"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, junho 20, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 20/06/08

Universidade abre as portas às marcas e cria até shopping center

Quinta-feira, 22 horas. Nas proximidades do metrô Barra Funda, zona oeste de São Paulo, concentra-se um verdadeiro mercado livre às portas da Uninove, uma das maiores universidades particulares do país em número de alunos. Do lado de fora do campus, DVD, chocolate, batata frita, lingerie, cachecol e relógio Chanel falso, entre outras ofertas, disputam a atenção dos estudantes a caminho da estação. Vários bares estão no trajeto, mas o principal ponto de parada é o Castelinho Beer, bem em frente à entrada da Uninove, onde a promoção de quatro garrafas de cerveja a R$ 15 vem funcionando. "Chego a vender 70 caixas por noite às quintas e às sextas", diz a gerente do Castelinho, Janete Yoko, que também oferece música eletrônica vários decibéis acima do permitido para o horário. A reportagem é de Daniele Madureira e publicada pelo jornal Valor, 17-06-2008.

Com exceção da bebida alcoólica e do relógio pirata, as universidades brasileiras estão dispostas a levar esse ambiente de consumo e confraternização para dentro do campus.

A Estácio de Sá, a segunda maior do país, acaba de contratar a administradora de shopping centers In Mont para criar e coordenar minicentros comerciais em todas as suas 63 unidades no país.

Segundo a Estácio, os alunos pediram "serviços de qualidade" próximos à sala de aula. Outras grandes universidades, como a gaúcha Ulbra e o renomado Mackenzie, de São Paulo, permitem ações de marketing nos seus domínios desde que acompanhadas de vantagens explícitas para os alunos: notebooks com 40% de desconto e dez meses para pagar; financiamento de 50% das mensalidades para depois da formatura; patrocínio ao time da faculdade e até para produções de cinema estudantis.

Algumas das iniciativas são pagas, outras fruto de permuta. "Mais do que obter uma fonte alternativa de receita, o que as universidades particulares querem é levar benefícios ao estudante para que ele se encarregue da propaganda boca a boca, capaz de garantir à instituição um reconhecimento público que apenas anos de tradição poderiam conferir", afirma o consultor Ryon Braga, presidente da Hoper, uma das poucas consultorias especializadas no negócio de educação no país. Esse ganho de popularidade é importante mesmo entre aquelas que já são reconhecidas, uma vez que a disputa pelos alunos se acirra a cada semestre letivo.

Entre 2004 e 2007, o número de instituições de ensino superior privado cresceu 27%, para 2.237 empresas. Estas faturaram juntas R$ 20 bilhões no ano passado - 38% a mais do que em 2004. Mas o total de estudantes atendidos nesse mesmo período subiu em menor proporção: 23%, para 3,7 milhões.

"É importante 'fidelizar' os alunos não só para que eles indiquem a instituição, como para fazê-los voltar a estudar lá depois de formados, em busca de uma pós", diz Braga, ressaltando que essa postura reflete a gestão profissional que passou a vigorar nas universidades nos últimos anos. Algumas delas, inclusive, abriram capital na bolsa, como a Estácio e a Anhanguera, e vêm usando os recursos para acelerar o crescimento via aquisições.

Mauro Lissoni, sócio da Mundo Universitário, agência especializada no público em busca do diploma, lembra que número de alunos matriculados é moeda forte nesse novo cenário. "Os investidores, estrangeiros ou não, avaliam a rentabilidade por aluno, a quantidade de matrículas, a estrutura do local e a tradição, nessa ordem", diz Lissoni, cuja agência também atua na intermediação entre universidades e potenciais investidores.

Ainda que o principal objetivo das promoções e vendas nos campi não seja financeiro, a receita com essas parcerias deve aumentar. "Hoje menos de 1% do faturamento total das universidades vem dessas ações, mas a tendência é que as receitas alternativas cresçam como nos Estados Unidos, onde significam entre 5% e 7% do faturamento das universidades", diz Braga. O consultor aponta como novidade a venda de espaço publicitário em alguns campi, com inserções em banheiros, mobiliário urbano e até em TVs de plasma.

O preço de uma ação promocional por três dias na universidade pode chegar a R$ 15 mil - uma pechincha para o anunciante, sabendo-se que uma cifra como essa significa apenas 5% do que se costuma pagar por uma única inserção de 30 segundos em horário nobre da TV (cuja audiência, apesar de maior, é dispersa). Mas algumas ações nem precisam ser pagas: basta oferecer um benefício tangível aos alunos - como os 200 mil CDs de instalação do sistema Windows Vista, da Microsoft, com programa de navegação, distribuídos neste ano pela Oi na Estácio.

"O que vai manter o aluno é a qualidade do ensino, mas se você pode agregar valor a isso, inclusive com ganhos para a área acadêmica, melhor ainda", diz Marcelo Campos, diretor de relações institucionais da Estácio. Um exemplo de parceria na área acadêmica está no patrocínio do Unibanco às produções dos alunos do curso de cinema. "Este ano lançamos o DVD 'A alma de uma orquestra', um documentário sobre a Rio Jazz Orchestra produzido por alunos e professores da Estácio e bancado pela Unibanco AIG", diz Campos.

Na maioria das universidades, as instituições financeiras são as grandes parceiras. Elas respondem por contratos de alguns milhões de reais ao ano, uma vez que costumam responder pela emissão de boletos aos alunos e pela folha de pagamento. Em troca, têm o direito de fazer ações promocionais nos campi, com exclusividade. No caso do Unibanco com a Estácio, o banco se oferece para financiar metade da mensalidade do aluno durante o curso. "O estudante só paga a metade e, quando se formar, começa a pagar a outra metade para o banco", explica Campos.

Na Ulbra, o aluno também tem a opção de pagar a mensalidade com o cartão de crédito Credicard Citi. "Nós cobramos caro para que as ações não se vulgarizem", diz o assessor de marketing da Ulbra, Sérgio Freitas, sem revelar quanto. Os recursos, segundo ele, são destinados ao Esporte Clube Ulbra, que tem a AmBev entre os patrocinadores. A marca da fabricante de bebidas não aparece na camisa dos atletas. Em compensação, a AmBev é a fornecedora exclusiva dos oito campi da Ulbra no Rio Grande do Sul, atingindo 45 mil estudantes.

Não é qualquer ação - nem anunciante - que tem portas abertas. "Bebida alcoólica e cigarro são proibidos", diz Vladimir Cruz, analista de marketing do MacKenzie, que conseguiu com a Semp Toshiba desconto de 40% nos notebooks. Mas alguns serviços não passam. "Já tive proposta de salão de beleza, mas isso desviaria demais a atenção dos alunos", diz Cruz, que recebe pelo menos duas propostas ao dia de anunciantes.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/06/08

A ilusão do capitalismo eterno

Efeito estufa e bem-estar: Severino replica ao “ambientalista cético” Lomborg. A polêmica: O estudioso dinamarquês: insistir na atualização do protocolo de Kioto é um desperdício de recursos. O artigo é de Emanuele Severino, um filósofo italiano de fama internacional. Suas obras mais recentes são L’identità della follia [A identidade da loucura] (Rizzoli) e Oltrepassare [Ultrapassar] (Adelphi). Bjorn Lomborg é um estatístico dinamarquês, autor de Stiamo freschi [Estamos imunes] (Mondadori). Também escreveu O ambientalista cético publicado pela editora italiana Mondadori em 2003.

O artigo de Emanuele Severino foi publicado pelo jornal Corriere della Sera – 03/06/2008.

Eis o artigo.

Após o fim da União Soviética tornou-se dominante – embora discutida faz algum tempo – a convicção que o capitalismo seja a forma social atualmente indiscutível. São muitas as confirmações. Por exemplo, o fato de que a única “superpotência” mundial permaneça em campo, os EUA, e seja ao mesmo tempo o lugar por excelência do desenvolvimento capitalista. Ou então, a paradoxal adoção do capitalismo pela própria China “comunista”. Ou também a consciência de que o suporte teórico do socialismo real, ou seja, o marxismo, pertença agora ao passado da indagação filosófica e econômica. Uma confirmação deste modo de pensar é a própria mobilização contra o capitalismo por parte das forças que sentem ser esta sua incumbência, entre aos quais o Islã, a Igreja católica, os movimentos ecológicos e “de esquerda”, que vêem no capitalismo o principal responsável pela devastação da Terra.

Que isto seja cientificamente comprovado é, todavia, um tema pacífico. Além disso, quanto mais a mídia, os políticos, ou os ambientalistas vão há algum tempo anunciando à opinião pública o perigo de uma iminente catástrofe provocada pela crescente industrialização, tanto mais a ciência oficial tende a inocentar esta última de toda responsabilidade. Exemplo notável desta tendência é o livro do cientista dinamarquês Bjorn Lomborg, que Mondadori recém publicou com o título Estamos imunes. Porque não devemos preocupar-nos demasiado com o aquecimento global. O livro é claro, compacto, impressionante pela quantidade e qualidade das informações. Se não me engano, o autor jamais usa a palavra “capitalismo”, mas se preocupa em dissipar a suspeita que ele escreva por conta de qualquer multinacional do petróleo. Sua tese de fundo é, de fato, que a acusação ao capitalismo de devastar a Terra e o conseqüente propósito de destroná-lo não tenham nenhum fundamento científico.

Há mais de trinta anos os meus escritos desenvolvem, ao invés, a tese de que também o capitalismo está destinado à decadência, como o era o socialismo real e como o são todas as outras grandes forças da tradição ocidental (e oriental). Em Declínio do capitalismo (Rizzoli, 1993) sublinho que, mesmo supondo que o caráter destrutivo do capitalismo não tenha nenhum respaldo científico, também neste caso a convicção da existência desta destrutividade está, no entanto, se difundindo visivelmente (nem Lomborg o nega, antes o invectiva vivazmente), e a ponto de tomar pé no próprio mundo capitalista, a ponto de induzi-lo a mudar de direção e, finalmente, a renunciar a si próprio. O maior inimigo do capitalismo é o próprio capitalismo, e não seus adversários declarados. Mas, Lomborg sustenta, junto a tantos outros, que a ciência possa estar com a partida vencida sobre o “obscurantismo” (e se esforça de muitos modos para fazer-la vencer); o que implica que, contrariamente a quanto sustento, não haja nenhuma destinação do capitalismo à decadência. E então?

Ele mostra, de modo persuasivo, os graves perigos que há no fato de que, em nível mundial, a única iniciativa política para reduzir o aquecimento do planeta seja o protocolo de Kioto (de 1997), que provavelmente será renovado dentro de poucos anos. Este protocolo estabelece que entre 2008 e 2012 os países industrializados reduzam em vinte por cento a emissão de anidrido carbônico. Lomborg mostra detalhadamente que, mesmo que seja efetuada durante todo o século 21, a aplicação do protocolo teria um custo elevadíssimo e uma eficácia muito baixa, ou seja, uma redução muito baixa das mortes devidas ao aquecimento global, um perigo, aliás, por certo cada vez mais grave. Tal redução seria muito baixa em relação ao número das vítimas de enfermidades ou do frio: “problemas bem mais urgentes”, estes últimos, que no entanto podem ser enfrentados “com uma despesa muito mais baixa e probabilidades de sucesso muito mais elevadas do que o oferecido pelas severas políticas climáticas, que têm um custo de bilhões e bilhões de dólares. Evitando este desperdício irracional, a humanidade pode dotar-se com as tecnologias específica, capazes de reduzir o aquecimento do planeta, porém não promovidas pelo protocolo de Kioto. Na base de todo o discurso de Lomborg está, de fato, a tese de que “o objetivo final não é a redução do gás serra ou do aquecimento global em si, mas a melhoria da qualidade da vida e do ambiente” e que a condição fundamental para realizar este objetivo é constituída pela técnica.

Mas, quando o discurso é impostado deste modo, a convicção de propor soluções que, embora mais racionais, contudo se movam sempre no interior do horizonte da produção capitalista, não deixa de ser uma ilusão. Lomborg a cultiva. O “objetivo final” de qualquer forma de capitalismo não é, de fato, “a melhoria da qualidade da vida e do ambiente”, não é o bem-estar da humanidade, mas é o crescimento indefinido do lucro, também se, para obtê-lo, a produção capitalista deva levar ao mercado aquelas mercadorias que forneçam o que os consumidores consideram que dêem bem-estar e melhoria da qualidade da vida e do ambiente. Mas, - eis-nos no ponto decisivo, - quando se age afim de que o “objetivo final” da produção e distribuição capitalista dos recursos seja o bem-estar da humanidade, age-se para fazer que o capitalismo se torne algo diverso do que ele realmente é, ou seja, age-se para destruí-lo. Age-se assim também quando não se está cônscio do que propriamente se está fazendo, como acontece, por exemplo, à Igreja católica quando incita o capitalismo a assumir como objetivo final o “bem comum” da sociedade. (Age-se assim também quando, seguindo a Igreja, a gente se opõe, como também o fez há alguns dias Giulio Tremonti no jornal Corriere della Sera, à idéia do primado do mercado sobre qualquer outra forma social”; ou quando se limita este primado, augurando, como me parece tenha feito por diversas vezes Mario Monti, que o “objetivo” constituído pela capacidade de competir com os outros países industrializados esteja lado a lado, pelo menos na Itália, com os “objetivos de solidariedade”).

Age-se assim, porque no agir humano uma ação ou um sistema de ações são o que elas são precisamente em virtude do objetivo que elas se propõem; de modo que, se este último é modificado – e, no caso em tela, se atua afim de que o objetivo do capitalismo seja o bem-estar do homem e o “bem comum” e, portanto, o mercado não tenha mais o “primado sobre as outras formas sociais” -, tais ações acabam sendo destruídas e a gente se encontra diante de ações diversas, mesmo que sejam chamadas pelos velhos nomes e se creia que os de antes ainda estejam vivos.

Este discurso vale também para Lomborg, que confia à técnica e às energias alternativas a tarefa de evitar que a produção capitalista, entregue a si mesma, destrua a Terra. Portanto, também ele se empenha por um “capitalismo” que tenha como objetivo final o bem-estar do homem e, conjuntamente, a condição, atualmente imprescindível para a realização de tal bem-estar, ou seja, o desenvolvimento tecnológico.

Também aqui se assinala, pois, ao “capitalismo” um objetivo diverso daquele que faz viver o verdadeiro e próprio capitalismo: também aqui se visa, sem dar-se conta, à destruição do capitalismo. Ou ainda, se – e já que – o capitalismo dá ouvidos a esse tipo de solicitação, é ele mesmo que muda de direção, que renuncia a si mesmo.

Mesmo aceitando a tese de Lomborg, que a ciência redimensione fortemente o caráter destrutivo da produção capitalista, esta tese não é, em todo o caso, um desmentido daquele “declínio do capitalismo” que de minha parte venho sustentando, não é um desmentido do destino do capitalismo em declínio. E, reconhecendo que, sobre esta Terra, ao nosso “objetivo final” pertença o desenvolvimento tecnológico, portanto a eliminação dos limites que o freiam, reconhece-se que o declínio do capitalismo (e de toda outra forma de tradição) é a própria destinação do mundo a um novo “primado”: o da técnica.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/06/08

A ‘walmartização’ da economia global

Uma entrevista com o autor do livro Por que não nos odeiam. A verdadeira história do conflito de civilização. Uma análise corrosiva e brilhante da globalização e das formas de resistência que se desenvolvem no norte e no sul do planeta. A reportagem e a entrevista são de Benedetto Vecchi e foram publicadas pelo jornal Il Manifesto, 21-05-2008.

O estilo de vida, as instituições políticas, em suma o etos dominante nos Estados Unidos corre o risco de ser submerso na crescente maré de latinos, portadores de identidade orgulhosa em relação à estadunidense. Fecha-se assim o livro de Samuel Hungtinton no “conflito de civilização” subterrâneo que caracteriza a vida do planeta. O considerado cientista americano não podia, por certo, prever que o título do seu folheto se tornasse a chave interpretativa de todos os conflitos em que os Estados Unidos se vêem envolvidos. Há o conflito de civilização, de fato, atrás do ataque de 11 de setembro ao World Trade Center, e a reação estadunidense culminou na invasão do Afeganistão e do Iraque. Há conflito de civilização atrás das tensões entre os Estados Unidos e o Irã ou entre Washington e a Coréia do Norte. No horizonte, está-se esboçando, talvez, o pai de todos os conflitos de civilização do futuro, que será entre Pequim e todo o mundo ocidental.

De um lado então o “nosso” Ocidente; do outro, o resto do planeta. Uma representação em que, para o Ocidente, a palma da superioridade faz parte das instituições políticas, do respeito aos direitos individuais, da democracia, enquanto o mercado livre, naturalmente, é o melhor modo para produzir riqueza.

Mark LeVine é um jovem estudioso – ensina História Moderna do Oriente Médio na Universidade da Califórnia – para quem o paradigma do conflito de civilização é restrito; na verdade o considera o resultado de uma campanha ideológica real e oportuna para garantir a hegemonia ocidental no planeta. No volume Porque Não nos Odeiam (DerivaApprodi), sustenta que há muitos mais pontos de contato entre um homem de negócios do Marrocos e da Califórnia do que entre um operário de Chicago e um manager wasp da Wal-Mart. Para LeVine, na realidade, a globalização favoreceu o crescimento de uma elite global que compartilha não a religião, mas a mesma tendência de viver como um corpo separado dentro do estado-nação onde nasceram. Para o resto da população mundial, ao contrário, a articulação da identidade, das formas de vida produz uma colcha de retalhos na qual, por exemplo, o Islã convive com a música heavy metal ou o rap.

A entrevista foi obtida em duas vezes. Primeiro on-line, e depois face a face, visto que o cientista está na Itália para apresentar seu livro.

Eis a entrevista.

O seu livro transforma a imagem dominante da hostilidade do Islã em relação ao Ocidente. Sustenta, por exemplo, que não são muitas as diferenças entre um muçulmano do Cairo e um “americano médio” em relação aos terroristas, e que ambos manifestam certa hostilidade em relação ao poder constituído. É assim mesmo?

As diferenças culturais entre a América profunda – uma expressão que nos Estados Unidos é usada para indicar os brancos evangélicos, os colarinhos brancos ou os operários triturados pela globalização – e os muçulmanos conservadores do mundo árabe são, de há muito tempo, menos profundas do que as principais correntes dos estudiosos sustentam. Ambos propõem uma leitura nacionalista e religiosa de seu próprio mundo, representado como uma carvoeira sitiada por inimigos indignos de confiança, pagos por Satanás. Uma visão luciferina da realidade que os leva a justificar, se bem que da parte oposta da barricada, o conflito entre os Estados Unidos e o mundo islâmico. As identidades que expressam é “identidade resistente” caracterizada pelo medo contra tudo o que se põe em discussão, estilo de vida e autoridade consolidada. Daí o pedido dos líderes que exprimem virilmente força e determinação no reagir, em nome do grupo, às ameaças do “inimigo”. Esses os pontos de contato.

Há, todavia, uma coisa que me surpreendeu enormemente nas minhas tardes prolongadas no mundo islâmico: os muçulmanos conhecem melhor que nós, estadunidenses, a história da relação entre o Ocidente e o mundo islâmico. Isso provoca uma “desconexão” entre quanto os americanos e a maioria dos muçulmanos levam em consideração.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria da população acreditou que a escolha de Washington para invadir o Afeganistão e o Iraque era cheia de intenções “nobres” – a liberdade, a democracia, os direitos humanos, a segurança – e, não obstante os desastres sociais e políticos provocados, poucas são as dúvidas manifestadas em relação à boa fé da nossa política estrangeira. Diferente é, ao contrário, o julgamento dos mulçumanos, que se limitam a constatar empiricamente que aquela escolha era um contra-senso. Essa desconexão não produz, todavia, um ódio em relação aos estadunidenses: se é odiada, como admitiu muitas vezes o próprio Pentágono, a política estrangeira de Washington. Por essas razões, considero essencial definir uma agenda política que favoreça o relacionamento entre ativistas europeus, estadunidenses e ativistas presentes nos países islâmicos. Uma agenda política que ofereça aquela “cultura de interferência” dentro da qual teçam alianças para construir uma globalização inclusiva, baseada em um desenvolvimento econômico sustentável e igualitário.

O senhor escreve muito sobre a difusão global de estilos de expressão, sobre formas artísticas que vêm moldadas segundo os contextos locais. O Senhor quer dizer que a globalização neoliberal está parada, enquanto a cultural não?

Na atual globalização, o social e o econômico foram “culturalizados”. Explico-me: as empresas baseiam seus lucros no poder da marca, enquanto fazem uma rede de empreendimentos externos fazer o trabalho “sujo”. Tudo isso significa que empresas, como Nike ou Microsoft, vendem a idéia de um produto que é produzido por outros. Também, no livro escrevo sobre “walmartização” da economia global. Wal Mart não é somente uma empresa transnacional, mas também um modelo de relação entre capital e força de trabalho oposto àquele normalmente definido como fordista. Nas fábricas automobilísticas de Henry Ford, é sabido, os salários eram relativamente altos, de tal modo que os operários podiam comprar o modelo T que produziam. Wal Mart, ao contrário, paga salários tão baixos que os seus empregados conseguem apenas sobreviver. Essa tendência de rebaixamento salarial vale em todo o mundo. Por exemplo, na Jordânia, as empresas não contratam os trabalhadores jordanianos ou palestinos, mas os homens e mulheres provenientes de Bangladesh ou do Paquistão, porque são “mais baratos”; desse modo, pode-se pagar-lhes pouquíssimo e rapidamente podem ser substituídos a qualquer momento. E isso acontece também em Dubai, em Israel, em qualquer lugar.

Atualmente, Rotana, o gigante saudita do entretenimento, traz à luz produtos culturais dentro de um modo de produção que não é assim tão diferente do que os intelectuais islâmicos denunciavam como orquestração ocidental de eliminar a diversidade cultural do Islã. Ao mesmo tempo, são manifestadas fortes tendências underground em que a hibridização entre o Islã e outras “culturas” é muito acentuada. Por exemplo, os jovens mulçumanos – o grupo demográfico mais importante dos países árabes – produzem artefatos culturais “contaminados”. E, desse modo, existem muitíssimos grupos de jovens islâmicos que tocam Heavy Metal. Essa é a “cultura de interferência”, o lado positivo da globalização que pode ajudar a formação de ações políticas e relações econômicas alternativas àquela proposta pelos extremistas neoliberais ou religiosos.

No volume, a globalização é sinônimo de desigualdade, uma bomba-relógio que pode trazer uma nova guerra global bem mais temível do que aquela preventiva desejada por George W. Bush. Cresce, além disso, a ascensão da China e da Índia. O senhor não acredita que realmente o ingresso fragoroso deles na boa sala de estar da economia mundial trará outro tipo de globalização e que precisará considerar recomposta aquela que o pesquisador Ken Pomerranz chamou de eterna “grande divergência”?

O livro de Pomeranz A grande divergência é importante, porque convida a olhar os eventos atuais dentro de uma perspectiva histórica de longa duração. Pomeranz afirma que até 1750 a China era a sociedade econômica e socialmente mais desenvolvida do mundo. Então, uma combinação de fatores (presença de enormes recursos naturais como o carvão e a madeira unidos ao acesso colonial às minas de prata do Novo Mundo) permitiu a alguns países o velho continente – a Inglaterra, França e mais tarde a Alemanha – conquistar a liderança da economia mundial. Concordo com essa reconstrução, porque ajuda a compreender o fato que o desenvolvimento capitalista europeu, e, mais tarde, o estadunidense, baseou-se sobre o que eu chamo de “a matriz da modernidade”. O colonialismo e o nacionalismo são fenômenos amplamente estudados: sem eles não teria sido possível o desenvolvimento capitalista.

Igualmente estudada é a tendência de reduzir os fenômenos sociais à entidade mensurável. Uma tendência à racionalização usada para construir a ideologia sobre superioridade ética, cultural do Ocidente com relação ao resto do planeta.

A atual relevância da China e da Índia no panorama mundial está seguramente em contra tendência em relação à história dos últimos séculos. Todavia, a realidade que está escondida atrás do “milagre asiático” é menos rósea que contínua. Na China, por exemplo, a democracia permanece uma miragem, ao passo que a opressão em que é mantida grande parte da população e o aumento das desigualdades sociais são os preços pagos pelos chineses pelo desenvolvimento econômico. Para completar esse triste afresco há o deslocamento voraginoso de milhões de camponeses em direção à cidade. A Índia, por sua vez, é com certeza um país democrático, mas com milhões de trabalhadores que recebem salários um pouco acima do nível de pobreza, enquanto se multiplicam as denúncias de corrupção do pessoal político e da burocracia estatal. O milagre econômico chinês e indiano está, sim, mudando o equilíbrio na globalização, mas não representa um modelo alternativo para ela. A China e a Índia constituem-se um exemplo de como funciona hoje a globalização.

Segundo o senhor, o Islã tornou-se uma marca global. Provocação por provocação: não acha que a reivindicação de uma identidade islâmica seja, na realidade, um modo para afirmar uma marca que participa do grande banquete da economia mundial?

Depende de qual Islã se fala. Existem, de fato, inumeráveis expressões da cultura islâmica, muitas das quais estão em conflito profundo, e freqüentemente radical, uma contra a outra. Por exemplo, se é desenvolvida uma cultura islâmica neoliberal, freqüentemente é ridiculariza como o “Islã do ar condicionado”, que é explícita da burguesia muçulmana, uma classe social protagonista na definição das políticas neoliberais dos regimes autoritários como o Egito, o Marrocos, a Tunísia, onde a repressão dos grupos islâmicos e de outros opositores foi particularmente brutal. A elite islâmica neoliberal vive em comunidade fechada, exibem artigos de grife, estão sempre conectados à rede, exatamente como a elite ocidental. Comportamentos e estilos de vida que têm a sua representação na visão distópica proposta na arquitetura de Dubai.

Até eu creio, então, que a elite dos países muçulmanos participa do grande banquete da economia mundial. Há, no entanto, mulheres e homens islâmicos que lutam contra a pobreza em seus países. A verdadeira questão é como todos nós, independentemente de nossa religião ou nacionalidade, podemos sentar-nos a uma mesa em que cada um possa comer segundo sua necessidade. Isso significa achar uma saída do neoliberalismo, antes que os danos sociais, ambientais e políticos desses produtos se tornem irreversíveis.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/06/08

Trabalho formal é recorde no país

A abertura de novas vagas de trabalho com carteira assinada bateu novo recorde e atingiu 1,051 milhão no acumulado de janeiro a maio de 2008. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 20-06-2008.

O resultado é 15,1% maior que o do mesmo período de 2007, quando atingiu 913.836 novos empregos. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que já havia antecipado o resultado ao Estado, disse que a cada dia se torna mais próximo o cumprimento de sua previsão de atingir a marca inédita de 1,8 milhão de empregos formais criados neste ano. No acumulado dos últimos 12 meses, foram gerados 1,755 milhão de novas vagas. Em 2007, foram 1,617 milhão.

Lupi informou que, atualmente, mais de 30 milhões de brasileiros trabalham com carteira assinada no País. “Esse é um dado importante porque mostra a pujança da economia brasileira.” Para mostrar a dimensão do número, ele apresentou os últimos dados disponíveis do IBGE sobre a População Economicamente Ativa (PEA), de 2006, mostrando que, de um total 92,52 milhões de pessoas, 89,3 milhões estavam ocupados e 8,2 milhões, desempregados.

O setor de serviços voltou a liderar, pelo quarto mês consecutivo, a geração de novos postos de trabalho com carteira assinada. Segundo dados do Caged, foram abertas 55.361 novas vagas no setor, quantidade bem acima da verificada em maio de 2007, quando foram criados 39.590 empregos. No acumulado de janeiro a maio, o setor teve desempenho recorde para o período, sendo responsável pela geração de 365.377 novos empregos celetistas (CLT).

A agricultura abriu 47.107 novos postos de trabalho em maio, enquanto a construção civil respondeu por 28.670 contratações. A indústria de transformação gerou 36.701 postos e o comércio, mais 29.921. No acumulado do ano, a construção civil teve o melhor desempenho da série histórica do Caged para o período e empregou mais 160.395 pessoas nos cinco primeiros meses de 2008.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/06/08

Agricultura. Governo dá R$ 65 bilhões para o agronegócio e 13 bi para a agricultura familiar

Para ampliar a oferta de alimentos no mercado interno e assim evitar alta de preços, o governo vai disponibilizar cerca de R$ 78 bilhões para a safra 2008/09, que começa a ser cultivada em meados de setembro no sul do País, informou ontem o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Serão R$ 65 bilhões para a agricultura empresarial e R$ 13 bilhões para a agricultura familiar. A notícia é Fabíola Salvador para o jornal O Estado de S. Paulo, 20-06-2008.

A agricultura empresarial terá disponíveis R$ 7 bilhões a mais que na safra atual (2007/08), quando o governo repassou R$ 58 bilhões para os bancos que atendem ao campo. Segundo o ministro, o montante atendeu às necessidades financeiras do setor. Os valores consideram recursos a juro controlado e a taxa livre. Para a agricultura familiar, o incremento em comparação com a safra atual será de R$ 1 bilhão.

Com a liberação de R$ 65 bilhões, Stephanes disse que será possível incrementar entre 5% e 6% a produção agrícola na safra 2008/09. Na safra atual, a produção foi de 143,276 milhões de toneladas de grãos, mostra estimativa divulgada no começo do mês pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Ele lembrou, contudo, que a colheita de uma safra maior depende de uma situação climática favorável durante o período de plantio, desenvolvimento e colheita das lavouras. O primeiro número oficial da Conab para a próxima safra será divulgado em outubro.

Apesar do incremento de R$ 7 bilhões na oferta de crédito para a agricultura empresarial, a liberação ficou abaixo do valor pedido pelo ministro Stephanes à área econômica do governo. O pedido ao Ministério da Fazenda era a liberação de R$ 70 bilhões no próximo ano-safra. “No final, nós fomos convencidos de que a liberação de R$ 65 bilhões daria”, disse.

A criação de uma linha de crédito para recuperação de áreas degradadas e melhoria das pastagens com taxa de juro de 5,5% ao ano foi uma das vitórias conseguidas pela Agricultura. “Como o juro vai ficar em torno de 5,5% e a inflação vai ficar em torno disso ou chegar a 6%, o encargo será negativo”, afirmou. Ele também citou um programa para modernização da pequena propriedade que terá juro de 2% ao ano. A linha vai beneficiar, segundo ele, os produtores que são eficientes e que terão condições de elevar sua produção.

Quanto às demais linhas de crédito da agricultura empresarial, Stephanes disse que não haverá redução de juros por causa da inflação. O plano será anunciado em 2 de julho, em Curitiba (PR). Já o anúncio do plano da agricultura familiar será feito um dia depois, no Palácio do Planalto, em Brasília.

Conversas Cruzadas: Molion e a Histeria do Aquecimento Global

Instituto Humanitas Unisinos - 19/06/08

A casa caiu

Jornalista conta em livro como o aquecimento global já afeta o planeta. A resenha do livro "Planeta Terra em Perigo -O Que Está, de Fato, Acontecendo no Mundo", de Elizabeth Kolbert e pela Editora Globo, é de Cláudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-06-2008.

Eis a resenha.

São muito poucas as pessoas que podem dizer que assistiram ao fim do mundo e voltaram para contar a história. A jornalista americana Elizabeth Kolbert é uma delas. E que história ela conta: quem ainda tem uma pontinha de dúvida sobre a dimensão do estrago que o aquecimento global já está causando deveria imediatamente ler "Planeta Terra em Perigo", livro de Kolbert recém-lançado no Brasil.

Quem acha, por outro lado, que a crise climática pode ou vai ser solucionada antes que seja tarde demais talvez não devesse nem abrir o livro: em vez de se render a uma visão otimista do futuro da humanidade, como faz Al Gore, Kolbert prefere se ater aos fatos.

E os fatos são feios.

A americana, que passou anos cobrindo política antes de se debruçar sobre a questão ambiental, foi destacada pela revista "The New Yorker" para correr o mundo atrás de evidências do aquecimento global. Isso aconteceu em 2004, antes de Gore lançar seu filme, quando a sigla IPCC ainda precisava de explicação.

Kolbert viajou da Groenlândia à Antártida, visitou vilas esquimós que precisaram mudar de lugar devido ao degelo marinho no Ártico, viu casas rachadas pela desintegração do permafrost no Alasca. E falou com cientistas, dezenas de cientistas. O resultado foi a série de três reportagens "The Climate of Man", expandida e editada em 2005 nos EUA na forma do livro "Fieldnotes From a Catastrophe" ("Diário de uma Catástrofe" - título inexplicavelmente alterado, para pior, na edição brasileira).

O que a repórter viu foi o começo do fim do mundo como o conhecemos. Talvez a elevação sem precedentes nos níveis de dióxido de carbono na atmosfera não seja o momento final da civilização ou a extinção da espécie humana. Mas certamente o aquecimento global do Antropoceno (Período geológico marcado pela transformação da Terra pelo homem) mudará a face do planeta com uma velocidade jamais observada.

Mudanças climáticas bruscas, explica a autora, sempre fizeram parte da história da Terra. Mas a civilização humana, iniciada com a invenção da agricultura, há 10 mil anos, coincidiu com um período de estabilidade ímpar do clima, após a última era glacial.

Lições dos acádios

Do clima benigno dependeram os assentamentos humanos permanentes que deram origem às cidades e, com o tempo, à sociedade moderna. Ao lançar gás carbônico no ar para gerar energia e mover carros e fábricas, os seres humanos já estão rompendo essa estabilidade. E clima instável significa fome, guerra e morte.

Que o diga o império acádio, criado há 4.300 anos na Mesopotâmia. Kolbert conta sobre as pesquisas científicas que concluíram que os acádios foram extintos devido a uma mudança climática brusca - natural - por volta de 2.200 a.C.

"Pegos de surpresa, os acádios atribuíram sua sorte à vingança divina", escreve. "Por outro lado, as alterações climáticas previstas para o próximo século podem ser atribuídas a forças cujas causas são conhecidas e cuja magnitude pode ser determinada por nós."

Determinar o tamanho do impacto tem sido muito mais fácil do que convencer os governos a agir a tempo de evitá-lo. Em um dos pontos altos do livro, Kolbert descreve em tom de tragicomédia seu encontro com Paula Dobriansky, funcionária da diplomacia de George W. Bush encarregada durante oito anos de bloquear toda e qualquer tentativa de acordo internacional contra emissões.

Dobriansky responde a todas as questões da repórter com a mesma frase: "Nós agimos, aprendemos e depois agimos novamente". Kolbert não precisa de muitas palavras e não usa sequer um adjetivo para qualificar a posição do governo de seu país sobre o tema.

As críticas, no entanto, não se voltam apenas aos Estados Unidos. A expansão das termelétricas a carvão na China, relata a autora, anula "em menos de duas horas e meia" a economia de energia feita em uma década pela cidade americana de Burlington, no ecologicamente correto Estado de Vermont.

Por sua sobriedade, "Planeta Terra em Perigo" aparentemente funciona como uma espécie de antídoto ao alarmismo escatológico das ONGs. Trata-se, no entanto, de mera aparência. Kolbert expressa suas opiniões pela boca de seus entrevistados. Um deles, Robert Socolow, da Universidade de Princeton, dá o recado: "Já trabalhei em vários setores nos quais havia as opiniões dos leigos e opiniões dos cientistas. Quase sempre os leigos são mais ansiosos (...) No caso do clima, os especialistas são justamente os mais preocupados".

quarta-feira, junho 18, 2008

Le Monde Diplomatique Brasil - Mai 08

A ópera, a guerra e a ressurreição russa

Como já fizera três vezes, desde o século 18, o país ressurge, superando o trauma da derrota soviética na Guerra Fria. Além de grande potência geopolítica, recompôs sua base econômica e cresce aceleradamente. O "espírito russo" parece saltar da obra de Prokofiev direto para a vida real

José Luís Fiori

(30/05/2008)

Relembro, porque causou profunda impressão, uma montagem russa, da ópera Guerra e Paz, de Serguei Prokofiev, na Bastilha. Era 1998, a União Soviética havia desaparecido, e a Rússia estava humilhada e destruída. A ópera estreou no Teatro Maly, em Leningrado, no dia 12 de junho de 1946, pouco depois da expulsão das tropas alemãs e da vitória russa na Segunda Guerra Mundial. Conta a história da invasão e expulsão das tropas francesas e da vitória da Rússia na guerra contra Napoleão Bonaparte, em 1812. Na última cena, o povo e os soldados russos cantam juntos uma peroração apoteótica, proclamando a eternidade do “espírito russo”. Com força, emoção, convencimento: inesquecível. E, de fato, depois da destruição de 1812, a Rússia reconstruiu-se e se transformou numa das principais potências européias do século 19. Após 1945, a União Soviética voltou a levantar e se transformou na segunda potência militar e econômica do mundo, na segunda metade do século 20. A exemplo de como já havia acontecido antes, em 1709, depois invasão e expulsão das tropas suecas de Carlos XII, por Pedro o Grande, quando a Rússia começou sua fantástica modernização do século 18.

Em 1998, depois da derrota soviética e da destruição liberal da economia russa, parecia impossível que isso pudesse acontecer de novo. Dez anos depois, entretanto, no momento da posse do seu terceiro presidente republicano, Dmitri Medvedev, o país está novamente de pé, e o “espírito russo” volta a assustar os europeus e preocupar o mundo. O jornal Financial Times publicou recentemente um caderno especial sobre a Rússia, onde afirma que “nem Bruxelas nem Washington estão sabendo como tratar com a Rússia, depois de Vladimir Putin, porque a Rússia está cada vez mais disposta a retomar sua posição no mundo, em particular nos países da antiga União Soviética” [1].

Em 1991, imediatamente depois da dissolução da União Soviética, os Estados Unidos e a União Européia atribuíram-se a tarefa de “administrar” a desmontagem do “império russo”. Por causa das conseqüências econômicas da queda e do problema geopolítico da Europa Central. Para os Estados Unidos, o objetivo fundamental era impedir o surgimento de uma “terra de ninguém” no leste europeu. Por isso, lideraram a expansão imediata das fronteiras da OTAN e a ocupação das posições militares que haviam sido abandonadas pelos soviéticos na Europa Central. Tal ofensiva estratégica da OTAN e da União Européia, e sua posterior intervenção militar nos Bálcãs, foi uma humilhação para os russos e provocou uma reação imediata e defensiva, que começou exatamente pela vitória eleitoral de Vladimir Putin, em 2000, e a retomada de uma estratégia militar agressiva pelo seu governo, depois de 2001. Durante seus dois governos sucessivos, o presidente Putin manteve a opção pela economia de mercado, mas rescentralizou o poder e reconstruiu o estado e a economia russa. Refez o complexo militar-industrial e nacionalizou os recursos energéticos. A Rússia ainda detém o segundo maior arsenal atômico do mundo, e o governo Putin aprovou uma nova doutrina militar que autoriza o uso de armamento nuclear, mesmo no caso de um ataque convencional à Rússia, no caso em que fracassem outros meios para repelir o agressor.

O PIB está prestes a superar o da França. Os salários cresceram seis vezes, em dólar. A reserva de moeda estrangeira é a terceira do mundo e trabalha-se para reduzir a dependência tecnológica

Além disso, o novo governo russo alertou os Estados Unidos — ainda no ano 2000 — para a possibilidade de uma corrida nuclear, caso insistissem no seu projeto de criação de um “escudo anti-balístico” na Europa Central. O interessante, do ponto de vista da história russa, é que depois de 2001, como no passado, também a economia russa recuperou-se e voltou a crescer à uma taxa média anual de 7%, puxada pelos preços do petróleo e das commodities, e sustentada por um boom de consumo e investimento interno. Tal crescimento – liderado pelas grandes empresas estatais do setor de energia e armamentos — permitiu que PIB da Rússia superasse o da Itália, devendo ultrapassar o da França nos próximos dois anos. Dez anos depois da sua moratória, a Rússia detém a terceira maior reserva em moeda estrangeira do mundo, depois da China e do Japão, e seus salários subiram de uma média de U$ 80 dólares por mês, no ano de 2000, para U$ 640, no ano de 2007, quando a economia russa alcançou seu nível de atividade anterior à grande crise. E nesse clima de boom econômico, o novo presidente Dmitri Medvedev convocou, recentemente, os empresários russos a copiar o modelo chinês e aderir à onda global de aquisição de empresas estrangeiras, para acelerar ainda mais a economia russa, e reduzir a sua dependência tecnológica.

Ou seja, quinze anos depois da derrota e do colapso da União Soviética, o estado russo retomou o comando de sua economia e de sua inserção internacional. E tudo indica, nesse início do século 21, que está recuperando sua importância estratégica, como maior estado territorial do mundo, o único com capacidade de intervenção por terra, por meio de suas próprias fronteiras, em todo o continente eurasiano. Por isso, é uma rematada bobagem falar da Rússia como uma potência ou uma economia emergente, quando, na verdade, se trata de uma velha e grande potência que está reocupando sua posição tradicional, na Europa, Ásia Central e Oriente Médio.

Mas nenhum analista internacional consegue prever os caminhos futuros da nova ressurreição do “espírito russo”, até porque a Rússia sempre foi mais misteriosa e imprevisível do que a União Soviética. Há algumas semanas, Andre Klimov, líder liberal da Duma, afirmou que seria um erro grave, nesse momento, alguém pensar que possa "fazer com a Rússia o que bem entenda” [2]. Palavras que soam como uma advertência suave, como quem quisesse relembrar, às demais potências, a mensagem final de Serguei Prokofiev, na sua grandiosa ópera Guerra e Paz: o “espírito russo é eterno” e ressurgirá sempre, e com mais força, toda vez que o seu sagrado território for invadido; ou que o povo russo for humilhado, como aconteceu várias vezes, na história, e voltou a acontecer, no final do século 20.

[1] Financial Times, Rússia, Special Report, 18 de abril de 2008, p:3

[2] Idem.

Le Monde Diplomatique Brasil - Mai 08

A polêmica ascensão dos fundos soberanos

Acossada pela crise, a fortaleza das finanças abre-se para investimentos salvadores de países do Sul. Em teoria, os "donos do mundo" podem perder controle sobre bancos e empresas muito relevantes. Mas os resultados práticos são, por enquanto, desfavoráveis aos "emergentes"

Ibrahim Warde

“Será o caso de aceitar que os comunistas ou os terroristas se tornem proprietários dos bancos?”, indaga Jim Cramer, um destacado analista do canal por assinatura americano CNBC, especializado em notícias financeiras. O tonitruante comentarista oferece a seguinte resposta: “Pode ser qualquer um, contanto que solucione o problema, porque nós estamos desesperados” [1]. A entrada quase simultânea de um bom número de fundos soberanos – fundos governamentais, quase sempre originários de países classificados como emergentes – no capital de estabelecimentos financeiros em situação difícil provocou reações diversas. Enquanto os bancos não se cansavam de vangloriar as vantagens que proporcionam investidores “maciços, passivos e pacientes” [2] da Ásia e do Oriente Médio, a mídia e os meios políticos reagiram com um sentimento de resignação preocupada.

A necessidade de liquidez mandou para longe um bom número de reticências. Só os fundos soberanos – investidores até então mais do que discretos – estavam prontos para desencalhar os gigantes do mundo das finanças que se encontravam em situação de quase-falência. Em 27 de novembro de 2007, o fundo ADIA (Abu Dhabi Investment Authority), dos Emirados Árabes Unidos, apresentou-se como comprador de 4,9% do capital do Citigroup, o líder no ranking mundial dos bancos, por US$ 7,5 bilhões (cerca de R$ 12,5 bilhões). Duas semanas mais tarde, o fundo GIC (Government Investment Corporation), de Cingapura, injetava US$ 10 bilhões (R$ 16,6 bilhões) no grupo suíço UBS, o décimo maior banco mundial. Em 19 de dezembro, foi a vez do fundo soberano chinês CIC (China Investment Corporation) adquirir 9,9% do capital do grande banco de negócios Morgan Stanley, também por US$ 10 bilhões.

Os anúncios simultâneos de perdas imprevistas e de inéditos acordos de financiamento celebrados com fundos soberanos se tornaram rituais. Em certos casos, as mesmas instituições que eram tidas como salvas do desastre depois de tais acordos se viram forçadas a mendigar por fundos novamente. Quando, em 24 de dezembro, o número um mundial da corretagem Merrill Lynch anunciou ter recebido US$ 4,4 bilhões (R$ 7,3 bilhões) do fundo Temasek, de Cingapura, os seus problemas de liquidez pareciam estar resolvidos. Contudo, em 15 de janeiro de 2008, outros fundos soberanos – entre os quais os do Kuwait e da Coréia do Sul – nele investiram US$ 6,6 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões). No mesmo dia, o Citigroup anunciava que, em decorrência de um aporte de fundos suplementar de US$ 12,5 bilhões (R$ 20,7 bilhões), o fundo GIC de Cingapura e o Kuwait Investment Authority (KIA) estavam entrando no seu capital. No total, no intervalo de algumas semanas, mais de US$ 60 bilhões (R$ 100 bilhões) foram investidos pelos fundos soberanos no setor financeiro ocidental [3]. O que se viu então foi o mundo às avessas, com os fundos dos países emergentes socorrendo algumas das maiores instituições financeiras do Ocidente.

A tormenta se armou ao longo de 2007. O ano começou de maneira muito auspiciosa: naquele momento, os bancos aparentavam ótima saúde, enquanto muitos protagonistas do mercado, tais como os fundos especulativos ou de private equity (voltados à compra e reorganização de grandes empreas), cujas estratégias eram baseadas no endividamento fácil, preparavam-se para bater novos recordes. No outono, o setor conhecido como dos subprimes (créditos hipotecários de alto risco) passou a enfrentar suas primeiras dificuldades, ainda que isso não chegasse a suscitar grandes preocupações nas praças financeiras. Falava-se numa aterrissagem sem solavancos e até mesmo numa necessária e salutar “correção” a ser aplicada no mercado imobiliário. A crise atingia então apenas alguns estabelecimentos especializados. O impacto sobre a atividade dos grandes bancos parecia desprezível. Mas, no decorrer do inverno, os sinais alarmantes foram se multiplicando: o mundo das finanças, que pensava ter domado o risco, descobria que os seus modelos ultra-sofisticados eram na realidade fantasiosos; alguns produtos derivados, apesar de bem cotados pelas agências, não estavam mais encontrando compradores; e até mesmo os estabelecimentos mais prestigiosos se viram na incapacidade de qualificar uma parte importante dos seus ativos [4].

Além do mais, as novas normas contábeis [5], que supostamente deveriam garantir a estabilidade e a transparência do sistema, contribuíram para aumentar sua volatilidade e falta de transparência, provocando com isso uma crise de liquidez acompanhada de uma crise de confiança. Tornou-se claro que os produtos derivados, que ao longo dos anos haviam permitido realizações de lucros recordes, estavam prestes a se transformar, para retomar a expressão do multibilionário Warren Buffett, em “armas de destruição em massa” [6]. O risco sistêmico de um desmoronamento do sistema bancário como um todo estava se delineando: a possibilidade de uma crise semelhante à dos anos 1930 era mencionada com insistência.

Antes da crise, a maior parte desses fundos não era bem-vinda. Entre 2005 e 2006, anulou-se a compra da petrolífera Unocal, pelos chineses; e a de seis portos norte americanos, por Dubai

Isso permite entender melhor por que, em um contexto de pânico generalizado, bancos centrais e governos agiram em contradição com os seus próprios princípios, ideologias e regras de funcionamento. Em 17 de fevereiro de 2008, o ministro das finanças britânico anunciou a nacionalização do banco Northern Rock. Em 16 de março, o Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) organizou a operação de salvamento do Bear Stearns, quinto banco de negócios dos Estados Unidos, fornecendo ao JP Morgan Chase os fundos necessários para comprar o estabelecimento.

Além disso, embora reconhecendo o papel negativo que as reduções sucessivas das taxas de juros exerceram durante os anos 2001-2006, ao contribuírem para alimentar a bolha imobiliária, o Fed relativizou seu objetivo de lutar contra a inflação e decidiu reduzir maciçamente as taxas de juros. O Congresso apoiou prontamente uma política de reaquecimento ao estilo keynesiano, enquanto o Executivo, apesar de fervoroso defensor das “soluções de mercado”, multiplicava intervenções pontuais, visando aliviar as instituições e os devedores mais expostos à derrocada do setor imobiliário. Diante do fantasma da recessão e do risco de desmoronamento do sistema financeiro, era preciso resolver os problemas mais prementes, mesmo que, para tanto, fosse preciso convidar os fundos soberanos para ingressar na “fortaleza”.

Antes da crise dos subprimes, a maior parte desses fundos não era, de maneira alguma, bem-vinda. O sistema era baseado numa exclusão de fato: um pouco como naquelas cidades onde alguns privilegiados precisam ser protegidos do meio-ambiente caótico, o clube muito fechado das altas finanças gozava de uma grande liberdade que muito se parecia com auto-regulamentação. Mas o preço a pagar por essa proteção era a obrigação de manter uma grande vigilância em relação ao mundo exterior [7].

Apesar dos discursos em defesa da livre empresa, certas companhias, consideradas “pratas da casa”, não podiam ser cedidas a qualquer um. Em 2005, por exemplo, a aquisição da petrolífera norte-americana Unocal pelo grupo chinês Cnooc não pôde ser consumada. No ano seguinte, a possibilidade de que a Dubai Ports World viesse a assumir o controle dos terminais de transporte de seis portos norte-americanos levantou uma onda de protestos. Mas as atitudes foram evoluindo ao sabor do agravamento da crise financeira.

Por outro lado, nas recentes aquisições financeiras, os fundos soberanos aceitaram submeter-se a certas restrições: nenhuma representação no âmbito dos conselhos de administração; proibição de ultrapassarem certos limites (10%, por exemplo), além dos quais os reguladores passam a ter direito a exercer um controle. Este fato é explicado por Kristin Halvorsen, a ministra das finanças da Noruega, cujo fundo soberano, estimado em US$ 322 bilhões (R$ 534 bilhões), é o segundo maior do mundo, depois do de Abu Dhabi. Sua frase é a que melhor resume a ambivalência de atitudes diante de entidades dessa natureza: “Eles não gostam de nós, mas querem o nosso dinheiro” [8].

Os fundos preocupam por sua natureza híbrida. Podem definir fins políticos e estratégicos, e passar de inverstidores passivos a tomadores de decisões, que poderiam ter grande magnitude

Assim, podemos compreender melhor as reviravoltas dos dirigentes ocidentais. Em 10 de setembro de 2007, ao sair de uma reunião com a chanceler alemã Angela Merkel, Nicolas Sarkozy preconizou que uma “atenção particular” fosse dedicada aos setores nos quais a concorrência é “falseada por fundos soberanos”. Em 8 de janeiro de 2008, o presidente francês se mostrava ainda mais firme: “Estamos assistindo a uma poderosa intervenção por parte de fundos especulativos extremamente agressivos, e de fundos soberanos que não obedecem a nenhuma lógica econômica; diante disso, é impossível que a França permaneça sem reagir”. Contudo, menos de uma semana mais tarde, por ocasião da sua viagem à Arábia Saudita, Sarkozy acenou com um discurso um pouco diferente: “A França estará sempre aberta para os fundos soberanos cujas intenções sejam desprovidas de ambigüidade, cuja governança seja transparente e cujo país de origem pratique a mesma abertura para com capitais estrangeiros”.

Mas, afinal, quem são as pessoas por trás desses fundos soberanos, cujo poder de fogo financeiro é estimado em cerca de US$ 3 trilhões (cerca de R$ 5 trilhões), e o que estariam procurando? Serão eles predadores, salvadores ou otários? Muito além do fato de os seus rendimentos serem propriedade do Estado, esses fundos – aos quais convém acrescentar um grande elenco de empresas públicas ou semi-públicas – apresentam características, ambições e modos de funcionamento diferentes entre si. Se eles preocupam, é porque são dotados por natureza da possibilidade de misturar os gêneros, podendo lançar mão de suas participações financeiras para fins políticos e estratégicos, e passar do status de investidores passivos para o de tomadores de decisões, as quais poderiam ter conseqüências de grande magnitude.

Embora só tenham se destacado nas manchetes dos jornais nestes últimos meses, eles existem há mais de cinqüenta anos. Em 1953, o Kuwait criou o seu Fundo de Reserva para as Gerações Futuras, o primeiro de muitos fundos soberanos, que, na época, ainda não eram chamados assim. Rebatizado de KIA (Kuwait Investment Authority), este fundo havia investido no decorrer dos anos em grandes companhias ocidentais, entre as quais a alemã Daimler-Benz (em 1969) e a britânica British Petroleum (em 1984). Segundo garantem os seus dirigentes, a KIA sempre se comportou como uma acionista “responsável”, interessada acima de tudo em receber seus dividendos sem meter o bedelho na gestão estratégica [9]. Em 1990, por ocasião da invasão do Kuwait pelo Iraque, o controle da KIA escapou por pouco do regime de Saddam Hussein. Foi preciso esperar até a recente explosão dos preços do petróleo para ver este fundo, que se encontrava até então numa situação complicada, por conta de malversações e de maus investimentos, voltar a ser um protagonista conseqüente da economia mundial.

Seguindo o modelo de “fundo para as gerações futuras”, outros fundos soberanos se constituíram no âmbito dos países exportadores de petróleo: nos Emirados Árabes Unidos, em Qatar, em Omã, em Dubai. Outros tantos fundos pertencem aos países emergentes da Ásia, que, graças ao seu forte crescimento econômico, realizaram importantes excedentes comerciais — agora buscam rentabilizá-los: é o caso do de Cingapura, da Coréia do Sul, da Malásia e de Taiwan.

A China constitui uma categoria à parte, em razão de aspectos que dizem respeito tanto à economia quanto à política. Valendo-se de suas gigantescas reservas de câmbio (cerca de US$ 1,5 trilhão – R$ 2,5 trilhões), o regime de Pequim já ameaçou lançar mão em várias oportunidades da “arma nuclear financeira” que esse dinheiro representa [10]. No contexto do grave contencioso que a opõe aos Estados Unidos (em relação a questões de comércio, pirataria, direitos humanos etc.), a China é, sem dúvida, o único país em condições de fazer uso de sua força de ataque financeira para fins políticos [11].

No mundo das finanças, que sempre esteve sujeito a ondas de entusiasmo, já faz alguns meses que os fundos soberanos se tornaram, de maneira incontestável, as grandes estrelas. A sua espetacular irrupção no cenário foi fonte de inspiração para muitos seguidores. Na Rússia, um “fundo para as gerações futuras” foi criado em 1º de fevereiro de 2008. O Japão, a Índia e a Arábia Saudita também estudam criar os seus próprios. Estes países teriam optado por dedicar uma parte de suas reservas de câmbio e de alguns fundos públicos, que até então privilegiavam aplicações seguras, tais como os bônus do Tesouro Americano, a investimentos mais remuneradores. Tal como ocorrera com os países do Golfo durante a década de 1970, e com o Japão nos anos 1980, analistas financeiros e veículos de comunicação extrapolaram dados alegremente e acabaram calculando que, em 2015, os fundos soberanos disporão de US$ 12 trilhões (cerca de R$ 20 trilhões) [12]. O que é mais do que suficiente para compensar um bom número de possíveis cenários catastróficos. E estimular os apetites de muitos.

Embora tenham por ambição proteger a poupança e fazer com que renda frutos, estes "fundos para as gerações futuras" sofreram perdas espetaculares, no intervalo de poucas semanas

O problema é que os dirigentes dos fundos soberanos mais “agressivos” (isto é, aqueles que estão em busca dos mais altos rendimentos) foram formados na mesma escola dos gênios das finanças responsáveis pela derrocada atual [13]. Os mais temerários dos fundos especulativos e de investimentos andaram cortejando de maneira assídua e desavergonhada os fundos soberanos, seja para aliciá-los como sócios em novas apostas tão sedutoras quanto arriscadas seja para que eles os ajudem a sair do impasse.

A grande algazarra promovida pela mídia diz respeito aos riscos potenciais aos quais estão expostos aqueles que recebem os investimentos. E não às suas possíveis conseqüências nos países de origem. Isso porque, embora esses “fundos para as gerações futuras” tenham por ambição proteger a poupança e fazer com que ela frutifique, eles sofreram perdas espetaculares no intervalo de algumas semanas apenas. Desde a entrada do fundo GIC de Cingapura no seu capital, a União dos Bancos Suíços perdeu 55% do valor. E os papéis do Citigroup depreciaram-se em 40% após o aporte do fundo ADIA, de Abu Dhabi. Ou seja, os fundos soberanos estão pagando um preço altíssimo para adquirirem o direito de ingressar na “fortaleza financeira” [14].

O caso da China é mais revelador ainda deste cenário de ambições frustradas. Em maio de 2007, o regime de Beijing tornou-se proprietário, por US$ 3 bilhões (cerca de R$ 5 bilhões), de 10% do célebre fundo de investimentos americano Blackstone. Pouco tempo depois da sua criação oficial, em 29 de setembro de 2007, o fundo soberano CIC (China Investment Corporation) resolveu “salvar” o banco de negócios Morgan Stanley, nele injetando US$ 10 bilhões (R$ 16,7 bilhões). Por sua vez, o banco Citic, braço do governo chinês (e comparado a um fundo soberano), havia negociado participações da ordem de US$ 1 bilhão (R$ 2,7 bilhões), complementadas por alianças estratégicas com o banco de negócios Bear Stearns . Desde então, o fundo Blackstone perdeu 60% do seu valor, e o Morgan Stanley, 26%. Já o Bear Stearns, comprado a preço de banana pelo JP Morgan Chase, tornou-se a vítima mais espetacular da crise dos subprimes.



[1] Peter S. Goodman and Louise Story, “Foreigners Buy Stakes in the U.S. at a Record Pace”, The New York Times, 20 de janeiro de 2008.

[2] Henny Sender, “Silence not golden for sovereign funds’, Financial Times, 17 de janeiro de 2008.

[3] Bob Davis, “Wanted: SWFs’ Money Sans Politics”, The Wall Street Journal, 20 de dezembro de 2007.

[4] Ler Frédéric Lordon, “O eterno retorno da crise financeira” (Le Monde Diplomatique Brasil no 2, setembro de 2007) e “De vendaval a furacão” (Le Monde Diplomatique Brasil no, março de 2008).

[5] Ler Jacques Richard, «Une comptabilité sur mesure pour actionnaires», Le Monde Diplomatique, novembro de 2005.

[6] Simon English, “Apocalypse is nigh, Buffett tells Berkshire faithful”, The Daily Telegraph, 3 de março de 2003.

[7] Ver a este respeito Ibrahim Warde, Propagande impériale et guerre financière contre le terrorisme, Marelha-Paris, Agone-Le Monde Diplomatique, 2007.

[8] Ashley Seager, “Sovereign funds defend themselves against calls for regulation”, The Guardian, 24 de janeiro de 2008.

[9] Ashley Seager, “State investors deny political motivations”, The Guardian, 25 de janeiro de 2008.

[10] Ambrose Evans-Pritchard, “China threatens ’nuclear option’ of dollar sales”, The Daily Telegraph, 10 de agosto de 2007.

[11] Ver “Le sort du dollar se joue à Pékin”, Le Monde Diplomatique, março de 2005.

[12] “Sovereign funds under microscope in Davos, with calls for more transparency louder”, International Herald Tribune, 24 de janeiro de 2008.

[13] Charles R. Morris, The trillion dollar meltdown: easy money, high rollers and the great credit crash, Nova York, Public Affairs, 2008.

[14] “Les investissements des fonds souverains ont fondu en quelques semaines”, Les Echos, 18 de março de 2008.

Resistir Info - Jun 08

Prisões secretas estado-unidenses: 17 Guantanamos flutuantes

por Fausto Della Porta

Clique para ampliar. Não uma, mas sim 17 Guantanamos: com prisioneiros encerrados não em uma ilha mas sim em 17 navios de guerra. A denúncia provém da ONG Reprieve, segundo a qual navios da US Navy seriam utilizados como prisões para deter, interrogar – com métodos próximos da tortura – e deslocar pelo mundo uma parte dos prisioneiros capturados durante a "guerra ao terror". Washington desmentiu imediatamente o relatório.

A utilização de navios prisão teria começado no fim de 2001 (no princípio da campanha contra o Afeganistão dos talibans). O relatório da Reprieve será publicado nos próximos dias mas foi antecipado pelo jornal britânico Guardian.

Nestas últimas semanas já fora questionada a possibilidade de os EUA utilizarem navios de guerra em deslocação para esconder detidos ilegais. Segundo os elementos recolhidos por aquela ONG, pelo menos 200 casos de rendition – transferências ilegais nas prisões secretas deslocalizadas em países onde é possível praticar a tortura – ter-se-iam verificado desde 2006. Contudo, há dois anos, o presidente Georges Bush havia assegurado que tais práticas haviam acabado. Clive Stafford Smith, o responsável jurídico da Reprieve, declarou ao Guardian que os Estados Unidos "escolheram os barcos a fim de manter as suas malfeitorias longe dos olhos dos media e dos advogados das associações humanitárias; mas no fim conseguiremos reunir todos estes detidos fantasmas e fazer valer os seus direitos". "Os Estados Unidos – prossegue Smith – detêm neste momento, conforme a sua própria confissão, 26 mil pessoas nas suas prisões secretas, mas as nossas estimativas são de que pelo menos 80 mil, a partir de 2001, passaram na engrenagem do sistema. Já é tempo de a administração dos EUA mostrar um empenhamento concreto pelo respeito dos direitos humanos". Dentre os numerosos testemunhos recolhidos nos documentos da ONG britânica pode-se ler aquele de um prisioneiro de Guantanamo (onde cerca de 300 muçulmanos permanecem prisioneiros em regime de detenção administrativa, sem acusações formais contra si) que relata a experiência de um dos seus vizinhos de gaiola: "Ele me conta que eram uns cinquenta neste navio, encerrados no fundo do porão, e que eram mais espancados do que em Guantanamo".

O relatório suspeita, além disso, que certos prisioneiros fantasmas hajam transitado por estruturas da base militar de Diego Garcia, no Oceano Índico. Isto coincidiria com o reconhecimento parcial do ministro dos Negócios Estrangeiros de Londres, David Miliband, que em Fevereiro último havia dito que dois aviões estado-unidenses em missão do tipo "rendition" haviam feito escala nesta base. "Passo a passo – comentou Andrew Tyrie, presidente da Comissão parlamentar sobre as missões tortura – a verdade sobre as "renditions" vem à luz: não é senão uma questão de tempo. O governo faria melhor se esclarecesse isso imediatamente.

Um porta-voz da Marinha militar estado-unidense, entretanto, desmentiu as conclusões da Reprieve. "Não há prisões americanas" disse o comandante Jeffrey Gordon ao Guardian. Mas doravante é um facto estabelecido que as missões-tortura estado-unidenses foram consolidadas e são prática comum: bases secretas da CIA – diz o Guardian – operavam na Roménia, Polónia, Tailândia e Afeganistão. "Todas estas bases secretas fazem parte de uma rede global na qual as pessoas são detidas indefinidamente, sem que sejam formalizadas peças de acusação, e são submetidas à tortura – em violação total da Convenção de Genebra e da Carta dos Direitos do Homem da ONU", disse Ben Griffin, ex-membro das forças especiais britânicas. Griffin foi a seguir reduzido ao silêncio pelo ministro da Defesa que obteve, contra si, uma notificação para comparecer a tribunal.

11/Junho/2008
O original encontra-se em il manifesto , 03/Junho/2008
A versão em francês encontra-se em http://www.legrandsoir.info/spip.php?article6779

Resistir Info - Jun 08

Lamento estragar a diversão, mas vem aí uma idade do gelo

por Phil Chapman [*]

O Sol em 7 de Junho de 2008. A foto mais assustadora que já vi na internet está em www.spaceweather.com , onde encontrará uma imagem em tempo real do Sol tomada pelo Solar and Heliospheric Observatory, localizado no espaço profundo no ponto de equilíbrio entre a gravidade solar e terrestre.

O assustador nesta foto é que há apenas uma diminuta mancha solar.

Gráfico do número de manchas solares. Desconcertante como possa ser para os verdadeiros crentes do aquecimento global, a temperatura média sobre a Terra tem permanecido firme ou em declínio lento durante a última década, apesar do contínuo aumento da concentração atmosférica do dióxido de carbono, e agora a temperatura global está a cair precipitadamente.

Todas as quatro agências que rastreiam a temperatura da Terra (o Hadley Climate Research Unit na Grã-Bretanha, o NASA Goddard Institute for Space Studies em Nova York, o grupo Christy na University of Alabama, e Remote Sensing Systems Inc na Califórnia) relatam que ela arrefeceu cerca de 0,8ºC em 2007. Isto constitui a mudança de temperatura mais rápida no registo instrumental e traz-nos de volta ao ponto em que estávamos em 1930. Se a temperatura não recuperar em breve, teremos de concluir que o aquecimento global está ultrapassado.

Também há uma abundância de evidências anedóticas de que 2007 foi excepcionalmente frio. Nevou em Bagdad pela primeira vez em séculos, o Inverno na China foi simplesmente terrível e a extensão do gelo marítimo Antárctico no Inverso Austral foi a maior já registada desde que James Cook descobriu o lugar em 1770. [NR]

Não é possível retirar conclusões acerca de tendências climáticas a partir de eventos num único ano, de modo que eu normalmente ignoraria este golpe de frio como transitório, dependendo do que aconteça nos próximos poucos anos.

É aqui que entra o SOHO . O número de manchas solares segue um ciclo de comprimento um tanto variável, com termo médio de 11 anos. O mínimo mais recente foi em Março do ano passado. O novo ciclo, Nº 24, era suposto começar logo após aqueles, com uma acumulação gradual do número de manchas solares.

Isto não aconteceu. A primeira mancha solar apareceu em Janeiro deste ano e durou apenas dois dias. Um ponto diminuto apareceu segunda-feira passada mais desvaneceu-se em 24 horas. Outro pequeno ponto apareceu nesta segunda-feira. Rezemos para que haja muitos mais, e dentro em breve.

A razão porque isto importa é que há uma estreita correlação entre variações no ciclo de manchas solares e o clima da Terra. O período anterior em que um ciclo foi prolongado tal como este foi no Dalton Minimum, um período especialmente frio que perdurou durante várias décadas a partir de 1790.

Os Invernos no Norte tornaram-se ferozes: em particular, a derrota do Grande Exército de Napoleão durante a retirada de Moscovo em 1812 foi pelo menos parcialmente devida à falta de manchas solares.

O rápido declínio da temperatura em 2007 tenha coincidido com a falha do ciclo Nº 24 em começar no tempo previsto não é prova de uma conexão causal mas é motivo para preocupação.

Já é tempo de por de lado o dogma do aquecimento global, pelo menos para começar o planeamento de contingência do que fazer se estivermos a nos mover para um outra pequena idade do gelo, semelhante àquela que perdurou de 1100 a 1850.

Não há dúvida de que a próxima pequena idade do gelo seria muito pior do que a anterior e muito mais danosa do que qualquer coisa que o aquecimento pudesse fazer. Há muitas pessoas agora e tornámo-nos dependentes de umas poucas áreas de agricultura temperada, especialmente nos EUA e Canadá. O aquecimento global aumentaria a produção agrícola, mas o arrefecimento global irá diminuí-la.

Milhões passarão fome se nada fizermos como preparação para isto (tal como mudanças de planeamento na agricultura a fim de compensar), e outros milhões mais morrerão de doenças relacionadas com o frio.

Há ainda uma outra possibilidade, remota mais muito mais séria. Os núcleos de gelo da Gronelândia e Antárctica e outras evidências mostram que nos últimos vários milhões de anos uma glaciação severa afligiu gravemente o nosso planeta.

A verdade negra é que, sob condições normais, a maior parte da América do Norte e da Europa são cobertas sob cerca de 1,5 km de gelo. Este clima drasticamente frígido é interrompido ocasionalmente por breves aquecimentos interglaciais, que tipicamente perduram menos de 10 mil anos.

O período interglacial que desfrutamos através da história humana registada, chamado Holoceno, começou 11 mil anos atrás, de modo que o gelo está atrasado. Também sabemos que a glaciação pode ocorrer rapidamente: o declínio necessário na temperatura global é cerca de 12ºC e pode acontecer em 20 anos.

A próxima descida numa idade do gelo é inevitável mas pode não acontecer por mais 1000 anos. Por outro lado, deve ser observado que o resfriamento em 2007 foi ainda mais rápido do que em transições glaciais típicas. Se ele continuasse durante 20 anos, a temperatura em 2027 seria 14ºC mais fria.

Nessa altura, a maior dos países avançados teria cessado de existir, desaparecendo sob o gelo, e o resto do mundo seria confrontado com uma catástrofe para além da imaginação.

A Austrália pode escapar à aniquilação total mais certamente seria invadida por milhões de refugiados. Uma vez principiada a glaciação, ela perdurará 1000 séculos, um intervalo de tempo incompreensível.

Se a pequena idade do gelo está a chegar há uma pequena probabilidade de que possamos impedir ou pelo menos atrasar a transição, se estivermos preparados para agir suficientemente cedo e numa escala suficientemente ampla.

Por exemplo: Poderíamos juntar todos os bulldozers do mundo e utilizá-los para sujar a neve no Canadá e na Sibéria na esperança de reduzir a reflexão (reflectance) de modo a absorver mais calor do Sol.

Também podemos libertar enormes fluxos de metano (um gás com efeito estufa poderoso) a partir dos hidratos sob a camada de terra congelada (permafrost) do Árctico e sobre as plataformas continentais, utilizando talvez armas nucleares para desestabilizar os depósitos.

Não podemos saber realmente, mas a minha estimativa é de que as probabilidades sejam de pelo menos 50-50 de que nas próximas décadas veremos resfriamento significativo ao invés de aquecimento.

A probabilidade de que estejamos a testemunhar o início de uma idade do gelo real é muito menor, talvez um em 500, mas não totalmente desprezível.

Todos aqueles que pressionam por acções para reduzir o aquecimento global precisam retirar as viseiras e pensar um pouco no que deveríamos fazer se ao invés disso estivermos a enfrentar o arrefecimento global.

Será difícil para as pessoas enfrentar a verdade quando as suas reputações, carreiras, gratificações do governo ou esperanças de mudança social dependem do aquecimento global, mas o destino da civilização pode estar em causa.

Nas famosas palavras de Oliver Cromwell, "Suplico-lhe, pelas entranhas de Cristo: pense na possibilidade de estar errado".

23/Abril/2008

[NR] A 29/Janeiro/2006 nevou em Lisboa, pela primeira vez em mais de 50 anos. A explicação deste fenómeno encontra-se em Mitos Climáticos , que contesta as "trapalhices anti-científicas" (sic) do projecto SIAM-Portugal (Scenarios, Impacts and Adaptation), do PNAC (Programa Nacional para as Alterações Climáticas), do Protocolo de Quioto, do IA (Instituto do Ambiente), do MA (Ministério do Ambiente) e de outras entidades.

[*] Geofísico e engenheiro astronáutico, vive em San Francisco. Foi o primeiro australiano a tornar-se astronauta da NASA.

O original encontra-se em http://www.theaustralian.news.com.au/story/0,25197,23583376-5013480,00.html

Instituto Humanitas Unisinos - 18/06/08

Metalúrgicos paralisam 10 fábricas em Canoas, RS

Metalúrgicos paralisaram nesta terça-feira (13) dez fábricas em Canoas, na região metropolitana, para pressionar que os empresários melhorem a oferta de reajuste salarial. Os trabalhadores reivindicam um aumento de 12%, mas o sindicato das empresas de Canoas ofereceu apenas 7,4%. Também querem que o piso salarial, hoje em torno dos R$ 500,00, passe para R$ 674. A reportagem é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 18-06-2008.

No entanto, a pauta da negociação deste ano vai além das questões salariais. A saúde do trabalhador, a redução da jornada de trabalho de 44h para 40h e o fim do cerceamento aos sindicatos estão entre as principais reivindicações da categoria. O presidente da Federação dos Metalúrgicos, Milton Viário, explica que se tornou comum as fábricas impedirem a entrada dos sindicatos nos intervalos a fim de organizar e dialogar com os trabalhadores.

“Cada vez vem piorando mais a relação de trabalho entre trabalhadores e empresários. O ambiente de trabalho vem cada vez mais sendo cercado, fechado para manifestação dos trabalhadores. E nós consideramos que a propriedade é privada, mas o local de trabalho é público. Portanto, nós precisamos construir uma relação com os trabalhadores em um processe democrático”, diz.

Em Canoas, cada fábrica ficou paralisada por 40 minutos. Participaram da mobilização os trabalhadores da fábrica de motores MWM, da fábrica de tratores AGCO, que abastece a Massey Ferguson, e a Areva, fabricante de transformadores. Nesta quarta-feira, paralisações devem ocorrer em Passo Fundo e Panambi, no Norte do Estado, e em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo. Na quinta-feira, é a vez das fábricas de Sapiranga e de Caxias do Sul, na Serra.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/06/08

Tucanos impedem investigação sobre Alstom

O PSDB paulista enterrou de vez ontem a possibilidade de o caso Alstom ser investigado na CPI da Eletropaulo, na Assembléia Legislativa de São Paulo. A multinacional francesa é acusada, na França e na Suíça, de pagar propina a servidores e políticos em troca de contratos públicos em estatais de São Paulo durante governos tucanos. A reportagem é de Soraya Aggege e publicada pelo jornal O Globo, 18-06-2008.

Ontem, o PSDB barrou as tentativas da bancada petista de convocação de supostos envolvidos, de documentos e de diligências.

Os deputados tucanos conseguiram também blindar o ex-secretário de Energia David Zylbersztajn. Ele depôs ontem por mais de duas horas à CPI da Eletropaulo, mas pouco falou sobre os contratos das estatais de energia com a Alstom.

— O secretário de Energia não assina contratos. Isso fica no âmbito das próprias empresas estatais. Só soube do caso Alstom pelos jornais — disse Zylbersztajn, quando o deputado petista Enio Tatto conduziu o depoimento para o tema, sob protestos dos tucanos, que têm maioria na Assembléia Legislativa paulista.

Petista chama relator de pára-choque do governo O relator da CPI da Eletropaulo, João Caramez (PSDB), frisou que o objetivo da comissão é apenas o processo de privatização da Eletropaulo e não os contratos assinados pela estatal com a multinacional suspeita. Para os tucanos, o caso Alstom deve continuar sendo investigado apenas pelo Ministério Público e pelas autoridades estrangeiras.

— É obvio que a gente sabe que vossa excelência é um párachoque do governo — reclamou Tatto.

— No PT é diferente porque as coisas acontecem de cima para baixo, partindo sempre da Casa Civil — retrucou Caramez, que deve apresentar o relatório da CPI em duas semanas, sem menção aos contratos da Eletropaulo com as empresas do grupo Alstom.

O presidente da CPI, Antônio Mentor (PT), também tentou em vão aprofundar o interrogatório e aprovar os requerimentos para ampliar as investigações.

No final, após cansativo bate-boca, reclamou que a comissão não cumprirá seus objetivos:

— A CPI não cumpriu sua obrigação constitucional que é de investigar. Lamentavelmente, a base do governo ou derruba pelo quórum, como aconteceu na semana passada, ou vota contrariamente a todos os requerimentos, alegando falta de tempo.

A jornalistas, Zylbersztajn disse que sua convocação foi feita no ano passado, sobre a privatização da Eletropaulo:

— Por respeito à Assembléia, não me furtei a responder a outras questões, até porque se referiam a períodos em que eu não estava mais vinculado ao governo de São Paulo.