, “ao falecer, satisfazia as condições de acesso e integrava a faixa dos oficiais que concorriam à promoção pelos critérios de antiguidade ou de merecimento”. Sustentam, assim, que o Conselho de Anistia não pode fazer a promoção, mesmo com o referendo do ministro da Justiça.

O advogado relembra a trajetória de Lamarca para contestar a promoção: “O ex-capitão Carlos Lamarca se afastou voluntariamente do Exército, a fim de participar ativamente da guerra revolucionária destinada a implantar no Brasil a chamada ditadura do proletariado comunista. O seu termo de deserção tem a data de 13 de fevereiro de 1969. Além disso, roubou armas do Exército para alimentar a insurreição armada, participou do extermínio de muitos e assassinou, com requintes de tortura e perversidade, o tenente Alberto Mendes Júnior, que teve o crânio esfacelado a coronhadas por ordem de Lamarca, tão-só por ter aquele se oferecido para trocar de lugar com os seus subordinados que tinham sido emboscados e presos pela tropa de Lamarca.”

A ação transcreve trechos de discurso que o senador Gerson Camata (PMDB-ES) pronunciou no Senado em 6 de junho deste ano a respeito desse histórico. Lamarca, disse o senador, “era um oficial do Exército, do que, tendo desertado, roubou armamentos e, com esses armamentos roubados, formou uma guerrilha não destinada a combater a ditadura militar, mas destinada a implantar no Brasil um regime pior do que a ditadura militar, um regime comunista radical, de esquerda, financiado pelo sr. Fidel Castro”.

Na ação, Nina Ribeiro, que foi aliado do governador Carlos Lacerda na Assembléia Legislativa do então Estado da Guanabara, afirma que “a esdrúxula promoção post-mortem não tem qualquer lastro ou fundamento ético e, muito menos, valor jurídico, legal ou administrativo”.

Lamarca, que servia num quartel de Quitaúna, em Osasco, quando desertou do Exército para entrar na luta armada, foi comandante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), da Var-Palmares e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), pelos quais combateu no Vale do Ribeira (SP) e no sertão da Bahia, onde foi emboscado e morto por tropas do Exército, em setembro de 1971. Nascido no Rio, em 27 de outubro de 1937, casou-se em 1959 com Maria Pavan, com quem teve dois filhos - César e Cláudia.